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ESCUTAÇÃO: ENCONTROS ENTRE CRIANÇAS, ASSISTÊNCIA SOCIAL E PANDEMIA

“ESCUCHA-ACCIÓN”: ENCUENTROS ENTRE NIÑOS, ASISTENCIA SOCIAL Y PANDEMIA

“LISTENING-ACTION”: ENCOUNTERS BETWEEN CHILDREN, SOCIAL ASSISTANCE AND PANDEMIC

Resumo:

Neste artigo objetiva-se discutir questões relacionadas aos encontros das crianças com a assistência social a partir de um recorte da pesquisa de mestrado realizada em um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Apostamos nos traçados singulares da metodologia cartográfica para o acompanhamento dos acontecimentos cotidianos do serviço e para o exercício epistêmico de descolonização do pensamento. Pretendemos, assim, contextualizar os discursos vinculados às crianças consideradas público prioritário do serviço e objetos da política pública e refletir sobre a pandemia da Covid-19 que escancara as desigualdades sociais. Entendemos que o olhar crítico desde uma perspectiva parcial potencializa a desconstrução de discursos totalizantes e universais sobre as infâncias e propomos a escutação como aposta ética-estética-política de uma escuta menor em tempos e sistemas maiores, que podem brutalizar o cotidiano de trabalho nas políticas públicas.

Palavras-chave:
Política pública; Criança; Psicologia social; Assistência social; Covid-19

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo discutir cuestiones relacionadas con los encuentros de los niños con la asistencia social, a partir de un fragmento de una investigación de maestría realizada en un Servicio de Convivencia y Fortalecimiento de Vínculos. Apostamos por las huellas únicas de la metodología cartográfica para el seguimiento de los acontecimientos cotidianos del servicio y para el ejercicio epistémico de descolonización del pensamiento. Pretendemos, por tanto, contextualizar los discursos vinculados a los niños considerados público prioritario del servicio y objeto de la política pública y reflexionar sobre la pandemia de la Covid-19, que abre las desigualdades sociales. Entendemos que la mirada crítica desde una perspectiva parcial potencia la deconstrucción de discursos totalizadores y universales sobre la infancia y proponemos la “escucha-acción” como una apuesta ético-estética-política de una escucha más pequeña en tiempos y sistemas más grandes que puede embrutecer el trabajo cotidiano en las políticas públicas.

Palabras clave:
Política pública; Niño; Psicología social; Asistencia social; Covid-19

Abstract:

This article aims to discuss issues related to children’s encounters with social assistance, based on an excerpt from a master's research carried out in the Service for Coexistence and Strengthening of Bonds. We bet on the unique traces of the cartographic methodology for the monitoring of the daily events of the service and for the epistemic exercise of decolonization of thought. We intend, therefore, to contextualize the speeches linked to children considered a priority public of the service and objects of public policy and to reflect on the Covid-19 pandemic that opens up social inequalities. We understand that the critical look from a partial perspective enhances the deconstruction of totalizing and universal discourses about childhood. Besides, we propose listening-action as an ethical-aesthetic-political bet of a smaller listening in larger times and systems, which can brutalize the daily work in public policies.

Keywords:
Public Policy; Child; Social Psychology; Social Assistance; Covid-19

Introdução

Neste artigo, apresentamos um recorte de uma pesquisa que se compôs nas tessituras dos encontros das crianças com as políticas públicas de assistência social em tempos de pandemia da Covid-19, mais especificamente em um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do município de Porto Alegre/RS.

Contextualizamos alguns enquadres discursivos que podem direcionar a estigmas e estereótipos colados às crianças consideradas público prioritário do SCFV, refletimos sobre o tempo da pandemia que escancara as desigualdades sociais e a necropolítica da sociedade brasileira e propomos criançamentos na assistência social inventando a palavra escutação para falar de uma escuta menor em tempos maiores que brutalizam o cotidiano de trabalho nas políticas públicas.

Criançamento é uma palavra inventada pelo poeta Manoel de Barros (2010Barros, Manoel de (2010). Poesia completa. Leya., p. 339) que queria “chegar ao criançamento das palavras”, fazer uma revolução da linguagem e brincar com o sentido acostumado das palavras. Neste artigo, fazer criançamento é uma tentativa de desconstrução dos discursos que enquadram as infâncias em modelos universais para abrir-se ao encontro com a potência do que elas dizem, fazem, veem acerca do mundo, tal qual o menino que, “diante de uma casa em demolição, observa: ‘Olha, pai! Estão fazendo um terreno!’” (Rosa, 1967/2009, pp. 30-31Rosa, João G. (1967/2009). Tutaméia (Terceiras estórias). Nova Fronteira.).

Notas sobre o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos

O SCFV é um serviço da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias realizado nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS) com “vistas a prevenir a ocorrência de situações de risco social e fortalecer os vínculos familiares e comunitários” (Ministério do Desenvolvimento Social - MDS, 2016, p. 13Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2016). Caderno de Orientações: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Autor.). É organizado em grupos, dividido por ciclos de vida, observando as necessidades, especificidades e diversidades das/os participantes, tendo um máximo de 30 usuários sob mediação de uma educadora social, com encontros regulares e atividades planejadas (MDS, 2016Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2016). Caderno de Orientações: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Autor., 2017aMinistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (2017a). Perguntas Frequentes: Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Autor., 2017bMinistério do Desenvolvimento Social - MDS (2017b). Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Autor.). Segundo as orientações técnicas do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS, 2017a, p. 8Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (2017a). Perguntas Frequentes: Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Autor.), “o SCFV possui um caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades dos usuários, com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento das vulnerabilidades sociais”.

