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INTERNACIONALIZAÇÃO DO PSICODRAMA BRASILEIRO

INTERNACIONALIZACIÓN DEL PSICODRAMA BRASILEÑO

A Revista Brasileira de Psicodrama está completando 30 anos em 2022, uma oportunidade para celebrar o seu fortalecimento com um periódico científico e para avaliar as possibilidades de novos avanços para a próxima década.

Muitos psicodramatistas reconhecidos pela excelência de suas práticas e do ensino do psicodrama evitam o desafio de escrever e publicar seus artigos, tornando o psicodrama brasileiro menos conhecido em outros continentes. Essa ausência de artigos brasileiros reflete, além da pouca familiaridade com a escrita científica, a dificuldade para a pesquisa e publicação em inglês.

A diversidade cultural e linguística é fundamental, especialmente em psiquiatria infantil e do adolescente, em que o contexto cultural desempenha um papel importante na prática clínica e na eficácia do tratamento (Poremski et al., 2019Poremski, D., Falissard, B., Fegert, J., Witt, A., Ordóñez, A. E., Martin, A., Fung, D. S. S. (2019). Moving from ‘personal communication’ to ‘available online at’: preprint servers enhance the timeliness of scientific exchange. Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health, 13, 42. https://doi.org/10.1186/s13034-019-0301-4
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). Esses autores apontam a prevalência de artigos em inglês nas principais bases de dados e a dificuldade para aprovação daqueles produzidos por outras culturas. No psicodrama, com múltiplas tendências e áreas de atuação, a diversidade cultural trazida pela participação de autores brasileiros é uma importante contribuição para o desenvolvimento da abordagem.

Para uma atualização em consonância com o que vem sendo desenvolvido no exterior, é fundamental que os brasileiros incluam publicações recentes, inclusive em inglês, em suas revisões do tema de estudo antes de iniciar a escrita. Essa etapa da escrita científica é considerada, no mundo da ciência, um requisito para a qualidade do artigo e da produção científica, gerando a possibilidade de ser citado nas principais revistas internacionais revisadas por pares.

A maioria dos interessados em publicar recebe uma formação limitada para a escrita científica. A expectativa é que aprenda a escrever artigos científicos “escrevendo”, sem uma preparação formal (Fernández et al., 2018Fernández, E., García, A. M., Serés, E. & Bosch, F. (2018). Students’ satisfaction and perceived impact on knowledge, attitudes and skills after a 2-day course in scientific writing: a prospective longitudinal study in Spain. BMJ Open, 8(1), e018657. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2017-018657
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). Esses autores avaliaram a satisfação de alunos espanhóis de graduação e pós-graduação participantes de um programa intenso de dois dias de capacitação para a escrita científica e os resultados confirmaram a importância dessa disciplina.

Para os autores que não tem o inglês como idioma primário, o desafio para publicar em periódicos internacionais fica ainda maior. Um exemplo de abordagem dessa limitação foi a experiência da Universidade Médica de Tóquio, no Japão, que desenvolveu uma plataforma própria para submissão de manuscritos de seus alunos. Todos os manuscritos passam por um processo de consultoria e edição por professores altamente qualificados e experientes. Ao mesmo tempo, o aluno recebe material didático para a escrita científica (Barroga & Mitoma, 2019Barroga, E. & Mitoma, H. (2019). Improving Scientific Writing Skills and Publishing Capacity by Developing University-Based Editing System and Writing Programs. Journal of Korean Medical Science, 34(1), e9. https://doi.org/10.3346/jkms.2019.34.e9
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). Bons recursos tecnológicos facilitam a administração das contribuições, mas não substituem a dedicação de tempo por alunos e docentes na definição do foco do artigo, redação, revisão após as recomendações dos avaliadores e a finalização do manuscrito.

Um grupo de médicos e pesquisadores americanos de origem árabe organizou um curso on-line de redação e publicação científica para que colegas da Síria pudessem relatar os efeitos da guerra e suas condições adversas sob a perspectiva médica (Sabouni et al., 2017Sabouni, A., Chaar, A., Bdaiwi, Y., Masrani, A., Abolaban, H., Alahdab, F., ... Al-Moujahed, A. (2017). An online academic writing and publishing skills course: Help Syrians find their voice. Avicenna Journal of Medicine, 7(3), 103–109. https://doi.org/10.4103/ajm.AJM_204_16
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). Inicialmente, 2.588 médicos e estudantes de medicina aderiram ao grupo criado na mídia social, 385 completaram o questionário inicial e apenas 159 finalizaram o programa. Esses resultados sugerem que o tópico desperta interesse, mas que há impedimentos para adesão plena à tarefa.

