Resumo
O objetivo desta pesquisa foi identificar a perspectiva de adolescentes sobre acolhimento, bem como planejar e implementar estratégias de acolhimento no contexto escolar junto a adolescentes. Realizou-se uma pesquisa de abordagem participativa com 22 adolescentes, matriculados no sexto, sétimo e oitavo anos do segundo ciclo do ensino fundamental de uma escola estadual do interior do estado de São Paulo. Para a produção e análise de dados participativos, foram adotados métodos criativos tais como: produção de fotos e vídeos, colagens e dinâmicas grupais. Os resultados indicaram que o acolhimento se relaciona à possibilidade de vivenciar relações positivas, a sentir-se respeitado e realizar atividades prazerosas em ambientes apropriados na escola. O estudo revela elementos que podem contribuir com ações mais efetivas de promoção à saúde mental na escola.
Palavras-chave
Saúde Mental; Adolescência; Acolhimento; Metodologias criativas
Abstract
The aim of this research was to identify adolescents’ perspectives on welcoming (acolhimento), as well as to plan and implement welcoming strategies within the school context alongside adolescents. A participatory research approach was conducted with 22 adolescents enrolled in the sixth, seventh, and eighth grades of the second stage of elementary education at a state school in the interior of São Paulo, Brazil. To produce and analyze participatory data, creative methods were adopted, such as the production of photos and videos, collages, and group dynamics. The results indicated that welcoming is related to the possibility of experiencing positive relationships, feeling respected, and engaging in enjoyable activities in appropriate spaces within the school. The study highlights elements that may contribute to more effective mental health promotion actions in schools.
Keywords
Mental Health; Adolescence; Welcoming; Creative Methodologies
Resumen
El objetivo de esta investigación fue identificar la perspectiva de los adolescentes sobre la recepción, así como planificar e implementar estrategias de acogida en el contexto escolar junto con los adolescentes. Se llevó a cabo una investigación con enfoque participativo con 22 adolescentes matriculados en sexto, séptimo y octavo grado del segundo ciclo de la educación primaria en una escuela estatal del interior del estado de São Paulo, Brasil. Para la producción y el análisis de datos participativos, se adoptaron métodos creativos como la producción de fotos y videos, collages y dinámicas grupales. Los resultados indicaron que la acogida está relacionada con la posibilidad de experimentar relaciones positivas, sentirse respetado y realizar actividades placenteras en entornos adecuados dentro de la escuela. El estudio revela elementos que pueden contribuir a acciones más efectivas de promoción de la salud mental en el ámbito escolar.
Palabras clave
Salud Mental; Adolescencia; Recepción; Metodologías creativa
Introdução
O processo do adolescer é compreendido através de uma complexa rede de interações entre as transformações físicas e psicológicas das pessoas adolescentes e as expectativas sociais a elas dirigidas dentro de um determinado contexto e tempo histórico. Assim, configura um cenário que impossibilita considerar a adolescência no singular, pois são muitas as formas possíveis de vivenciar este período da vida (Ozella & Aguiar, 2008; Moreira et al., 2011; Masson, 2020; Gasparini, 2022).
Além disso, parte-se da ideia de que o adolescer não é apenas uma fase de transição para a idade adulta, pois essa compreensão limita as possibilidades de existência no presente e, consequentemente, nega o direito de ser cidadão e agente de transformação, enquanto pessoa de direitos e de subjetividade (Gasparini, 2022; Rossi et al., 2019; Speranza, 2021; Surjus, 2019).
Estudos que se debruçam sobre a saúde mental de adolescentes têm indicado desafios. Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2022, pp. 14 e 44) destaca o suicídio como uma das principais causas de morte entre adolescentes e estima-se que 14% dos adolescentes no mundo, com idades entre 10 e 19 anos, apresentam algum transtorno mental.
No contexto brasileiro, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) de 2019, que analisou 125.123 escolares entre 13 e 17 anos, de escolas públicas e privadas das grandes regiões brasileiras, aponta que 17,7% dos adolescentes fizeram uma autoavaliação negativa de sua saúde mental, com base em aspectos como preocupação, tristeza, irritação, nervosismo, sentir que ninguém se preocupa e que não vale a pena viver a vida (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2021). Descobertas recentes demonstram que a Covid-19 também teve impacto negativo na saúde mental dos jovens, aumentando casos de depressão e ansiedade (Nearchou et al., 2020).
Nesse cenário, a promoção da saúde mental torna-se estratégia fundamental, ainda que seja necessário ter cautela ao analisar os estudos sobre a temática, já que as produções científicas nesse campo podem partir de perspectivas focadas apenas em diagnósticos psiquiátricos, desconsiderando a complexidade que compõe a pluralidade das adolescências (Gasparini, 2022; Rossi et al., 2019).
As escolas são cada vez mais consideradas um ambiente fundamental para a promoção de saúde, bem-estar e desenvolvimento de adolescentes (Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS], 2022). Cid e Gasparini (2016), em um estudo de revisão sobre ações de promoção da saúde mental infantojuvenil no contexto escolar, demonstram que as ações descritas nos artigos revisados não levam em conta o contexto e as demandas dos sujeitos em seus planejamentos, além de serem desarticuladas de outros dispositivos de atenção à saúde.
Para evitar a vulnerabilidade socioeconômica e o aumento da evasão escolar, as políticas educacionais brasileiras têm buscado alternativas que ampliem a permanência dos alunos nas escolas regulares e fortaleçam o direito à educação pública de qualidade. No Estado de São Paulo, esse movimento levou à implementação do Programa de Ensino Integral, estabelecido pelas leis complementares nº 1.164 e nº 1.191, ambas de 2012, que inicialmente contemplava algumas escolas e tem sido progressivamente expandido (Avelino, 2019; Governo do Estado de São Paulo [GESP], 2022).
O Programa de Ensino Integral, regulamentado pelo Decreto n. 66.799, de 2022, tem como objetivo a formação de indivíduos autônomos, solidários e competentes, promovendo o desenvolvimento de habilidades para a realização pessoal e a preparação para o exercício da cidadania (GESP, 2022). Um dos princípios fundamentais é o Protagonismo Juvenil, que busca estimular os estudantes a assumirem um papel ativo na construção de seus percursos formativos, articulando suas experiências escolares com o desenvolvimento de um Projeto de Vida. Para isso, o Programa prevê disciplinas eletivas voltadas à ampliação do repertório cultural dos alunos e à experimentação de diferentes campos de interesse (GESP, 2013)
Um dos principais dispositivos para fomentar o Protagonismo Juvenil é o chamado Acolhimento, conforme descrito no documento “Diretrizes do Programa de Ensino Integral”, da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (2013). Trata-se de um conjunto de atividades promovidas por estudantes veteranos para recepcionar e integrar novos alunos, favorecendo seu pertencimento à comunidade escolar e estimulando práticas de convivência mais democráticas no cotidiano da escola. Esse processo visa criar um ambiente de acolhida, no qual os estudantes se reconhecem como parte ativa da escola (GESP, 2013).
