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O CHEIRO DO RACISMO NA CULTURA POLÍTICO-AFETIVA HIGIENISTA BRASILEIRA: O SANEAMENTO DO CORPO-DEJETO

Resumo:

Este artigo assume o estigma racial como objeto de análise, mais precisamente a construção simbólica que pessoas negras são sujas, fedidas e/ou imundas - uma discussão que tem sido ignorada no debate racial brasileiro. Nesse sentido, o objetivo consiste em discutir a produção racista dos corpos, dos sentidos e das emoções. Argumenta-se que, em uma sociedade racista, os processos de socialização e subjetivação são estruturados sob uma cultura político-afetiva higienista que reforça a dominação racial branca enquanto subalterniza, assujeita e higieniza-embranquece subjetivamente as pessoas negras. Assim, urge uma maior articulação entre as Psi e as Ciências Sociais para a compreensão da interface saúde, cidadania e construção sociopolítica da etnicidade.

Palavras-chave:
Estigma social; Higienismo racial; Construção Social da Etnicidade; Racismo; Saúde mental em Grupos Étnicos

Abstract:

This article takes the racial stigma as an object of analysis, more precisely the symbolic construction that black people are dirty, stinky and/or filthy - a discussion that has been ignored in the Brazilian racial debate. In this sense, the aim is to discuss the racist production of bodies, senses and emotions. It is argued that, in a racist society, the processes of socialization and subjectivation are structured under a hygienist political-affective culture that reinforces white racial domination while subjectively subordinating, subjecting and sanitizing-whitening black people. Thus, there is an urgent need for greater articulation between the Psy field and Social Sciences to understand the interface between health, citizenship and the sociopolitical construction of ethnicity.

Keywords:
Social Stigma; Racial Hygiene; Social Construction of Ethnic Identity; Racism; Mental Health in Ethnic Groups

Resumen:

Este artículo asume el estigma racial como el objeto de análisis, más precisamente la construcción simbólica de que las personas negras son sucias, apestosas y/o inmundas- una discusión que ha sido ignorada en el debate racial brasileño. En este sentido, el objetivo es discutir la producción racista de los cuerpos, sentidos y emociones. Argumentamos que, en una sociedad racista, los procesos de socialización y subjetivación se estructuran bajo una cultura político-afectiva higienista que refuerza la dominación racial blanca al mismo tiempo que subordina, somete y sanea-blanquea subjetivamente a las personas negras. Por lo tanto, existe una necesidad urgente de una mayor articulación entre las Psi y las Ciencias Sociales para comprender la interfaz entre salud, ciudadanía y la construcción sociopolítica de la etnicidad.

Palabras clave:
Estigma social; Higiene racial; Construcción Social de la Identidad Étnica; Racismo; Salud Mental en Grupos Étnicos

Introdução

O racismo é assim: Ele te envergonha. Te coloca pra baixo. Faz vc acreditar que você é mt menos q uma pessoa branca. Que vc é feia, suja, inferior. ... O racismo te causa traumas incuráveis. (MC Carol, 2020, post)

Desde os navios tumbeiros, a população negra tem sido submetida a subvivências insalubres de moradia, trabalho e lazer em virtude da negação contínua de direitos básicos e cidadania. Nesse cenário, destaca-se o saneamento básico como condição básica de higiene e qualidade de vida, mas que tem a eugenia-higienismo como marca da política do setor já na sua origem, e cujo resultado é tanto a exclusão de direitos e da participação dessa população na construção de políticas públicas quanto o genocídio racial por óbitos evitáveis de doenças de saneamento negligenciadas pelo Estado (Jesus, 2020aJesus, Victor (2020a). Racializando o olhar (sociológico) sobre a saúde ambiental em saneamento da população negra: um continuum colonial chamado racismo ambiental.Saúde e Sociedade, 29(2). https://doi.org/10.1590/S0104-12902020180519
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, 2020bJesus, Victor (2020b). O racismo institucional das políticas públicas como entrave da cidadania brasileira: uma análise das políticas de saneamento básico. Sinais - Revista de Ciências Sociais, 1(24), 98-117. https://periodicos.ufes.br/sinais/article/view/33556
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). No entanto, além dessa desigualdade material, a relação entre saneamento e racismo abarca também uma desigualdade simbólica: trata-se da representação no imaginário coletivo que pessoas negras são sujas, fedidas, imundas e/ou, ainda, o lixo da sociedade.