A pesquisa que embasa este artigo foi realizada em um SCFV do município de Porto Alegre/RS, com crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, tendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em Porto Alegre/RS, os SCFV atendem aproximadamente dez mil crianças e adolescentes de 6 a 15 anos1 1 Informação em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?p_secao=1488 . Com o início da pandemia da Covid-19, as atividades presenciais do SCFV foram suspensas durante alguns meses, sendo retomadas no final de 2020 e organizadas para garantir o distanciamento social: horários reduzidos, poucas crianças simultaneamente e agendamento prévio. Anteriormente, eram em dias úteis, turnos diários, inversos ao da escola, de até quatro horas (MDS, 2014Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (2014). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Autor.).

O público prioritário do SCFV são crianças e adolescentes que vivenciam situações de trabalho infantil, violências, negligências, fora da escola, defasagem escolar, acolhimento institucional, egressos ou em cumprimento de medida socioeducativa, com medidas de proteção, situação de rua, entre outras (MDS, 2016Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2016). Caderno de Orientações: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Autor.; 2017aMinistério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (2017a). Perguntas Frequentes: Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Autor.; 2017bMinistério do Desenvolvimento Social - MDS (2017b). Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Autor.).

Esses critérios específicos podem gerar estereótipos e práticas menoristas, porém os modos de implementar e executar as políticas públicas podem configurar-se como resistência à própria história na qual elas se constituem, marcadas por contradições e ideias normatizadoras. Nesse sentido, Lílian Cruz, Betina Hillesheim e Neuza Guareschi (2005Cruz, Lílian; Hillesheim, Betina, & Guareschi, Neuza (2005). Infância e políticas públicas: um olhar sobre as práticas psi. Psicologia & Sociedade [online], 17(3), 42-49. https://doi.org/10.1590/S0102-71822005000300006
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) discorrem sobre a história das práticas psicológicas nas políticas públicas e como contribuem para legitimar as “crianças como objeto psico-médico-biológico, passíveis de serem medidas, testadas, ordenadas e denominadas normais e anormais” (p. 44) e, com isso, produzem “subjetividades desqualificadas - famílias incompetentes e negligentes - ... e uma infância tida como ideal, desejável, normal” (p. 46). De forma semelhante, Cecília Coimbra e Maria do Nascimento (2008Coimbra, Cecília & Nascimento, Maria L. (2008). A produção de crianças e jovens perigosos: a quem interessa? CEDECA - São Martinho. http://www.infancia-juventude.uerj.br/pdf/livia/aproducao.pdf
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) ressaltam que as práticas e teorias cientificistas, racistas e eugênicas atuam na produção de subjetividades “que têm caracterizado a população infanto-juvenil subalternizada como perigosa, violenta, criminosa e, muitas vezes, percebida como não humana” (p. 1).

Os SCFV estão inseridos no mesmo território de abrangência dos CRAS que se localizam em áreas de maior vulnerabilidade social de um município (MDS, 2014Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS (2014). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Autor.; Política Nacional de Assistência Social - PNAS, 2004Política Nacional de Assistência Social - PNAS. (2004). Norma Operacional Básica. MDS.). Estão nas vilas, nas comunidades periféricas, nas favelas, numa atuação com a infância considerada pobre e que é “alvo maciço dos saberes/poderes modernos, a qual é compreendida como um problema político e econômico, que exige esforços no sentido de seu ordenamento e controle” (Hillesheim & Cruz, 2008, p. 195Hillesheim, Betina & Cruz, Lílian (2008). Risco, vulnerabilidade e infância: algumas aproximações. Psicologia & Sociedade [online], 20(2), 192-199. https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200006
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). Com as atividades do SCFV, consideradas de caráter preventivo, há uma tentativa de gestão dos riscos sociais e, pela probabilidade de prever acontecimentos, busca-se modificar o que é indesejado com ações mitigadoras, buscando a antecipação do futuro numa intervenção no presente (Hillesheim & Cruz, 2008).

Simone Hüning, Rosângela Cabral e Maria Ribeiro (2018Hüning, Simone, Cabral, Rosângela J., & Ribeiro, Maria A. T. (2018). Nas Margens: Psicologia, Política de Assistência Social e Territorialidades. Revista Polis e Psique, 8(3), 52-69. https://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.86108
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) destacam que os territórios, principalmente da assistência social, se constituem pelas desigualdades no investimento e no governo das cidades e, ligado a isso, há discursos totalizantes de desqualificação e criminalização direcionados aos moradores, que incidem na execução das políticas públicas, perpassadas pela racialização, por preconceitos e pela idealização de modos de vida.

Em consonância à proteção social e à prevenção de riscos sociais, é indicado que a atuação do SCFV nos territórios seja de forma a identificar suas potencialidades e de valorizá-los enquanto lugar de pertença dos sujeitos (MDS, 2017bMinistério do Desenvolvimento Social - MDS (2017b). Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Autor.), sendo fundamental compreender que os territórios são produzidos nas tramas e tessituras das interações e “das relações cotidianas, seus modos de vida, sua configuração topográfica e morfológica, suas condições de urbanização e infraestrutura urbana, suas condições de moradia que compõem o cenário e a história ali vivida” (MDS, 2017b, p. 52Ministério do Desenvolvimento Social - MDS (2017b). Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Autor.).

Entretanto, um dos desafios do SCFV em realizar ações cuidadosas, acolhedoras, sobretudo não coloniais ou violentas, é perpassado por discursos de ódio internalizados na sociedade, relacionados à produção de crianças e jovens perigosos em determinados territórios e que se materializam em falas propagadas por cidadãos de bem, como um dos que encontramos durante a pesquisa e que diz o quão importante é ter um espaço como o SCFV para as crianças não ficarem na rua e não virarem bandidos. Discursos que produzem subjetividades no contemporâneo e que são direcionados às crianças do SCFV que têm em seus corpos a inscrição da intersecção dos marcadores sociais da diferença de raça, gênero, classe e território e que, tantas vezes, são enquadrados como alvos da necropolítica, objetos de uma política pública e público prioritário de um serviço.