Mas qual é a perspectiva dos adolescentes sobre o acolhimento ou sobre sentir-se acolhido? No levantamento da literatura para este estudo, percebeu-se que pesquisas que se proponham a ouvir os adolescentes e considerar suas opiniões e ideias sobre acolhimento são praticamente inexistentes, especialmente no que se refere ao contexto escolar. No campo da saúde, um estudo realizado por Marques e Queiroz (2012) analisou o cuidado ao adolescente na atenção básica por meio de grupos focais com estudantes de uma escola pública de Fortaleza – CE. Os adolescentes revelaram que o acolhimento não ocorre nesses serviços, pois existe um sentimento de desvalorização e descontentamento por parte dos usuários, devido ao descuido e falta de preparo dos profissionais para com essa população (Marques & Queiroz, 2012).
Percebe-se, então, a necessidade de ampliar o conceito de acolhimento junto às adolescências, bem como construir estratégias junto aos próprios adolescentes, notadamente considerando o contexto escolar, que é um dos principais cenários de circulação e vivência dessa população. A presente pesquisa visa contribuir nesse sentido, à medida em que visa explorar a perspectiva de adolescentes sobre acolhimento, envolvendo a participação destas pessoas no processo de produção de conhecimento sobre um tema que lhes diz respeito. Acredita-se que desse processo emerjam pistas que ampliem a discussão e subsidiem o planejamento e a implementação de estratégias de promoção da saúde mental de adolescentes no ambiente escolar.
Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar as perspectivas de adolescentes sobre acolhimento, bem como planejar e implementar estratégias de acolhimento no contexto escolar junto a adolescentes.
Percurso metodológico
Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, de abordagem participativa, a qual desenvolveu-se por meio da construção colaborativa do conhecimento “com” os participantes, não “sobre” eles, priorizando processos dialógicos, contextualizados e de transformação social (Brandão, 2006). Diferentemente de abordagens tradicionais, esse tipo de pesquisa não se estrutura a partir de um percurso fechado, mas se constrói em interação com os sujeitos envolvidos, sendo guiada por suas reflexões, interesses e experiências. Por isso, busca-se ampliar a pesquisa acadêmica enquanto uma prática comprometida com processos de transformação social, conectando saberes acadêmicos às realidades dos participantes. Os sujeitos não apenas compartilham as informações, mas também influenciam os rumos da investigação, participando ativamente da construção dos sentidos e dos caminhos metodológicos (Parrilla-Lattas et al., 2016; Brandão, 2006).
Ao longo do estudo, foram adotados métodos criativos como estratégia para potencializar a participação dos adolescentes. A partir das indicações na literatura sobre a necessidade de se ampliar as possibilidades de expressão de adolescentes, considera-se que o uso de dispositivos visuais e criativos, como fotos, produções cinematográficas, desenhos, dinâmicas, cartazes entre outros, pode facilitar a comunicação das perspectivas e vivências dos participantes (Gasparini, 2022; Liebenberg, 2009; Mannay, 2017; Parrilla-Lattas et al., 2016).
O estudo foi realizado no contexto de projetos de pesquisa1 e extensão2 universitária maiores, que envolviam a temática da promoção da saúde mental de adolescentes em uma escola pública de segundo ciclo do ensino fundamental e ensino médio, localizada em um bairro periférico de uma cidade de médio porte do interior paulista. A escolha se deu por conveniência, consideradas as atividades que já eram realizadas e a inserção das pesquisadoras no contexto, estando a instituição aberta e interessada em contribuir com o desenvolvimento do estudo.
Na interlocução para o desenvolvimento dessas ações, a equipe gestora da escola apontou o grupo de alunos acolhedores (aqueles que faziam parte do grupo que participava das atividades de acolhimento na escola). Dessa forma, as pesquisadoras da universidade se aproximaram desse grupo de estudantes e os convidaram a participar do estudo. Os estudantes que aceitaram e seus responsáveis assinaram o Termo de Assentimento e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respectivamente. Assim, formou-se o grupo de trabalho para a pesquisa participativa, composto por três pesquisadoras e 22 adolescentes acolhedores, com idades entre 11 e 13 anos, sendo 15 do gênero feminino e 7 do gênero masculino. Dos participantes, 14 dos estudantes estavam matriculados no sexto ano, sete no sétimo ano e apenas um estudante do oitavo ano.
Vale observar que foram adotados os seguintes critérios de inclusão para a participação no estudo: ser adolescente de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde, ou seja, possuir entre 10 e 19 anos de idade; estar regularmente matriculado/a na escola em que o projeto se desenvolvia; ser aluno/a acolhedor de acordo com a função pedagógica da atividade Acolhimento estabelecida pelo Programa de Ensino Integral; e ter assinado o Termo de Assentimento, e seus responsáveis, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como critérios de exclusão, consideraram-se aqueles adolescentes que, mesmo ocupando a função de aluno acolhedor e mesmo com a indicação da equipe escolar, não quiseram participar dos processos desta investigação.
Para o registro das informações e das construções coletivas, a equipe de pesquisa utilizou um diário de campo (Medrado, Spink, & Méllo, 2014), além de registros fotográficos, de vídeo e de áudio para auxiliar na descrição do processo.
Procedimentos
Destaca-se que o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos de uma universidade pública, expresso pelo CAAE: 63436222.7.0000.5504, Parecer: 5.923.639. Os encontros com o grupo de estudantes para a realização desta pesquisa ocorreram no período de março a dezembro de 2023, nos espaços disponibilizados pela escola, como o refeitório, o pátio e a quadra. O tempo médio de duração dos encontros era de 40 a 60 minutos, com periodicidade quinzenal.
Observa-se que atividades de promoção da saúde mental já aconteciam em período anterior ao desenvolvimento do estudo (desde 2021), por meio do projeto de extensão mencionado, o qual visa desenvolver, de forma participativa, ações de promoção da saúde mental de adolescentes no contexto escolar. Do processo dessas ações prévias, emergiu como demanda a ser trabalhada a temática do acolhimento, a qual foi explorada, na presente pesquisa participativa, por meio de estratégias de comunicação verbal e não verbal, com atividades que eram familiares, pertinentes e, inclusive, propostas pelos adolescentes. Essas envolveram a expressão artística e/ou representações gráficas, como, por exemplo: uso de fotos, de produção de vídeo, músicas, cartazes, colagens, dinâmicas grupais, entre outras, dependentes da decisão coletiva do grupo de acolhedores, que indicaram a forma mais pertinente de serem utilizadas. O processo foi documentado por meio da realização de fotografias e gravações, possibilitadas pelos aparelhos celulares das pesquisadoras e por uma câmera fotográfica financiada pelo projeto de extensão vinculado.