Nesse contexto, apesar dos estigmas raciais terem lugar no debate clássico da Psicologia Social (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman, 1963/2013), há poucas contribuições sobre esse objeto específico (Le Breton, 2016aLe Breton, David (2016a). Antropologia do corpo. Vozes. , 2016b, 2019), e até o presente momento inexiste alguma pesquisa que trate da realidade brasileira. Por isso, pretendemos analisar essa dimensão simbólica do racismo brasileiro que assume o saneamento enquanto significante racializado, o cheiro do racismo, sob o argumento que existe uma cultura político-afetiva higienista que historicamente tem produzido significados sociais racializados acerca dos corpos, emoções e sentidos a partir dos estigmas que representam as pessoas negras como sujas, imundas, fedidas e lixo da sociedade, perpetuando, assim, a desigualdade-dominação racial e o racismo estrutural a nível simbólico.

Para tanto, considerando o alerta que Osmundo Pinho (2014Pinho, Osmundo (2014). Um enigma masculino: Interrogando a masculinidade da desigualdade racial no Brasil.Universitas Humanística, 77. https://revistas.javeriana.edu.co/index.php/univhumanistica/article/view/5945
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, 2019) faz quanto à importância de uma perspectiva cultural histórica e política acerca dos significados socialmente produtores-produtos das desigualdades raciais e suas articulações com as experiências, o cotidiano, os estereótipos, o preconceito e a discriminação raciais, o artigo está dividido em três seções: a primeira busca situar-cartografar historicotidianamente1 1 Historicotidiano entendido aqui como uma linha do tempo na qual o cotidiano do tempo presente é construído e atualizado ao longo da história do tempo passado. Isto é, um cotidiano que se atualiza ao longo da história. a demarcação racial da sujeira, do fedor e da imundície nas relações inter-raciais do Brasil; a segunda seção aponta brevemente para o debate antropológico acerca da interface racismo, corpos, emoções e sentidos - em contraste com o olhar biológico -, que conforma uma cultura político-afetiva racista; enquanto a última seção propõe debater a dimensão psicopolítica dessa cultura higienista instituída por sujeitos brancos a partir dos estigmas racistas.

O cheiro do racismo no historicotidiano brasileiro

A origem da construção simbólica que pessoas negras são sujas remete ao período colonial, quando eram demarcadas assim pelas elites brancas europeias cristãs ainda no século XVI (Zanlorenzi, 1998 citado por Garcia, 2009, p. 285Garcia, Antonia dos Santos (2009). Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum. Garamond. ), comparecendo inclusive nos sermões do Pe. Antônio Vieira, que defendia que as águas2 2 É interessante notar que a água, um componente do saneamento, assume o símbolo da limpeza-brancura, metáfora desse processo de tornar-se limpo e branco, como ocorre em “Macunaíma” de Mario de Andrade (Schwarcz, 2012). do batismo cristão limpariam a raça negra e a transformaria em um desgraçado limpo branco (Nascimento, 2017Nascimento, Abdias (2017). O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Perspectiva. ). Nesse momento surgiu também a expressão “catinga de crioula” - que mais tarde virou “cheiro do corpo” ou “cecê” (Gonzalez, 2020Gonzalez, Lélia (1984/2020). Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira In (Flavia Rios & Márcia Lima (Orgs.) Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos (pp. 75-93). Zahar. ) - e a associação entre sujeira, população negra e serviços de saneamento (carregar água, retirar o lixo e os excrementos), denominados de “coisa de escravo”, “serviço de preto”, e tipificados, por isso, como repugnantes, de menor status-valor, trabalhos sujos e indesejáveis (Karasch, 2000Karasch, Mary C. (2000). A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Companhia das Letras. ; Silva, 1988Silva, Marilene Rosa Nogueira (1988). Negro na rua: a nova face da escravidão. Hucitec. ).

Entre o século XVIII e XIX, a água como sinônimo de brancura e limpeza perdurou na imagem naturalista de um Brasil Tropical com um grande e caudaloso rio branco que promovia a “depuração” dos rios negros e indígenas, tornando suas águas mais “límpidas” e “puras” (Schwarcz, 2012Schwarcz, Lilia (2012). Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Claro Enigma. ). E, no pós-abolição, isso se tornou ainda pior com as teorias eugenistas, quando as favelas e os cortiços ocupados pela população negra foram classificados como “depósito de entulho humano”, locais infecciosos, sujos, imundos, habitação de ratoneiros livres3 3 Referência racista-higienista dos negros como ratos. e insalubres - e perseguidos - pelos jornais, políticos e cientistas. Nessa época, qualquer corpo, cultura, trabalho ou espaço considerado negro era demarcado como contaminante da cidade e da sociedade; e portador de toda imundície, sujeira, imoralidade e atraso da civilização brasileira (Campos, 2012Campos, Andrelino (2012). Do Quilombo à Favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Bertrand Brasil.; Chalhoub, 1996Chalhoub, Sidney (1996). Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. Companhia das Letras. ; Fonseca, 2012Fonseca, Dagoberto José (2012). Você conhece aquela? A piada, o riso e o racismo à brasileira. Selo Negro. ; Silva & Fonseca, 2012Silva, Eliana Gesteira & Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho (2012). A construção da raça nacional: estratégias eugênicas em torno do corpo da mulher. In Luís Eduardo Batista, Jurema Werneck, & Fernanda Lopes (Orgs.), Saúde da População Negra (pp. 225-244). ABPN.).

