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NEOLIBERALISMO, PSICOPOLÍTICA E CAPITALISMO DA TRANSPARÊNCIA

NEOLIBERALISMO, PSICOPOLÍTICA Y CAPITALISMO DE LA TRANSPARENCIA

NEOLIBERALISM, PSYCHOPOLITIC AND CAPITALISM OF TRANSPARENCY

Resumo

Este estudo pretende estabelecer uma conexão entre as práticas de governo neoliberais, os modos de controle e gestão da vida que lhes são correlatos e sua vinculação com os processos capitalísticos característicos da contemporaneidade. Por isso, suscita uma discussão sobre formas de controle psicopolíticas e biopolíticas mediante o modo como se configuram, respectivamente, por meio de um permanente sistema de absorção e monitoramento de dados - o Big Data - e de processos de molecularização e reconfiguração da vida orientados pelas finalidades de uma indústria farmacopornográfica. Trata-se, assim, de compreender a forma como “bios” e “psique” funcionam como matéria-prima e campo de incidência para um capitalismo cuja forma utópica de poder é a produção de estados de automatismo - o que constitui em fenômeno correlato ao ideal de transparência total e que toma corpo em três principais dispositivos: a avaliação permanente e multilateral, a delação premiada e a exposição de si mesmo.

Palavras-chave:
neoliberalismo; biopolítica; psicopolítica; capitalismo; transparência

Resumen

Este estudio tiene como objetivo establecer una conexión entre las prácticas de gobierno neoliberales, los métodos de control y gestión de la vida que están relacionados y su relación con los procesos capitalistas característicos de la contemporaneidad. Por lo tanto, plantea una discusión sobre las formas de control biopolíticas y psicopolíticas por medio de su configuración a través de un sistema permanente de absorción y monitoreo de los datos - el Big Data - y a través de procesos molecularisation y reconfiguración de la vida guiados por los efectos de una industria farmacopornográfica. Por lo tanto, es de entender cómo "bios" y "psique" constituyen materia prima y campo de incidencia de un capitalismo cuya forma de poder utópico es la producción de estados de automatización - fenómenos correlativos a ideales de transparencia total y que se materializa en tres dispositivos principales: la evaluación permanente y multilateral, la delación recompensada y la exposición en sí.

Palabras-clave:
neoliberalismo; biopolítica; psicopolítica; capitalismo; transparencia

Abstract

This study intends to establish a link with the neoliberal practices of government, the control mode, and the management of the life that are related and its linking with the characteristics capitalistic process of contemporaneity. For that reason, it raises a discussion about the control modes of psycopolitics and biopolitics by the way of how it's configured, respectively, throughout a permanent system of absorption and the monitoring of data - The Big Data - and throughout the process of molecularization and reconfiguration of life oriented by the purposes of an industry pharmacopornographic. It's about comprehend in the ways how "bio" and "psyche" work as feedstock and field of incidence for a capitalism which the utopian way of power is the production of states of automatism - which consists a correlated phenomenon to the ideal of total transparency and that consists in three main devices: the permanent evaluation and multilateral, the awarded deletion, and the exposition of itself.

Keywords:
neoliberalism; biopolitics; psycopolitics; capitalism; transparency

Neoliberalismo, homo oeconomicos e a naturalidade da população

No curso proferido por Michel Foucault em 1979, intitulado O nascimento da biopolítica, aparece uma importante conexão entre a noção de homo oeconomicus e aquilo que caracteriza uma das principais especificidades das práticas de governo sob a égide do neoliberalismo. Apesar de Foucault (2008) haver empreendido, no curso de 1979, diferentes análises acerca do neoliberalismo estadunidense e do ordoliberalismo alemão, este trabalho concentra suas análises na articulação entre a primeira forma de neoliberalismo e a Teoria do Capital Humano tal como desenvolvida pela Escola de Chicago. É sob esse aspecto que, de início, serão abordadas as questões que articulam o neoliberalismo à psicopolítica (Han, 2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder.) e, adiante, àquilo que ora é designado capitalismo da transparência. Referindo-se ao modo como as análises de Gary Becker sobrepunham uma lógica econômica a uma gestão calculista da criminalidade e da penalidade, Foucault (2008) retoma a noção de homo oeconomicus para indicar, mais precisamente, “uma tentativa de aplicação de uma análise economista a uma série de objetos, de campos de comportamento ou de condutas, que não eram comportamentos ou condutas de mercado” (p. 365). Trata-se, portanto, da extensão de um tipo de análise a domínios de objetos que outrora lhe era indisponível. Será, pois, para permitir uma ampliação e uma decorrente aplicação de uma análise econômica acerca dos comportamentos individuais e coletivos que emergirá a noção de homo oeconomicus. Ora, mas o que essa expressão significa e que processos políticos e subjetivos designa?

Noção-chave para a Teoria do Capital Humano desenvolvida pela Escola de Chicago - a exemplo de autores como Schultz, Becker, Stigler e Friedman -, a noção de homo oeconomicus refere-se não a uma entidade física, subjetiva ou mesmo social; diferentemente, essa noção refere-se a uma grade, um modelo ou um esquema de aplicação analítico dirigido “a todo ator não só econômico, mas social em geral” (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes ., p. 366). Trata-se, pois, de um modo de compreender condutas pessoais, grupais e sociais em sua lógica, em sua motivação e em sua funcionalidade. Esse modo de compreensão tem por correlato uma espécie de transbordamento de uma inteligibilidade proveniente do saber econômico para diversas outras áreas da “realidade” usualmente tornadas inteligíveis por outros domínios do saber (psicologia, antropologia, sociologia, filosofia). Se uma análise econômica é uma análise da “alocação ótima de recursos raros para fins alternativos” (Foucault, 2008, p. 366), o que temos é, pois, uma ressignificação dos termos alocação ótima, recursos raros e fins alternativos, de modo a permitir sua flexibilização as mais distintas situações e objetos. Assim, a decisão acerca de um casamento, por exemplo, poderá ser perspectivada sob o ponto de vista de uma análise como essa; isso uma vez que se admita que o que está em jogo é alocar recursos raros (afeto, amor, desejo, ou, ainda, interesses que sejam de outra ordem) de forma otimizada (quando casar, com quem casar, de que forma casar, se em separação total, parcial ou em comunhão de bens) para finalidades alternativas (para ter um filho, para não ficar sozinho, para alçar estabilidade financeira ou afetiva). Sob essa grade de análise, atitudes como decidir que cidade morar, em que escola matricular seus filhos, em que restaurante jantar e, indo ainda mais longe, pequenas decisões em âmbito comportamental e microfísico sobre como agir numa roda de amigos, numa conquista afetiva, num jantar de negócios ou em uma reunião familiar - “decisões” que muitas vezes têm mais a ver com a incorporação de um jeito de ser, com a assunção de certo estilo e com a formação de um habitus até o ponto de obtenção de certo automatismo -, tudo isso poderia ser perspectivado desde um ponto de vista que faça aparecer essa grade de análise economista.

