Acessibilidade / Reportar erro

Comunicação entre os profissionais de saúde e o idoso: uma revisão da investigação

Communication between health care providers and older adults: a research's review

Resumos

A investigação empírica tem demonstrado consistentemente que a qualidade da comunicação entre os profissionais com responsabilidade de prestação de cuidados de saúde e os idosos assume-se como uma das principais variáveis explicativas do processo de saúde-doença, da recuperação e da optimização da saúde dos idosos. Partindo de uma perspectiva biopsicossocial da saúde, o presente artigo teórico tem como objectivo apresentar de uma forma sistemática os principais conclusões da investigação recente sobre o tema. Globalmente, os estudos têm demonstrado que o tom amistoso, cortesia, o encorajamento, a empatia e a construção de uma parceria no processo terapêutico por parte dos profissionais estão relacionados com a percepção de qualidade dos cuidados por parte dos idosos. No final do artigo serão discutidos estes resultados, sendo apresentadas sugestões para a investigação futura , bem como possíveis implicações para a Gerontologia.

comunicação; idosos; satisfação do paciente; pessoal de saúde; gerontologia


Empirical research has consistently demonstrated that the communication quality between health care providers and older adults is one of the most informative variables about the health-disease process, as well as the older adults' health recovery. Using a health's biopsychosocial perspective, this theoretical article aims to provide a systematic review of the main research conclusions on this theme. Generically, past research has demonstrated older adults' perceptions about the care are related with the use of a friendly tone, courtesy, encouragement, empathy and a therapeutic partnership building by the health care providers. At the end of article, these results are discussed and suggestions for future research and implications to Gerontology are offered.

communication; older adults; patient satisfaction; health personnel; gerontology


ARTIGOS

Comunicação entre os profissionais de saúde e o idoso: uma revisão da investigação

Communication between health care providers and older adults: a research's review

Diogo LamelaI; Alice BastosII

IUniversidade do Minho, Braga, Portugal e Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal

IIInstituto Politécnico de Viana do Castelo, Viana do Castelo, Portugal

RESUMO

A investigação empírica tem demonstrado consistentemente que a qualidade da comunicação entre os profissionais com responsabilidade de prestação de cuidados de saúde e os idosos assume-se como uma das principais variáveis explicativas do processo de saúde-doença, da recuperação e da optimização da saúde dos idosos. Partindo de uma perspectiva biopsicossocial da saúde, o presente artigo teórico tem como objectivo apresentar de uma forma sistemática os principais conclusões da investigação recente sobre o tema. Globalmente, os estudos têm demonstrado que o tom amistoso, cortesia, o encorajamento, a empatia e a construção de uma parceria no processo terapêutico por parte dos profissionais estão relacionados com a percepção de qualidade dos cuidados por parte dos idosos. No final do artigo serão discutidos estes resultados, sendo apresentadas sugestões para a investigação futura , bem como possíveis implicações para a Gerontologia.

Palavras-chave: comunicação; idosos; satisfação do paciente; pessoal de saúde; gerontologia.

ABSTRACT

Empirical research has consistently demonstrated that the communication quality between health care providers and older adults is one of the most informative variables about the health-disease process, as well as the older adults' health recovery. Using a health's biopsychosocial perspective, this theoretical article aims to provide a systematic review of the main research conclusions on this theme. Generically, past research has demonstrated older adults' perceptions about the care are related with the use of a friendly tone, courtesy, encouragement, empathy and a therapeutic partnership building by the health care providers. At the end of article, these results are discussed and suggestions for future research and implications to Gerontology are offered.

Keywords: communication; older adults; patient satisfaction; health personnel; gerontology.

O envelhecimento da população simboliza uma das principais conquistas da humanidade. No entanto, este avanço civilizacional lança novos desafios às sociedades mundiais. O número absoluto de idosos – indivíduos com idade superior a 60 anos – na configuração etária tem aumentado progressivamente nas últimas décadas em todo o mundo, sendo que as projecções das Nações Unidas apontam para a continuação desta tendência (United Nations, 2007).

