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Editorial

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É com enorme prazer que escrevo meu primeiro editorial para revista Psicologia & Sociedade. Talvez abusando um pouco dessa minha possibilidade, gostaria de esclarecer o porquê do meu prazer, além de agradecer o convite das colegas Kátia Maheirie e andréa Vieira Zanella para compor a editoria da revista. Desde o encontro regional realizado em Florianópolis na década de 1980, início da minha carreira acadêmica, recém formada na UFMG e estabelecida em Santa Catarina, passei a acompanhar e a participar mais ou menos ativamente (dependendo das circunstâncias) da trajetória da ABRAPSO. Nela encontrei uma acolhida generosa para minhas inquietações ético-políticas que, por sua vez, foram configurando um percurso profissional marcado pelas imbricações entre academia e militância. De um ativismo centrado na luta de classes, passei a trabalhar por uma articulação entre produção teórico-metodológica e intervenção, buscando a intersecção entre categorias como sexo/gênero, classe social, raça/ etnia e gerações. A ABRAPSO sempre acolheu GTs ligados a essas problemáticas. Se a produção de gênero e feminismo (bem como LGBTs e queer) ainda é considerada "menor" ou mesmo marginal no campo da Psicologia brasileira, não o é e nunca foi no âmbito da ABRAPSO. Aqui, portanto, encontrei interlocutoras/es fundamentais para que pudesse continuar a trabalhar/ pesquisar/afetar e ser afetada. Esse convívio tão diverso que a abrapso promove mostra-se extremamente rico e se reflete na revista Psicologia & Sociedade. Importante se faz não deixar de destacar todo o trabalho (e duro!) que existe por detrás dessa publicação que, ao longo dos anos, consolidou-se como um veículo fundamental de socialização da produção em Psicologia Social Crítica (se é que podemos assim definir o que ainda fazemos) nos contextos nacional e internacional. Trata-se de uma demonstração evidente que a crítica pode ser rigorosa e de qualidade, o que pode ser verificado, entre outras possibilidades, pela avaliação da revista. Quero, finalmente dizer, nesse longo parágrafo introdutório, e mais uma vez peço desculpas pelo abuso, do prazer que significa poder trabalhar com pessoas das quais gosto e pelas quais nutro admiração. Ou seja, trata-se de um enorme privilégio para mim poder estar aqui hoje assinando esse editorial.

Em nome da Comissão Editorial, quero também informar que o número dos artigos publicados aumentou (assim como os recebidos para avaliação). É possível ainda constatar um número constante (com ligeiro aumento nos últimos anos) de artigos publicados oriundos de parceiros latino-americanos, o que nos agrada sobremaneira por fomentar uma possibilidade efetiva de diálogo entre nós. Finalmente, informo que passamos a publicar "como citar" visando as bases de dados/indicadores e de forma a facilitar o trabalho de nossos leitores.

Novamente, como tem sido nossa tradição, o número que ora apresentamos, o primeiro de 2010, conta com artigos que tem sua origem em trabalhos de reflexão teórica e/ou pesquisas de campo de sorte a deixar evidente a diversidade que compoe o espectro dos possíveis em nosso campo. O primeiro deles, de autoria de anita G. Bernardes, Eduardo C. Pelliccioli e Neuza M. de Fátima Guareschi, intitulado "trabalho e produção de saúde: práticas de liberdade e formas de governamentalidade", analisa o conceito de produção da saúde no campo da Saúde Coletiva e seus vetores da integralidade, produção da saúde, cidadania e trabalho na saúde.

Monise G. Serpa, autora do artigo "Perspectivas dobre papéis de gênero masculino e feminino: um relato de experiência com mães de meninas vitimizadas", mostra a importância de se considerar os vetores de gênero para o enfrentamento da violência. O terceiro artigo, de autoria de Raquel P. Belo, tâmara R. de Souza e leoncio Camino, intitulado "análise de repertórios discursivos sobre profissões e o sexo: um estudo empírico na cidade de João Pessoa" é fruto de pesquisa que investigou as representações socialmente elaboradas sobre o "sexo como determinante das atividades profissionais", junto a 221 pessoas com nível superior de escolaridade em João Pessoa. Ana Maria L. T. Pires, no artigo "El prejuicio racial en Brasil: medidas comparativas", traz resultados de pesquisa que investigou as manifestações de preconceito racial junto a estudantes universitários do sul do Brasil. Os resultados mostram em maior medida a manifestação do preconceito dissimulado, especialmente quando há possibilidade de maior contato.

Na sequência, temos dois artigos dedicados ao tema juventude. O primeiro, de autoria de ana Maria Szapiro e Camila M. de Amorim, intitulado "Juventude: etapa de vida ou estilo de vida", de natureza mais teórico-reflexiva, a partir da problematização da emergência de uma forma-sujeito contemporânea, argumenta que, nesse contexto, a juventude torna-se um estilo de vida. O segundo artigo, "Juventude e afetividade: tecendo projetos de vida pela construção dos mapas afetivos", de autoria de Daniela D. Furlani e Zulmira A. C. Bonfim, baseia-se em pesquisa com jovens cearenses de ambos os sexos em ambientes rurais e urbanos, na qual se investigou projetos de vida "a partir da afetividade em relação ao ambiente do qual fazem parte".

Felipe A. C. Álvarez, Francisco T. Serrano e Lupicínio Iñiguez Rueda analisam o uso do celular na formação do sujeito contemporâneo em seu artigo "¿Bajo las riendas del teléfono móvil? Control social, normalización y resistencia", que aparece como mediador das relações que permite redefinições de intenções e relações, de forma a ter efeitos de normalização, controle social e resistência.

Daiana P. Baroni, Rômulo F. S. Vargas e Sandra N. Caponi problematizam "a identificação com o nome de um diagnóstico" em sua intersecção com outras questões que perpassam o processo de medicalização. Discutem a necessidade do agenciamento de resistência de forma a fomentar novas práticas de si e novos nomes para a saúde em seu artigo "diagnóstico como nome próprio".

"Ônibus 174: leitura sobre uma certa 'mancha'" é o título do artigo de Gabriel I. Binkowski que discute o documentário Ônibus 174, a partir das teorizações de Jean Baudrillard (simulacros) e Gilles deleuze (sociedade de controle).

Um grupo considerável partilha a co-autoria do artigo seguinte intitulado "Estratégias de pesquisa no estudo da cognição: o caso das falsas lembranças". André E. Silva, Eduardo H. Passos, Carlos Vinícius A. Fernandes, Fernanda R. de Lima, Julia F. Carvalho, Letícia M. R. de Barros e Christian S. Vasconcelos trazem a discussão sobre duas estratégias de pesquisa nos estudos da cognição: a representacional e a enativa, relacionando-as com o tema da experiência cognitiva. Segue-se artigo de Soraia Ansara e Bruno S. do Amaral Dantas, "Intervenções psicossociais na comunidade: desafios e práticas", no qual discutem os desafios (e limites) que os profissionais tem encontrado em suas "práticas de intervenção psicossocial em comunidades de diversos municípios de São Paulo".

"Psicologia e pobreza no Brasil: produção de conhecimento e atuação profissional" é o título do artigo de Candida M. B. Dantas, Isabel F. de Oliveira e Oswaldo H. Yamamoto, no qual os autores, por meio do exame da literatura, investigam as contribuições da Psicologia (proposições, limites e impactos das intervenções) para o enfrentamento da pobreza no Brasil. Maria Stella B. Goulart e Flávio Durães são os autores de "a reforma e os hospitais psiquiátricos: histórias da desinstitucionalização" no qual discutem as repercussões da reforma da política de saúde mental sobre o mais antigo hospital psiquiátrico público de Belo Horizote.

"O corpo em estado de graça: ex-votos, testemunho e subjetividade" é o título do artigo de Leônia C. Teixeira, Maitê M. Cavalcante, Karine S. Barreira, Aline C. de Aguiar, Shirley D. Gonçalves e Elisandra de Castro Aquino, no qual as autoras analisam, a partir da antropologia de Mauss e da psicanálise freudiana, as repercussões do ex-voto na construção das subjetividades.

Pablo Páramo é o autor do artigo "aprendizaje situado: creación y modificación de prácticas sociales en el espacio público urbano". O autor discute contingências sociais orientadas para práticas culturais nos espaços públicos urbanos que contribuem para a convivência entre os cidadãos.

Em seguida, dois artigos tematizam a questão da estética. Em "O acontecimento patchwork - um modo de apreender a vida", Luisa Rizzo e Tânia M. Galli da Fonseca partem do pressuposto de que o modo de trabalho com patchwork constitui-se como "uma estética criadora de oportunidades e de transformações, fazendo emergir novos modos existencialização". Alice C. dos Reis e Andréia V. Zanella mostram, a partir de discussão de pesquisa fundamentada na perspectiva histórico-cultural, como a dança do ventre em sua relaização é mediada por relações estéticas diversas engendrando diferentes possibilidades de subjetivação, em seu artigo "A constituição do sujeito na atividade estética da dança do ventre".

"A profissão de músico conforme apresentada em jornais paraibanos", de autoria de Sandra Souza e Livia de O. Borges, relata estudo que identificou aspectos importantes da constituição da identidade profissional de médico, a partir da análise de conteúdo do que é foi publicado em dois jornais paraibanos.

Mássimo Canevacci, em "Aria di pixel: riprodutibilità aurática digitale" retoma o texto Writing Culture de autoria de Clifford-Marcus, após 20 anos de sua publicação, argumentando que fechou uma fase da mono-escritura etnográfica. Desde então, uma "etnografia indisciplinada" aplicada por formas compositivas multi-linguísticas abriu possibilidades outras, sendo que o autor assume a da reprodutibilidade aurática digital.

Fechando a sequência de artigos, Miriam D. Rosa e Eliane Domingues, em texto intitulado "O método na pesquisa psicanalítica de fenômenos sociais e políticos: a utilização da entrevista e da observação", discutem as duas técnicas de coleta de dados no contexto da pesquisa psicanalítica fora da clínica.

A resenha de autoria de Leonardo Barros Soares, trata da obra "(In)Visibilidade perversa: adolescentes infratores como metáfora da violência" de autoria de Mione apolinario Sales, publicada em 2007, fruto de sua tese de doutoramento em Sociologia pela USP e publicada pela Cortez Editora.

Nosso número é encerrado com a entrevista realizada por Paul Kennedy e David Cayley com Allan Young, professor de Antropologia no Departamento de Estudos Sociais da Medicina da Universidade McGill. Traduzida e apresentada por Luciana V. Calliman e Rogério G. de Almeida, a entrevista é a segunda de um total de quatro que serão publicadas pela revista, originadas de uma série de 24 realizadas em 2007 pela Canadian Broadcasting Corporation - CBC, como parte do programa IDEAS e centradas na questão "How to Think About Science?" (como pensar a ciência?).

Desejo que a leitura desse número seja proveitosa e instigante para todos nós!

Maria Juracy F. Toneli

Co-editora

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 2010
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