Como bem esclarece Foucault (2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes .), a inclusão de esferas pertencentes à dimensão subjetiva na noção de capital (tal como na Teoria do Capital Humano) e a extensão da análise econômica a domínios outrora distintos do que se compreendia como sendo o mercado (tal como a partir da noção de homo oeconomicus) constituem em importantes deslocamentos que sinalizam bem a especificidade das práticas de governo neoliberais. Isso, é claro, encontra-se em certa distância de uma série de formações discursivas filiadas ao liberalismo clássico, ao laissez-faire, à admissibilidade de Adam Smith acerca da espontaneidade das relações de mercado desde que suscitadas por atores livres. Ao contrário, o âmbito que uma série de saberes e práticas psi compreende sob o vocábulo subjetividade não é mais, para o neoliberalismo, aquilo que deve ser salvaguardado das práticas de governo. Não consiste mais no espaço de indeterminação, incerteza e/ou promessa, mediante o qual se poderia esperar a manifestação do mérito, do dom, da potencialidade ou do esforço, caso as condições de igualdade de oportunidade fossem estabelecidas. Aqui desaparece o que, no campo dos estudos marxistas, chama-se de ideologia da igualdade de oportunidades, pois, no neoliberalismo, a desigualdade é, tanto em termos de práticas quanto da justificação das práticas, declaradamente primeira, contínua e insolúvel: “a desigualdade é a mesma para todos” (Foucault, 2008, p. 196). Nessa elucidativa passagem, Foucault (2008) indica com clareza aquilo que constitui em deslocamento no que tange aos regimes de justificação das práticas de governo liberais para as neoliberais - importa, aqui, enfatizar esse deslocamento no que diz respeito às relações entre governo e subjetividade.

Esse homo oeconomicus funcionava como o que se poderia chamar de elemento intangível em relação ao poder … O homo oeconomicus é, do ponto de vista de uma teoria do governo, aquele em que não se deve mexer. Eis que agora, nessa definição de Becker tal como lhes dei, o homo oeconomicus, isto é, aquele que aceita a realidade ou que responde sistematicamente às modificações nas variáveis do meio, esse homo oeconomicus aparece justamente como o que é manejável, o que vai responder sistematicamente a modificações sistemáticas que serão introduzidas artificialmente no meio. (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes ., p. 369)

Isso indica uma mudança radical do centro de gravidade das práticas governamentais: será agora de baixo, do ponto de vista dos governados, da imanência de suas condutas, da facticidade de suas decisões e da efetividade de suas escolhas, seus deslocamentos, seus acessos, visualizações e “curtidas” (o que, como veremos adiante, constitui em elemento imprescindível no controle psicopolítico) - será, pois, daí e não do alto da vontade soberana dos “representantes”, dos “detentores” ou da “cúpula” do poder que emanará a matéria-prima das práticas de governo.

Tem-se, ao contrário, no horizonte disso, a imagem ou a ideia ou o tema-programa de uma sociedade na qual haveria otimização dos sistemas de diferença, em que o terreno ficaria livre para os processos oscilatórios, em que haveria uma tolerância concedida aos indivíduos e às práticas minoritárias, na qual haveria uma ação não sobre os jogadores do jogo, mas sobre as regras do jogo, e, enfim, na qual haveria uma intervenção que não seria do tipo da sujeição interna dos indivíduos, mas uma intervenção de tipo ambiental. (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes ., pp. 354-355)

Diferentemente de perceber nisso qualquer inclinação de Foucault ao pensamento neoliberal, o que está em jogo é algo bastante distinto. Além de a escrita no futuro do pretérito - “haveria uma ação”, “haveria uma intervenção”, “ficaria livre” - introduzir no texto tanto uma suspeita como uma não assunção de posicionamento por parte daquele que escreve, é necessário notar sob qual desenho governamental a relação entre fins e meios é estabelecida. Pois o que está em jogo é algo muito distinto de construir um governo cuja aleatoriedade seria função direta da imprevisibilidade das vontades e desejos individuais. Diferentemente, trata-se de saber “como regular o governo, a arte de governar, como fundar o princípio de racionalização da arte de governar no comportamento racional dos que estão governados” (Foucault, 2008, p. 423). A vontade dos governados não será o alvo, mas o combustível das práticas governamentais. Em suma, trata-se não de governar para a vontade dos governados, mas governar a partir da vontade dos governados - e isso implica, precisamente, que todo e qualquer governo deverá desvelar aquilo que seria uma naturalidade própria da vontade dos governados para daí extrair uma naturalidade própria às práticas governamentais. Isso devendo ocorrer de modo a nunca governar contra a vontade, mas governar com a vontade dos governados. Para tal, é necessário assumir uma espécie de “naturalidade penetrável” (Foucault, 2009, p. 94) no que diz respeito ao desejo, à vontade e às decisões da população - “naturalidade” porque admite-se que nada se pode contra a vontade da população; “penetrável”, porque admite-se, em contrapartida, que a vontade da população é passível de modificação graças a um certo número de intervenções, feitas com expertise, sobre extratos bem discernidos e configurados.