Considerando a natureza participativa do estudo, ou seja, construída em processo de ação, reflexão, ação e reavaliação, de modo não necessariamente linear e com a participação de todos os envolvidos (Parrilla et al., 2016), a produção e a análise dos dados ocorreu através de quatro etapas, que estão descritas de forma sintética no Quadro 1, com a participação conjunta de 3 pesquisadoras da universidade e dos 22 adolescentes acolhedores.
Importa ainda ressaltar que o presente estudo, também por sua natureza participativa, reflete “...as subjetividades provenientes das relações e vínculos entre pesquisadores e estudantes, que resultaram em moldar e emoldurar todo o caminho percorrido para produção dos dados” (Martins, 2020, p. 50). Nesse processo, a análise dos dados ocorreu de forma processual e coletiva, enquanto parte do processo que foi construído ao longo dos encontros. As reflexões e interpretações dos participantes foram incorporadas continuamente, possibilitando uma compreensão progressiva dos dados. Esse movimento dialógico permitiu que os significados emergissem a partir da interação e reflexão conjunta e das próprias atividades realizadas coletivamente (Martins et al., 2022).
Resultados
Os resultados da pesquisa participativa com os adolescentes deste estudo emergiram do processo vivenciado com eles a partir dos encontros e fazeres conjuntos, que foram sendo conduzidos por todo o grupo participante em uma dinâmica constante de diálogo, troca, problematização, ação, reflexão e avaliação, sustentada por uma relação respeitosa, democrática e horizontal entre as pesquisadoras ligadas à universidade e os estudantes adolescentes de uma escola pública, cujo foco maior foi reconhecer, visibilizar e validar a produção dos adolescentes sobre a temática do acolhimento (Brandão, 2006; Parrilla-Lattas et al., 2016).
Organizar este processo a partir da sistemática da pesquisa qualitativa tradicional que rege a produção acadêmica hegemônica é um desafio, pois a lógica é outra e exige abertura para o novo que se constrói “com” os principais envolvidos e interessados na realidade a qual se interessa explorar; realidade esta que, por sua vez, está circunscrita a um contexto institucional e geopolítico singular (Brandão, 2006).
Dessa forma, os resultados produzidos serão apresentados a partir do processo vivenciado no coletivo de forma a organizar em categorias a construção realizada conjuntamente, sem, entretanto, enquadrá-la de modo a limitar e ocultar sua complexidade e riqueza. Para ilustrar o processo e os resultados produzidos, serão apresentados trechos de frases colocadas em cartazes e falas proferidas ao longo das atividades vivenciadas, as quais não serão identificadas em razão de a dinâmica ser absolutamente coletiva e interativa, de forma que os registros feitos (transcrições de áudios e vídeos) não viabilizaram a identificação de quem as falou.
Como já colocado acima, foram realizados 12 encontros com os adolescentes acolhedores, contemplando as etapas descritas no Quadro 1.
A primeira etapa — Levantamento de perspectivas e Planejamento —foi constituída por três encontros, nos quais foram levantados dados relativos às compreensões dos adolescentes participantes a respeito do acolhimento, e planejados os caminhos que o grupo gostaria de seguir a partir de então. Como parte desse processo, foram realizadas pelo grupo atividades como a confecção de um cartaz sobre “sentir-se acolhido”. Ali, por meio da identificação de músicas, relações, e fazeres da vida dos participantes, o grupo expressou os elementos que representavam para ele acolhimento ou o processo de sentir-se acolhidos. Isso permitiu a organização coletiva do grupo a respeito de como eles compreendiam e vivenciavam este conceito.
Observou-se que o acolhimento se relacionava a sentir-se importante e validado pelo outro, para poder desabafar, ser escutado e respeitado, para assim, sentir-se amado e pertencente. Seguem algumas frases do cartaz que ilustram essa compreensão: “Se sentir acolhido é ser escutado e amado”; “Pra mim ser acolhido é quando não estou sendo excluído e sim quando eu sou lembrado”; “Ser acolhido é quando a pessoa te dá ouvido, saber conversar, ajudar a pessoa, é saber se colocar no lugar do outro, não criticar”.
Os estudantes também abordaram a relação com os amigos: alguns criaram listas com nome dos amigos mais próximos; outros abordaram esta relação para expressar o que é acolhimento: “Me sinto acolhida com meus amigos”; “Como é bom ter amigos que se importam com você”. Ainda outros abordaram a relação com a família: “Quando estou com a minha família”; “Quando estou com meu irmão, minha família”.
Os acolhedores também utilizaram músicas para expressar o processo de sentir-se acolhidos. Alguns colocaram trechos de letras representativas; outros disseram que se sentiam acolhidos quando podiam ouvir uma música de que gostavam. Nessa seara, eles também falaram sobre o esporte, principalmente o futebol e o vôlei, para expressar o sentimento de ser acolhido: “me sinto acolhido quando tô jogando, minha paz, mesmo quando eu jogo mal”; “me sinto acolhido quando vão formar um time e aí me escolhem pro time”; “quando o Corinthians vence”.
Para além do que o grupo de acolhedores compreendia sobre acolhimento e sobre sentir-se acolhidos, eles quiseram ouvir outras pessoas da escola, ou seja, identificar a percepção dessas pessoas sobre o conceito. Para isso, o grupo de pesquisa pensou na estratégia de produzir coletivamente três cartazes, que foram colocados no pátio, refeitório e quadra, no horário do intervalo da escola. Os acolhedores convidaram os outros estudantes e pessoas da equipe escolar para que pudessem contribuir com os cartazes.
Os conteúdos obtidos se aproximavam do que já havia sido produzido pelos alunos acolhedores, ou seja, os relacionamentos com amigos e familiares eram indicados novamente na questão de se sentir acolhido, bem como sentir-se confortável para se expressar, sentir-se respeitado e poder realizar atividades de que gostam, como esportes.
Dando continuidade à exploração da temática e ao levantamento das perspectivas sobre acolhimento, o grupo de pesquisa quis realizar outras atividades que permitissem ampliar a reflexão sobre a temática. Uma delas consistia na confecção de uma caixa com mensagens sobre acolhimento ou frases acolhedoras. Seguem alguns exemplos de frases escritas pelos participantes: “acolher é demonstrar carinho ao outro”; “quando não se sentir bem, procure algo que te faça bem”. acredite nos seus sonhos, você pode realizá-los”; “você nunca estará sozinho”; “nunca desista, mesmo se a vida te encher de dor”; “não coloque limites nos seus sonhos, coloque fé”; “ser melhor que os outros não significa que você vai ter mais amigos”; “se ame e não ligue para que os outros falam”; “seja você mesmo, não o que os outros pedem”.