Iniciativas como essas relatadas sugerem possibilidades de ação em favor da diversidade, equidade e inclusão (DEI) de autores relevantes no cenário internacional. Publicar bons artigos em inglês tem sido cada vez mais imperioso para o desenvolvimento de qualquer área de estudo, inclusive o psicodrama. Atingir o coletivo de pesquisadores e estudiosos de todos os continentes garante a atualidade do saber científico e mais oportunidades de troca entre diferentes tendências teóricas.

O movimento atual para alavancar DEI na editoração científica (Fleury, 2021Fleury, H. J. (2021). O psicodrama confirma missão política da diversidade, equidade e inclusão. Revista Brasileira de Psicodrama, 29(3), 159–162. https://doi.org/10.15329/2318-0498.00509_PT
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) deve contemplar programas de capacitação para a escrita e para a avaliação científica. O objetivo desse editorial é refletir sobre a importância da indexação e da internacionalização da Revista Brasileira de Psicodrama, assim como revisar algumas práticas para melhorar as habilidades de escrita científica.

INDEXAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO

A avaliação da qualidade de uma publicação científica baseia-se principalmente em critérios de indexação e citação. Indexação é o processo de inclusão de periódicos científicos em determinada base de dados, como, por exemplo, a Coleção SciELO. Como as mais importantes bases de dados definem critérios para esse processo, participar de uma delas tende a ser um atestado de qualidade reconhecido pela comunidade internacional.

Um desses critérios baseia-se no fator de impacto da revista, relativo à frequência com que um artigo é citado durante determinado período (Kieling & Gonçalves, 2007Kieling, C. & Gonçalves, R. R. F. (2007). Assessing the quality of a scientific journal: the case of Revista Brasileira de Psiquiatria. Brazilian Journal of Psychiatry, 29(2), 177–181. https://doi.org/10.1590/S1516-44462007000200017
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). A visibilidade dos artigos é uma condição necessária para aumentar o número de citações e, consequentemente, influenciar positivamente seu fator de impacto.

As políticas editoriais, com várias regulamentações, e as novas propostas de ciência aberta no processo de avaliação têm estimulado o avanço na qualidade da pesquisa e da publicação científica (Gasparyan et al., 2018Gasparyan, A. Y., Yessirkepov, M., Voronov, A. A., Koroleva, A. M. & Kitas, G. D. (2018). Updated Editorial Guidance for Quality and Reliability of Research Output. Journal of Korean Medical Science, 33(35), e247. https://doi.org/10.3346/jkms.2018.33.e247
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). Como os pesquisadores e autores utilizam mecanismos de busca de artigos em bases de dados reconhecidas para atualização, a indexação traz importantes implicações para a pesquisa e para o desenvolvimento de uma área de estudo (Gasparyan & Kitas, 2021Gasparyan, A. Y. & Kitas, G. D. (2021). Editorial Strategy to Get a Scholarly Journal Indexed by Scopus. Mediterranean Journal of Rheumatology, 32(1), 1–2. https://doi.org/10.31138/mjr.32.1.1
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).

A Revista Brasileira de Psicodrama foi indexada na Coleção SciELO e a publicação passará a ser contínua, permitindo que os artigos possam chegar aos leitores com maior rapidez e ser mais citados. Como a indexação abre portas para o acesso a novas bases de dados internacionais, facilitando a apresentação dos artigos publicados a uma nova audiência, esse foi um passo decisivo para a internacionalização das diferentes tendências teóricas e práticas do psicodrama influenciado pela cultura brasileira.

OS DESAFIOS DA ESCRITA CIENTÍFICA

A análise de instruções aos autores de vários periódicos científicos, de 1987 a 2017, por meio de revisão sistemática e metanálise identificou o detalhamento crescente dos itens ao longo do tempo, principalmente em revistas com maior fator de impacto, da área da saúde e aquelas mais generalistas, diferenças entre países e entre bases de dados (Malički et al., 2021Malički, M., Jerončić, A., Aalbersberg, I. J., Bouter, L. & Riet, G. (2021). Systematic review and meta-analyses of studies analysing instructions to authors from 1987 to 2017. Nature Communications, 12, 5840. https://doi.org/10.1038/s41467-021-26027-y
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). Com esses critérios de análise, Malički et al. (2021)Malički, M., Jerončić, A., Aalbersberg, I. J., Bouter, L. & Riet, G. (2021). Systematic review and meta-analyses of studies analysing instructions to authors from 1987 to 2017. Nature Communications, 12, 5840. https://doi.org/10.1038/s41467-021-26027-y
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sugeriram consultoria profissional para atender às exigências crescentes, o que foi adotado pela Revista Brasileira de Psicodrama nos últimos anos.

