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Formação de professores na contemporaneidade: desafios e possibilidades da parceria entre universidade e escola 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares - https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br 3 3 Revisão (inglês): Andreza Aguiar - andreza@tikinet.com.br 4 4 Apoio: CNPq - 439325/2018-8 - Por uma Pedagogia do Estágio Supervisionado: Da proposta de formação de professores de educação física ao acolhimento e acompanhamento da prática de ensino na escola.

Teacher education in contemporary times: challenges and possibilities of the partnership between university and school

Resumo

Este dossiê aborda a temática das relações entre a universidade e a escola no âmbito da formação de professores. A partir de discussões acerca dos estágios supervisionados, da inserção profissional na escola, da prática como lugar de formação e produção de saberes, das parcerias intergeracionais, bem como das relações entre currículo de formação inicial e currículo escolar, foram problematizadas as relações que vêm sendo estabelecidas entre a universidade e a escola, tendo em vista uma perspectiva de profissionalização do ensino. Para tal, reunimos pesquisadores(as) de diferentes países, como Brasil, Chile, Portugal e Bélgica, cujos artigos apresentam pesquisas e experiências a respeito de parcerias articulando a universidade e a escola, trazendo contribuições que dialogam com as temáticas antes anunciadas, em consonância com as especificidades de cada contexto. Concluindo, os seis artigos que compõem o dossiê aportam, além de um mapeamento da relação entre universidade e escola, possibilidades de enfrentamento e experiências exitosas.

Palavras-chave
formação de professores; profissionalização do ensino; parceria universidade-escola; estágio supervisionado

Abstract

This dossier addresses the issue of relations between the university and the school in the context of teacher education. Based on discussions about supervised internships, professional insertion at school, practice as a place of training and knowledge production, intergenerational partnerships and the relationship between initial training curriculum and school curriculum, the relations that have been established between the university and the school were problematized, with a view to the professionalization of teaching. For such purpose, we invited researchers from different countries, such as Brazil, Chile, Portugal and Belgium, whose articles present researches and experiences regarding partnerships articulating the university and the school, bringing contributions that dialogue with the themes announced above, in line with the specifics of each context. In conclusion, the six articles that make up the dossier provide possibilities for coping and successful experiences, besides a mapping of the relationship between university and school.

Keywords
teacher education; professionalization of teaching; university-school partnership; supervised internship

Este dossiê aborda a temática das relações entre a universidade e a escola no âmbito da formação de professores. A partir de discussões acerca da prática como lugar de formação e produção de saberes, dos estágios supervisionados, da inserção profissional na escola, das parcerias intergeracionais, bem como das relações entre currículo de formação inicial e currículo escolar, foram problematizadas as relações estabelecidas entre a universidade e a escola, tendo em vista uma perspectiva de profissionalização do ensino.

Dentre os diversos temas de estudo no campo da educação contemporânea, a formação docente representa um importante desafio, tanto para os pesquisadores como para os formadores universitários ou das escolas, em particular no que concerne às relações entre a universidade e a escola.

No âmbito universitário, tende-se a valorizar a dimensão discursiva, os constructos teóricos, os modelos de ensino etc., enquanto no campo escolar a ênfase parece recair na dimensão pragmática do ensino, isto é, no fazer docente (Chartier, 2007Chartier, A. M. (2007). A ação docente entre saberes práticos e saberes teóricos. In Práticas de leitura e escrita: história e atualidade (pp. 185-207). Belo Horizonte: Ceale/Autêntica.). Essas duas dimensões não são excludentes, mas constituem maneiras distintas de se pensar o ensino. Na escola, por exemplo, as ações dos professores não se inscrevem em uma lógica teórica ou discursiva com relação ao ensino, pois o agir na urgência, o decidir na incerteza do cotidiano escolar (Perrenoud, 2001Perrenoud, P. (2001). Ensinar: Agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed, 2001.), faz com que os professores ajam segundo uma coerência pragmática, buscando resolver problemas concretos e imediatos (Chartier, 2007Chartier, A. M. (2007). A ação docente entre saberes práticos e saberes teóricos. In Práticas de leitura e escrita: história e atualidade (pp. 185-207). Belo Horizonte: Ceale/Autêntica.; Tardif, 2002Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.). Conforme ressalta Sarti (2008, p. 52)Sarti, F. M. (2008). O professor e as mil maneiras de fazer no cotidiano escolar. EDUCAÇÃO: Teoria e Prática, 18(30), 47-65. Recuperado de https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/1402/1186, “os professores costumam aproximar-se de assuntos educacionais a partir de uma ótica que lhes é característica, pautada por um ponto de vista centrado na vida da escola e na pertinência de suas ações para o contexto específico de sua atuação”. E a autora continua, afirmando que, “durante o trabalho na escola, os professores se deparam com a problemática da pertinência de suas ações: o que é oportuno que façam a cada momento e qual a melhor maneira de realizar cada atividade” (Sarti, 2008Sarti, F. M. (2008). O professor e as mil maneiras de fazer no cotidiano escolar. EDUCAÇÃO: Teoria e Prática, 18(30), 47-65. Recuperado de https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/1402/1186, p. 52, grifo da autora).