Esse cheiro do racismo4 4 O filme sul-coreano “Parasita” retrata o que aqui denominamos de “cheiro do racismo”. que demarca a negritude como significante de fedor, sujeira, imundície, nojo e repugnância seguiu nas décadas de 1950/60, comparecendo tanto nos escritos de Carolina de Jesus (1960/2014Jesus, Carolina Maria (1960/2014). Quarto de despejo: diário de uma favelada. Ática) - quando a chamavam de “negra fidida!” e “negra suja” - quanto na história da origem do urubu como mascote do time do Flamengo - forma de ridicularizar a torcida preta e pobre do clube, associando-a a um animal considerado sujo, do lixo (Guedes, 2020Guedes, Bruno (2020, 14 de dezembro). Urubu, mascote do Flamengo, surgiu do racismo das torcidas rivais. Mundo Rubro Negro. https://mundorubronegro.com/flamengo/urubu-mascote-do-flamengo-surgiu-do-racismo-dos-rivais
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; Mascote, n.d.Mascote. Clube de Regatas do Flamengo. http://www.flamengo.com.br/site/conteudo/detalhe/15/mascote
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). E ainda, diversas piadas relacionadas na época, tais como: “negro parado é vagabundo, andando é ladrão, voando é urubu” e “quando preto não caga na entrada, caga na saída, e quando não caga na entrada nem na saída, deixa um bilhetinho dizendo: ‘cago depois’”, perpetuando um imaginário em que “o negro porta uma sujeira inevitável” (Fonseca, 2012, p. 96Fonseca, Dagoberto José (2012). Você conhece aquela? A piada, o riso e o racismo à brasileira. Selo Negro. ).

A atualidade disso é verificada em diversas e inusitadas cenas da vida cotidiana, seja o vendedor negro ter de ouvir que “preto fede” por não ter o troco (Sampaio, 2012Sampaio, Adriana Soares (2012). Ecos do silêncio: algumas reflexões sobre uma vivência de racismo. In Luís Eduardo Batista, Jurema Werneck, & Fernanda Lopes (Orgs.), Saúde da População Negra (pp. 245-254). ABPN. ); sejam os personagens blackface nos programas humorísticos de televisão que associam ratos e baratas como seus animais de estimação e odor do sovaco à negritude, como a personagem Adelaide do programa Zorra Total da Rede Globo entre 2012 e 2013; seja a ex-BBB Franciele Almeida, que disse ficar com “cheiro de neguinha” se não usar desodorante (Se eu..., 2014); seja a humilhação racial nas redes virtuais, como o ginasta Arthur Nory fez com o Angelo Assumpção ao associar saco de supermercado ao branco, e saco de lixo ao preto (Angelo..., 2015Angelo Assumpção, ginasta negro da seleção é alvo de piadas racistas de companheiros (2015, 16 de maio). Portal Geledés. https://www.geledes.org.br/angelo-assumpcao-ginasta-negro-da-selecao-e-alvo-de-piadas-racistas-de-companheiros/
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); sejam os ataques virtuais como “nego sujo, eu tomo banho, já não sei tu”, “se tomasse banho direito não ficaria encardida” e “cheguei em casa fedendo a preto” (Sperb, 2015Sperb, Paula (2015, 25 de novembro). ONG espalha outdoors com dizeres racistas perto das casas dos autores. Folha Uol. https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1710800-ong-espalha-outdoors-com-dizeres-racistas-perto-das-casas-dos-autores.shtml
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); seja a fala de Nelma Baldassi que, aos risos, disse: “seria lindo ver aquela gente nojenta e escurinha da Bahia explodindo” (Brasileira..., 24 maio 2017); sejam as pichações de “preta fedida” na porta de banheiros5 5 É sintomático que o banheiro seja onde pichações assim costumem aparecer. de instituições de educação (Lemes & Nassif, 2017Lemes, Conceição & Nassif, Marcelo (2017, 9 de março). Covardia racista sem limites: A dor da professora Camila frente à barbárie escrita no banheiro; assista ao vídeo. Viomundo. https://www.viomundo.com.br/denuncias/covardia-racista-sem-limites-a-dor-da-professora-camila-frente-a-barbarie-escrita-na-porta-do-banheiro-assista-ao-video.html
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); seja ainda a fala do promotor de justiça Avelino Grota, para quem “negro é catinguento, fede demais” (Negro..., 4 out. 2017Negro é catinguento, fede demais diz Promotor de Justiça de São Paulo (2017, 4 de outubro). Portal Geledés. https://www.geledes.org.br/negro-e-catinguento-fede-demais-diz-promotor-de-justica-de-sao-paulo/
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).

