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Resenha: psicoterapia: pesquisa e prática

Resenha: psicoterapia: pesquisa e prática

Geraldina Porto Witter* * Endereço para correspondência: Av. Pedroso de Moraes, 144, Apto. 302, Pinheiros, São Paulo, SP, 05420-000. Tel. (11) 3032-1968 / 4796-5156, Tel./Fax: (11) 3812-8079. E-mail: gwitter@uol.com.br

Unicastelo, São Paulo, Brasil

Goodheart, C. D., Kazdin, A. E., & Sternberg, R. J. (Eds.). (2006). Evidence-based Psychoterapy: Where practice and research meet. Washington, DC: APA.

Na última década, na área de saúde progressivamente vem sendo enfatizado o trabalho baseado em evidências. Na Psicologia Comportamental esta preocupação sempre existiu e aparece atualizada e com destaque na obra aqui resenhada. Os organizadores e autores estão entre os psicólogos que já contribuíram substantivamente de várias maneiras para o conhecimento psicoterápico. Ocuparam cargos e funções importantes no que concerne às associações científicas e profissionais. Apresentam uma respeitável produção científica.

A Introdução foi redigida por Goodheart e Kazdin que começam por explicitar evidência baseada na prática (EBP) que, em psicologia se refere a um tratamento validado empiricamente (cientificamente), em que está implícito um atendimento baseado em evidência EBT) comprometido com a incorporação das relações empiricamente estabelecidas. Os autores discutem a questão já que há variação de perspectivas sobre a matéria e apresentam as três partes do livro. Lembram que as contribuições inseridas no livro são de pesquisadores clínicos, praticantes da clínica, educadores clínicos e atuantes na política pública de saúde. Desta diversidade emergem perspectivas convergentes e divergentes, mas há oportunidades para aproximação.

A Parte I é uma perspectiva da prática psicoterápica em busca da tendência de apoio em evidências sendo composta por quatro capítulos. O primeiro capítulo é assinado por Geoffrey M. Reed e Elena J. Eisman que começam por lembrar que a prática baseada em evidencia, desenvolveu-se nos Estados Unidos no contexto dos novos padrões de atendimento à saúde retomando sua história a partir dos atos legais dos anos setenta até o presente. Apresentam as bases e conceitos relevantes na proposta e os problemas de concretização.

No Capítulo 2, Carol D. Goodheart trata da busca de eliminar a separação entre prática clínica e pesquisa clínica, especialmente pela demora com que a primeira consome os dados da pesquisa prejudicando o atendimento, É necessário criar um contexto para romper a distância de modo a facilitar uma prática cientificamente informada. Várias medidas são apresentadas. O especialista em psicoterapia precisa: (a) conhecer a literatura científica de psicologia, dos processos e intervenções psicoterápicas e sua aplicabilidade a casos específicos; (b) incorporar os sólidos princípios terapêuticos da teoria e da pesquisa; (c) ter amplas e profundas habilidades terapêuticas; (d) um esforço terapêutico genuíno para compreender o problema da pessoa, o contexto e as circunstâncias; (e) consultar outros especialistas e pares quando necessário; (f) ser crítico quanto ao processo, as reações do paciente, progresso e resultados da psicoterapia e (g) ver a aprendizagem como um processo ao longo da vida.

Jean A. Carter trata de um tema pouco debatido e até visto negativamente no Brasil e que, no exterior, tem ampla aceitação e vem crescendo desde o final da década de 60 do século passado. Trata-se de unificação, aceitação do pluralismo teórico e ecletismo técnico, que modernamente se espera seja vigente no mundo da psicoterapia. Apresenta o modelo contextual que busca uma unificação, que vem dos anos trinta. O capítulo 4, de Lillian Cornas-Dias dá continuidade ao tema ao tratar da variação cultural na relação terapêutica. A adaptação da terapia às variações culturais é uma necessidade que as pesquisas demonstraram sobejamente e que nem sempre os práticos dão a merecida atenção que merece. Fechando esta parte, como nas subseqüentes, os organizadores tecem breves comentários destacando a necessidade da integração pesquisa-prática.

A Parte II tem por título Perspectiva e pesquisa e o primeiro capítulo leva a assinatura de Michael J. Lambert e Andréa Archer, no qual enfocam os resultados das pesquisas sobre os efeitos da psicoterapia e suas implicações para a prática. Mostram que em Psicologia erroneamente tomou-se o modelo médico por modelo, o qual não se ajusta adequadamente à terapias psicológicas. Apresenta uma síntese dos achados em pesquisa sobre a eficácia das psicoterapias na última década.

No Capítulo seguinte, Jonathan D. Huppert, Amanda Fabbro e David H. Barlow partem da revolução nos cuidados com a saúde que está ocorrendo no mundo, baseando-se sempre na evidência resultante de pesquisas, em que também se envolveu a psicoterapia. Apresenta conceitos, critérios e dados sobre a evidência científica como suporte para o tratamento psicológico. Há um forte apoio científico para que as políticas de saúde e os governos adotem na saúde uma prática baseada em evidências. O quadro remete para uma questão básica, tratada por Alan E. Kazdin no Capítulo 7 – Medida e avaliação da prática clínica – que é também uma forma de reduzir o hiato entre a pesquisa e a prática clinica. Espera-se hoje que a psicoterapia se desenvolva em um contexto de pesquisa de tratamento com o máximo de controle possível, o que certamente pede avaliações sistemáticas, vale dizer, seguir os passos-chave: (a) especificar e definir a avaliação dos objetivos do tratamento; (b) especificar e medir os procedimentos e processos; (c) medir em múltiplas ocasiões e (d) avaliar os dados. Exemplos de pesquisas da prática e de alternativas metodológicas são apresentados claramente.