Cabe pontuar que os mesmos documentos que apontam para critérios e enquadramentos trazem pistas sobre a importância de um espaço sensível e do olhar às singularidades, destacando que “promover bons encontros, que fortaleçam a potência de agir pode impulsionar a ação para enfrentar situações conflituosas, alterar condições de subordinação, estabelecer diálogos, desejar e atuar por um mundo mais digno e mais justo” (MDS, 2017b, p. 28).

Dessa forma, o SCFV, assim como outros serviços da assistência social, precisa de insistência “em um fazer sensível às diferenças entre territorialidades e as experiências tantas vezes invisibilizadas”, tal qual relatado por Hüning et al. (2018Hüning, Simone, Cabral, Rosângela J., & Ribeiro, Maria A. T. (2018). Nas Margens: Psicologia, Política de Assistência Social e Territorialidades. Revista Polis e Psique, 8(3), 52-69. https://dx.doi.org/10.22456/2238-152X.86108
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, p. 66). Um exercício que perpassa a ideia de que os modos de execução das políticas públicas podem ser resistência às durezas cotidianas e às macropolíticas que objetificam as crianças. As trabalhadoras atuantes nesses espaços podem fazer o jogo de reprodução de modelos e métodos que não permitem criar saídas para os processos de singularização e de produção de desejos, mas também podem trabalhar numa micropolítica que constrói novos modos de subjetividade (Guattari & Rolnik, 1985Guattari, Félix & Rolnik, Suely (1985). Micropolítica: cartografias do desejo. Vozes.), potencializando intervenções em que a voz das crianças seja escutada, suas problematizações e perspectivas de olhar consideradas e seus modos de vida não criminalizados.

Ademais, a insistência e a resistência também se relacionam com as (im)possibilidades de efetivar a política pública de assistência social diante de tempos de desmontes, uma vez que ao olharmos os documentos técnicos utilizados nessa escrita, datados de um período em que havia no governo federal o Ministério do Desenvolvimento Social (de 2004 a 2018), responsável por políticas sociais e por uma ampla produção de conhecimento e orientações às trabalhadoras da PNAS, entendemos que a redução deste ministério a uma secretaria do Ministério da Cidadania no atual (des)governo Bolsonaro, desde janeiro de 2019, é simbólica. A conhecida PEC da Morte (Emenda Constitucional nº 95 de 2016) e a Portaria nº 2362 de 23 de dezembro de 2019, que reduz o repasse de verbas aos municípios, são exemplos dos cortes orçamentários, do desfinanciamento e da inconstância de recursos e investimentos que acontecem desde o golpe de 2016 e que impactam diretamente na oferta dos serviços previstos na PNAS, consequentemente no SCFV, nos programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, recoloca o Brasil no Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas e “traz de volta práticas conservadoras da assistência social, como o primeiro damismo e práticas moralizantes e higienizadoras de controle da população pobre” (Delgado, Tolentino, Barbosa, Machado, & Nunes, 2022Delgado, Diana, Tolentino, Erika S., Barbosa, Mara C. F., Machado, Ricardo W. G., & Nunes, Nilza R. A. (2022). (Des)financiamento e (des)proteção social: o abate da ‘prima pobre’ da Seguridade Social. O Social em Questão, 25(52), 35-60. https://doi.org/10.17771/PUCRio.OSQ.56391
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, pp. 43-44).

Cartografar e criançar

A cartografia, enquanto escolha metodológica desta pesquisa, se dá como uma afirmação da potência da heterogeneidade da vida e acontece “no plano da experiência, lá onde conhecer e fazer se tornam inseparáveis, impedindo qualquer pretensão à neutralidade” (Passos & Barros, 2015Passos, Eduardo & Barros, Regina B. (2015). A cartografia como método da pesquisa-intervenção. In Eduardo Passos, Virgínia Kastrup, & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 17-31). Sulina., p. 30). É considerada uma pesquisa intervenção, com uma inevitável implicação dos envolvidos, que borra as fronteiras “de quem conhece e do que é conhecido, de quem analisa e do que é analisado” (Passos & Barros, 2015, p. 25).

O traçado singular do percurso cartográfico desta pesquisa se deu a partir da inserção da primeira autora no SCFV, durante quatro meses (dezembro de 2020 a março de 2021), acompanhando os encontros entre crianças, trabalhadoras e acontecimentos do cotidiano do serviço, com registros em diário de campo, fotografias, desenhos e escritas das crianças.

Festa de Natal, almoço de Ano Novo, caminhar pelo território, pintar pneu para fazer um vaso de flor, cuidar do pátio, desenhar com aquarela, tecer filtro dos sonhos e mandalas, jogar UNO, Fla-Flu2 2 Fla-Flu é a forma como o jogo de futebol de mesa é nomeado no Rio Grande do Sul. Em outros lugares do Brasil também é chamado de pebolim, totó ou pacau. e xadrez, fazer roda de conversa na sala e no pátio, levar os trabalhos finais na escola, torcer para passar de ano, comer melancia gelada, filmar as piruetas no campo de futebol e o gol de bicicleta, fazer silêncio no refeitório, escrever pela primeira vez em um computador, lavar as mãos e passar álcool em gel, higienizar a mesa, escutar uma história, contar outra história, sorrir com os olhos, ter esperança que a pandemia acabe.

“Como o que se passa entre é o mais interessante, resta ao cartógrafo estar suficientemente poroso a estas microssensibilidades que se instauram nas zonas fronteiriças” (Costa, 2014Costa, Luciano B. (2014). Cartografia: uma outra forma de pesquisar. Revista Digital do LAV, 7(2) 65-67. https://doi.org/10.5902/1983734815111
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, p. 67). Zonas essas que são acontecimentos da própria vida e que convocam às apostas em políticas do criançar e criançamentos, para uma desconstrução dos discursos totalizantes sobre as infâncias.