A lista prossegue e somente no biênio 2020-2021 o cheiro do racismo esteve presente: entre os estudantes brancos ricos do Colégio Franco-Brasileiro que se divertiam acusando uma estudante preta senegalesa de feder a chorume6 6 Líquido orgânico de cheiro desagradável de putrefação que escorre do lixo. (Barbosa, 2020Barbosa, David (2020, 22 de maio). Estudante de colégio particular da Zona Sul é vítima de racismo em mensagens postadas por colegas em rede social. Geledés. https://www.geledes.org.br/estudante-de-colegio-particular-da-zona-sul-e-vitima-de-racismo-em-mensagens-postadas-por-colegas-em-rede-social/
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); em casos nos quais mulheres brancas interpelam pessoas negras em vias públicas sob os gritos de “sai fedido, fedorento, sai lixo, sai”, “o que foi nego nojento?” (Homem..., 2020Homem é vítima de insultos racistas ao lado do filho, na zona sul de SP (2020, 15 de setembro). UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/09/15/homem-e-vitima-de-insultos-racistas-ao-lado-do-filho-na-zona-sul-de-sp.htm
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), “macaco fedorento”, “imundo” e “crioulo fedido” (Lima, 12 abr. 2021Lima, Isabella (2021, 12 de abril). Mulher é presa por chamar rapaz de ‘macaco fedorento’ em ônibus no litoral de SP. G1. https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2021/04/12/mulher-e-presa-por-chamar-rapaz-de-macaco-fedorento-em-onibus-no-litoral-de-sp-video.ghtml
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)7 7 Neste caso, o relato de uma testemunha aponta a crueza de quem é violentado e tem que resistir: “você via descer lágrimas dos olhos do rapaz, mas ele aguentou firme” (Lima, 12 abr. 2021). ; na associação entre “cecê” e pele negra feita pela influenciadora Isadora Faria (Influencer..., 2021Influencer causa polêmica ao associar mau cheiro à pele negra (2021, 22 de janeiro). IstoÉ Gente. https://istoe.com.br/influencer-causa-polemica-ao-associar-mau-cheiro-a-pele-negra/
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); no caso de uma vizinha que gritava e colava papéis no prédio classificando pessoas negras como “espíritos imundos”, “escória da sociedade”, “excrementos da sociedade”, “mau caráter” e porcos (Lima, 10 maio 2021Lima, Isabella (2021, 10 de maio). Mulher que foi presa por racismo volta a atacar vizinhos no litoral de SP: ‘Negra porca’. G1. https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2021/05/10/mulher-presa-por-racismo-volta-a-atacar-vizinhos-no-litoral-de-sp-negra-porca.ghtml
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)8 8 Neste caso, é revelador que a mulher agradeça a Deus pela dádiva de lhe ter concedido “vários talentos e dons” e “caráter reto”, isto é, de ser branca (Lima, 10 maio 2021). ; e, por fim, no caso do doutorando em Filosofia Álvaro Hauschild, que assediava uma mulher branca pelas redes virtuais, tentando convencê-la a abandonar seu companheiro negro, acusando-o de exalar um “cheiro típico”, dentre outros argumentos eugenistas (Polícia..., 5 out. 2021Polícia investiga queixa de racismo de estudante da UFRGS: ‘Exala um cheiro típico’ (2021, 5 de outubro). G1. https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/05/policia-investiga-queixa-de-racismo-de-estudante-da-ufrgs-exala-um-cheiro-tipico.ghtml
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).