O aumento da esperança média de vida é um dos principais contribuidores para envelhecimento populacional. A par deste factor, o avanço tecnológico no tratamento de doenças, o gradual relevo da saúde pública na prevenção e promoção da saúde, a melhoria das condições sociais e dos hábitos de saúde e, em alguns países, a redução acentuada da fecundidade parecem ser responsáveis igualmente pelo aumento da proporção de idosos em relação às outras faixas etárias (Figueiredo, 2007). Face a este cenário demográfico, é plausível concluir-se que tal envelhecimento da população, aliado a maiores taxas de utilização dos cuidados de saúde por parte dos idosos, pressiona os sistemas de saúde a introduzir, por um lado, novas terapêuticas especializadas e, por outro lado, cria consciência da importância cimeira do fortalecimento das relações comunicacionais entre o profissional de saúde e o idoso como factor de agência para a melhoria das condições de saúde deste grupo etário.

Devido à sua importância nos processos de saúde, as relações interpessoais entre os profissionais de saúde e dos serviços sociais e os utentes idosos assumem-se como um contemporâneo foco de estudo relevante para a saúde pública. O presente artigo tem como objectivo contribuir para o enquadramento, definição e implicações das relações comunicacionais nos serviços sociais e de saúde na optimização da saúde dos cidadãos, com especial ênfase na população idosa. Recorrendo à análise da produção científica internacional publicada na última década sobre este domínio, este artigo pretende apresentar uma discussão sistematizada dos dados da investigação, enquadrando-os na perspectiva biopsicossocial da saúde, a fim de contribuir para o desenvolvimento de programas formativos e interventivos de promoção de competências de comunicação com os idosos, atendendo às suas características desenvolvimentais.

Método

Foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica na base de dados Web of Knowledge, utilizando palavras-chave physician (médico) ou health care providers (prestadores de cuidados de saúde) ou social workers (trabalhadores sociais), que foram cruzadas com communication (comunicação) ou interpersonal relationship (relação interpessoal) ou working alliance (aliança de trabalho) e com older patient (paciente idoso) ou elderly (terceira idade). Foram pesquisados artigos entre 2000 e 2011. A pesquisa foi restringida a artigos publicados em língua inglesa ou portuguesa em revistas científicas com sistema peer review. Com estes critérios, foram devolvidos 872 artigos nesta pesquisa.

Dado ao volume de artigos, foi decidido proceder a uma nova restrição na pesquisa bibliográfica, introduzindo palavras-chave que eliminassem os artigos que incidissem sobre a comunicação entre profissionais de saúde e idosos em doenças ou patologias específicas (e.g., disability [incapacidade], with cognitive impairment [com declínio cognitivo], cardiovascular problems [problemas cardiovasculares], Alzheimer disease [doença de Alzheimer] e stroke [acidente vascular cerebral]) e que tratassem da comunicação com idosos institucionalizados (e.g., nursing homes [lares de idosos], residency [residências assistenciais]). A pesquisa foi igualmente restringida a artigos indexados em revistas nas áreas da psicologia e da geriatria/gerontologia. Desta pesquisa resultaram 103 artigos. Por último, foi procedida à análise individual do título, resumo e palavras-chave destes 103 artigos, a fim de conferir a sua conformidade aos objectivos do presente artigo. Da pesquisa manual que desenvolvemos, foram eliminados 18 artigos: 12 artigos por a amostra não ser constituída por participantes idosos, 2 por serem estudos de caso ou carta ao editor, 1 por estar publicado em outro idioma que não o inglês ou o português e 3 artigos devido a amostra do estudo ser composta exclusivamente por idosos institucionalizados. Desta forma, na presente análise, foram considerados 86 artigos.

Resultados

A relevância das dimensões interpessoais na salutogénese foi introduzida, de uma forma sistemática, pelo modelo biopsicossocial de Engel (1977). Este modelo revolucionou o estudo e pesquisa na saúde pública e contribuiu para a humanização dos cuidados de saúde. Esta proposta, que teve o mérito de operacionalizar a definição de saúde da Organização Mundial da Saúde advoga, primeiramente, que a doença é o corolário de alterações biológicas, psicológicas e sociais, sendo que o diagnóstico da condição de saúde e um tratamento óptimo e respeitador desta visão biopsicossocial deve ser holístico e intervir integradamente nestas três componentes da saúde (Borrell-Carrió, Suchman, & Epstein, 2004; Engel, 1980). Partindo desta premissa, e baseados em dados empíricos que demonstram que stressores psicossociais (e.g., a viuvez, a passagem à reforma ou a solidão) podem ser responsáveis por sintomas físicos (Holmén & Furukawa, 2002; Stroebe, Schut, & Stroebe, 2007; Wallman, Burel, Kullman, & Svardsudd, 2004), este modelo rejeita a concepção de doença como resultado único de alterações bioquímicas e orgânicas (Engel, 1980).

Nesta linha, este modelo amplamente difundido legitima e estimula a saúde pública a aprofundar o seu conhecimento neste tema, assumindo os produtos e processos comunicacionais como um contributo para a construção de um novo paradigma de conceptualizar a saúde e a doença. Este contributo assenta numa forte consistência empírica que coloca os estilos comunicacionais entre o profissional de saúde com o utente como um dos principais preditores da adesão terapêutica e do sucesso das intervenções na saúde. A definição de comunicação utente-profissional de saúde não é consensual e vários autores têm contribuído para a sua definição. Analisando estes contributos, poder-se-á afirmar que o ponto comum entre eles é a capacidade do profissional compreender o estilo de comunicação do paciente e adaptar o seu ao nível de integração comunicacional do doente para aumentar a eficácia e satisfação desta comunicação (Beck, Daughtridge, & Sloane, 2002; Martin, Garske, & Davis, 2000).

Do ponto de vista biopsicossocial, a eficácia e a satisfação com a relação utente-profissional de saúde assume, a nosso ver, maior relevo quando os utentes são idosos. Devido ao processo de envelhecimento, os idosos apresentam maiores declínios físicos (e.g., diminuição da visão e audição, da actividade motor), psicológicos (e.g., diminuição das funções executivas e cognitivas) e sociais (e.g., maior probabilidade de isolamento), o que reforça e reflecte a necessidade de um acompanhamento triangular (i.e., intervenção psicossocial) por parte dos serviços de saúde numa resposta adequada e eficaz. Ou seja, se a condição de doença e mal-estar na terceira idade é causada pela interacção destas três dimensões, a resposta tradicional dos serviços de saúde em focaram-se unicamente nos factores biológicos da condição de doença, ao que se alia um parco investimento na relação comunicacional com os utentes idosos, parece não responder e contribuir para a melhoria da condição de saúde dos idosos e, principalmente, para a sua percepção de saúde, elemento nuclear para o bem-estar e qualidade de vida (Chandola, Ferrie, Sacker, & Marmot, 2007).

De facto, a percepção de saúde e os resultados terapêuticos dos idosos têm sido fortemente associados aos padrões de comunicação efectiva e eficaz entre os profissionais de saúde e os idosos (Williams, Haskard, & DiMatteo, 2007). Nesta linha, uma melhor relação comunicacional está correlacionada com melhor adesão terapêutica, satisfação com os cuidados de saúde e recuperação dos utentes. De uma forma global, a comunicação efectiva está articulada a uma melhor saúde física, maior bem-estar psicológico, a melhores e duradouros resultados terapêuticos e a um melhor suporte social prestado pela família (Weitzman & Weitzman, 2003). Por exemplo, Ambady, Koo, Rosenthal e Winograd (2002) demonstraram que os padrões de comunicação não-verbal utilizados por fisioterapeutas prediziam a eficácia terapêutica. Neste estudo, os autores identificaram que comportamentos de distanciamento relacional dos técnicos, medidos através da não utilização de sorrisos ou do não estabelecimento de contacto ocular, estavam correlacionados com a diminuição do funcionamento cognitivo e físico dos idosos. Por outro lado, a expressividade facial dos profissionais estava a associada a melhorias significativas no funcionamento dos idosos (Ambady, Koo, Rosenthal, & Winograd, 2002).