Porém não bastam instruções detalhadas aos autores. Uma das principais limitações da Revista Brasileira de Psicodrama para novas e melhores indexações é a pouca familiaridade da comunidade psicodramática com a escrita científica, uma das possíveis explicações para o baixo número de citações dos artigos em outros periódicos. Como em outras revistas científicas, a capacitação dos autores e dos avaliadores para a escrita científica é essencial.

Em relação à atividade de avaliação, a Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC Brasil) oferece um curso de Ensino à Distância “Avaliador de Artigo Científico” com importantes subsídios para o aprimoramento das avaliações, inclusive com orientações para a implantação de um processo de avaliação em ciência aberta. O diferencial desse curso é o aprendizado com exercícios práticos simulando a avaliação por pares.

Em relação aos autores, a maioria deles tem dificuldade em atender as especificações para cada seção do artigo, a função dos componentes do resumo (introdução, objetivos, método, análise e discussão e considerações finais) e em estabelecer critérios de inclusão e exclusão em artigos de pesquisa de campo e de revisão. Considerando a imperiosidade de alavancar os princípios DEI na Revista Brasileira de Psicodrama, novas referências precisam ser buscadas para atender às limitações de nossos autores com a escrita científica.

As recomendações gerais para a escrita científica sugerem iniciar com a leitura dos principais artigos publicados anteriormente sobre o assunto, com uma revisão bibliográfica adequada. Mesmo reconhecendo a dificuldade intrínseca dessa tarefa, Forero et al. (2020)Forero, D. A., Lopez-Leon, S. & Perry, G. (2020). A brief guide to the science and art of writing manuscripts in biomedicine. Journal of Translational Medicine, 18, 425. https://doi.org/10.1186/s12967-020-02596-2
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ressaltam que a ciência avança indo além do que é conhecido. Essa tarefa exige tempo e disciplina, um obstáculo frequente entre autores potenciais.

A International Association for Group Psychotherapy and Group Processes (IAGP) promoveu um grupo de preparação para a escrita científica com participantes de vários países. A partir de uma série de dicas (Grundy, 2021Grundy, D. (2021). Tips on professional writing [Manuscrito não publicado]. Professional Writing Course, International Association for Group Psychotherapy and Group Processes (IAGP).), o compartilhamento dos textos e das dificuldades para a escrita científica vem estimulando novas publicações.

O artigo científico deve ser curto, compacto e simples, evitando o uso excessivo de adjetivos e advérbios (Forero et al., 2020Forero, D. A., Lopez-Leon, S. & Perry, G. (2020). A brief guide to the science and art of writing manuscripts in biomedicine. Journal of Translational Medicine, 18, 425. https://doi.org/10.1186/s12967-020-02596-2
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). Os tópicos básicos para melhorar a escrita científica de autores de outros idiomas são, entre outros, o uso correto da gramática, estilo editorial/científico, estrutura de sentenças, componentes do artigo científico, comunicação em congressos, preparação do artigo para publicação (Barroga & Vardaman, 2015Barroga, E. & Vardaman, M. (2015). Essential Components of Educational Programs on Biomedical Writing, Editing, and Publishing. Journal of Korean Medical Science, 30(10), 1381–1387. https://doi.org/10.3346/jkms.2015.30.10.1381
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).

CONCLUSÃO

Com a inclusão da Revista Brasileira de Psicodrama na Coleção SciELO, o comitê editorial está em busca de novos parâmetros de cientificidade para alcançar patamares mais altos de qualidade, tanto na política editorial como na capacitação dos interessados em publicar e em avaliar os manuscritos submetidos à revista, com o intuito de aprender sempre e desenvolver um processo de aprendizagem reflexiva e atualizada.

Desenvolvimentos teóricos e práticos do psicodrama, influenciados pela rica cultura brasileira, tem muito a contribuir, principalmente em países em desenvolvimento. A indexação na Coleção SciELO iniciou esse processo, com o acesso aberto aos artigos, alguns deles em inglês.

Nessa próxima década, a capacitação para a escrita científica e para a publicação em inglês torna-se imperiosa para o compartilhamento da diversidade cultural, da equidade entre psicodramatistas e a inclusão cada vez maior de autores de diferentes tendências teóricas e de áreas afins que possam contribuir para novos desenvolvimentos, condições essenciais para a internacionalização do psicodrama brasileiro.

REFERÊNCIAS

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  • Sabouni, A., Chaar, A., Bdaiwi, Y., Masrani, A., Abolaban, H., Alahdab, F., ... Al-Moujahed, A. (2017). An online academic writing and publishing skills course: Help Syrians find their voice. Avicenna Journal of Medicine, 7(3), 103–109. https://doi.org/10.4103/ajm.AJM_204_16
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    0 0 2022
  • Data do Fascículo
    2022
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