Essas situações não poupam sequer crianças negras, como Lídia, que nasceu de uma relação inter-racial e cresceu ouvindo o pai dizer que mau cheiro e falta de higiene são “coisas de preto” (Rocha, 2016Rocha, Emerson (2016). Cor e dor moral: sobre o racismo na ralé. In Jessé Souza, A ralé brasileira (pp. 409-444). UFMG. ); comparecendo inclusive no ambiente escolar, onde crianças negras são chamadas pelos colegas como “preta que não toma banho”, “preta fedida” (Carneiro, 2011, p. 76Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. Selo Negro. ), “faxineira preta” e são acusadas de feder (Criança..., 2021Criança de oito anos é vítima de racismo em escola de Piracicaba (2021, 8 de outubro). Revista Raça. https://revistaraca.com.br/crianca-de-nove-anos-e-vitima-de-racismo-em-escola-de-piracicaba/
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), sem qualquer intervenção da professora. Ou ainda, quando o racismo parte da própria professora, como o caso de Andreia Ramos (2018Ramos, Andreia Teixeira (2018). Mulheres no Congo do Espírito Santo: Práticas de re-existência ecologista com os cotidianos escolares [Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Sorocaba, São Paulo]. ), cuja memória ainda se recorda da professora branca de bordado ter lhe dito na infância que ela não teria jeito para bordar porque “tinha” a mão suja. Em comum, os casos carregam o pressuposto do corpo negro sujo, um imaginário reafirmado em outros casos cotidianos nos quais pessoas negras são questionadas sobre a forma como lavam seus cabelos, e a surpresa quando se constata que eles cheiram bem (Kilomba, 2008/2019).

Ainda hoje, profissões majoritariamente exercidas por pessoas negras, mal remuneradas e precarizadas são consideradas “trabalhos sujos” e “de sub-humanos”, “serviços de preto” nos quais as/os trabalhadoras/os são humilhadas/os. Esse é o caso das empregadas domésticas, recorrentemente tratadas como lixo e/ou com nojo, impedidas de usar o elevador social do prédio, o vaso sanitário e os utensílios domésticos da casa onde trabalham para não sujar-contaminar; e também são interpeladas quanto ao cheiro, sendo chamadas de “fedorenta de cecê” ou exigido que utilizem uniforme ou bastante água sanitária para encobrirem o seu suposto mau cheiro (Preta-Rara, 2019Preta-Rara (2019). Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada. Letramento. ).

Enfim, a utilização metafórica da água para simbolizar a necessidade de embranquecimento; a acusação de que negros não tomam banho; a associação que negros são lixo, escória, chorume, excrementos, dejetos da sociedade; e o suposto fedor, sujeira e imundície da população negra apontam para a presença simbólica do saneamento na tentativa de rebaixar a população negra e lhe fixar uma identidade racial desprezível e indesejada. Os exemplos dessa breve cartografia evidenciam a dimensão simbólica do racismo por meio de xingamentos, piadas, analogias, interdições e representações racialmente estereotipadas nas quais a sujeira, o mau odor e a falta de higiene são dissociados das desigualdades materiais do acesso ao saneamento e atrelados à condição inerente de ser negro. Um processo cujas dinâmicas historicotidianas envolvem a agência da elite branca, das religiões cristãs, da mídia hegemônica e da ciência na produção social e política de subjetividades racistas.

Assim, o cheiro do racismo emerge como produto e produtor de subjetividades e afetos no historicotidiano brasileiro, quando-onde ter nojo de pessoas negras e humilhá-las é legitimado rotineiramente, assim como as políticas afetivas (de desejos) higienistas que matam simbolicamente (psicossocialmente) a população negra desde a infância à vida adulta, seja de modo dito e explícito, seja de modo não dito e velado. Paradoxalmente, apesar da origem colonial desse estigma racista e dos inúmeros casos cotidianos, a produção científico-intelectual brasileira sobre isso segue silenciada, um sintoma relevante do racismo brasileiro.

O racismo no corpo, nas emoções e nos sentidos: uma cultura político-afetiva racista

Diante desses casos do cheiro do racismo no historicotidiano brasileiro, e tantos outros silenciados, que reproduzem um padrão simbólico colonial de pessoas negras violentadas publicamente - interceptadas aos gritos, humilhadas por pessoas brancas acusando-as de sujas, fedidas, imundas, lixo -, indagamos: como entender esses comportamentos, linguagens e imaginários racistas em torno dos sentidos (cheiro, fedor, odor), das emoções (nojo, repugnância, desprezo, raiva) e do corpo (negro, e seu equivalente oculto, branco)? Para responder a isso, precisamos compreender como o racismo molda o corpo, as emoções e os sentidos a partir da cultura.

Primeiro, é preciso realçar a importância da camada (inter)subjetiva do racismo, isto é, do racismo pessoal-internalizado e interpessoal-intersubjetivo. Na prática, isso significa que o racismo envolve tanto sentimentos e condutas de inferioridade, superioridade, passividade, proatividade, aceitação e recusa quanto omissões ou ações de falta de respeito, desconfiança, desvalorização, perseguição, desumanização e negligência ao lidar com ele e seus impactos (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2017Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2017). Relações raciais: Referências Técnicas para atuação de psicólogas/os. Autor.; Werneck, 2016Werneck, Jurema (2016). Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, 25(3). https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610.
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). Interessa-nos inicialmente, então, perceber que o racismo envolve sentimentos e condutas-ações que são moldadas por relações raciais que produzem (e são produzidas) pela relação indivíduo e sociedade a partir dos processos de subjetivação e de socialização que constituem os indivíduos.