A relevância da comunicação efectiva na melhoria dos índices de saúde tem sido sublinhada e desenvolvida em outros domínios da ciência aplicada. Na Psicologia Clínica, por exemplo, as principais meta-análises sobre os agentes contribuidores para o sucesso terapêutico têm concluído, sem margem para dúvida, que o principal factor explicativo do sucesso terapêutico é a qualidade da relação terapêutica entre o terapeuta e o paciente (Horvat & Symonds, 1991; Martin et al., 2000). A qualidade das relações interpessoais intencionalizadas explica directa e consistentemente o sucesso terapêutico, sendo que as técnicas de diagnóstico e intervenção apresentam um valor inferior na sua explicação (Horvat & Symonds, 1991). Extrapolar estes resultados para a medicina seria falacioso, uma vez que as técnicas e procedimentos médicos desempenham um papel essencial na reposição da condição de saúde física. No entanto, aliando estas conclusões dos estudos da psicologia clínica e o corpo consistente de literatura médica sobre o tema, a qualidade das relações interpessoais do doente idoso e os profissionais de saúde e dos serviços sociais podem explicar e predizer não só a qualidade e rapidez da reposição da condição de saúde prévia à doença, mas igualmente a condições optimizadas de saúde (Stewart, Meredith, Brown, & Galajda, 2000).

Tal como em qualquer outra interacção humana, a comunicação em contexto de saúde assume-se como uma dimensão de relevo na explicação do sucesso dos objectivos dessas interacções. Rompendo as visões tradicionalistas do modelo biomédico – em que a recuperação e o processo terapêutico são conceptualizados como dependentes de variáveis bioquímicas e das tecnologias, descurando o impacto das variáveis interpessoais na explicação dos processos de saúde – a investigação recente tem sublinhado elementos que interferem na relação profissional de saúde e os utentes idosos e suas famílias. Mais concretamente, os elementos basilares de comunicações efectivas e que respondem eficazmente aos seus objectivos são a conversa social, cortesia a comunicação verbal e não-verbal, os comportamentos de encorajamento e empatia, a emissão efectiva de informação e o envolvimento do paciente, através de uma escolha colaborativa informada (Epstein, Alper, & Quill, 2004; Fuertes et al., 2007).

Existe evidência empírica de que o fornecimento de informação pelos profissionais de saúde durante o processo de atendimento está associado à satisfação dos doentes idosos e suas famílias. A relação profissionais-utentes e expressão de afecto positivo durante os cuidados de saúde são importantes factores na satisfação do doente. Neste sentido, a investigação demonstra que este envolvimento dos doentes no seu processo clínico é tão mais importante e relevante, quanto maior for o encorajamento dos profissionais de saúde para tal (Jackson, Chamberlin, & Kroenke, 2001). Este estímulo é interpretado pelos doentes como uma preocupação real autêntica na participação no processo de diagnóstico e intervenção terapêuticas. Deveugele, Derese e Maeseneer (2002), por exemplo, mostraram que a utilização de uma comunicação mais afectiva com os idosos aumentava a eficácia terapêutica. Adicionalmente, a investigação parece apontar para a importância que os idosos apresentam quanto à proactividade genuína no cuidado demonstrada pelos profissionais. Num estudo qualitativo recorrendo à metodologia de focus group, os idosos apontaram o interesse demonstrado pelos profissionais com o seu bem-estar, o diálogo respeitoso e a partilha de informação e do processo de decisão terapêutico como as dimensões que mais valorizam nos prestadores de cuidados de saúde (Calvin, Frazier, & Cohen, 2007)

Nesta lógica, a relação entre utente idoso-profissional de saúde é interactiva, em que ambos influenciam e mantém os estilos de comunicação do outro. Há consistência empírica que demonstra que o estilo comunicacional do profissional de saúde e dos serviços sociais é influenciado, em larga medida, pelos padrões de comunicação do doente, em que há uma correlação positiva entre o nível sócio-económico (NSE) elevado do paciente e a qualidade da relação comunicacional. Nesta linha, os utentes de classes sociais elevadas – tendencialmente com mais anos de escolaridade e com maior acesso aos bens culturais – comunicam mais activamente, demonstram mais expressividade verbal e não-verbal e mais competência para expor sentimentos e dúvidas, solicitando, assim, mais informação pormenorizada sobre o processo terapêutico aos profissionais de saúde (Willems, De Maesschalck, Deveugele, Derese, & Maeseneer, 2005).

Por seu lado, os pacientes de classes sociais menos favorecidas, devido à sua baixa escolaridade e conhecimento sobre os procedimentos de saúde, estão por vezes em desvantagem devido às dificuldades dos profissionais de serviços sociais e de saúde em compreender o desejo e necessidade de informação destes doentes, bem como a sua capacidade de fazer parte do processo dos cuidados de saúde. Alguns estudos são consistentes em demonstrar que a relação entre os profissionais de saúde e os utentes de classes sociais menos favorecidas são caracterizadas por uma menor carga emocional, são mais directivas, com estilo de consulta menos participativo (Adelman, Greene, & Orgy, 2000; van Ryn & Burke, 2000; von Wagner, Good, Whitaker, & Wardle, 2011). Em média, estas relações tendem a ser descritas pelo menor número de informação prestada pelo profissional de saúde e dos serviços sociais, menor apoio emocional, menor orientação terapêutica e menores índices de empatia e relação terapêutica entre o idoso e profissional de saúde (Willems, De Maesschalck, Deveugele, Derese, & Maeseneer, 2005).

Contudo, no estudo do impacto dos processos comunicacionais na recuperação clínica, a investigação empírica não se tem conceptualmente centrado única e exclusivamente nas variáveis dependentes do profissional de saúde. A comunicação é bidireccional, pelo que é também necessário atender às variáveis do idoso neste sistema clínico. Embora os profissionais de saúde tenham o dever de desenvolver e acautelar saudáveis e eficientes mecanismos de comunicação com o doente, o utente idoso pode, por seu turno, influenciar a qualidade e os resultados da comunicação estabelecida com os técnicos de saúde, nomeadamente, por exemplo, na resistência na comunicação verbal com o profissional de saúde e dos serviços sociais, na recusa de providenciar informação relevante para o processo clínico e no boicote das tentativas de estabelecimento de comunicação por parte dos técnicos, entre outros (Ruiz-Moral, Rodríguez, Torres, & Torre, 2006).

Ford, Schofield e Hope (2003)publicaram um estudo em que descrevem focus group com profissionais de saúde e doentes sobre quais eram as competências de comunicação que os participantes consideravam essenciais os profissionais de saúde possuírem no contacto com os doentes e suas famílias. As principais conclusões são apresentadas na Tabela 1.

Discussão

O presente artigo permitiu compreender que a forma de como os profissionais conceptualizam e encaram os serviços de saúde, as suas valências de cuidados, o papel dos cidadãos idosos no acesso à saúde irá condicionar não só o diagnóstico e a recuperação mas também as orientações metodológicas dos estudos no campo da saúde pública e das relações interpessoais. Nesta linha, se os serviços de saúde se sustentarem numa visão biomédica, em que os profissionais percepcionam a pessoa, utente de saúde, como um agente passivo no seu processo de doença e os técnicos de saúde detentores exclusivos do conhecimento e únicos responsáveis pela recuperação, as prescrições e relações comunicacionais serão diferentes (por exemplo, mais estruturadas, menos complexas, mas invasivas) dos serviços sociais e de saúde que postulem uma visão biopsicossocial, em que o sujeito é proactivo no seu desenvolvimento e que o poder de acção e de decisão é garantido por uma horizontalidade epistémica entre as pessoas que procuram os serviços de saúde e os técnicos. Dessa forma, na nossa opinião, a definição do que é um serviço de saúde e os papéis esperados dos intervenientes no processo de saúde não é uma questão meramente estética e formal mas sim de extrema relevância prática no quotidiano dos serviços sociais e de saúde, sendo que as relações comunicionais funcionam como um mecanismo de operacionalização da perspectiva biopsicossocial da saúde pública (Roter & Hall, 2006).

Assim, parece importante que os sistemas de saúde criem protocolos de diagnósticos e tratamento que reflictam as características idiossincráticas do desenvolvimento desta população. Idealmente, os serviços de saúde deviam organizar-se no sentido de fornecer serviços multidisciplinares. Estes serviços multidisciplinares são economicamente dispendiosos e a sua implementação generalizada só pode ser realisticamente esperada a médio e longo prazo. No entanto, se centralizarmos as nossas atenções nas propostas de Engel, o fortalecimento da relação entre utente idoso e os profissionais de saúde poderá ser um elemento-chave nestas transformações na saúde pública.

O presente artigo prestou primordial ênfase nas variáveis relacionais entre os profissionais prestadores de cuidados e idoso, não considerando aprofundadamente o contributo de variáveis ecológicas (e.g., taxas de cobertura dos serviços sociais e de saúde, qualidade organizacional dos serviços, condições de acesso aos serviços) na análise deste processo interactivo. Em futuras pesquisas teóricas, a avaliação do contexto ecológico, bem como uma análise crítica de género devem ser consideradas, uma vez que podem contribuir para a compreensão holística da comunicação entre profissionais e idosos, aumentando o conhecimento empírico que auxilie no desenvolvimento de acções interventivas da promoção da qualidade relacional entre prestadores de saúde e seus utentes idosos.

Adicionalmente, uma das limitações do nosso artigo é não considerar outras possíveis variáveis que possam explicar a qualidade comunicacional, tais como possíveis diferenças ao nível da relação interpessoal entre os profissionais que trabalhem em serviços públicos e em serviços privados ou também se possíveis variações na qualidade comunidade em função da origem racial do profissional e do idoso. Assim, futuras investigações neste domínio deverão utilizar procedimentos de meta-análise, com fim de quantificar o efeito dos processos comunicacionais nos resultados da saúde em idosos, medindo o impacto de variáveis moderadoras, tais como o género dos idosos, características sócio-demográficas e traços de personalidade dos parceiros comunicacionais e tipo de cuidado prestado.

Do ponto de vista epistemológico, a Gerontologia, enquanto domínio científico de estudo e intervenção no processo de envelhecimento, é recente e abarca o contributo de outras áreas científicas. A Gerontologia, para além do estudo do processo de envelhecimento, tem como objectivo promover o envelhecimento bem-sucedido, através da implementação de programas preventivos e remediativos sustentados numa forte base teórica e empírica. Assim, o presente artigo pretendeu dar um contributo na sistematização do conhecimento num dos temas que têm assumido especial relevo na explicação da eficácia e eficiência das intervenções na manutenção ou melhoria da qualidade de vida dos idosos. Resumidamente, ao apresentar uma fundamentação conceptual para a importância dos factores relacionais e elencando as variáveis que a investigação internacional tem demonstrado empiricamente como as preditoras desta qualidade relacional, o presente artigo pode elucidar os gerontólogos sobre a relevância do desenvolvimento de intervenções promocionais que permitam a aquisição por parte dos idosos de competências que lhes permitam exercer livremente o seu direito à saúde.

Agradecimento

Este estudo foi apoiado por uma bolsa de doutoramento ao primeiro autor pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal (SFRH/BD/43525/2008).

Recebido em: 13/12/2010

Revisão em: 16/09/2011

Aceite em: 05/04/2012

Diogo Lamela é Licenciado em Psicologia pela Universidade do Minho e aluno do Programa Doutoral em Psicologia Clínica da Universidade do Minho. Assistente convidado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Endereço: Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar. 4710-057. Braga, Portugal. Email: dlamela@ese.ipvc.pt.

Alice Bastos é Licenciada em Psicologia pela Universidade do Porto e doutorada em Psicologia pela Universidade do Minho. Professora Coordenadora e Directora do Mestrado de Gerontologia Social da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Email: abastos@ese.ipvc.pt