Leni Dornelles (2010Dornelles, Leni V. (2010). Sobre o devir-criança ou discursos sobre as infâncias. In Anais do V Colóquio Internacional de Filosofia da Educação. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. https://www.ufrgs.br/gein/wp-content/uploads/2016/10/sobre-o-devir-crian%C3%A7a-ou-discursos-sobre-as-infancias.pdf
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, p. 17) ressalta que as crianças têm sido “fabricadas como sujeitos que escolhem, decidem, optam e de alguma maneira muito cedo precisam assumir os efeitos de suas decisões” que as enquadram em infâncias emergentes na atualidade, como as daguerra, dareligiosidade, daciberinfância, e outras, no contexto que pesquisamos: doSASE3 3 SASE é a sigla de Serviço de Apoio Sócio Educativo, como era nomeado o SCFV antes da publicação da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais de 2009. , davila, ou com outros adjetivos que podem colar e produzir mais enquadres, como criança-abusada, criança-pobre, criança-vulnerável, criança-em-risco. Mesmo que esses adjetivos não sejam uma escolha, vivemos um tempo que individualiza a questão social e culpabiliza os sujeitos, inclusive as crianças.

Sabemos que o encontro das crianças com o SCFV acontece por motivos potencialmente tristes, como descrito anteriormente. Considerando que o SCFV é complementar ao trabalho social realizado com famílias, as crianças que ali chegam costumam ser encaminhadas por outros serviços, como CRAS, CREAS, serviço de abordagem social de rua, acolhimento institucional e a partir de discussões de casos com a rede intersetorial que busca um espaço protetivo às crianças que vivenciam situações de vulnerabilidades sociais e violação de direitos.

Vivências que não são estáticas e não devem ser definidoras de estereótipos das crianças doSASE, aquelas também nomeadas em risco, potencialmente perigosas, que precisam ser tuteladas, que precisam de intervenção e condução para que sobrevivam à infância, uma etapa da vida a ser superada, e tornem-se adultos trabalhadores.

Entretanto, para que não se reproduzam esses discursos no cotidiano do SCFV, no planejamento das atividades e nas discussões entre profissionais e serviços, é necessário um constante exercício de perguntar-se e de olhar os atravessamentos do “sistema-mundo capitalista, patriarcal, eurocêntrico, cristão, moderno e colonialista” (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, Ramón (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado [online], 31(1), 25-49. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003
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, p. 32) na nossa constituição enquanto sujeitos, que se expressam na forma como trabalhamos, escutamos e intervimos, reconhecendo que há uma produção social de subalternidades que afetam diretamente as crianças que se encontram no SCFV, assim como estruturam infâncias desejáveis e universais.

Betina Hillesheim e Neuza Guareschi (2007Hillesheim, Betina & Guareschi, Neuza (2007). De que infância nos fala a psicologia do desenvolvimento?: Algumas reflexões. Psicologia da Educação, 25, 75-92. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752007000200005&lng=pt&tlng=pt
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) pontuam que, pela busca da universalidade necessária no projeto moderno de ciência, que homogeneíza sujeitos, minimizando as diferenças e maximizando as semelhanças, a Psicologia acabou legitimando um modelo de infância ideal que exclui possibilidades outras de ser criança através de “uma produção discursiva que constitui, a partir de suas descrições, uma infância desejada, normal, ajustada e, da mesma forma, indesejada, patológica, desajustada” (Hillesheim & Guareschi, 2007, p. 88).

Sabemos, sobretudo, que a produção de conhecimentos em nosso sistema-mundo, não somente sobre as infâncias, é constituída a partir de determinadas escolhas epistemológicas em detrimento de outras, sustentadas pelo colonialismo e pelo racismo que se “constituíram num aparato global de destruição de corpos, mentes e espíritos”, como aponta Sueli Carneiro (2005Carneiro, Aparecida Sueli (2005). A Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser [Tese de doutorado, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP]., pp. 101-102). Assim, olhar as infâncias de uma perspectiva parcial e situada requer um deslocamento epistêmico e uma abertura para questionamentos acerca da naturalidade com que as olhamos e a universalidade das verdades ditas e produzidas sobre elas. Donna Haraway (1995/2009, p. 25) destaca que “a visão é sempre uma questão do poder de ver - e talvez da violência implícita em nossas práticas de visualização. Com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?”.

Refletimos, com isso, sobre uma pergunta que é direcionada às crianças: o que você quer ser quando crescer?

Obirin Odara (2021Odara, Obirin. @naomecolonize (2021, 12 de outubro). O vício colonial da falta/incompletude se expressa também na pergunta feita às crianças: “o que você quer ser quando crescer?”. Instagram https://www.instagram.com/p/CGQ6OaFpVo_/
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, s/p) pontua o quão colonial é associar às crianças a ideia de seres faltantes, que precisam crescer, superar a infância e viver a adultidade como auge do tempo cronológico da vida.

A questão é que a criança não será algo quando crescer porque não devemos projetá-la como alguém que ainda deve conquistar seu lugar no mundo, fazendo dela um sujeito que vive à espera do depois. O que elas têm a contribuir com nossa comunidade agora, a partir desse lugar mágico que é a infância? Talvez a pergunta que precise ser feita é para os adultos: o que vocês foram e não são mais? A criança já é.