Em segundo lugar, essa dimensão simbólico-subjetiva do racismo que envolve indivíduos-grupos e sociedade está inscrita na cultura que, apesar das suas diferentes conceituações, desde a antropologia clássica compreende os costumes-hábitos, normas sociais, comportamentos e modos de pensar como bases culturais do racismo (Benedict, 1934/2000Benedict, Ruth (1934/2000). A ciência do costume. In Padrões de cultura (pp. 13-32). Livros do Brasil. ; Boas, 1931/2005Boas, Franz (1931/2005). Raça e Progresso. In Celso Castro (Org.), Franz Boas. Antropologia Cultural (pp. 67-86). Jorge Zahar. ; Gluckman, 1958/1987Gluckman, Max (1958/1987). Análise de uma situação social na Zululândia Moderna. In Bela Feldman-Bianco (Org.), Antropologia das sociedades contemporâneas: métodos (pp. 227-267). Global. ). Isto é, o racismo molda a norma social, o comportamento e o modo de pensar. Desse modo, o cheiro do racismo está diretamente ligado à cultura, se a entendermos como um sistema simbólico, como teias de significados socialmente estabelecidas e compartilhadas, de forma a modelar nosso comportamento, linguagem, ideias, valores, sentimentos, percepções e emoções. Ou seja, a cultura consiste nos sistemas de significados criados historicamente (padrões culturais), que são também sistemas de controle (planos, receitas, regras, instruções, tabus, homogeneização comportamental, racionalização dos afetos), a partir dos quais interpretamos o mundo (Geertz, 1978Geertz, Clifford (1978).A interpretação das culturas. Zahar.). Isso significa que o racismo se torna norma social, um comportamento ou um modo de pensar quando o tecido cultural entrelaça o imaginário social com estereótipos racistas a partir dos significados que a cultura lhe confere.

Chegamos, então, ao terceiro ponto: a conexão entre cheiro do racismo, cultura, corpo, emoções e sentidos. Para isso, diferente do olhar estritamente biológico (anatômico-fisiológico), e em concordância com David Le Breton (2012Le Breton, David (2012). A sociologia do corpo. Vozes. , 2016aLe Breton, David (2016a). Antropologia do corpo. Vozes. , 2016bLe Breton, David (2016b). Antropologia dos sentidos. Vozes. , 2019Le Breton, David (2019). Antropologia das emoções. Vozes. ), assumimos que corpo9 9 Importa destacar que há críticas quanto à noção humanista-especista e moderna-ocidental de corporalidade, que aparta corpo-humano da natureza-afetos-não humanos (Narahara, 2022). , emoções e sentidos são fenômenos-elaborações sociais, tecidos na trama cultural da vida cotidiana, moldados pela educação recebida no processo de socialização (interação social) e, portanto, socialmente construídos e significados. Dito de outro modo, cada sociedade dá um significado (sentido e valor) ao corpo, às emoções e aos sentidos a partir de sua visão de mundo. Por isso, a partir da cultura, cada sociedade define o que é corpo saudável, doente, bonito e feio, bem como os usos e interdições que se pode fazer dele; delimita seu repertório de sons, gostos, cheiros, tatos e olhares, estranhando o que escapa disso; e estabelece o que causa e como se expressam as emoções de raiva, desgosto, repugnância, medo, vergonha, desprezo, alegria, angústia, excitação e decepção.

A esse respeito, vale lembrar que as crianças não fazem distinção de bom e mau odor, tanto é que elas brincam com seus excrementos e urina, e amam cheirá-los. Ou seja, é o sistema de valores transmitidos pela família e sociedade - sob a (re)pressão da educação - que define se um cheiro é escatológico (um mau odor), a partir do qual o odor assume um julgamento de valor (malcheiroso ou cheiroso), e uma ressonância moral (nojento, por exemplo), o que marca os odores da existência - quando o olfato-odor se torna “um sentido forte de discriminação” e “antropologicamente um divisor moral” (Le Breton, 1990/2016, p. 346).