Uma outra atividade realizada pelo grupo se referia a um “varal”, no qual as pessoas do grupo escreviam o que pensavam que poderia tornar a escola um lugar mais acolhedor. As frases escritas pelos estudantes tiveram como tema central o respeito, como pode ser observado a seguir: “respeitar os colegas e os que têm dificuldade”; “ter mais respeito, empatia e harmonia”; “não julgar pelo cabelo e pela cor”; “menos brincadeiras sem graça e mais respeito e união”; “muito mais respeito com os professores”. Mas também apareceram sugestões estruturais e da dinâmica escolar, como: “ter mais atividades no recreio”; “aumentar as brincadeiras”; “colocar música no recreio”.
A partir das atividades que o grupo produziu, foi possível observar que, para os adolescentes desta pesquisa, fomentar relações respeitosas, sem preconceito, entre pares e entre todos que frequentam a escola, bem como tornar a escola um lugar mais atrativo, com atividades prazerosas, se relaciona com o acolhimento.
Na segunda etapa — de Análise —, os adolescentes foram convidados a analisar o que produziram coletivamente nos encontros anteriores. Para isso, foi confeccionada uma linha do tempo. As pesquisadoras da universidade disponibilizaram registros fotográficos, breves resumos e datas dos encontros para que o grupo pudesse fazer relações e analisar cada atividade. Desse processo, os adolescentes sintetizaram o que haviam produzido, reafirmando suas compreensões sobre acolhimento e sentir-se acolhidos, ampliando a reflexão para a expressão de ideias sobre como tornar a escola um ambiente mais acolhedor para os estudantes.
Os adolescentes também discutiram a necessidade de mais brincadeiras no contexto escolar, inclusive nos encontros com a equipe de pesquisa. Apontaram o desejo de terem mais experiências de acolhimento, para que pudessem pensar em como ampliar essa experiência para toda a escola.
Neste caminho de vivenciar o acolhimento, foram realizados mais dois encontros com práticas livres, voltadas para brincadeiras e os jogos coletivos (escolhidos por todo o grupo), para continuar proporcionando vivências e expressões sobre o acolhimento. Os adolescentes indicaram que “o brincar tem a ver com acolhimento porque é uma oportunidade de compartilhar e ensinar o outro a brincar” também apontaram que “não é fácil brincar na escola, porque os adultos não deixam correr e realizar atividades mais ‘animadas’, com medo de que alguém possa se machucar”. Relacionaram que brincar, se divertir e estar junto são benéficos para todo mundo que está envolvido nesse processo.
Em outro encontro, com o intuito de fomentar um novo processo de análise junto aos adolescentes, as pesquisadoras da universidade organizaram e apresentaram os registros audiovisuais que foram realizados das vivências de acolhimento nos encontros anteriores. Os adolescentes reafirmaram suas compreensões, o que desencadeou o levantamento de propostas para oferecer um dia de acolhimento a toda a comunidade escolar. As ideias que surgiram foram: realizar um dia de brincadeiras na escola; realizar um cine-debate (convidar as pessoas a assistirem aos vídeos gravados nos encontros, e depois debaterem sobre os espaços de divertimento na escola); e realizar uma exposição com as fotos produzidas no decorrer de todo o processo de trabalho do grupo de pesquisa.
O dia de brincadeira na escola foi eleito como a estratégia favorita do grupo, que discutiu e aprofundou a ideia, de forma que a equipe de pesquisadoras da universidade ficou responsável por articular a realização desse momento com a coordenação da escola.
A terceira etapa — Execução do Trabalho — tinha o objetivo de planejar e organizar o dia de brincadeiras na escola. Para além de proporcionar diversão, o grupo objetivava também expor e compartilhar o que havia produzido ao longo do tempo sobre acolhimento. Foram, então, realizados três encontros para a construção e planejamento da proposta, com o intuito de vivenciar e analisar se ela seria efetiva.
Os adolescentes sugeriram apresentar suas criações no Dia da Culminância. De acordo com o Programa Ensino Integral (PEI), cada Atividade Eletiva deve ter uma culminância ao final do semestre, que consiste em um produto que possa ser compartilhado com a comunidade escolar. Concomitantemente, há a Culminância do Acolhimento, durante a qual os jovens convidam a comunidade para ver os produtos das atividades desenvolvidas (Governo do Estado de São Paulo, 2013). Em contato com a gestão escolar, foi disponibilizado um dia para que o grupo de trabalho compartilhasse com toda a escola o que havia construído nesse momento já previsto do contexto escolar.
Dessa forma, por meio dos encontros, foram planejadas quatro atividades: 1) Exposição das fotos registradas ao longo de todos os encontros feitos pelo grupo; 2) Cartaz/tapete que apresentava os conceitos de acolhimento construídos no processo, 3) Varal para que as pessoas pudessem escrever o que poderia tornar a escola um lugar mais acolhedor; 4) Brincadeira/enigma — criada pelo grupo, que tinha o objetivo de convidar as pessoas para descobrirem uma frase secreta. Elas seriam separadas em 3 equipes, cada uma resolvendo um enigma, descobrindo cada palavra para a frase secreta — “o acolhimento transforma a escola”.
Na quarta etapa — Difusão do Trabalho —, foi realizado o “Dia da Culminância”, conforme planejado. A escola foi dividida em duas turmas, uma com os alunos do ensino fundamental e outra com os do ensino médio e, como dito nos planejamentos anteriores, a estrutura do evento foi dividida em quatro estações: exposição fotográfica; cartaz/tapete; varal interativo; e desafio da frase secreta. O grupo de pesquisa se dividiu entre as estações e na função de registro, fazendo fotos, vídeos e entrevistas com os alunos que vinham participar das atividades.
Vale observar que o varal interativo surgiu como uma conclusão da temática do acolhimento, resultante do diálogo entre os participantes. Nesse processo, eles refletiram sobre as discussões realizadas nos encontros e as compararam com as percepções trazidas pela comunidade escolar. Como disparadores, duas perguntas foram utilizadas: “o que é se sentir acolhido?” e “como tornar a escola um espaço acolhedor?”. Os acolhedores convidaram os demais estudantes a escreverem em pedaços de papel e pendurarem no varal suas respostas. Essas respostas reforçaram o que foi construído ao longo de todo o processo, já que as frases apontavam o acolhimento como a possibilidade de sentir-se amado, cuidado, considerado e ouvido; sentir-se à vontade com quem e onde você está; a possibilidade de poder conversar, desabafar, abraçar e ser feliz.