Reflexões que convocam à descolonização do nosso olhar para “a concepção iluminista da infância e de sua educação como preparação para o futuro, para o adulto que será, o que desapropria a experiência humana das crianças” (Faria, Barreiro, Macedo, & Santos, 2015Faria, Ana L. G., Barreiro, Alex, Macedo, Eliana E., & Santos, Solange E. (2015). Invitações Pós-coloniais. In (Orgs.), Infâncias e pós-colonialismo: pesquisas em busca de pedagogias descolonizadoras (pp. 11-24). Leitura Crítica; Associação de Leitura do Brasil., p. 14). Às crianças, como se concordássemos com a ausência de sua fala e de um lugar próprio e possível no mundo, desejamos que mais rapidamente cresçam e sejam o futuro da nação. Anete Abramowicz e Tatiane Rodrigues (2014Abramowicz, Anete & Rodrigues, Tatiane C. (2014). Descolonizando as pesquisas com crianças e três obstáculos. Educação & Sociedade [online], 35(127), 461-474. https://doi.org/10.1590/S0101-73302014000200007
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, p. 464) dizem que “há um preceito hegemônico que fala de infância e da potência da criança sob os auspícios da economia, como investimento social e capital do futuro”. Hillesheim e Cruz (2008Hillesheim, Betina & Cruz, Lílian (2008). Risco, vulnerabilidade e infância: algumas aproximações. Psicologia & Sociedade [online], 20(2), 192-199. https://doi.org/10.1590/S0102-71822008000200006
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, p. 197) apontam que “ao relacionar os fatores (de risco) do presente, busca-se fabricar o futuro: a infância (hoje) de risco deve ser transformada no adulto produtivo (de amanhã)”.

As crianças que encontramos no SCFV, nomeadas por muitos de vulneráveis e em risco, falam de outras coisas, de muitas coisas. Falam de seus modos de ser criança neste tempo indigesto e sombrio que parece ser o presente, muito mais do que o futuro. Assim, optamos “pelo presente possível, pela utopia do aqui agora, ao invés da ‘velha’ utopia futurista de que o ‘amanhã será melhor’ e [que por isso] devemos nos esforçar para crescer; preferimos nos manter ‘crianças’” (Noguera & Barreto, 2018, p. 641Noguera, Renato & Barreto, Marcos (2018). Infancialização, Ubuntu e Teko Porã: elementos gerais para educação e ética afroperspectivistas. Childhood & Philosophy, 14(31), 625-644. https://doi.org/10.12957/childphilo.2018.36200
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). Afinal, nas suas diferenças e singularidades, as crianças nos movimentam a pensar na potência das diferentes infâncias, que não cabem num conceito único, mesmo que pareçam ter que caber num espaço-tempo delimitado, aquele do zero aos 12 anos.

Apostamos no tempo de criançar, na potência da criança em afetar e ser afetada, sua disponibilidade de construir mundos, disposição para invenção, para imprevistos e para surpreender-se (Vicentin, 2020Vicentin, Maria C. G. (2020). “Criançar o descriançável”: a transicionalidade da infância e o paradoxo da proteção-liberdade. Revista ClimaCom, Devir Criança | pesquisa - ensaio, 7(18). http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/uploads/2020/09/ENSAIO-4-Crian--ar-o-descrian----vel.pdf
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). Um verbo que abre passagem aos movimentos das crianças e das infâncias no contemporâneo. Que deixam entrar em cena as perguntas que as próprias crianças nos fazem acerca das perspectivas de futuro que a adultidade tem negligenciado.

Tempos de pandemia e da necropolítica

Boaventura Santos (2020Santos, Boaventura S. (2020). A Cruel Pedagogia do Vírus. Almedina.), ao refletir sobre a pandemia do coronavírus, pontua a existência de zonas de invisibilidade estruturadas pelo capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, que produzem sombras e ausência de comoção, e que essas “zonas de invisibilidade poderão multiplicar-se em muitas outras regiões do mundo, e talvez mesmo aqui, bem perto de cada um de nós. Talvez baste abrir a janela” (Santos, 2020, p. 9). É improrrogável abrir a janela, as cortinas e os vidros que podem criar dificuldades à visão.

Menino E e Diego4 4 Nomes fictícios. , crianças que encontrei no SCFV, falavam de sonhos. Diego sonhava com uma casa que não fosse no morro, mesmo que de lá veja todas as estrelas no horizonte. O seu morro é uma comunidade quilombola que a cada chuva convive com o risco de desmoronamento. Um morro invisibilizado pelo poder público, sem acessibilidade, sem transporte público. Já Menino E disse que não tinha sonhos. Era difícil sonhar lá do alto do morro. Da sua janela vê o movimento da polícia, os meninos do tráfico. Sua mãe lhe diz que precisa andar bem arrumado. Talvez uma das suas preocupações esteja relacionada aos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021 sobre mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes no ano de 2020, que apontam que “a partir dos 10 anos, mas ainda mais fortemente a partir dos 15 anos, o perfil das vítimas se torna predominantemente de pessoas negras do sexo masculino” (Reinach, 2021Reinach, Sofia (2021). A violência contra crianças e adolescentes na pandemia: análise do perfil das vítimas. In Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário brasileiro de segurança pública 2021 (pp. 226-239). FBSP., p. 232), com aumento da letalidade por intervenção policial. É a materialidade da interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença de raça, gênero, classe e território, como apontado por Carla Akotirene (2019Akotirene, Carla (2019). Interseccionalidade. Pólen.), que escancara que os meninos, negros, pobres e da periferia são os principais alvos das diferentes violências que assolam o Brasil, dentre elas a violência policial.