A partir desse entendimento, podemos compreender o viés racista da significação sociohistórica do corpo, das emoções e dos sentidos, uma vez que é nesse contexto que o racismo produz um corpo imaginoso, que tem no processo de discriminação um exercício que transforma a diferença em estigma, em corpo estranho, e reduz o Outro (e seu destino) ao corpo marcado pela raça - cuja história, cultura e presença deve ser evitada, neutralizada ou apagada (Le Breton, 2012Le Breton, David (2012). A sociologia do corpo. Vozes. ). Assim, o corpo é socialmente significado e mediado por práticas sociais e processos-elementos simbólicos do racismo numa sociedade racista (Pinho, 2019Pinho, Osmundo (2019). A antropologia no espelho da raça. Novos Olhares Sociais, 2(1). https://www3.ufrb.edu.br/ojs/index.php/novosolharessociais/article/view/466
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), o que nos leva a assumir que existe, então, uma cultura político-afetiva racista, ou seja, um conjunto de significados compartilhados socialmente no qual os corpos, emoções e sentidos são historicamente produzidos desde/para o racismo, mobilizando poder e afetos.

Estigmas raciais, construção social da etnicidade e saúde mental dos grupos étnico-raciais na cultura político-afetiva higienista

Considerando que o cheiro do racismo está inscrito numa cultura político-afetiva racista de caráter higienista, pois demarca a identidade racial negra (negritude) como signo da sujeira, fedor, imundície e mobiliza nojo, repugnância, desprezo e riso, e autoriza pessoas brancas ao exercício da desumanização, violência, humilhação e dominação racial, resta-nos, finalmente, situar o debate acerca dos estigmas racistas e do poder. Para isso, primeiro devemos nos atentar para a noção de que o racismo é também um discurso coletivo, uma linguagem social de uma dada cultura que produz um campo etno-semântico, no qual o significante “cor negra” carrega mensagens e significados simbólicos de inferioridade social e biológica. Essa noção atesta a forma de dominação do racismo que passa pela via linguística (Gonzalez, 2020Gonzalez, Lélia (1984/2020). Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira In (Flavia Rios & Márcia Lima (Orgs.) Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos (pp. 75-93). Zahar. ; Kilomba, 2019Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ; Nascimento, 2019Nascimento, Gabriel (2019). Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo. Letramento. ; Nogueira, 2017Nogueira, Isildinha Baptista (2017). Cor e Inconsciente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 121-126). Perspectiva. ; Schwarcz, 2017Schwarcz, Lilia (2017). Raça, Cor e Linguagem. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 91-120). Perspectiva. ).

Em seguida, importa compreendermos que a partir da linguagem, então, a cultura política-afetiva higienista é produzida e transmitida como estigmas, que consistem na imputação de um atributo depreciativo e duradouro a um grupo social, levando-o a ter a sua identidade social10 10 O estigma (e sua violência racista) tem sempre caráter coletivo, uma vez que o alvo não é a qualidade individual (da pessoa como pessoa), mas o grupo - o coletivo a que pertence -, considerado diferente e inferior (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman, 1963/2013; Moreira, 2019). moralmente desqualificada como inferior, indesejável e estragada na relação social cotidiana. Quando referentes a grupos étnico-raciais, esses estigmas passam a conferir demarcações racistas, determinando a cor da pele ou outros traços inato-biológicos como marcadores objetivos de depreciação coletiva expressa por meio de discursos, metáforas, piadas, injúrias, trocadilhos, provérbios, ditos, frases, expressões populares, ironias, imagens, discursos, narrativas e representações estereotipadas numa semiótica racista-higienista (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman11 11 Apesar do autor colaborar com a compreensão do estigma, sua teoria possui limitações tais como: esquema binário, perspectiva patológico-biologizante e universalização de algumas especificidades estadunidenses. , 1963/2013; Gonçalves, 2017Gonçalves, José Moura (2017). A dominação racista: o passado presente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia Silva, & Cristiane C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 143-160). Perspectiva. ; Moreira, 2019Moreira, Adilson (2019). Racismo recreativo. Pólen. ; Sales, 2009Sales, Ronaldo Laurentino (2009). Raça e Justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Massangana. ; Schwarcz, 2017Schwarcz, Lilia (2017). Raça, Cor e Linguagem. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 91-120). Perspectiva. ).