John R. Wesz e Michael E. Addis escreveram o último capítulo da parte em que aprofundam a questão da avaliação das psicoterapias baseadas em evidências no contexto do atendimento clínico. Também enfocam a necessidade de no treino para formação do clínico ser dada a devida ênfase na capacitação para a pesquisa da psicoterapia, do tratamento, especialmente no contexto do estágio.

Fechando a parte os organizadores lembram que os textos apresentados têm implicações para a formação e as políticas públicas. São muitas as implicações para a formação do psicólogo clinico, com base em sua capacitação em pesquisa será assegurada melhor qualidade no atendimento, com amplas implicações sociais, econômicas e de justiça.

A Parte III enfoca treinamento, política e cuidados a serem tomados. É constituída por três capítulos, o primeiro é da autoria de Steven J. Trierweiler e trata da formação da próxima geração de psicólogos clínicos que precisam ser competentes em avaliação, com amplo domínio de metodologia científica para uma produtiva interface entre ciência e prática. «A integração da ciência e prática é o objetivo que originalmente definiu a disciplina psicologia clínica» (p. 211). Um bom julgamento clínico requer um bom julgamento científico. A boa clínica implica em por a ciência em prática, fazendo desta um espaço para a pesquisa e para treino do futuro terapeuta. Atitude de um cientista deve estar presente nas situações clínicas, o mesmo podendo se dizer do pensamento crítico. A formação clínica requer competência metodológica para lidar na clínica com problemas como amostragem, observação, registro, interpretação de dados e lógica, escolhas e análises estatísticas, análise de variáveis, precisão. Todo estudante de Psicologia precisa ter atitudes cientificas.

Sandra J. Tanenbaum (Capítulo 10) amplia o debate da expansão prática baseada em evidencias enfocando as políticas públicas. Lembra que não importa as dificuldades, é possível superá-las para se fazer uma boa ciência que, bem administrada, levará a uma boa prática que por sua vez, contribuirá para a definição de uma boa política.

Os padrões de ouro para a proposta são considerados por Robert J. Sternberg no último capítulo que fecha o livro. Entre os cuidados a tomar estão:

1. Necessidade de levar sempre em consideração o contexto em que ocorre a prática.

2. As diferentes definições de evidência.

3. Uma prática baseada em evidências não é mera prática.

4. Os efeitos terapêuticos são maiores do que os efeitos de tratamento.

5. Às vezes as técnicas baseadas em evidências não dão conta de toda a complexa realidade clínica.

6. A psicoterapia é tanto ciência quanto arte e nem sempre as evidências científicas dão conta do lado artístico.

7. Há situações para as quais ainda não se pode contar com técnicas para estudos de evidências.

8. A experiência às vezes é melhor professor que os estudos de evidência.

9. A psicoterapia funciona.

10. Na literatura científica ainda não há dados suficientes sobre como e quando aplicar várias técnicas.

11. Há situações difíceis de trabalho com base nas evidências.

12. Não se pode ignorar a relação paciente-terapeuta.

13. Quando há conflito entre experiência do terapeuta e a pesquisa científica, o terapeuta tende a seguir sua experiência.

14. As pesquisas não estudaram o suficiente a ampla variedade de situações e pacientes.

15. Ainda há poucas evidências de que se desenvolver prática baseada em evidência se terá melhores resultados.

16. Cuidar para que a pesquisa se realize dentro de um contexto.

17. Cuidados com a possível rejeição por parte dos terapeutas.

18. Os resultados de pesquisa podem ser viezados pelas preferências teóricas do pesquisador.

19. Os clínicos tendem a se basear em dados de pesquisa.

20. Os relatos de pesquisa nem sempre são compreensíveis para os que aplicam o conhecimento.

21. Pesquisadores e aplicadores tendem a ter visões diferentes de mundo.

22. Ainda há, em certos casos, falta de clareza sobre o que é um tratamento com base empírica.

23. Pode haver aumento de custos.

24. As pesquisas podem negligenciar aspectos relevantes para os terapeutas.

25. Os terapeutas podem incluir avaliações contínuas para melhorar sua prática.

O livro tem interesse para todos os profissionais da área da saúde já que o atendimento baseado em evidência é foco da atenção mundial. No Brasil há carência de trabalhos, de reuniões, de discussão das questões pertinentes.

As referências bibliográficas de cada capítulo são atuais, de qualidade e pertinentes. Completam a obra: índice de autores e índice de conteúdo que facilitam consultas específicas.

Vale lembrar o empenho da American Psychiatric Association e da American Psychological Association em busca da integração pesquisa e clínica o que vem sendo melhor efetivado via atendimento baseado em eficiência.

Recebido: 17/11/2006

Aceite final: 29/03/2007

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    Endereço para correspondência: Av. Pedroso de Moraes, 144, Apto. 302, Pinheiros, São Paulo, SP, 05420-000. Tel. (11) 3032-1968 / 4796-5156, Tel./Fax: (11) 3812-8079. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      2007
    Curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2600 - sala 110, 90035-003 Porto Alegre RS - Brazil, Tel.: +55 51 3308-5691 - Porto Alegre - RS - Brazil
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