Open-access Entre mudanças e desafios: a perspectiva estudantil no Ensino Superior

Student perspectives on Higher Education in the context of change and challenge

Osti, A.; Fior, C.; Canal, C. P. P.; Almeida, L. S.. 2023. Ensino Superior: mudanças e desafios na perspectiva dos estudantes. Pedro & João Editores

O livro Ensino Superior: mudanças e desafios na perspectiva dos estudantes, organizado por Andréia Osti, Camila Fior, Cláudia Patrocinio Pedroza Canal e Leandro S. Almeida (2023), constitui uma análise abrangente e contemporânea das transformações e dos desafios enfrentados pelos estudantes do ensino superior (ES). Publicada pela Pedro & João Editores em 2023, a obra se revela como uma contribuição significativa para o debate acadêmico e para a formulação de políticas educacionais para o segmento em questão.

Trata-se da organização de trabalhos produzidos por 26 especialistas nos assuntos específicos, apresentados em 260 páginas. A obra aborda um conjunto de temas, atuais e estruturantes, do cenário da educação superior. Foram privilegiados autores brasileiros de diferentes instituições, em sua maioria (20) de natureza administrativa pública, com investigação científica das temáticas discutidas. Também compõem o grupo de autores dois professores de instituições de ensino superior (IES) de Portugal e da Espanha. A escolha dos autores é sustentada pelos organizadores como oportunidade de difusão das discussões pela comunidade acadêmica brasileira, privilegiando produções em português. Destaca-se que a maior parte deles (20) está vinculada a instituições públicas.

A apresentação dos trabalhos está organizada em 11 capítulos, os quais correspondem a 4 conjuntos de temas. O tema inicial aborda o processo de expansão do ensino superior nos últimos anos, com especial atenção para a diversificação da população estudantil. Em seguida, o olhar volta-se para questões de adaptação ao ensino superior ou vivências acadêmicas e suas variáveis relevantes, tanto no que se refere ao sucesso acadêmico, quanto ao desenvolvimento psicossocial do estudante. Na sequência, a abordagem é de algumas dificuldades sentidas pelos estudantes de graduação relacionadas à sua experiência universitária. Por fim, o livro conta com dois capítulos que discutem o serviço de apoio ao estudante e o suporte para o desenvolvimento de carreira e a entrada no mercado de trabalho.

Inicialmente, a obra revela um panorama geral do ES, que tem ganhado espaço nas discussões internacionais, visto seu papel estratégico na configuração educacional de um país. No Brasil, embora de maneira tardia, se comparado a outros países da América Latina, observa-se um movimento de ampliação do número de vagas e expansão do ensino terciário. É nesse contexto em que o livro se insere, em meio a profundas transformações no cenário do ES.

Nos primeiros capítulos, é abordada a ampliação significativa de acesso às IES nas últimas décadas, o que mantém relação estreita com o aumento da presença de novos públicos, caracterizados por diversificar o perfil do estudante de ES. Essa modificação, fruto de políticas públicas voltadas para a democratização desta etapa de ensino, com programas como o Programa Universidade Para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) para IES privadas, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Sistema de Seleção Unificada (SiSU), o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e a reserva de vagas para o sistema público, facilitaram o acesso às universidade para estudantes em condição socioeconômica desfavorável e de minorias até então pouco representadas no sistema universitário.

Nesse sentido, a discussão se volta para a presença de diferentes necessidades educativas que carecem de ações acadêmicas, curriculares, psicossociais ou de apoio financeiro. Ou seja, a expansão de matrículas e a diversificação do público estudantil trouxeram desafios associados à permanência e ao sucesso acadêmico, cuja complexidade é multidimensional, abrangendo aspectos individuais, origem social e ações institucionais. De acordo com o exposto pelos autores, há uma relevância das políticas voltadas para a ampliação do acesso, contudo, os autores provocam uma reflexão a respeito da suficiência dessas políticas para garantir equidade de oportunidades.

O livro também explicita que a expansão das instituições de ensino se deu principalmente em âmbito privado e com caráter comercial, além disso, ressalta-se o crescimento de modalidades como o ensino a distância; esses dois fatores são apontados como fundamentais para atender à crescente demanda por educação superior. Com a Reforma Universitária de 1968, observou-se uma transformação nas configurações de funcionamento das IES no Brasil. Houve um aumento expressivo no número dessas instituições, o que evidenciou o surgimento de novas formas de ensino superior, para além da universidade, incluindo diferentes modalidades e uma oferta diversificada de cursos voltados às demandas do mercado. Com isso, o sistema cresce, fica mais heterogêneo, capilarizado e complexo, o que confere uma diferenciação muito grande na estrutura do ensino terciário.