Achille Mbembe (2016Mbembe, Achille (2016). Necropolítica. Arte & Ensaio. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, 32, 123-151. https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
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) desenvolve o conceito de necropolítica que nos ajuda a entender as dinâmicas de uma racionalidade soberana e colonial que produz políticas de morte, ditando quais são os corpos que podem viver e quais devem morrer, criando, assim, mundos de morte e inimigos ficcionais que podem ser exterminados a qualquer custo e a qualquer momento. Ao falar sobre a ocupação colonial contemporânea, Mbembe aponta para a centralidade da raça e do racismo que estruturam a submissão de determinados corpos ao poder soberano que define “quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é” (Mbembe, 2016, p. 135).

Renato Noguera (2020Noguera, Renato (2020, 09 de julho). Necroinfância: por que as crianças negras são assassinadas? Portal Lunetas. https://lunetas.com.br/necroinfancia-criancas-negras-assassinadas
https://lunetas.com.br/necroinfancia-cri...
, 2021Noguera, Renato (2021, 08 de janeiro). Crianças negras desaparecidas: até quando vamos aceitar? Portal Lunetas. https://lunetas.com.br/criancas-negras-desaparecidas-ate-quando-vamos-aceitar
https://lunetas.com.br/criancas-negras-d...
) nomeia de necroinfância o dispositivo da necropolítica que tem como objeto as crianças negras, destituindo-lhes a vida e produzindo crianças matáveis, invisíveis, violáveis e que nascem com um alvo no peito. O autor nos convoca à urgência de um pacto político-social pela vida das crianças negras, tendo em vista as desigualdades sociais que as afetam, seja no acesso à escola ou à saúde, seja pela alta vitimização em assassinatos e outras violências. Conceição Evaristo (2017Evaristo, Conceição (2017). Poemas da recordação e outros movimentos. Malê., p. 84) ecoa a necroinfância em poesia denúncia quando diz: “pedimos que as balas perdidas percam o nosso rumo e não façam do corpo nosso, os nossos filhos, o alvo”. Maya Angelou (1978/2018, s/pAngelou, Maya (1978/2018). A vida não me assusta. (A. Paiva, trad.). DarkSide Books. (Original publicado em 1978)) fala, também, de um racismo cotidiano vivenciado pelas crianças negras: “Na escola nova, um pesadelo, meninos puxam meu cabelo (meninas imbatíveis de cabelos crespos incríveis), eles não me assustam nada”.

Este pode ser um jeito para Diego responder ao tema que buscou na escola: escolha três monstros e escreva por que tem medo deles. As opções xerocadas numa folha: Drácula, Frankenstein, fantasma, Coringa, lobisomem, e alguns outros mais. Ele dizia que não sabia quais escolher, talvez porque já haja tantos monstros reais que esses da lista realmente não assustam nada.

Ao longo do ano de 2020, foi difícil imaginar as crianças sem o encontro com as professoras, educadoras, colegas, amigos da escola e do SCFV. Distantes das poéticas públicas (Cappellari, 2019Cappellari, Amanda(2019). Poéticas insurgentes: o desligamento institucional por maioridade [Dissertação de Mestrado, Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS].), das apostas micropolíticas que se fazem nos encontros com as políticas públicas. Passamos, então, a escutar histórias de um tempo pandêmico quando as crianças retornam fisicamente aos serviços e transbordam os acontecimentos da vida em palavras, pois eles já não se sustentam apenas na memória.

Menino E conheceu o pai na pandemia. Já se falavam pelo facebook. Contou que seu pai é branco e que sua mãe é parda e que se parece mais com o pai. Para Diego, foi difícil fazer os trabalhos da escola durante a pandemia, pois não tinha internet. Menino E também não. Diego queria saber quantas pessoas tem no mundo hoje, pois muitas morreram pelo coronavírus.

Isabel Brandão (2021Brandão, Isabel (2021). Infância em tempos de pandemia. HOLOS, 3, 1-17. https://doi.org/10.15628/holos.2021.11951
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) e Márcia Buss-Simão e Juliana Lessa (2020Buss-Simão, Márcia & Lessa, Juliana S. (2020). Um olhar para o(s) corpo(s) das crianças em tempos de pandemia. Zero-a-Seis, 22(nspe.), 1420-1445. https://doi.org/10.5007/1980-4512.2020v22nespp1420
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) relatam alguns impactos da pandemia na vida das crianças, como o isolamento social que provocou o afastamento dos familiares, da rede de apoio, das escolas; muitas não tiveram a garantia da possibilidade do isolamento social e dos cuidados sanitários preconizados; a perda econômica nas famílias, que fez aumentar a pobreza, o trabalho infantil e a insegurança alimentar; a dificuldade no acesso ao ensino e a consequente evasão escolar; a morte de familiares, em que muitas crianças ficaram órfãs; rupturas nas interações sociais; aumento das violências domésticas e intrafamiliares, com diminuição das denúncias.

Uma pandemia que escancara as desigualdades sociais e os abismos já existentes no Brasil. O sucateamento das políticas públicas, a má gestão do combate à pandemia e a precarização de determinadas vidas são retratos da necropolítica e do racismo estrutural que é considerado “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (Almeida, 2018Almeida, Silvio (2018). Racismo estrutural. Letramento., p. 25). Diego entendia bem sobre isso. Contou que dava para perceber que os árbitros de futebol dão mais cartão vermelho para os jogadores negros5 5 Conversa após o jogo de futebol entre Paris Saint Germain e Basaksehir, onde o jogador camaronês Webó recebeu cartão vermelho. Notícia https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/liga-dos-campeoes/noticia/uefa-suspende-cartao-vermelho-recebido-por-webo-na-partida-entre-psg-e-basaksehir.ghtml . Mesmo que não nomeie de racismo estrutural, seu corpo sabe o que é. Também sabe do isolamento social que sua comunidade quilombola vive no alto do morro, mesmo antes da pandemia. Então, quando falamos que as crianças são o futuro da nação, a quais crianças direcionamos o olhar, as expectativas de futuro e o direito de sonhar?