  • Adelman, R., Greene, M., & Orgy, M. (2000). Communication between older patients and their physicians. Clinics in Geriatric Medicine, 16, 11-24.
  • Ambady, N., Koo, J., Rosenthal, R., & Winograd, C. (2002). Physical therapists' nonverbal communication predicts geriatric patients' health outcomes. Psychology and Aging, 17, 443-452.
  • Beck, R., Daughtridge, R., & Sloane, P. (2002). Physician-patient communication in the primary care office: A systematic review. Journal of the American Board of Family Medicine, 15, 25-38.
  • Borrell-Carrió, F., Suchman, A., & Epstein, R. (2004). The biopsychosocial model 25 years later: Principles, practice, and scientific inquiry. Annals of Family Medicine, 2, 575-582.
  • Calvin, A., Frazier, L., & Cohen, M. (2007). Examining older adults' of health care providers: Identifying important aspects relationships with physicians perceptions of older adults' and nurses. Journal of Gerontological Nursing, 33, 6-12.
  • Chandola, T., Ferrie, J., Sacker, A., & Marmot, M. (2007). Social inequalities in self reported health in early old age: Follow-up of prospective cohort study. BMJ, 33, 990-993.
  • Deveugele, M., Derese, A., & Maeseneer, J. (2002). Is GP-patient communication related to their perceptions of illness severity, coping and social support? Social Science & Medicine, 55, 1245-1253.
  • Engel, G. (1977). The need for a new medical model: A challenge for biomedicine. Science, 196, 129-136.
  • Engel, G. (1980). The clinical appplication of the biopsychosocial model. American Journal of Psychiatry, 137, 535-544.
  • Epstein, R., Alper, B., & Quill, T. (2004). Communicating evidence for participatory decision making. JAMA, 291, 2359-2366.
  • Figueiredo, D. (2007). Cuidados familiares ao idoso dependente. Lisboa, Portugal: Climepsi.
  • Ford, S., Schofield, T., & Hope, T. (2003). What are the ingredients for a successful evidence-based patient choice consultation? A qualitative study. Social Science & Medicine, 56, 589-602.
  • Fuertes, J., Mislowack, A., Bennett, J., Paul, L., Gilbert, T., Fontan, G., & Boylan, L. (2007). The physician-patient working alliance. Patient Education and Counseling, 66, 29-36.
  • Holmén, K., & Furukawa, H. (2002). Loneliness, health and social network among elderly people: A follow-up study. Archives of Gerontology and Geriatrics, 35, 261-274.
  • Horvat, A. & Symonds, D. (1991). Relation between working alliance and outcome in psychotherapy: A meta-analysis. Journal of Counseling Psychology, 28, 139-149.
  • Jackson, J., Chamberlin, J., & Kroenke, K. (2001). Predictors of patient satisfaction. Social Science & Medicine, 52, 609-620.
  • Martin, D., Garske, J., & Davis, M. (2000). Relation of the therapeutic alliance with outcome and other variables: A meta-analytic review. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 68, 438-450.
  • Roter, D., & Hall, J. (2006). Doctors talking to patients/patients talking to doctors: Improving communication in medical visits. Wesport, CT: Praeger Publishing.
  • Ruiz-Moral, R., Rodríguez, E., Torres, L., & Torre, J. (2006). Physician-patient communication: A study on the observed behaviours of specialty physicians and the ways their patients perceive them. Patient Education and Counseling, 64, 242-248.
  • Stewart, M., Meredith, L., Brown, J., & Galajda, J. (2000). The influence of older patient-physician communication on health and health-related outcomes. Clinics in Geriatric Medicine, 16, 25-36.
  • Stroebe, M., Schut, H., & Stroebe, W. (2007). Health outcomes of bereavement. The Lancet, 370, 1960-1973.
  • United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. (2007). World Population Prospects: The 2006 Revision, Highlights, Working Paper No. ESA/P/WP.202. New York: Author.
  • van Ryn, M., & Burke, J. (2000). The effect of patient race and socio-economic status on physicians' perceptions of patients. Social Science & Medicine, 50, 813-828.
  • von Wagner, C., Good, A., Whitaker, K., & Wardle, J. (2011). Psychosocial determinants of socioeconomic inequalities in cancer screening participation: A conceptual framework. Epidemiologic Review, 33, 135-147.
  • Wallman, T., Burel, G., Kullman, S., & Svardsudd, K. (2004). Health care utilization before and after retirement due to illness: 13-year population-based follow-up study of prematurely retired men and referents from the general population. Scandinavian Journal of Primary Health Care, 22, 95-100.
  • Weitzman, P. & Weitzman, E. (2003). Promoting communication with older adults: Protocols for resolving interpersonal conflicts and for enhancing interactions with doctors. Clinical Psychology Review, 23, 523-535.
  • Willems, S., De Maesschalck, S., Deveugele, M., Derese, A., & Maeseneer, J. (2005). Socio-economic status of the patient and doctor-patient communication does it make a difference? Patient Education and Counseling, 56, 139-146.
  • Williams, S., Haskard, K., & DiMatteo, R. (2007). The therapeutic effects of the physician-older patient relationship: Effective communication with vulnerable older patients. Journal of Clinical Interventions in Aging, 2, 453-467.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    2012

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2010
  • Aceito
    05 Abr 2012
  • Revisado
    16 Set 2011
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com