Existe, de acordo com os primeiros teóricos da população no século XVIII, pelo menos uma invariante que faz que a população tomada em seu conjunto tenha um motor de ação, e só um. Esse motor de ação é o desejo. O desejo faz aqui sua aparição no interior das técnicas de poder e de governo. O desejo é aquilo por que todos os indivíduos vão agir. Desejo contra o qual não se pode fazer nada. (Foucault, 2009Foucault, M. (2009). Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes ., p. 95)

Portanto, a principal questão concernente ao governo da população sob a lógica das práticas neoliberais é algo muito diferente de como barrar o desejo, como limitar eventuais excessos tirânicos do poder sob os termos de um contrato ou como produzir estados parciais de repressão necessários a realizações vindouras. O objetivo não é saber como dizer não; ao contrário, o objetivo é saber como dizer sim. Não há, pois, uma natureza refratária, indócil e selvagem com a qual teria que se ver um governo que só saberia e só poderia governar dizendo não de diferentes formas. É precisamente o oposto que se passa. Pois não há, aqui, uma relação nem de exterioridade, nem de negação, nem de transcendência entre natureza e governo.

Biopolítica e psicopolítica

As análises de Foucault acerca do neoliberalismo tal como efetuadas em 1979 efetuaram um deslocamento de ênfase em relação à boa parte de seus objetivos sinalizados entre 1976 e 1978 - a saber, uma análise acerca da biopolítica. Por biopolítica compreendemos o modo como os fenômenos próprios à vida (natalidade, mortalidade, fecundidade, sexualidade etc.) são integrados a um conjunto de práticas de gestão calculista da população a partir da articulação e da comunicação de um domínio de saberes entre si - como a estatística, a demografia, a economia política, a medicina social (dentre outros) -, com objetivo de fazer coincidir a otimização da vida com a otimização das forças produtivas do corpo populacional. Foucault (2008), entretanto, acrescenta que à biopolítica subjaz o liberalismo como correlato político e econômico dessas formas de controle e regulação - portanto, o solo, o campo de imanência e o território de mobilidade da biopolítica. Assim nos esclarece Foucault (2008) no final da primeira aula do curso O nascimento da biopolítica: “só depois que compreendermos o que era esse regime governamental chamado liberalismo é que poderemos, parece-me, apreender o que é a biopolítica” (p. 30). Ora, mas o que ocorre nas produções de Foucault em 1979 e após esse ano?

É certo que o curso O nascimento da biopolítica não fala sobre biopolítica, mas traça uma genealogia do liberalismo, do neoliberalismo e do ordoliberalismo. Em 1979, Foucault não retoma a especificidade das questões biopolíticas, põe-nas em suspenso e segue uma exaustiva análise acerca do liberalismo e do neoliberalismo como regime econômico, político e social. Em 1980, com o curso Do governo dos vivos, Foucault (2010Foucault, M. (2010). Do governo dos vivos. Rio de Janeiro: Achiamé.) dedica-se às relações entre governo e verdade, compreendendo a verdade em sentido excessivo, genérico e ampliado, não restrito à noção de objetividade, cálculo ou racionalidade - para tal, debruça suas análises sobre as práticas cristãs da confissão, exame de si, batismo, exomologesis e exagouresis a fim de encontrar pistas sobre a singularidade do modo de obediência característico do sujeito ocidental moderno.

Em sua obra Psicopolítica: neoliberalismo e novas técnicas de poder, o filósofo político Byung-Chul Han apresenta a argumentação de que não estaríamos mais em tempos de biopolítica - e isso quer dizer, para Han (2014a), que não é mais sobre a matéria “bios” que incidem os principais mecanismos de controlam, governam e monitoram a conduta de indivíduos, grupos e extratos populacionais. Segundo Han (2014a), Foucault não havia percebido a inadequação em persistir nas temáticas ligadas à população - portanto, à biopolítica - para atingir a especificidade das formas de controle que tem a ver com o neoliberalismo: “assim, Foucault não realizou o giro à psicopolítica, o que teria sido necessário” (p. 22, grifo do autor). Han (2014a) argumenta, portanto, que “psique” consiste na matéria fundamental a ser utilizada como mecanismo de monitoramento das condutas, dos comportamentos, das escolhas e da mobilidade de indivíduos e grandes extratos populacionais. Uma vez que o argumento de Han (2014a) para deslocar o foco das práticas de poder de uma biopolítica para uma psicopolítica refere-se mais ao campo de incidência do que ao modo de funcionamento do poder e, ainda, tendo em vista que o argumento recupera o binarismo cartesiano nesse campo de incidência a partir da diferença entre bios e psique, intentaremos efetuar uma crítica à posição de Han, levando em conta esse duplo aspecto. Com isso, ressaltamos os problemas desse empreendimento ao pôr em relevo: (a) a impertinência de situar uma reconfiguração do poder a partir de seu campo de incidência; (b) a fragilidade de sustentação de fronteiras rígidas que definam bios de psique; (c) o aparecimento de uma indústria de molecularização da vida que efetua o controle sobre a vida de forma bastante distinta daquilo que Han caracterizou como controle psicopolítico. De início, salta aos olhos a diferença em relação a Foucault (2008), na medida em que o neoliberalismo, para Han (2014a), não é a comunicação entre uma técnica política e uma racionalidade governamental; é, diferentemente, uma “mutação do capitalismo”.

O neoliberalismo como nova forma de evolução, e também como uma nova forma de mutação do capitalismo, não se ocupa primeiramente do “biológico, somático, corporal”. Pelo contrário, descobre psique como força produtiva. Esse giro à psique, e com ele à psicopolítica, está relacionado com a forma de produção do capitalismo atual, posto que este último está determinado por formas de produções imateriais e incorpóreas. Não se produzem objetos físicos, mas objetos não-físicos, como informações e programas. (Han, 2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder., p. 23, grifo do autor)

Portanto, segundo Han (2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder.), o fato de estarmos vivendo um tempo em que o tipo de produção predominante é uma produção imaterial ao invés de uma produção material sinaliza, por si, um deslocamento no investimento das forças de controle de modo a serem vetorializadas de “bios” para “psique”. Entretanto, há uma especificidade nesse modo de imaterialidade que teria a ver com certo uso da “psique”. Isso está relacionado à velocidade própria, à emocionalidade como processo subjetivo e psicológico que acompanha vis-a-vis os processos de produção e circulação do lucro no capitalismo contemporâneo.

Em seu livro Indisposição geral. Ensaio sobre a fatiga, Peran (2015Peran, M. (2015). Indisposición general. Ensayo sobre la fatiga. Barcelona: Hiru. ) estabelece uma relação entre o tipo de mobilidade, aceleração e velocidade com a admissão, hoje em dia, de que a identidade de cada um é algo que está em perpétuo processo de construção, desconstrução e reconstrução. A hipermovimentação encontra-se associada ao que nomeou de “cultura do projeto” e “cultura da positividade”, bem como à necessidade perpétua de reconstrução de si mesmo. Isso tem a ver com o fato de que as práticas de governo neoliberais, as formas de trabalho imateriais e a continuidade dos processos biopolíticos estão conectados de forma ativa e imediata, com uma vontade de identidade e de construção permanente da identidade. Transformar a própria vida em um projeto (estabelecer metas, objetivos, caminhos etc.), pensar e agir sempre positivamente (internalizar a constante possibilidade de um reset para começar sempre de novo) e agir livremente (acreditar ter poder para qualquer coisa e dívida para com tudo) consistem, pois, nos três componentes daquilo que Perán (2015) nomeou de “ideologia do do it”.

O perpétuo trabalho de construção de si ao qual é lançado o homo oeconomicus, o empresário de si, o sujeito de seu próprio destino, de sua singular identidade e de sua íntima vontade, esse trabalho tido não como trabalho, mas como empreendimento, implica em uma forma de vinculação mais extensa ao processo produtivo e aos signos que orientam a vida subjetiva em função de uma dada racionalidade econômica. Daí a fadiga, o cansaço, o esgotamento: a necessidade constante de se descobrir ou inventar-se; de saber quem você é e o que poderá ser; de agregar signos, valores, gestos e jeitos à sua pessoa; de transformar a própria vida em um conjunto de metas, objetivos, caminhos, possibilidades e múltiplas direções. Em uma suma, o que está em jogo é a sobreposição da gestão da vida ao próprio viver; a fusão entre o trabalho de viver e o ato viver; a identificação, por fim, entre trabalhar, trabalhar-se e ser.

Em Pequenas doutrinas da solidão, especificamente no texto intitulado Carta a uma princesa, Morey (2001Morey, M. (2001). Pequeñas doctrinas de la soledad. Madrid: Editorial Sexto Piso.) assinala uma reapropriação da expressão “do it!”, expressão originária de um contexto que tinha a ver com os movimentos yippies (herdeiros do hippie) e que queria dizer: faça você mesmo, aja você mesmo, atue por você: “Do it queria dizer atua, quase como quem diz: se liga. Na verdade, atua queria dizer: oponha-te a todas as intenções do Sistema de apropriar-se de tua experiência do mundo, pensa por ti mesmo e age em consequência disto” (Morey, 2001, p. 432, grifos do autor). Diferentemente do que ocorre hoje, agir não se opunha a pensar, pois, à época, tanto agir como pensar se opunham a obedecer. Por isso, advertindo a imaginária princesa que governará um mundo ainda não governado por ninguém, o autor da carta ressalta que do it significa, agora, justamente um tipo de ação na qual se encontra muito mais de nossa obediência do que de nossa transgressão. Hoje é sob o paradoxo do imperativo autonomista “faça você mesmo” que está erguida toda uma cultura do empreendedorismo, já mencionada pelo próprio Foucault (2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes .) ao referir-se à tendência progressiva de empresariamento da sociedade. Isso não se refere somente ao aumento do poder das empresas e das formas de financiamento privado sobre a vida, aos bens e aos espaços públicos; mais do que isso, trata-se do fato de que diversas instituições, que não a empresa (escolas, universidades, hospitais e a própria polícia), vão incorporar, em seu funcionamento interno, regras próprias e características do funcionamento da empresa: estímulo à concorrência, sistemas de premiação, processos de vigilância entre pares etc. Essa cultura do empreendedorismo é, pois, o correlato prático e institucional daquilo que Deleuze (2010Deleuze, G. (2010). Post-scriptum: sobre as sociedades de controle. In Conversações (pp. 219-226). Rio de Janeiro: Ed. 34.), em seu Post-scriptum sobre as sociedades de controle, chamou de Capitalismo de sobre-produção, que não é mais dirigido para a produção, pois que se trata de um capitalismo em que “o serviço de vendas tornou-se o centro ou a ‘alma’ da empresa” (Deleuze, 2010, p. 4).

O fato de a empresa ser uma “alma”, um “gás”, algo que tem a ver com “espírito”, com “clima”, com “atmosfera” - e tantas outras expressões que encaminham uma série de análises em torno da noção de trabalho imaterial - é, entretanto, insuficiente para explicitar o tipo de controle psicopolítico que está em jogo na forma-empresa. Pois que não se trata somente da forma-empresa e do seu funcionamento, mas de discursos justificantes que compõem a engrenagem dos processos de empresariamento da sociedade característicos do que Foucault (2008Foucault, M. (2008). O nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes .) compreendeu como biopolítica e que Deleuze compreendeu como sociedades de controle. Trata-se, portanto, de um acoplamento entre práticas não discursivas e práticas discursivas que compõe os processos de empresariamento da sociedade e sua propagação nos diversos extratos do corpo social. A fim de articular a análise foucaultiana e deleuzeana com uma análise mais pormenorizada acerca dos discursos justificantes imanentes ao empresariamento da sociedade - traço marcante do capitalismo contemporâneo -, recorremos brevemente à obra O novo espírito do capitalismo, escrita em 1999 por Luc Boltanski e Ève Chiapello (2009Boltanski, L. & Chiapello, E. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes./1999). O diálogo entre esses autores foi empreendido por Benevides (2013Benevides, P. (2013). O dispositivo da verdade: uma análise a partir do pensamento de Michel Foucault. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza., 2014Benevides, P. (2014). Autonomia, liberdade e autenticidade no novo espírito do capitalismo. In Capitalismo contemporâneo: olhares multidisciplinares (pp.143-179). Campina Grande, PB: EDUEPB.) e justificado tanto em termos de aproximações temáticas quanto de articulações teóricas, justificadas suas diferenças e sinalizados seus espaços de possíveis conexão.

Em O novo espírito do capitalismo, Boltanski e Chiapello (2009Boltanski, L. & Chiapello, E. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.) elegem justamente aquilo que chamam de “literatura não-técnica de gestão empresarial” para compreenderem o que denominam de terceiro espírito do capitalismo. Trata-se, pois, não de regras a seguir, mas de uma estranha mescla entre filosofia, moral, preceitos, regras, exemplos, frases oraculares e palavras de ordem que constituem extrato verbal imanente à cultura do empreendedorismo. Não são, portanto, textos que têm um teor descritivo/apresentativo que dizem como a empresa realmente funciona, mas textos que têm um teor prescritivo/moral que dizem como a empresa deveria funcionar - mesmo que usem a aparência linguística de frases afirmativas/constatativas: “a empresa é uma família”, “o líder é um colaborador”, “o funcionário é um parceiro” etc.

As características subjetivas positivadas por essa nova literatura de gestão empresarial tomam de empréstimo os temas provenientes do que Boltanski e Chiapello (2009Boltanski, L. & Chiapello, E. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes.) chamaram de “crítica estética ao capitalismo” e os adaptam às disposições próprias do capitalismo. Dos valores, bandeiras e ideais dessa crítica estética ao capitalismo são extraídos, portanto, os materiais para impulsionar o terceiro espírito do capitalismo: a criatividade, a liberdade, a autonomia e a autenticidade, mas também suas derivações em termos de singularidade, sensibilidade às diferenças, pró-atividade, consciência ecológica, positividade, senso de oportunidade, habilidade comunicativa, capacidade inter-relacional, espírito visionário etc. Tudo isso, por certo, encontra-se em íntima ligação com aquilo que mencionamos ao final do primeiro capítulo: o modo como dizer sim enquanto estratégia de governo das populações (Foucault, 2009Foucault, M. (2009). Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes .). Isso será compreendido por Han (2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder.) como um “excesso de positividade”. Salvaguardadas certas diferenças teóricas, a confluência entre diversos pontos de análise dos autores supracitados constitui em acontecimento de relevo no âmbito das análises sobre as novas formas de dominação em seu modo específico de captura dos processos subjetivos.

Molecularização da vida, Big Data e capitalismo da transparência

Muitos nomes são dados ao atual capitalismo: capitalismo emocional (Illouz, 2007Illouz, E. (2007).Intimidades congeladas. Las emociones en el capitalismo. Buenos Aires: Kats.), capitalismo cognitivo (Fumagalli, 2010Fumagalli, A. (2010). Bioeconomía y capitalismo cognitivo: hacia un nuevo paradigma de acumulación. Madrid: Traficante de Sueños. ), capitalismo imaterial (Han, 2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder.), capitalismo de sobreprodução (Deleuze, 2010Deleuze, G. (2010). Post-scriptum: sobre as sociedades de controle. In Conversações (pp. 219-226). Rio de Janeiro: Ed. 34.), assim como vários nomes são dados à atual sociedade: sociedades de controle (Deleuze, 2010), sociedade líquida (Bauman, 2000Bauman, Z. (2000).Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.) sociedade do espetáculo (Debord, 1997Debord, G. (1997). Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto.), sociedade de consumo (Baudrillard, 2008Baudrillard, J. (2008). A sociedade de consumo. Portugal: Edições 70. ), sociedade do cansaço e sociedade da transparência (Han, 2014bHan, B. C. (2014b). A sociedade do cansaço. Lisboa: Relógio D’Água., 2014cHan, B. C. (2014c). A sociedade da transparência. Lisboa: Relógio D’Água .). Esse estudo, de forma alguma, suscita pretensões com o inflado traço macropolítico de quem enuncia anunciando, instaurando rupturas e inaugurando novos tempos - pretensões essas que, por terem os olhos aprisionados nas imagens da reviravolta e na totalidade, dão-nos uma impressão apocalíptica de que o círculo fechou-se, as resistências foram bloqueadas e resta-nos ser muito pouco… talvez sobreviver sob a nostalgia sóbria do pensador lúcido e infeliz.

Sob a expressão capitalismo da transparência, este estudo pretende, todavia, chamar a atenção, na esteira das análises empreendidas por Han (2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder., 2014b) em Psicopolítica e sociedade da transparência, para dimensões não levadas em conta pelo filósofo sul-coreano, bem como a argumentos que contestam a tese, por ele defendida, de que se consumou o giro, a passagem ou a reviravolta da biopolítica para a psicopolítica. Uma delas é justamente aquilo que Lima (2004Lima, H. (2004). Do corpo-máquina ao corpo-informação: o pós-humano como horizonte biotecnológico. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.), Pelbart (2013Pelbart, P. P. (2013). O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N - 1.), Preciado (2008Preciado, B. (2008). Texto yonqui. Madrid: Espasa. ) e diversos outros autores compreendem como processos de molecularização da vida. Operando diretamente no corpo, os processos de reconfiguração da vida agitam e confundem as fronteiras que discernem o homem do animal, a matéria do imaterial, o atual do virtual, a natureza da máquina - e, ainda, aquilo que Han (2014a), recuperando certo dualismo cartesiano, compreende como a oposição “bios” e “psique”. Trata-se, pois, em quaisquer dos casos, de uma reconfiguração da vida com finalidades perfiladas às práticas de governo sob uma dada racionalidade ainda neoliberal - o que justifica sua filiação ao conjunto de práticas compreendidas por Foucault sob o vocábulo biopolítica.

Na esteira dos processos de molecularização da vida, Preciado (2008Preciado, B. (2008). Texto yonqui. Madrid: Espasa. ) descreve o funcionamento de um tipo de indústria que nomeou de indústria farmacopornográfica. A utopia dessa indústria consiste precisamente em levar à literalidade a “molecularização” como produção de substâncias que materializem estados tidos como subjetivos, interiores ou psicológicos - assim, a felicidade é molecularizada em serotonina, a masculinidade em testosterona, a euforia em anfetamina etc. Com isso, toda uma tecnociência é animada; cientistas e empreendedores são desafiados à tarefa de corporificar estados psíquicos e substâncias que materializam “psique” são comercializadas. Trata-se, aí, de uma indústria que segue o caminho oposto ao da imaterialidade.

Ousemos a hipótese: as verdadeiras matérias-primas do processo produtivo atual são a excitação, a ereção, a ejaculação, o prazer, o sentimento de autocomplacência e de controle onipotente. O verdadeiro motor do capitalismo é o controle farmacopornográfico da subjetividade, cujos produtos são a serotonina, a testosterona, os antiácidos, a cortisona, os antibióticos, o estradiol, o álcool e o tabaco, a morfina, a insulina, a cocaína, o citrato de sidenofil (Viagra®) e todo aquele complexo material-virtual que pode ajudar na produção de estados mentais psicossomáticos de excitação, relaxamento e descarga, de onipotência, de controle total. (Preciado, 2008Preciado, B. (2008). Texto yonqui. Madrid: Espasa. , p. 37)

O que Preciado (2008Preciado, B. (2008). Texto yonqui. Madrid: Espasa. ) compreende como “controle farmacopornográfico” diz respeito a processos materiais de molecularização, mediante os quais o âmbito da “psique” aparece tão somente como um efeito difuso do poder, ao invés de aparecer como matéria-prima bem discernível. Há que salientar, pois, o modo como disposições psicológicas/subjetivas (qualificadas como imateriais) “foram sendo transformadas em realidades tangíveis, em substâncias químicas, em moléculas comercializáveis, em corpos, em biótipos humanos, em bens de intercâmbio gestionáveis pelas multinacionais farmacêuticas” (Preciado, 2008, p. 32).

Na esteira da compreensão dos processos de molecularização e reconfiguração da vida como modo de continuidade do exercício da biopolítica, Lima (2004Lima, H. (2004). Do corpo-máquina ao corpo-informação: o pós-humano como horizonte biotecnológico. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.) argumenta pelo deslocamento das práticas disciplinares e de regulamentação para práticas de um tipo bastante distinto. Trata-se de práticas que investem no corpo, não em sua configuração biológica dada, mas que altera a matéria “bios” por meio de processos de reconfiguração molecular que redefinem o corpo humano não sob um paradigma biológico-funcional, mas molecular-digital-informacional. O corpo, não mais síntese de funções orgânicas, é agora um texto disperso de informações moleculares. A vida molecularizada é a vida reconfigurada e informacionalizada. Em certo sentido, e assumindo uma conclusão que talvez não estivesse em desacordo com nenhum dos autores aqui referidos, as relações entre capitalismo e subjetividade dão-se para produzir formas de automatismo.

As substâncias que controlam o corpo como próteses encravadas na pele e obtêm efeitos diretamente no corpo (relaxamento, energia, ereção, infertilidade, descarga etc.); os shows de luzes, cores e sons que transbordam dos shoppings centers para a extensão total das cidades, incluindo ambientes de trabalho “estimulantes”, incitando-nos sob a iminência de processos hipnóticos ao consumo e ao empreendedorismo em suas formas mais diversas e esdrúxulas; a disposição arquitetônica das empresas que favorecem a lateralidade, a transparência e a comunicabilidade ininterrupta entre seus diversos setores com fins de otimização da produção decorrente da vigilância entre pares; o cuidadoso cenário de distribuição de espaços, tal como realizado na materialidade das redes sociais virtuais, com seus ícones brilhantes e chamativos que surgem constantemente sob aparições diferenciadas conforme a modalidade comunicativa, de venda e de oferta de serviços - em suma, tudo isso não consiste precisamente em uma imensa articulação de coisas materiais, em uma imensa maquinaria que busca obter lucro na medida em que suprime qualquer “tempo de decisão” e produz correlativamente estados de dormência psíquica (que tende à sua anulação) acompanhado de passagens ao ato, de ações por impulso e de comportamentos por automatismo? A perda de tempo como perda de dinheiro não se tornou imperativo literal, desmetaforizado, do atual capitalismo que traz consigo não a utopia da incitação, mas da supressão de todo e qualquer espaço para o que, durante tanto tempo, designávamos com o termo “interioridade”?

Nisso, Pelbart (2013Pelbart, P. P. (2013). O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N - 1.) reconhece a figura do cyberzumbi e a revista francesa Tiqqun reconhece a figura do bloom. Trata-se de um corpo, ou uma vida ou uma subjetividade que se tornaram permeáveis por todos os poros, sem qualidades, no qual ao mesmo tempo tudo toca, mas nada cola, no qual a indiferença e a incapacidade de se afetar afiguram ao mesmo tempo o êxito mais triunfal de um biopoder e o perigo de sua reversão. Pois essa figura do “neomorto” (Pelbart, 2013), que age por automatismo, meio hipnotizado, em permanente estado de descarte e ouvinte somente dos ecos difratados de suas emoções, é, para Pelbart (2013), justamente o ponto de cruzamento entre a biopolítica e o niilismo. Mas, também, o ponto de reversão de um em outro - ponto em que a vida nua (Agamben, 2008Agamben, G. (2008). O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo Editorial.), a vida besta e a vida morta são, desde já, o vir-a-ser de uma vida (Deleuze, 1995Deleuze, G. (1995). A imanência: uma vida. Philosophie, 47, 3-7.), vida qualquer, vida simplesmente viva. Ponto de indistinção entre vida e morte, entre bios e psique, entre a potência e o automatismo.

As formas de controle próprias do atual capitalismo não parecem apontar, hegemonicamente, nem na direção da biopolítica, tal como descrita por Foucault, nem de uma psicopolítica, tal como descrita por Han. Muito menos de algo como uma biopsicopolítica - esses nomes grandes, conciliatórios e totalizadores pelos quais certo extrato acadêmico nutre apreço. O que aparece hoje é menos um poder que incide sobre a vida para produzir efeitos de normalização do corpo e menos sobre a psique para produzir estados de catarse emocional. Trata-se de capitalismo hipnótico, cujo objetivo é excitar e incitar pessoas à ação por elementos pré-reflexivos e, no limite, pré-psíquicos. Um sistema que reverte "bios" em "psique" porque já quebrou há muito tempo a fronteira entre ambos e reveza seu exercício na velocidade que transforma um em outro. Ao mesmo tempo, trata-se também de um capitalismo sintético, que condensa informações em curto espaço para que o mínimo de tempo seja despendido - portanto, de um capitalismo para fora. Sua utopia: acabar com o tempo prévio à ação. Sua filosofia: o "dadismo", o culto aos "dados", que nada mais é do que um "dadaísmo", uma forma de niilismo, banalidade do acontecido, dormência do espanto, supressão do sentido, morte da teoria. Sua matéria-prima: a comunicação entre sistemas de avaliação, delação e exposição. Mas nada disto seria exequível sem os gigantescos sistemas de absorção de dados e monitoramento de comportamentos: o Big Data.

Você faz uma coisa qualquer. Acessa um site de automóvel. Desloca-se de sua casa até uma loja de roupa, avalia o vendedor e dá seu e-mail e endereço. Pensa em alguém e clica no perfil dessa pessoa no Facebook (com isso é possível notar que as postagens dela aparecerão mais para você). Vai a uma cafeteria e toma um café enquanto usa o Wi-Fi que lhe liberam caso faça check-in na cafeteria. Faz uma pesquisa sobre a Dinamarca na internet. Você fez todas essas coisas, mas não sabe por que fez. Entretanto, tudo passou por sistemas de registros que revelam uma conexão entre tudo o que você fez: a inserção num campo de dados, o cruzamento de informações e a elaboração de um perfil psicológico-mercadológico altamente detalhado que propiciará às empresas uma otimização na oferta de serviços que sejam do seu desejo. Há, pois, um vestígio de saber sobre por que você fez todas essas coisas e que outras coisas você tem mais probabilidade de fazer. Mas ele não lhe pertence: você é um ignorante sobre suas vontades, decisões, escolhas e, também, sobre o que as motiva.

Assim, o Big Data decreta o fim da vontade livre, da privacidade, do segredo e da autonomia. É uma máquina de transparência que oculta suas próprias regras. O que está em jogo é, pois, uma relação entre a transparência e o automatismo, posto que ambos convertem pessoas em coisas e, em seguida, convertem coisas em “dados”, em “informações”, em “elementos” a serem reconfigurados, peça por peça, segundo as finalidades de uma gestão calculista do comportamento da população.

A abertura ao futuro é constitutiva da liberdade de ação. Todavia, o Big Data permite fazer prognósticos sobre o comportamento humano. Desse modo, o futuro se converte em previsível e controlável. A psicopolítica digital transforma a negatividade da decisão livre em positividade de um estado de coisas. A pessoa mesma se positiva em coisa, que é quantificável, mensurável e controlável. Todavia, nenhuma coisa é livre. Sem dúvida alguma, a coisa é mais transparente do que a pessoa. (Han, 2014aHan, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder., p. 14, grifos do autor)

Se quer ir a um restaurante em Paris, veja as avaliações quantificadas e obtenha os dados de qualidade do restaurante. Se quer contratar tal funcionário, investigue seus deslocamentos, seus perfis em redes sociais, as imagens e textos por ele veiculadas que constituem dados de si mesmo. Se quer apurar fatos políticos, acione sistemas de delação e faça da sanção uma estratégia para alcance de novos dados criminais. Em todos os casos, o que está em jogo é um mundo para fora, para o exterior, para a exposição, desnudo, aberto, transparente, sem proteção, sem sombra, sem lado de dentro.

Podemos, portanto, destacar a emergência de três modalidades de ação da transparência nas atuais configurações do capitalismo: a avaliação constante e multilateral, a exposição automática e voluntária e a delação premiada e cidadã. Indo na esteira dos estudos sobre as práticas de avaliação no capitalismo contemporâneo - a exemplo de Gadelha e Fontenele (2016Gadelha, S. & Fontenele, T. (2016). A avaliação educacional como tecnologia de controle no capitalismo neoliberal. Perspectiva, 34(3), 814-839. ), Rodrígues e Martins (2007Rodrígues, M. & Martins, L. (2007). Ensino superior na América Latina e a globalização da racionalidade capitalista. Diálogo Educacional, 7(21), 65-81.) e Romam (1999Romam, M. (1999). Neoliberalismo, política educacional e ideologia: as ilusões da neutralidade da pedagogia como técnica. Psicologia USP, 10(2), 153-187. ) -, dos estudos sobre a especificidade das práticas de exposição mediante os atuais dispositivos sociotécnicos - tal como empreendido por Bruno (2013Bruno, F. (2013). Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina.) e Sibilia (2008Sibilia, P. (2008). O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. ) - e, ainda, das modalidades de funcionamento da delação premiada, em contexto nacional e sob a compreensão dos interesses capitalistas que a sustém e põe em marcha - como os estudos de Brito (2016Brito, M. (2016). Delação premiada e criminalidade organizada: uma análise da política criminal expressa na Lei n. 12.850/2013 sob a perspectiva da Criminologia. Revista eletrônica de Direito Penal & Política Criminal, 4(1), 3-10. ) e Rocha (2015Rocha, F. A. R. (2015). A expansão do direito penal colhendo seus frutos: uma análise da delação premiada no sistema jurídico brasileiro. Cadernos da Escola de Direito, 5, 75-91.) -, as práticas de avaliação constante e multilateral, de exposição automática e voluntária e de delação premiada e cidadã serão compreendidas como práticas que se espalham pelas diversas instituições e operam formas de controle ao ar livre. A partir dos estudos acerca do Big Data e da propagação de seus efeitos em termos de produção de transparência (Duran, 2016Duran, X. (2016). L’individu transparent: dels raigs X al big data. Pagès editors: Lleida.; Mayer-Schönbergen & Cukier, 2013 Mayer-Schönbergen, V. & Cukier, K. (2013). Big Data. La Revolución de los datos massivos. Madrid: Turner. ; Mosco, 2016Mosco, V. (2016). La Nube: Big Data en um mundo turbulento. Barcelona: Biblioteca Buridán.), essas três modalidades de práticas imanentes do capitalismo da transparência serão pensadas não como circunscritas ao estrito âmbito pedagógico (no caso da avaliação), nem ao estrito âmbito jurídico-criminal (no caso da delação) e, ainda, não somente no âmbito das plataformas virtuais (no caso da exposição). Trata-se, diferentemente, de uma teia de relação entre essas práticas, de um tipo de comunicabilidade entre as instituições e os procedimentos de controle e, ainda, de um corpo de técnicas e de discursos que borram as fronteiras entre avaliar, expor e delatar - isso de modo que avaliar passa a ser uma forma de expor, expor passa a ser uma forma de delatar e delatar passa a ser uma forma de expor.

Essa tríade integra em rede os processos que comunicam a ação da polícia, a ação das instâncias jurídicas, a ação da escola, a ação das mídias, a ação das empresas e a ação de cada sujeito. Seria de grande equívoco, entretanto, supor que esse capitalismo da transparência obtém, seguramente e sem resistência, os resultados que a máquina objetiva, da mesma forma que as práticas de governo, em nome da transparência, conseguem efetivamente governar. Pois, ao contrário, em diversos contextos do mundo atual, o excesso de transparência tem gerado uma dificuldade para governar.

Os sistemas de avaliação geram maquiagem de dados, ativam a corrupção entre os pares para garantir boa avaliação, criam um clima de oscilação entre ameaças e favores e substitui a meritocracia (que já é em si objeto de crítica) pela espertocracia. Os sistemas de delação geram uma atmosfera de chantagem implícita e explícita, convertem a sanção em meio para obtenção de outras denúncias (em vez de executá-la ao fim da investigação) e, com isso, antecipam encarceramentos ou impedem encarceramentos quando fazem da prisão uma gestão do dedurismo , quando tomam as palavras como estratégia para a obtenção, sempre, de novas palavras num processo de confissão/revelação infinita, incessante e esgotante. Sob esse processo infinito da delação, as forças midiáticas fazem seu trabalho transparente e nada imparcial de eleger recortes desse oceano de palavras para exposição ao grande público. Por fim, as práticas de exposição voluntária norteiam-se pela rivalidade, concorrência, ostentação, umbiguismo e desejo desesperado de obtenção de curtições por parte daqueles a quem a exposição visa, justamente, a incitar sentimentos de inveja, de agressividade e de imitação. A exposição de si sob a forma de um “show do eu”, que Sibília (2008) bem compreendeu como incidindo sobre as formas mais ordinárias da vida cotidiana, é hoje facilmente percebida como exposição daquilo que realmente temos de mais ordinário.

Mas esses três sistemas se retroalimentam, em estado permanente de comunicação, para produzir um poder de desnudar, de enfraquecer, de pôr à luz, à exposição, à mercê, ao julgamento e ao abandono os extratos sobre os quais incidem. A comunicação entre esses três dispositivos da transparência tem produzido, entretanto, efeitos de corrupção que tendem a se generalizar. A delação premiada vem convertendo-se em dispositivo de desgoverno justamente porque, se levada a sério, conduziria grande parte das instituições ao ralo e seus atores à prisão. Os processos de multiavaliação institucionalizam uma política de favores gerando uma maquiagem permanente do que é tomado como "dado", criando uma cumplicidade na qual se avalia bem para ser bem avaliado, na qual toda prática se inclina à obtenção de pontuações positivas por meios quaisquer (em muitos casos os mais escusos). A exposição de si - ao mesmo tempo voluntária, ao mesmo tempo sob a tendência de um automatismo - bastante se assemelha a uma espécie de vômito público: oscila entre um sistema catártico de mentiras (felicidade falsa, euforia falsa, amizades falsas) e um sistema catártico de perversidades (ódios, preconceitos e intolerâncias).

De transparência em transparência, uma superposta à outra, obtemos uma imagem opaca daquilo que (sobre)vive sob as transparências.

Considerações finais - a resistência e o discurso dos vencidos

Colocar o problema da resistência ao final, repleto de vocábulos brilhantes, sob a lacrimejante forma da esperança e da promessa, e, ainda, colocá-lo significativamente desconectado do que constituiu em efetivo objeto de investigação é uma tônica comum em diversos estudos que gravitam em torno de palavras grandes, como “capitalismo de...”, ou “sociedade de...” ou “políticas de...”. Os estudos que assim procedem pouco diferem, até mesmo, das próprias formações discursivas positivadas na imanência das práticas neoliberais - discursos que dizem frases do tipo: “há que continuar tentando, apesar de tudo”, ou “cabe a nós fazer a nossa parte e investir nas pequenas coisas” ou, ainda, simplesmente afirmar forçosamente possibilidades de transformação ou resistência quando a análise recém-esboçada parece ter desempenhado precisamente a função de pisotear e esmagar as resistências nos pontos mais improváveis em que começavam a aparecer.

Por essa razão, é essencial estabelecer uma distinção, cuja importância adquire dimensões gigantescas, entre a análise política de um sistema que pretende a totalidade e outra coisa bastante distinta que é a concessão de vitória a essa máquina que pretende a totalidade. Empreender o trabalho de tentar descrever, analisar ou refletir sobre o funcionamento das novas e sempre renovadas formas de dominação é algo bastante diferente de afirmar que essas formas de dominação conseguiram alcançar seus os objetivos. Como afirma Pelbart (2013Pelbart, P. P. (2013). O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N - 1.), é importante: “livrar o pensamento do niilismo do risco de tornar-se niilismo do pensamento” (p. 17); e isso, justamente, livrando-se do paradoxo de fazer com que o discurso da denúncia, em sua orgulhosa e melancólica lucidez, ajude, ainda que sem querer, a “ofuscar justamente as existências que sobrevivem ou se reinventam em sua discreta luminosidade” (Pelbart, 2013, p. 17).

Ao final, faço um estranho ou simplesmente incomum pedido ao leitor. Que esse texto seja relido. Uma releitura após a leitura da conclusão. Não sob o ponto de vista dos sucessos das práticas de governo neoliberais, do controle biopolítico e psicopolítico e do capitalismo da transparência. Peço uma releitura com má vontade, birra e recusa, que veja os fracassos nessas mesmas práticas de governo neoliberais, no controle biopolítico, psicopolítico e no capitalismo da transparência. Que a releitura faça os leitores portarem-se diante do texto não como vencidos ou con-vencidos ; que ela faça aparecer às tamanhas fraturas e mentiras que obrigam o poder a contorcer-se com artimanhas tão vãs - e, se olharmos de perto, tão frágeis.

Uma coisa é designar a máquina totalitária, outra é atribuir-lhe tão rapidamente uma vitória definitiva e sem partilha, Será que o mundo está a tal ponto totalmente escravizado como o sonharam - o projetaram, o programam e querem nos impor - nossos atuais “conselheiros pérfidos”? Postulá-lo é justamente dar crédito àquilo que sua máquina quer nos fazer crer. É não ver senão à noite ou a ofuscante luz dos projetores. É agir como vencidos: é estar convencidos de que a máquina realizou seu trabalho sem resto nem resistência. É não ver senão o todo. (Didi-Huberman, 2011, p. 36Didi-Hubermam, G. (2011). Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: UFMG. )

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2016
  • Revisado
    03 Set 2017
  • Aceito
    02 Out 2017
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