Barros (2010Barros, Manoel de (2010). Poesia completa. Leya., p. 172) conta que um “homem tinha sido escolhido, desde criança, para ser ninguém e nem nunca. De forma que quando se pensou em fazer alguma coisa por ele, viu-se que o caso era irremediável e escuro”. Lembremos que nós, pessoas brancas, estruturadas na branquitude, somos historicamente quem têm o poder de escolher e não escolher histórias, tendo em vista que o racismo estrutural privilegia pessoas brancas (Kilomba, 2008/2019Kilomba, Grada (2008/2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, trad.). Cobogó.), que não se veem como racializadas e sim como sujeitos universais e superiores (Schucman, 2012Schucman, Lia V. (2012). Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana [Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo/SP].), onde “o silêncio, a omissão, a distorção do lugar do branco na situação das desigualdades raciais no Brasil têm um forte componente narcísico, de autopreservação” (Bento, 2014Bento, Maria A. (2014). Branqueamento e branquitude no Brasil. In I. Carone & M. Bento, (Orgs.), Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (pp. 25-58). Vozes. , p. 30).

Enquanto pesquisadoras e profissionais operadoras das políticas públicas, há que se descolonizar o olhar e a escuta, desaprender o racismo, fazer algo desde o nosso lugar social. Haraway (1995/2009, p. 30) argumenta “a favor de políticas e epistemologias de alocação, posicionamento e situação”, pontuando que a perspectiva parcial e localizada requer responsabilidade “tanto pelas suas promessas quanto por seus monstros destrutivos” (p. 21).

Santos (2020Santos, Boaventura S. (2020). A Cruel Pedagogia do Vírus. Almedina., p. 15) destaca que “qualquer quarentena é sempre discriminatória, mais difícil para uns grupos sociais do que para outros” e designa o Sul como um espaço-tempo político, social e cultural e uma “metáfora do sofrimento humano injusto causado pela exploração capitalista, pela discriminação racial e pela discriminação sexual”. Apesar do autor não nomear as crianças como um grupo específico que compõe esse Sul da pandemia, compreendemos que elas estão em todos os grupos descritos por ele, afetadas pelas suas condições enquanto mulheres, trabalhadores precarizados, moradores das periferias pobres das cidades, a população de rua, os refugiados e imigrantes, as pessoas com deficiência, os idosos.

Perguntamo-nos, assim, quais são os resquícios de uma pandemia na vida das crianças do SCFV. Quais vivências são possíveis de virar palavras? Quais permanecem inscritas em seus corpos, mas que precisam um pouco mais de encontros e escutas para transbordar?

Há pistas para o SCFV nos documentos orientadores (MDS, 2017bMinistério do Desenvolvimento Social - MDS (2017b). Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos. Autor.), escritos antes da pandemia e que sustentam que o SCFV é lugar de acolhimento e de afeto e de produzir jeitos possíveis, micropolíticos, nas brechas, nas frestas, nas rachaduras das concretudes cotidianas: escuta, em que há “interesse na história e apreço pelo trajeto vivido pelo sujeito que narra, busca dos motivos e não das justificativas, busca do entendimento e não do julgamento sobre as situações” (p. 56); valorização, como “estratégia que considera as questões e problemas do outro como procedentes e legítimos” (p. 57); reconhecimento dos limites e das possibilidades das situações vividas por si e pelos outros; experiência de reconhecer e nomear suas emoções, buscando aprender sobre os sentimentos, afetações, disparadores de sensações negativas e intensas.

Escutação: Por uma escuta menor

“Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles” (Adichie, 2009Adichie, Chimamanda (2009). O perigo de uma única história [vídeo]. Conferência de TEDGlobal. https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt
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, transcrição de vídeo). Chimamanda Adichie (2009), ao falar do perigo de uma história única e contar da sua experiência com a família de Fide, parece dizer um tanto das experiências vivenciadas na assistência social, em que é pressuposto escutar histórias e que, muitas delas, são contadas por outros que não os personagens principais. Judiciário, conselho tutelar, escola, unidade de saúde. Quando se trata de histórias de crianças, pelo viés da proteção integral e da garantia de direitos, há grandes chances da escuta ser perpassada por palavras fatídicas: risco, violência, negligência.

A escutação não é apenas uma palavra inventada, é uma tentativa ética-estética-política de delirar as reflexões sobre as possibilidades dos encontros com outros, outras, outres, em um cotidiano de escuta na assistência social. A escutação não é isenta, não é neutra, é atravessada pelo silêncio, pelos afetos, pelo lugar social ocupado por quem escuta. É construída numa relação de corpos, de saberes, de poderes e pode ser patriarcal, colonial, capitalista, eurocêntrica, racista e sexista (Grosfoguel, 2016Grosfoguel, Ramón (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado [online], 31(1), 25-49. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003
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). Fazer escutação diz da necessidade de perceber, acompanhar e interrogar os processos subjetivos e sociais que transversalizam a escuta e o corpo de pesquisadora, escutadora, psicóloga, educadora.

É necessário um olhar atento para si, para estranhar-se, reconhecer privilégios e para o que se reproduz no lugar que se ocupa. Há sempre que se considerar ilusões de ótica, que podem ser causadas por lentes da branquitude, do racismo, do adultocentrismo, da cisheteronormatividade. Podemos atentar-se a isto com algumas perguntas cotidianas: “Como ver? De onde ver? Quais os limites da visão? Ver para quê? Ver com quem? Quem deve ter mais do que um ponto de vista? Nos olhos de quem se joga areia? Quem usa viseiras? Quem interpreta o campo visual?” (Haraway, 1995/2009, p. 28Haraway, Donna (1995/2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, 5, 7-41. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773
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).

A escutação, uma escuta-ação-cuidado vai se tecendo, sobretudo, de um modo menor, aquele minoritário, do qual Gilles Deleuze e Félix Guattari (1975/2017Deleuze, Gilles & Guattari, Félix (1975/2017). Kafka: por uma literatura menor (C. V. Silva, trad.). Autêntica. (Original publicado em 1975)) nos falam. Escutação é escuta menor, opera em devir minoritário, um acontecimento do encontro com outro, outra, outres. É o que se passa entre-dois, em que há dupla captura - dos que escutam, dos escutados; pode ser silencioso, quase imperceptível. Não há modelo a seguir, nem jeitos certos ou errados. É devir. “Os devires são geografia, são orientações, direções, entradas e saídas” (Deleuze & Parnet, 1980/1998, p. 02Deleuze, Gilles & Parnet, Claire (1980/1998). Diálogos. (E. A. Ribeiro, trad.). Escuta.). Sendo devir, sempre muda, tanto quanto muda a intercessora, interlocutora, escutadora, não as imita, mas inventa.

Tecemos a escuta menor junto da literatura menor de Deleuze e Guattari (1975/2017), que dizem que “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior” (Deleuze & Guattari, 1975/2017, p. 30). Busca-se, desse modo, pistas para um exercício minoritário em uma escuta maior, que é perpassado por reconhecer o que são os maiores que nos atravessam, quais são os saberes e poderes engendrados na escuta que criam zonas de invisibilidade e silenciamento e como abrir brechas, rachaduras nas durezas históricas e estruturais. São exercícios cotidianos de descolonização do pensamento.

A escuta menor está interessada nas luzes, histórias, vozes menores, na zona onde navegam as forças, as intensidades, os voos, as viagens silenciosas, isto é, os escapes de saúde. Uma escuta que não procura formatar uma identidade, mas conhecer as forças intrusas que habitam em nós. (Serfaty, 2016Serfaty, Gabriela (2016). Por uma escuta menor [Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/SP]., p. 13)

Escutação é escuta+ação+olhar que escapam e resistem aos usos acostumados e acomodados dos ouvidos, da boca, dos olhos, das mãos que escrevem relatórios, dos pés que caminham nos territórios rumo às visitas domiciliares. Sobretudo, não é preciso ver, ouvir, falar, andar, pois se faz com o corpo que se tem, transita entre territórios físicos e subjetivos, dos jeitos possíveis e no tempo necessário, com todos os sentidos, não só os conhecidos.

Criançamentos finais

As crianças foram mostrando, ao longo da pesquisa e na sutileza dos encontros no SCFV, que o falatório teórico dos adultos pode tornar-se colonizador e opressor, buscando enquadres às vivências e modos de estar no mundo, numa justificativa de criar possibilidades da existência de um futuro a partir de uma intervenção individual com discurso motivacional que facilmente cai na lógica da meritocracia.

Ao questionar os instituídos, as rotinas estabelecidas, as próprias perguntas feitas, transformando-as em outras perguntas, as normas que as encapsulam num tempo cronológico para ser criança, as crianças nos mostram que viver a infância no morro, na vila, na rua, na sinaleira, na pandemia, na escola, no SCFV, no acolhimento institucional, não as fazem menos crianças ou com menos infância. Elas falam não só em palavras, mas em gestos, olhares, desenhos, das singularidades de suas histórias e convocam a um olhar descolonizador das infâncias, a contrapelo daquela majoritária, desejada e propagada socialmente, com aberturas às epistemologias ameríndias, africanas, latino-americanas, feministas, como uma escolha ética e política de resistência.

É pela escutação que confirmamos o que Deleuze e Guattari (1975/2017, p. 42) diziam: “não há tão grande, nem revolucionário, quanto o menor”. Ao propormos a escutação como uma escuta menor, entendemos que há uma dimensão individual do fazer profissional ético cotidiano, mesmo diante da precarização do trabalho e do desfinanciamento da política de assistência social, como aposta na possibilidade de perguntar-se, reconhecer perspectivas de visão e privilégios, e identificar discursos totalizantes direcionados às crianças que se encontram não apenas nos serviços da assistência social, mas também em tantos outros lugares, como na escola, na mídia, nas redes sociais. Discursos totalizantes que seguem sustentando modelos universais, eurocêntricos, brancos, ideais de viver e reproduzindo perguntas e modos de lidar com as crianças na perspectiva de almejar um futuro e um vir a ser dentro desses mesmos padrões. Afinal, perguntamos “o que você quer ser quando crescer?” esperando determinadas respostas dentro de um viés econômico, de trabalho, de formação universitária, de sucesso profissional.

Escutação faz delirar verbos, embaralhar equações, inventar sonhos, “sonhar o contrário: saber criar um devir-menor” (Deleuze & Guattari, 1975/2017, p. 43).

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  • 1
    Informação em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?p_secao=1488
  • 2
    Fla-Flu é a forma como o jogo de futebol de mesa é nomeado no Rio Grande do Sul. Em outros lugares do Brasil também é chamado de pebolim, totó ou pacau.
  • 3
    SASE é a sigla de Serviço de Apoio Sócio Educativo, como era nomeado o SCFV antes da publicação da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais de 2009.
  • 4
    Nomes fictícios.
  • 5
    Conversa após o jogo de futebol entre Paris Saint Germain e Basaksehir, onde o jogador camaronês Webó recebeu cartão vermelho. Notícia https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/liga-dos-campeoes/noticia/uefa-suspende-cartao-vermelho-recebido-por-webo-na-partida-entre-psg-e-basaksehir.ghtml
  • Financiamento Bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) durante 19 meses do mestrado.
  • 10
    Aprovação, ética e consentimento Pesquisa apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAEE) número 38494920.7.0000.5334.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2022
  • Revisado
    27 Out 2022
  • Aceito
    27 Out 2022
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