É importante destacar que essa complexidade, apresentada pela obra, incide sobre a estratificação do ES, garantindo a diversidade estudantil nos cursos de menor prestígio, no período noturno ou em instituições menos concorridas. Ou seja, embora as IES se “abram” para todos, nem todos conquistam o “mesmo” diploma. Por meio da reflexão proposta pelo livro, pode-se concluir que, apesar dos avanços, ainda existem barreiras significativas que limitam o acesso e a permanência de estudantes em condições socioeconômicas desfavorecidas.

Na sequência, a obra discorre a respeito da adaptação dos estudantes ao ensino superior. A transição do ensino médio para a universidade é um período crucial, marcado por expectativas e desafios no ambiente acadêmico e social. Os estudantes precisam aprender o “ofício” de alunos do ES, a diferença dos processos de ensino-aprendizagem, e fatores como a organização didático-pedagógica, a exigência de maior autorregulação da aprendizagem e se deparar professores mais distantes ou menos disponíveis podem ser um desafio para os ingressantes. Parte das dificuldades apontadas estão associadas a características pessoais, como níveis reduzidos de autonomia, lacunas na formação acadêmica anterior ou escolhas vocacionais pouco claras. Contudo, toda transição é rica do ponto de vista do desenvolvimento psicológico. Esses desafios podem servir de incentivo para o desenvolvimento de novas competências que, em condições adequadas, criam uma interação entre as exigências e as dificuldades encontradas.

Os autores defendem que a aprendizagem, embora envolva uma ação reflexiva que engloba curiosidade, compreensão e questionamento da realidade por aquele que aprende, é fruto da interação recíproca entre comportamento, variáveis ambientais e fatores pessoais. Portanto obter ou não sucesso não pode ser definido como consequência direta do esforço, uma vez que este depende de outras variáveis, como questões sociais, econômicas e culturais. Assim, a qualidade dos contextos de aprendizagem não está essencialmente nas mãos dos estudantes – embora agentes –, mas também depende das condições ambientais e relacionais.

Ainda no que tange às vivências proporcionadas pela experiência universitária, o livro destaca a importância da afetividade e satisfação para a aprendizagem. Os autores explicam que a dimensão afetiva e a cognição são partes indissociáveis do mesmo processo, ou seja, os aspectos afetivos podem contribuir para o ajustamento, desempenho acadêmico e sucesso do estudante. Ressalta-se que a afetividade diz respeito à circunstância em que o ser humano é afetado pelo contexto interno e externo, gerando sensações agradáveis ou desagradáveis. Dessa forma, o modo como o professor se relaciona com os alunos impacta o desempenho e é determinante para o processo de ensino-aprendizagem.

Sobre a satisfação com a experiência universitária, esta engloba questões como currículo, qualidade do ensino, administração, infraestrutura, interação com professores e pares, recursos disponíveis na IES e percepção do ambiente acadêmico. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de se pensar as relações estabelecidas entre docente e discente, além do apoio psicológico e a promoção de políticas que favoreçam o bem-estar dos estudantes.

Nesse sentido, os autores salientam também o papel da regulação emocional para a experiência universitária. Admitida como um fator protetivo que permite ao indivíduo controlar comportamentos impulsivos, ela está associada ao bem-estar, ao sucesso pessoal, à motivação e à baixa procrastinação. A regulação emocional é fundamental para os processos adaptativos, porque permite tomar ciência dos acontecimentos ao seu redor, interpretar a realidade cotidiana e adaptar ou modificar as estratégias de enfrentamento das situações aversivas, o que possibilita uma flexibilidade no gerenciamento das emoções.

Também entendido como fruto da relação estudante e IES, o livro apresenta o abandono do ES como resultado de um processo contínuo de desvinculação que se refere à desistência em caráter definitivo do sistema como um todo. Formado por uma complexa teia de fatores pessoais e contextuais, esse abandono traz impactos negativos para os indivíduos, para a IES e para a sociedade em geral, que perde em recursos financeiros e tempo. Os fatores pessoais apontados pela obra são: a fraca preparação dos estudantes na oportunidade de ingresso, a desadequação das expectativas de carreira e falta de informação sobre o ES, assim como o ajustamento frente aos desafios propostos por esta etapa de ensino. No que diz respeito às variáveis contextuais que impactam a decisão de evasão, destacam-se: as metodologias de ensino e avaliação aliadas aos hábitos de estudos do ensino secundário; as lacunas de conhecimento; as dúvidas referentes a aspectos profissionalizantes do curso; as dificuldades financeiras; a não identificação com a cultura acadêmica; o número elevado de disciplinas e carga horária; a formação pedagógica dos professores; e as questões curriculares.

Os autores salientam a importância do olhar cuidadoso da IES, em especial para os estudantes de primeiro ano, para uma interpretação contextualizada de sua realidade. Propostas como intervenções orientadas a suplantar conhecimentos deficitários, programas para promoção da autorregulação da aprendizagem, apoio psicossocial educativo e suporte financeiro são algumas das possibilidades para que a IES possa mediar o processo de adaptação acadêmica. O livro destaca que a resiliência, o grit – perseverança de esforço e consistência de interesse – e o engajamento acadêmico são constructos que fortalecem a intenção de permanência, uma vez que calibram exigências, expectativas e cursos de ação.

Ainda sobre os desafios dos estudantes, o olhar se volta para a questão da violência nas IES, mais especificamente o assédio, o bullying e o cyberbullying. Os autores chamam a atenção para a urgência de as instituições pensarem em políticas de combate a tais práticas, assim como programas institucionais de acolhimento das vítimas. Além dessa proposta para as IES, a obra propõe uma reflexão sobre as políticas para a permanência dos estudantes com altas habilidades/superdotação; a intenção é problematizar se efetivamente os serviços ofertados a esse público dão conta de suas especificidades.

Nos dois capítulos finais, o olhar se volta para os serviços disponibilizados pelas IES para o estudante. Os autores discutem como a relação entre desafios e exigências podem facilitar a transição para o ES. Essa interação pode ser provocada pelas políticas de recrutamento e acolhimento, com destaque para apoio institucional, fundamental para facilitar esse processo. A obra destaca que o apoio proposto pelos serviços multidisciplinares não atua na lógica de substituir o estudante ou de eliminar as exigências, mas no sentido de suportá-lo para aquisição das competências necessárias, para enfrentar com maior autonomia as dificuldades. Programas de orientação e mentoria, serviços de aconselhamento psicológico e atividades de integração são destacados como elementos essenciais para promover a adaptação dos estudantes e garantir seu bem-estar.

Os autores defendem que a formação universitária é mais do que desenvolver habilidades técnicas para uma profissão específica, ela também está relacionada ao desenvolvimento das soft skills, que tratam de características e habilidades interpessoais que o sujeito aprimora para se adaptar às demandas do mundo do trabalho. Para isso salienta-se o papel importante dos serviços voltados para o planejamento/desenvolvimento de carreira, atualmente admitido como um processo contínuo de construção de projetos profissionais, em um mundo incerto e em constante mudança. Ou seja, o planejamento de carreira é um processo que se desenvolve ao longo da vida, por isso é preciso que as IES promovam a reflexão acerca dessas questões desde o início da formação e se atentem para as mudanças que esse contexto incerto também provoca em seu interior.

A obra revela um cuidado metodológico e explicita questões com as quais as IES estão se deparando. Além disso, ao adotar uma perspectiva centrada nos estudantes, o livro enfatiza a necessidade de políticas e práticas educacionais que atendam às necessidades e circunstâncias específicas dos discentes. O livro evidencia a urgência de implementação ou fortalecimento dos programas de apoio interdisciplinar que facilitem a permanência e o sucesso acadêmico. Os autores deixam claro os avanços alcançados, mas apontam os desafios iminentes: a permanência e a conclusão do curso.

A grande diversidade que abarca hoje a população estudantil universitária promove uma espécie de “balanço nas estruturas” das instituições, que são desafiadas a transpor seu sistema de organização a fim de atender efetivamente a todos. A partir das reflexões propostas pelo livro e pelos estudos relatados, é possível delinear o papel estratégico e fundamental de ação que pode desempenhar a IES a fim de amenizar o processo de transição, adaptação, permanência e sucesso acadêmico por meio de intervenções pensadas sistematicamente para cada situação de formação.

Como limitações, é possível avaliar que as investigações e propostas de trabalhos são muito voltadas para um tipo específico de IES, o ensino público, o que, de acordo com a apresentação do primeiro capítulo do livro, não representa o total ou a maioria das instituições no Brasil. Observa-se a carência de um olhar voltado para as IES privadas com fins lucrativos e sem atividade de pesquisa.

  • Revisão textual:
    Normalização bibliográfica (APA 7ª Ed.), preparação e revisão textual em português: Empresa Tikinet comercial@tikinet.com.br

Disponibilidade de dados:

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Referência:

  • Osti, A., Fior, C.; Canal, C. P. P., & Almeida, L. S. (Orgs.). (2023). Ensino Superior: mudanças e desafios na perspectiva dos estudantes Pedro & João Editores.

Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2025
  • Aceito
    21 Jun 2025
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