Nesse cenário, universidade e escola constituem dois universos paralelos em relação ao processo de formação docente. Porém, nos últimos anos, com a profissionalização do ensino, diversas iniciativas de parcerias entre escola e universidade no campo da formação de professores têm mostrado exatamente o contrário (Chartier, 2007Chartier, A. M. (2007). A ação docente entre saberes práticos e saberes teóricos. In Práticas de leitura e escrita: história e atualidade (pp. 185-207). Belo Horizonte: Ceale/Autêntica.; Gervais & Desrosiers, 2001Gervais, C., & Desrosiers, P. (2001). Les stages: un parcours professionnel accompagné. Canadian Journal of Education, 26(3), 263-282. Recuperado de https://journals.sfu.ca/cje/index.php/cje-rce/article/view/2805/2105
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, 2005Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Les Presses de l’Université Laval.; Nóvoa, 2019aNóvoa, A. (2019a). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208. Recuperado de https://www.curriculosemfronteiras.org/vol19iss1articles/novoa.pdf
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, 2019bNóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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; Portelance, Borges, & Pharand, 2011Portelance, L., Borges, C., & Pharand, J. (2011). La collaboration dans le milieu de l’éducation: dimensions pratiques et perspectives théoriques. Québec: Presses de l’Université du Québec.; Sarti, 2008Sarti, F. M. (2008). O professor e as mil maneiras de fazer no cotidiano escolar. EDUCAÇÃO: Teoria e Prática, 18(30), 47-65. Recuperado de https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/1402/1186).

No Brasil, podemos afirmar que essa aproximação tem ocorrido de diferentes maneiras, dentre as quais podem ser mencionadas: o aumento significativo do número de vagas nos cursos de licenciatura dos programas especiais de certificação docente em nível superior, promovidas por secretarias de educação; o crescente envolvimento da universidade com a formação docente em serviço; e as novas configurações dos cursos de formação de professores com as 400 horas de prática como componente curricular e com as 400 horas de estágio curricular supervisionado que passam a exigir um contrato de estágio profissional obrigatório entre as duas instituições.

Citamos, ainda, em âmbito nacional, projetos ou programas institucionais que caminham na direção de institucionalização de uma política de formação inicial e continuada de professores para a educação básica: o programa Residência Pedagógica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) (Giglio, 2010Giglio, C. M. B. (2010). Residência Pedagógica como diálogo permanente entre a formação inicial e continuada de professores. In Â. I. L. F. Dalben, J. Diniz, L. Leal, & L. Santos. (Orgs.), Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente (pp. 375-392). Belo Horizonte: Autêntica.); o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) da Capes (Gatti, André, Gimenes, & Ferragut, 2014Gatti, B. A., André, M. E. D. A., Gimenes, N. A. S., & Ferragut, L. (2014). Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid). São Paulo: FCC/SEP. Recuperado de http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/textosfcc/issue/view/298/6
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); o projeto Escola de Educadores (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2005Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. (2005). Escola de Educadores. Rio Claro: Unesp/PROPe, 2005.); o programa Residência Pedagógica da Capes (Faria & Diniz-Pereira, 2019Faria, J. B., & Diniz-Pereira, J. E. (2019). Residência pedagógica: afinal, o que é isso? Revista de Educação Pública, 28(68), 333-356. Recuperado de https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/8393/5630
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; Giglio, 2020Giglio, C. M. B. (2020). Residência Pedagógica. Circulação de ideias, modelos e apropriações na formação de professores. Formação Docente, 13(25), 13-30. Recuperado de https://revformacaodocente.com.br/index.php/rbpfp/article/view/439/252
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); a proposta do Complexo de Formação de Professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Lontra, 2020Lontra, V. (2020). Casa comum da formação e da profissão docente: reinvenções possíveis no campo da formação. In Anais da XIV Reunião da ANPED Sudeste – Direito a Educação, Direito a Vida em tempos de Pandemia (pp. 1-3). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Recuperado de http://anais.anped.org.br/regionais/sites/default/files/trabalhos/23/7726-TEXTO_PROPOSTA_COMPLETO.pdf
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); entre outros.

No âmbito internacional, temos, como exemplo: as Escolas Associadas em Québec (Gervais & Desrosiers, 2005Gervais, C., & Desrosiers, P. (2005). L’école, lieu de formation d’enseignants: questions et repères pour l’accompagnement de stagiaires. Québec: Les Presses de l’Université Laval.); as Development Schools nos Estados Unidos (Zeichner, 2010Zeichner, K. (2010). Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, 35(3), 479-504. Recuperado de https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/2357/1424
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); a vinculação dos Instituts Universitaires de Formation des Maîtres às universidades – processo de masterisation (Cyrino, 2016Cyrino, M. (2016). Do acolhimento ao acompanhamento compartilhado: a construção colaborativa de uma proposta para o estágio curricular no curso de Pedagogia. Tese de Doutorado, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Rio Claro.); a ideia de uma “casa comum da formação e da profissão”, proposta por Nóvoa (2019aNóvoa, A. (2019a). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208. Recuperado de https://www.curriculosemfronteiras.org/vol19iss1articles/novoa.pdf
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e 2019b)Nóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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; entre outros.

Em comum, a proposta do Complexo de Formação de Professores possui uma “dupla cidadania”, pois está em desenvolvimento no Brasil com apoio de António Nóvoa, envolvendo “escolas formadoras”. Ao abordar a “metamorfose da escola”, Nóvoa (2019b, p. 2)Nóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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explica que esta substituiu com eficiência o trabalho infantil, a rua e o lar como lugar de socialização e de formação, mas “revela-se incapaz de responder aos desafios da contemporaneidade”. Propõe, assim, “a criação de um novo ambiente para a formação profissional docente” (Nóvoa, 2019bNóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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, p. 7, grifo do autor), enfatizando que “o lugar da formação é o lugar da profissão” (Nóvoa, 2019bNóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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, p. 7). E, nesse sentido, recomenda a criação de, “num mesmo espaço institucional, uma casa comum de formação de professores dentro das universidades, mas sempre com uma ligação orgânica aos professores e às escolas da rede” (Nóvoa, 2019bNóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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, p. 8, grifo do autor). Desse modo, Nóvoa defende a imprescindível relação entre a universidade e a escola na constituição de um “terceiro lugar” para formar os professores, com ênfase para se pensar o final da formação inicial e o início da carreira docente como um “tempo entre-dois” (Nóvoa, 2019aNóvoa, A. (2019a). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208. Recuperado de https://www.curriculosemfronteiras.org/vol19iss1articles/novoa.pdf
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, p. 202). Enfim, trata-se de instaurar processos coletivos de trabalho no qual o acolhimento e o acompanhamento dos futuros ou novos professores resultem em “mudanças mais profundas do que parecem à primeira vista na organização das escolas e da profissão docente” (Nóvoa, 2019bNóvoa, A. (2019b). Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, 44(3), e84910. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/edreal/v44n3/2175-6236-edreal-44-03-e84910.pdf
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, p. 10).

Segundo as experiências vivenciadas em diferentes países e, inclusive, no Brasil, as parcerias entre escola e universidade decorrem de propostas formativas ou de dispositivos de formação docente que fazem emergir uma profícua interlocução entre escola e universidade, assim como de questionamentos, nos quais todos os atores envolvidos (docentes das universidades e das escolas, estagiários, estudantes das escolas, gestores, entre outros) são convidados a compartilhar conhecimentos, saberes e experiências que se produzem em diferentes contextos. Tais compartilhamentos têm propiciado uma série de ações colaborativas e de aprendizados que, na formação docente, se constituem em diálogo com as diferentes possibilidades cocriadas por todos que nela estão imbricados.

De acordo com a literatura nacional e internacional, existe um consenso em considerar que a parceria entre escola e universidade faz-se necessária e promissora, na medida em que tem contribuído para o desenvolvimento e o acompanhamento dos estagiários, para a produção de conhecimentos acerca do ensino e do agir pedagógico em diferentes cenários, para a apropriação do espaço escolar e, enfim, para a inserção profissional dos futuros docentes. No entanto, várias dificuldades têm emergido dessa parceria: conflitos entre visões diferentes da formação para a docência e do papel dos atores nela envolvidos; necessidade de formação para o acompanhamento dos estagiários; indefinição quanto ao lugar da pesquisa e dos conhecimentos teóricos e práticos como subsídio à formação docente; falta de recursos materiais e financeiros para suportar projetos dessa natureza; e, ainda, a não coincidência dos tempos e espaços de formação, isto é, grades horárias rígidas tanto nas escolas como nas universidades, dificultando a transição dos graduandos de uma instituição a outra, bem como a articulação dos diferentes atores implicados no trabalho em parceria.

Considerando esse contexto, algumas questões emergem visando a um trabalho mais colaborativo entre universidade e escola. São essas indagações que serviram de referência para alimentar as reflexões dos autores que participam deste dossiê:

  • Os estágios supervisionados têm proporcionado vínculos efetivos de iniciação à docência, contribuindo para uma aproximação com a realidade escolar e para uma primeira experiência de inserção profissional? Qual tem sido o lugar do estágio supervisionado na formação docente inicial e continuada?

  • Como vem ocorrendo o processo de inserção profissional nas escolas, tanto do estudante em formação inicial, quanto do professor iniciante? A prática, como lugar de formação, produção de conhecimentos e saberes, tem sido assim reconhecida na universidade e na escola?uais experiências de formação e de pesquisa têm sido efetivadas nessa relação entre a universidade e a escola? Como pensar um currículo de formação inicial e um currículo escolar pautados numa efetiva parceria entre as instituições?

Com base nesses questionamentos, pensamos na composição deste dossiê, cujo objetivo é apresentar pesquisas e experiências, em âmbito nacional e internacional, a respeito de parcerias articulando a universidade e a escola.

Para tal, reunimos pesquisadores(as) de diferentes países, como Brasil, Chile, Portugal e Bélgica, cujos artigos trazem contribuições que se circunscrevem a essas questões anunciadas anteriormente, em consonância com as especificidades de cada contexto. O dossiê é composto por seis artigos que serão apresentados a seguir.

O primeiro artigo, intitulado “Relações intergeracionais no mercado brasileiro de formação docente: antigos e novos desafios a considerar”, de Flavia Medeiros Sarti (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro, Brasil), abre o dossiê com uma reflexão provocativa, apoiada na perspectiva bourdieusiana, acerca do potencial formativo das relações intergeracionais vivenciadas no âmbito do magistério no Brasil. A autora nos convoca a assumir a formação de professores como um espaço de concorrência marcado por lutas simbólicas, nas quais as relações intergeracionais vêm sendo menos valorizadas, principalmente devido ao processo histórico de desvalorização das práticas docentes e do lugar social de pouco poder que os professores brasileiros ocupam. Suas discussões nos conduzem por caminhos que, por um lado, denunciam a fragilização simbólica dos professores e a degeneração dos processos de profissionalização do magistério, e que, por outro, nos alertam para o papel da universidade em assumir novos desafios epistemológicos, políticos e culturais no sentido de fomentar um modelo profissional de formação que leve em conta a relevância da participação mais ativa dos professores da escola na formação das novas gerações de docentes.

Na sequência, temos o artigo “A participação da universidade e da escola no acontecimento do estágio curricular supervisionado de futuros professores de Educação Física”, de Larissa Cerignoni Benites (Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil), no qual a autora apresenta um estudo qualitativo desenvolvido no estágio curricular supervisionado na educação física, com a intenção de compreender a participação da escola e da universidade nesse processo, considerando o contexto das relações estabelecidas, a dinâmica de trabalho, as inquietudes dos estagiários e o papel dos professores e suas representações. Os resultados e as análises evidenciam que, apesar de ambas as instituições envolvidas exercerem ações colaborativas em torno do estágio, não é possível afirmar que foram criados vínculos substantivos, no sentido de se constituir uma efetiva parceria.

Paula Fazendeiro Batista e Amândio Braga Graça (Universidade do Porto, Portugal), no artigo “Construir a profissão na formação de professores de Educação Física: processos, desafios e dinâmicas entre a escola e a universidade”, abordam diversas transformações que a formação de professores vem sofrendo como prática sócio-histórica, especialmente em função das adaptações requeridas pelo Processo de Bolonha. Segundo os autores, constata-se que, em Portugal, são nítidas as mudanças curriculares que geraram certa fragmentação na formação docente. Para além de uma reflexão crítica, eles explicitam argumentos a respeito de possibilidades de projetos formativos que dialoguem com os desafios da área da educação física no cenário atual. Tais argumentos apoiam-se no conhecimento construído durante a realização dos Projetos de Investigação no estágio profissional em educação física, os quais colaboraram significativamente para a constituição das identidades profissionais de seus participantes (formandos e formadores), por meio de uma efetiva dinâmica colaborativa entre a escola e a universidade.

Em “La práctica profesional en formación inicial del profesorado: de los saberes profesionales a la co-construcción de una inteligencia situacional”, Javier Núñez-Moscoso (Universidade de O'Higgins, Chile) traz uma discussão acerca da prática profissional na formação inicial docente, procurando identificar os saberes profissionais específicos da cultura do professor, apoiando-se na tipologia formulada por Shulman. Os resultados do estudo, que abordou o caso de estagiários-supervisores de centros chilenos de formação de professores, indicam que os conhecimentos oriundos da pedagogia geral, das características dos alunos e do conteúdo pedagógico mostraram-se mais relevantes para os sujeitos da pesquisa. O autor considera que estamos diante de uma cultura profissional na qual os conhecimentos mobilizam o que se denomina “inteligência situacional”, desenvolvendo-se num movimento dinâmico entre o passado, o presente e o futuro das ações educativas realizadas em diferentes situações.

Ghislain Carlier e Marie Clerx (Universidade Católica de Lovaina, Bélgica), no artigo “Dois caminhos para aproximar a universidade da escola: a equipe de supervisores de estágio e a formação continuada”, aportam indagações acerca das relações de confiança entre a universidade e os professores que ela formou, assim como em torno das diferenças que apartam a formação inicial e o ensino escolar, geralmente devido ao escasso (re)conhecimento e interesses mútuos. No caso específico desse artigo, os autores analisam duas profícuas experiências que desafiam essas inquietações: a primeira delas relacionada à dinâmica de trabalho de uma equipe de orientadores que acompanham os estagiários e os supervisores no campo de estágio; e a segunda relativa ao desenvolvimento de uma pesquisa participativa, na qual se observa a construção de relações positivas entre a pesquisadora e os colegas envolvidos num processo de formação continuada ocorrido na universidade, que se volta para as condições reais de trabalho e as artes do fazer cotidianamente vividas por esses professores.

E, fechando o dossiê, o artigo denominado “Desenvolvimento profissional de professores de Educação Física iniciantes: continuidades/descontinuidades entre a formação inicial e a iniciação à docência”, de José Ângelo Gariglio (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil), explicita os resultados de uma investigação de cunho qualitativo, com o objetivo de analisar as percepções que professores de educação física têm sobre o percurso formativo na licenciatura, da qual participaram 13 professores iniciantes formados pela Universidade Federal de Minas Gerais com até três anos de trabalho na instituição escolar. Os sujeitos da pesquisa indicam fragilidades em relação à formação didático-pedagógica, porém consideram que a formação inicial foi fundamental para o processo de inserção no campo profissional.

Como pode ser constatado, o conjunto de artigos deste dossiê nos convida a refletir sobre “A formação de professores na contemporaneidade: da universidade à escola e da escola à universidade”, reafirmando questionamentos e apontando possibilidades que nos auxiliem a aprofundar as discussões em prol de um trabalho mais colaborativo na formação docente inicial e continuada, que possa efetivamente integrar, de maneira ampla e qualificada, essas instituições formativas.

Destacamos, ainda, que acompanha este dossiê a entrevista com o canadense Maurice Tardif, cuja obra é uma importante referência no contexto das pesquisas e dos estudos relacionados à formação de professores no Brasil, publicada na seção “Diverso e Prosa”. Nessa conversa, intitulada “Trajetória de um pesquisador: entre profissionalização do ensino, pensamento crítico e riscos contemporâneos”, apresentamos o seu percurso acadêmico como professor, intelectual e pesquisador.

Desejamos a todas(os) uma excelente leitura!

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    Normalização, preparação e revisão textual: Ailton Junior – revisao@tikinet.com.br
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    Apoio: CNPq - 439325/2018-8 - Por uma Pedagogia do Estágio Supervisionado: Da proposta de formação de professores de educação física ao acolhimento e acompanhamento da prática de ensino na escola.

Referências

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Editor responsável: Carmen Lúcia Soares - https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2021
  • Aceito
    12 Abr 2021
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