Para que a escola se torne um espaço mais acolhedor, as frases elaboradas pelos estudantes indicaram que a estrutura precisa ser mais convidativa, o ambiente mais confortável, com espaços de escuta e validação promovendo a inclusão, respeito e segurança, com atividades significativas, prazerosas e divertidas para que se sintam pertencentes e confortáveis.
Discussão
A partir dos resultados deste estudo, foi possível produzir conceitos e desenvolver estratégias sobre acolhimento junto com os adolescentes no contexto escolar. De acordo com a construção coletiva do grupo de trabalho, o acolhimento está implicado, num primeiro momento, na relação com o outro: sentir-se importante, incluído e validado por ele. Através da empatia e do respeito, promove-se um diálogo de trocas de saberes, experiências e subjetividades, em um ambiente confortável e seguro, possibilitando a escuta e a externalização dos sentimentos. Dessa forma, a pessoa se sente amada, cuidada, pertencente e, enfim, acolhida. Na construção coletiva com os adolescentes, eles indicaram esse “outro” como os amigos, colegas da escola e familiares.
As relações interpessoais, portanto, desempenham um papel essencial em promover e facilitar o acolhimento. Os adolescentes destacaram a importância dos laços de amizade e do suporte familiar como formas de apoio em momentos de sofrimento, especialmente para os adolescentes que indicam suporte significativo em suas amizades e na família. Tais resultados dialogam com produções já presentes na literatura que ressaltam o papel das redes de apoio social De acordo com Hayakawa et al. (2010), a rede social de apoio é a soma de todas as relações que um indivíduo considera significativas, diferenciando-se da massa anônima da sociedade. A oferta de apoio, que emerge dessa rede, também pode se tornar um espaço de diálogo para a troca de informações importantes e para a partilha de conhecimentos adquiridos pela experiência vivida. O compartilhamento dessas experiências é uma ferramenta no enfrentamento de situações de sofrimento psíquico, por meio do apoio mútuo, consolidando vínculos de afeto e amizade, o que é crucial para atravessar períodos desafiadores (Molina et al., 2014).
A necessidade de ter relacionamentos interpessoais que sejam positivos e significativos pode ser compreendida dentro do conceito de sentimento de pertença. Um estudo de revisão de escopo mapeou e analisou a relação entre os conceitos de saúde mental e sentimento de pertença de adolescentes. Os achados indicaram que o fenômeno é construído a partir das relações que são capazes de produzir apoio social e emocional, aceitação e valorização, criando, assim, um sentimento de conexão, acolhimento e inclusão entre os adolescentes. Além disso, foi identificado que os sentimentos de pertença à família, ao grupo de amigos e à escola são fatores de proteção da saúde mental de adolescentes, bem como dos processos de violência escolar e uso problemático de álcool e outras drogas. Especificamente, o sentimento de pertença no ambiente escolar pode ser promovido por relações mais democráticas, por um clima de respeito e tolerância, que fomentam relacionamentos de confiança entre alunos e equipe escolar. Esses elementos atuam como barreiras protetoras contra situações de violência, como o bullying e o cyberbullying, por exemplo (Speranza et al., 2023).
As autoras do estudo também destacam que, dos 30 estudos analisados, metade explorou o sentimento de pertença na escola, o que evidencia o quanto esse contexto tem importância no pertencimento de adolescentes. Por isso, é necessário construir, nesse espaço, ambientes que permitam a produção de vida, de participação e de acolhimento (Speranza et al., 2023; Brasil, 2014).
Para ampliar a reflexão sobre a expansão de espaços de acolhimento, observa-se na literatura como esse conceito tem sido discutido e desenvolvido no campo da saúde. Como exemplo, tem-se o estudo de Romanini et al. (2017), que, por meio de uma pesquisa participativa no contexto da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em Porto Alegre — RS, teve como objetivo analisar e questionar os significados das práticas de acolhimento, segundo os profissionais e usuários dos serviços. A partir dos resultados, o estudo categoriza o acolhimento em duas formas distintas. A primeira é vista como uma ação ou atividade que ocorre durante a recepção e triagem, ou como uma ação técnico-especializada. A segunda forma de acolhimento é entendida como um produto que amplia o acesso da população aos serviços, reorganiza os processos de trabalho, representa uma postura ou tecnologia do cuidado, e promove o encontro de diferentes saberes. Mesmo caracterizando o acolhimento como um dispositivo do trabalho em saúde, os autores destacam que ele se dá no encontro entre usuários e profissionais. Pode-se verificar, novamente, a implicação do outro no processo de acolhimento, questão que vai ao encontro dos resultados produzidos com os adolescentes neste estudo (Romanini et al., 2017).
Neste caminho, as produções do grupo de trabalho na presente pesquisa contribuem para a discussão e o desenvolvimento do conceito de acolhimento no contexto escolar, extrapolando e ampliando as discussões que já têm sido realizadas no contexto da saúde. O acolhimento tem sido indicado como uma atividade pedagógica e uma ação preconizada nas diretrizes do Programa de Ensino Integral do Governo do Estado de São Paulo, que o apresenta através de atividades de recepção dos alunos e como a primeira atividade pedagógica do ano letivo, com o principal objetivo de promover o pertencimento dos alunos para com a escola (GESP, 2013).
Entretanto, “acolher é mais do que um ato — é uma atitude” (Yasui, 2010, p. 139). Tanto os usuários do serviço quanto os adolescentes desta pesquisa revelam que o acolhimento não se resume a uma única ação ou gesto, mas envolve uma disposição contínua e consistente de empatia, afeto e espaços de diálogo. Para isso aconteça, eles (estudantes e usuários) indicam que para acolher é necessário ser e estar se sentindo acolhido. Esse cuidado é fundamental, pois o acolhimento é um espaço de trocas, através do qual os sujeitos se afetam e são afetados (Romanini et al., 2017). Ou seja, no caso deste estudo, os adolescentes indicaram que um aluno acolhedor não consegue demonstrar acolhimento para com os novos estudantes se ele mesmo não se sentir acolhido em sua escola.
Os adolescentes também elaboraram o conceito de acolhimento a partir das implicações do contexto escolar, refletindo sobre as possibilidades de torná-la um ambiente acolhedor. Para isso, eles destacaram a importância de uma estrutura mais convidativa, um ambiente escolar mais confortável e com menos preconceito. Também enfatizaram a necessidade de mais atividades significativas, como ouvir músicas no momento do intervalo, ter mais momentos de brincadeira e praticar esportes. Essas características promovem maior participação e sentimento de pertencimento dos estudantes, contribuindo para a socialização e a qualidade de vida.
Sobre a questão do ambiente, pode-se considerar o conceito de Ambiência, de acordo com a Política Nacional de Humanização (PNH), que indica que ela vai além do ambiente físico e estrutural, incluindo também o contexto social e as relações interpessoais. O objetivo da PNH é desenvolver um espaço que seja acolhedor, que fomente a liberdade, a autonomia e a participação das pessoas, promovendo a produção de subjetividade (Willrich et al., 2013). Sobre como tornar o contexto mais acolhedor, os adolescentes da presente pesquisa destacaram a realização de atividades significativas, prazerosas entre a comunidade escolar, como uma oportunidade de compartilhar e estar com o outro.
Pode-se considerar que realizar atividades tem o intuito não apenas de gerar produtos. Envolve a formação de uma relação com o próprio processo de produção delas. Essas relações e interações estabelecidas e construídas durante o processo de execução das atividades são o que as tornam significativas (Benetton & Marcolino, 2013). As atividades humanas podem promover o diálogo e a troca de saberes entre os sujeitos, a vida cotidiana e as produções culturais, sendo compreendidas como territórios de existência e produção de vida, intrínsecos e singulares às pessoas. É um elemento fundamental da inserção de indivíduos ou grupos em seus espaços cotidianos (Cardinalli & Silva, 2021). As atividades de lazer, brincar e praticar esportes produzem bem-estar, prazer, socialização e autoestima, bem como, possibilitam aos adolescentes o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento de situações desafiadoras. Elas podem, ainda, ser consideradas como fatores protetivos, de produção de bem-estar e saúde (Martins et al., 2022).
O estudo de Fabi et al. (2025), que teve como objetivo compreender e analisar elementos relacionados à temática da saúde mental na adolescência junto a adolescentes estudantes de uma escola pública a partir da estratégia do cine-debate verificou que os adolescentes participantes indicaram dificuldade em se sentirem acolhidos e escutados no contexto escolar. Eles demandaram o desenvolvimento de práticas que garantissem espaços e estrutura física mais acolhedora, através de vivências de acolhimento, para que os adolescentes pudessem expressar suas percepções através de atividades significativas.
Na pesquisa aqui relatada, a necessidade de vivenciar o acolhimento foi evidenciada durante os encontros do grupo de trabalho, nos quais os adolescentes tiveram a liberdade de escolher brincadeiras e jogos coletivos. Os estudantes relacionaram o brincar a um espaço de compartilhamento de experiências, e por isso, a um espaço de acolhimento. Entretanto, sinalizaram a dificuldade de brincar devido aos impedimentos dos adultos, motivados pelo medo dos estudantes se machucarem.
Uma pesquisa realizada em uma escola pública da região da Galícia, na Espanha, realizou um projeto de transformação social entre a comunidade escolar — familiares, professores e estudantes (entre 3 e 12 anos). A partir da metodologia participativa e do Photovoice, foi possível compreender as barreiras e os facilitadores da participação dos estudantes nas atividades da escola, que corroboram com resultados do estudo aqui relatado. A pesquisa revelou diversas barreiras ao brincar dos estudantes, como a curta duração dos intervalos, condições precárias da estrutura do piso, e uma atmosfera semelhante a uma prisão, devido ao excesso de proibições e a violência como impedimentos ao brincar. Por outro lado, também identificaram como facilitadores dos direitos dos estudantes a esta atividade a realização de um jogo e a construção de murais no playground (Rivas-Quarneti et al., 2024).
Devido à responsabilidade do cumprimento dos objetivos acadêmicos, a priorização da segurança (evitando danos físicos) às regras do conselho educacional, a ampliação do tempo de recreio e uma maior liberdade no brincar foram descartadas pelos adultos da comunidade escolar. Isso gerou tensões e conflitos entre adultos e estudantes sobre o brincar, que ilustram como as barreiras e facilitadores estão enraizados na interação de contextos físicos, sociais, políticos e institucionais coexistentes, moldando as oportunidades para um brincar significativo. As autoras concluem que mudanças no contexto físico devem ser adotadas em conjunto com mudanças nos contextos sociais, institucionais e culturais, ressaltando a importância da concepção das crianças e adolescentes como detentoras de direitos e do brincar como um direito (Rivas-Quarneti et al., 2024).
Em concordância com os resultados encontrados na pesquisa relatada acima e no presente estudo, outra investigação brasileira teve como objetivo explorar as percepções de crianças a respeito dos fatores que favorecem e dos que prejudicam sua saúde mental em uma instituição de contraturno escolar. Os resultados também apontaram para o brincar, bem como a prática de esportes, as atividades educativas e o contato com a natureza como favorecedores da saúde mental, em contrapartida, o bullying e outras práticas de violência foram percebidos como prejudiciais (Martins et al., 2022).
Seguindo com os resultados da presente investigação, destaca-se que é imprescindível discutir espaços acolhedores e abordar questões de raça, gênero e sexualidade que atravessam a vida de adolescentes, influenciando sua posição social, identidade, experiências e oportunidades de vida. Discussões elaboradas pelo grupo de trabalho, a partir de indicações dos adolescentes participantes como “ser respeitada no meu gênero”, “não julgar pelo cabelo e pela cor”, e “menos brincadeiras sem graça, e mais respeito e união”, reforçam a necessidade de considerar esse assunto nas práticas escolares.
Questões sociais e econômicas influenciam as condições de vida e saúde dos sujeitos, sendo os mais destacados aqueles que geram estratificação social. Ou seja, há fatores estruturais na sociedade que influenciam como o poder e a riqueza são distribuídos, incluindo a divisão de classes sociais e preconceitos, baseados em características como gênero, raça, sexualidade ou deficiência. Sistemas políticos contribuem para o aumento das desigualdades relacionadas ao poder econômico (Carvalho, 2013). Dentre os mecanismos que geram e mantêm essa estratificação está o sistema de educação, que pode corroborar e reforçar o aumento da violência no contexto escolar, devido à produção e manutenção das desigualdades sociais (Ristum, 2023; Carvalho, 2013). Dessa forma, expor as violências que decorrem desse sistema de opressão é imprescindível para compreender as práticas racistas, machistas e LGBTQIAPN+fóbicas3 que acontecem no ambiente escolar, assim como em outros. Isso porque esses mecanismos de discriminação e de exclusão influenciam negativamente na qualidade de vida, saúde mental, autonomia e interações sociais cotidianas (Cecchetto et al., 2023).
Assim como a escola mantém e produz as desigualdades e preconceitos enraizados na sociedade, ela pode favorecer o processo de desnaturalização das formas de discriminação e dominação. Dessa forma, é necessário desenvolver, além de políticas públicas, ações no contexto escolar para trabalhar as diversidades na coletividade, com recursos educacionais que contribuam para produzir a inclusão social e, consequentemente, gerar um ambiente escolar mais acolhedor e seguro. A promoção da prevenção à violência envolve sensibilizar, refletir e ampliar a discussão (Cecchetto et al., 2023).
Considerações finais
Retomando, o objetivo da presente investigação foi identificar a perspectiva de adolescentes sobre acolhimento, bem como planejar e implementar estratégias de acolhimento no contexto escolar junto aos adolescentes. Acredita-se que o desenvolvimento da pesquisa de forma participativa e a adoção de metodologias criativas foram estratégias que auxiliaram na construção coletiva da produção dos dados, atuando também como facilitadores dos diálogos mais aproximados das vivências dos estudantes.
O grupo de trabalho compreendeu o acolhimento como algo implicado nas relações com o outro, no processo de sentir-se pertencente, respeitado, escutado e amado. Também elaboraram as implicações contextuais, propondo caminhos para tornar a escola um lugar mais acolhedor, através de uma estrutura mais convidativa e confortável, sem preconceito e com atividades significativas para os adolescentes, que possibilitem sua maior participação e protagonismo.
O estudo apresenta a limitação de apresentar um processo construído numa realidade específica, uma escola pública estadual, que pode ter influenciado significativamente os resultados produzidos. Porém, acredita-se que investigações como essa podem ser um caminho para a discussão de aspectos e desafios do contexto escolar de maneira contextualizada, de forma a dialogar com as reais vivências da comunidade escolar. Por isso, aponta-se para investigações futuras neste sentido, a fim de verificar as estratégias possíveis na promoção da saúde mental dos estudantes, ampliando as ações em um nível intersetorial e potencializando a escola como um lugar possível para isso.
Por fim, acredita-se que este trabalho contribuiu para a produção de conhecimento “com” adolescentes, e não “sobre” eles, gerando espaços de emancipação e participação social, ampliando a questão do acolhimento para uma dimensão ética do cotidiano escolar.
-
Apoio e financiamento:
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, (Grant / Award Number: '2023/15310-7')
-
Ética em pesquisa:
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil, conforme Parecer nº 5.923.639.
-
Revisão textual:
Normalização bibliográfica (APA 7ª Ed.), preparação e revisão textual em português: Francisco López Toledo Corrêa francisco.toledocorrea@gmail.com>Versão e revisão em língua inglesa: Francisco López Toledo Corrêa francisco.toledocorrea@gmail.com>
-
1
“Saúde mental e sentimento de pertença: compondo conceitos e ações com adolescentes (na pandemia)”, financiado pela Fundação de Apoio e Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e “Produzindo conhecimento sobre saúde mental com adolescentes: uma pesquisa participativa”, pesquisa do doutorado da segunda autora do estudo.
-
2
Projeto de extensão universitária, coordenado pela última autora deste manuscrito, que tem como objetivo desenvolver ações de promoção à saúde mental de forma participativa junto a adolescentes no contexto escolar.
-
3
Refere-se a todo e qualquer tipo de intolerância e discriminação as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais, Pansexuais, Não-binários, e outras identidades de gênero e orientações sexuais que não são heterossexuais e cisgêneras.
Disponibilidade de dados:
Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
Referências
-
Avelino, W. F. (2019). Ensino integral: O cotidiano do/no/sobre uma escola que aderiu ao programa. InterMeio: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação - UFMS, 25(50). Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/9423
» https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/9423 - Benetton, J., & Marcolino, T. Q. (2013). As atividades no Método Terapia Ocupacional Dinâmica. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(3), 645-652.
- Brandão, C. R. (2006). A pesquisa participante e a participação da pesquisa: Um olhar entre tempos e espaços a partir da América Latina. In C. R. Brandão & D. R. Streck (Eds.), Pesquisa Participante: A partilha do saber (pp. 13-48). Aparecida, SP: Ideias & Letras.
-
Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: Tecendo redes para garantir direitos Brasília: Ministério da Saúde. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf Acesso em 03 de agosto de 2021.
» http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_psicossocial_criancas_adolescentes_sus.pdf -
Cardinalli, I., & Silva, C. R. (2021). Atividades humanas na terapia ocupacional: Construção e compromisso. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2880. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2176.
» https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2176 -
Carvalho, A. I. (2013). Determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde. In Fundação Oswaldo Cruz, A saúde no Brasil em 2030 - Prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: População e perfil sanitário (Vol. 2, pp. 19-38). Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. ISBN 978-85-8110-016-6. Disponível em SciELO Books http://books.scielo.org
» http://books.scielo.org -
Cecchetto, F., Mendes Lages Ribeiro, F., & Moreira Oliveira, Q. B. (2023). Gênero, sexualidade e raça: Dimensões da violência no contexto escolar. In S. G. Assis, P. Constantini, J. Q. Avanci, & K. Njaine (Eds.), Impactos da violência na escola: Um diálogo com professores (2nd ed., p. 133). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; CDEAD/ENSP. https://doi.org/10.7476/9786557082126.
» https://doi.org/10.7476/9786557082126 - Cid, M. F. B., & Gasparini, D. A. (2016). Ações de promoção à saúde mental infanto-juvenil no contexto escolar: Um estudo de revisão. Revista FSA, Teresina, 13(1), 97-114.
-
Fabi, R. M., Gasparini, D. A., & Cid, M. F. B. (2024). Adolescências e saúde mental: Um diálogo a partir da estratégia do cine debate. Desidades, 1(40). Disponível em https://doi.org/10.54948/desidades.v1i40.63832
» https://doi.org/10.54948/desidades.v1i40.63832 - Gasparini, D. A. (2022). Saúde mental e sofrimento psíquico na perspectiva de adolescentes [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos]. Repositório UFSCar.
-
Governo do Estado de São Paulo. (2013). Diretrizes do Programa Ensino Integral: Escola de Tempo Integral Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Disponível em https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf
» https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf -
Governo do Estado de São Paulo. (2022). Decreto nº 66.799, de 31 de maio de 2022: Dispõe sobre o Programa Ensino Integral - PEI, de que trata a Lei Complementar nº 1.374, de 30 de março de 2022 Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2022/decreto-66799-31.05.2022.html
» https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2022/decreto-66799-31.05.2022.html -
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2021). Pesquisa Nacional de Saúde Escolar – 2019 Rio de Janeiro: IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliotecacatalogo?view=detalhes&id=2101852.
» https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliotecacatalogo?view=detalhes&id=2101852 - Hayakawa, L. Y., Marcon, S. S., Higarashi, I. H., & Waidman, M. A. P. (2010). Rede social de apoio à família de crianças internadas em uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Revista Brasileira de Enfermagem, 63(3), 440-445.
-
Liebenberg, L. (2009). The visual image as discussion point: Increasing validity in boundary crossing research. Qualitative Research, 9(4), 441-467. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1468794109337877 Acesso em 05 de julho de 2022.
» https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1468794109337877 - Mannay, D. (2017). Cartografiar imágenes – representar gráficamente lo visual y lo creativo en la investigación en Ciencias Sociales. In D. Mannay, Métodos visuales, narrativos y creativos en investigación cualitativa (pp. 19-35). Narcea Ediciones.
-
Marques, J. F., & Queiroz, M. V. O. (2012). Cuidado ao adolescente na atenção básica: Necessidades dos usuários e sua relação com o serviço. Revista Gaúcha de Enfermagem, 33(3), 65-72. https://doi.org/10.1590/S1983-14472012000300009.
» https://doi.org/10.1590/S1983-14472012000300009 -
Martins, B. M. (2020). A saúde mental sob as lentes de crianças: uma pesquisa participativa inclusiva [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos]. Repositório UFSCar. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12692
» https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12692 -
Martins, B. M., Cervelino, P. M., & Cid, M. F. B. (2022). “O que favorece e o que prejudica a minha saúde mental?” – o olhar de crianças que frequentam um projeto de contraturno escolar. Pro-posições, 33, e20200010. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0010.
» https://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0010 -
Masson, L. N., Silva, M. A. I., Andrade, L. S., Gonçalves, M. F. C., & Santos, B. D. (2020). A educação em saúde crítica como ferramenta para o empoderamento de adolescentes escolares frente suas vulnerabilidades em saúde. REME - Revista Mineira de Enfermagem https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200023
» https://doi.org/10.5935/1415-2762.20200023 - Medrado, B., Spink, M. J., & Méllo, R. P. (2014). Diários como atuantes em nossas pesquisas: Narrativas ficcionais implicadas. In M. J. Spink, J. I. M. Brigagão, V. L. V. Nascimento, & M. P. Cordeiro (Eds.), A produção de informação na pesquisa social: Compartilhando ferramentas (pp. 273-294). Rio de Janeiro: Centro Edelstein.
-
Molina, R. C. M., Higarashi, I. H., & Marcon, S. S. (2014). Importância atribuída à rede de suporte social por mães com filhos em unidade intensiva. Escola Anna Nery, 18(1), 60-67. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140009.
» https://doi.org/10.5935/1414-8145.20140009 - Moreira, J. O., et al. (2011). Juventude e adolescência: Considerações preliminares. Psico, 42(4), 457-464.
-
Nearchou, F., Flinn, C., Niland, R., Subramaniam, S. S., & Hennessy, E. (2020). Exploring the impact of COVID-19 on mental health outcomes in children and adolescents: A systematic review. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(22), 8479. https://doi.org/10.3390/ijerph17228479
» https://doi.org/10.3390/ijerph17228479 - Ozella, S., & Aguiar, W. M. J. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de Pesquisa, 38(133), 97-125.
-
Organização Pan-Americana da Saúde. (2022). Transformar cada escola em uma escola promotora de saúde: Padrões e indicadores globais Washington, D.C.: Organização Pan-Americana da Saúde. https://doi.org/10.37774/9789275725122.
» https://doi.org/10.37774/9789275725122 -
Parrilla-Lattas, A., Raposo-Rivas, M., & Martines-Figueira, M. E. (2016). Processos de movilización y comunicación del conocimiento en la investigación participativa. Opción, 32(21), 2066-2087. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31048903056 Acesso em 05 de julho de 2022.
» https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=31048903056 - Ristum, M. (2023). Violência na escola, da escola e contra a escola. In S. G. Assis, P. Constantini, J. Q. Avanci, & K. Njaine (Eds.), Impactos da violência na escola: Um diálogo com professores Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
-
Rivas-Quarneti, N., Viana-Moldes, I., Veiga-Seijo, S., Canabal-López, M., & Magalhaes, L. (2024). Politicizing children's play: A community photovoice process to transform a school playground. American Journal of Occupational Therapy, 78(4), 7804185100. https://doi.org/10.5014/ajot.2024.050435.
» https://doi.org/10.5014/ajot.2024.050435 -
Romanini, M., Guareschi, P. A., & Roso, A. (2017). O conceito de acolhimento em ato: Reflexões a partir dos encontros com usuários e profissionais da rede. Saúde em Debate, 41(113), 486-499. https://doi.org/10.1590/0103-1104201711311.
» https://doi.org/10.1590/0103-1104201711311 -
Rossi, L. M., Marcolino, T. Q., Speranza, M., & Cid, M. F. B. (2019). Crise e saúde mental na adolescência: A história sob a ótica de quem vive. Cadernos de Saúde Pública, 35(3), 1-12. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000305004&lng=pt&nrm=iso.
» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000305004&lng=pt&nrm=iso - Speranza, M. (2021). Sentimento de pertença de adolescentes na interface com a saúde mental: Uma revisão de escopo [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos]. Repositório UFSCar.
-
Speranza, M., Mazari, A. F., Magalhães, L., & Cid, M. F. B. (2023). Sentimento de pertença e saúde mental de adolescentes: uma revisão de escopo. Psicologia, Saúde & Doenças, 24(2), 779-793. https://doi.org/10.15309/23psd240230
» https://doi.org/10.15309/23psd240230 - Surjus, L. T. L. S. (2019). Sobre meninos feridos, comportamentos agressivos e uso de drogas. In L. T. L. S. Surjus & M. A. F. Moysés (Eds.), Saúde mental infantojuvenil: territórios, políticas e clínicas de resistência Unifesp/Abrasme.
-
Willrich, J. Q., Bielemann, V. L., Chiavagatti, F. G., Kantorski, L. P., & Borges, L. R. (2013). Ambiência de um centro de atenção psicossocial: Fator estruturante do processo terapêutico. Revista de Enfermagem da UFSM, 3(2), 248-258. https://doi.org/10.5902/217976927977.
» https://doi.org/10.5902/217976927977 -
World Health Organization. (2022). World mental health report: Transforming mental health for all World Health Organization. https://iris.who.int/handle/10665/356119
» https://iris.who.int/handle/10665/356119 - Yasui, S. (2010). Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira Editora Fiocruz.
Editado por
-
Editores responsáveis:
Editor Associado: Eduardo José Manzini https://orcid.org/0000-0002-7420-6146>Editora Chefe: Helena Sampaio https://orcid.org/0000-0002-1759-4875>
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
08 Ago 2024 -
Revisado
28 Mar 2025 -
Aceito
10 Maio 2025




Fonte: Acervo das autoras
Fonte: Acervo das autoras
Fonte: Acervo das autoras