A combinação entre odor, discriminação e moralidade pode se tornar racista, então, quando assume a existência de um odor “étnico” (ou associado a alguma raça) à medida que grupos acusam e vinculam seus adversários ao mau odor exalado por meio de estereótipos racistas12 12 Existem expressões linguísticas em diversas culturas para isso, como a expressão antissemita “foetor judaicus ou jiffa” (esta usada nos países árabes), “bata kussai” é utilizada no Japão para definir o cheiro dos estrangeiros, franceses e alemães se acusam quanto ao odor fétido, que também recai sobre africanas/os. Na França, isso se tornou uma especialidade e patologia, na qual foi desenvolvida uma categorização olfativa a partir de uma “etnoquímica” que comparava as “raças humanas”, apontando que raças negras, chinesas e alemãs do Norte eram acometidas de bromidrose fétida (fedor e suor) (Le Breton, 2016a). . Esses grupos acusados seriam olfativamente desprezados, inferiorizados, depreciados e associados a um “tipo fedorento, um esterco, um sujo, um lixo, um podre, um saco de estrume etc.”, e isso “força o desprezo e justifica no imaginário a violência simbólica ou real da qual é objeto” (Le Breton, 2016a, pp. 351-354Le Breton, David (2016a). Antropologia do corpo. Vozes. ). Uma discriminação olfativa na qual “o homem bom cheira necessariamente bem, à imagem do racismo. O malvado cheira mal, à imagem de sua intenção” (Le Breton, 2016a, p. 350).

Nessa trama, há uma compatibilidade semântica e simbólica entre odor e ódio na qual a desqualificação do próprio olfato é utilizada para demarcar e rebaixar os grupos estigmatizados (Le Breton, 1990/2016), processo no qual “o sujeito negro torna-se então tela de projeção daquilo que o sujeito branco teme reconhecer sobre si mesmo ... permitindo à branquitude olhar para si como moralmente ideal, decente, civilizada e majestosamente generosa” (Kilomba, 2019, p. 37Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ), em contraste com a sua história de violência, intimidação, opressão e sadismo racial. E, ao mesmo tempo, permite que a população negra possa ser submetida a processos violentos e higienistas em nome da manutenção-imposição da ordem (branca) e da supressão da suposta impureza, fedor e perigo, na qual embranquecer é sinônimo de ordem, limpeza e santidade13 13 Apesar de não discutir o caráter racial e grupal da sujeira, ao enfocar o comportamento individual poluído e seus rituais de purificação, Mary Douglas (1966) oferece uma explicação para a relação entre sujeira e desordem. Segundo a antropóloga, a ordenação e classificação de comportamentos considerados limpos, perfeitos, santos, íntegros, purificados, desejados e ordenados versus aqueles tidos como imundos, sujos, impuros, desordenados, indesejados, marginais, poluídos e doentes é um modo de significação simbólica na estrutura social hierárquica que permite punir, humilhar e exterminar o indivíduo sujo que desobedeceu a um tabu e causou uma desordem social. .

Assim, o estigma tem uma função político-afetiva de produzir uma sociodinâmica da estigmatização14 14 Isso consiste no grupo estabelecido no poder produzir sua autoimagem a partir da minoria de seus “melhores” membros, enquanto representa o grupo destituído de poder representado pelas características “ruins” de sua “pior” porção (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman, 1963/2013). , que estabelece o status moral dos grupos, distinguindo-os em desejáveis e indesejáveis, superiores e inferiores; e atua, por meio do controle dos afetos e das barreiras simbólicas, para que os grupos estigmatizados os internalizem e permaneçam nessa condição, aceitando seu lugar sociopolítico subalternizado na dominação da vida cotidiana. Dito de outro modo, o estigma consiste, portanto, na autovalorização de um grupo específico à custa da desvalorização-humilhação de outro grupo social - formando um mecanismo de proteção dos interesses e moralidade do grupo racial que ataca, a branquitude no caso brasileiro (Elias & Scotson, 1965/2000Elias, Norbert & Scotson, John L. (2000). Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Jorge Zahar.; Goffman, 1963/2013Goffman, Erving (1963/2013). Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. LTC. ; Gonçalves, 2017Gonçalves, José Moura (2017). A dominação racista: o passado presente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia Silva, & Cristiane C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 143-160). Perspectiva. ; Moreira, 2019Moreira, Adilson (2019). Racismo recreativo. Pólen. ).

Por isso, historicotidianamente, os estigmas racistas recaem sobre a população negra. De um lado, há uma construção e um reforço positivo sistemático da identidade racial branca como signo de superioridade, riqueza, beleza, inteligência, status, mérito, pureza artística, nobreza estética, majestade moral, sabedoria científica, cultura, civilização e humanidade; enquanto do outro há a identidade racial negra como signo de inferioridade moral, imundície, repugnância, sujeira, doença, feiura, quase inumanos (Elias & Scotson, 1965/2000Elias, Norbert & Scotson, John L. (2000). Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Jorge Zahar.; Fanon, 1952/2008Fanon, Frantz (1952/2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA. ; Gonçalves, 2017Gonçalves, José Moura (2017). A dominação racista: o passado presente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia