Editorial
Cleci Maraschin
Editora de Psicologia & Sociedade
O presente número da Revista Psicologia & Sociedade traz como tônica a análise crítica de temáticas significativas aos pesquisadores, pensadores e trabalhadores no campo social. Podemos dizer que cada artigo, a seu modo, produz reflexões que auxiliam a ''desenformar'', problematizar modos de trabalhar e de pesquisar, apontando outras possibilidades.
Cecília Coimbra e Maria Beatriz Sá Leitão tomam como reflexão a questão das especializações cuja emergência tributam ao processo de divisão social do trabalho no capitalismo. As autoras contribuem para se pensar como alguns dessas especialidades profissionais em especial no campo psi podem produzir formas-sujeito, ou seja, instaurar processos de subjetivação.
Pesquisas em Psicologia Social, principalmente àquelas que tomam as práticas narrativas como foco de análise, podem apresentar dificuldades provocadas por uma noção de campo fisicamente determinada, é o que propõe Peter Kevin Spink. O autor retoma a perspectiva de Kurt Lewin sobre a noção de campo como totalidade de fatos psicológicos para complexificá-la em direção à proposta de ''matriz'' de Ian Hacking. Esse percurso possibilita a Peter sustentar a proposição de um ''campo-tema'' no qual o campo não é mais um lugar específico, mas uma processualidade temática situada.
Sofia Neves Conceição Nogueira nos brindam com uma reflexão crítica sobre os pressupostos gerais das metodologias feministas aplicados ao exercício da Psicologia especificamente em contextos terapêuticos. As autoras mostram como os princípios da emancipação feminina, totalmente adverso ao regime patriarcal, permitem os/as psicólogos/as feministas assumirem as implicações da ciência psicológica e das suas práticas e politizar os espaços terapêuticos onde se movimentam. Esta tomada de posição é particularmente significativa nas situações de violência, uma vez que possibilita que as vítimas vejam validadas as suas experiências pessoais.
Ainda no campo das práticas, como prossesualidades situadas, como nos ensinou Spink, Marcia Goidanich convida a uma reflexão sobre a produção de diagnósticos, principalmente no caso de psicoses, no qual as singularidades tendem a ser apagadas ou deixadas de lado na busca de um enquadre generalizante. Essa prática, além de um não reconhecimento da experiência vivida, pode ter efeitos de subjetivação, tal como explicitado no primeiro artigo.
A experiência do brincar e os brinquedos disponibilizados à infância contemporânea são temas de análise do artigo de Ana Marta Meira. A partir das contribuições de Walter Benjamin, a autora argumenta que a ênfase na autonomização e no individualismo, que configuram os modos de existência contemporâneos, se refletem nas vias de transmissão que conferem à infância um lugar de objetalização e consumo. Essa posição faz com que exista um empobrecimento de espaços de exercício de jogo criativo.
Produzindo intersecção entre concepções teóricas e modos de pesquisar Jorge Castellá Sarriera e colaboradores investigam formas de compreensão da noção de saúde e o significado dos estudos epidemiológicos para pesquisadores e profissionais que trabalham com diferentes teorias psicológicas. A partir de entrevistas com pesquisadores e profissionais da área da psicologia do Brasil, Espanha e Argentina, observam uma diversidade de compreensões da noção de saúde. Em relação aos estudos epidemiológicos apontam uma tendência a descrição superficial e ampla, vinculada à concepção médica.
Marcos S. Queiroz e Patricia C. P. Oliveira pesquisando as representações sociais do acidentado sobre o acidente de trânsito mostram como as mesmas estão fortemente relacionadas a uma falha comportamental, seja da própria vítima pesquisada, seja do outro protagonista do acidente. Os autores discutem como as contingências sociais têm colocado os jovens da população masculina como protagonistas de atos ''heróicos'' atribuindo-lhes a responsabilidade das conseqüências desses mesmos atos, eximindo dessa forma, o poder público em implementar e fazer cumprir políticas adequadas de trânsito.
Rosemeire Aparecida Scopinho e Adalberto Floriano Grecco Martins apresentam elementos para a reflexão sobre um método de elaboração e implementação de programa de desenvolvimento organizacional em cooperativas populares de produção agropecuária. Discutem o conceito de desenvolvimento organizacional como estratégia de socialização para o trabalho e a necessidade de construir propostas apropriadas para as organizações cooperativas populares.
Além de convidar os leitores a percorrer os artigos deste número gostaria nesse texto de abertura, em meu nome e no da Comissão Editorial, agradecer o reconhecimento dos participantes da Assembléia da ABRAPSO ocorrida no último Encontro Nacional em Porto Alegre que propôs nossa permanência à frente da Revista por mais dois anos. Somos gratos pela confiança dos Associados bem como desejamos aos novos dirigentes da entidade uma eficaz gestão. É motivo de orgulho participar de uma Associação na qual a confiança e a solidariedade constituam os principais alicerces das interações. A aposta em um trabalho cooperativo entre a Direção da ABRAPSO e a Editoria da Revista, embora geograficamente distanciados mostra a possibilidade de um exercício de interlocução tão necessário a nós brasileiros que vivemos em um país com uma grande extensão territorial e com muitas diferenças sócio-culturais. Aprender a potencialidade de um trabalho cooperativo, contando com as diferenças, certamente nos potencializa como cidadãos dessa nação múltipla.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Mar 2004 -
Data do Fascículo
Dez 2003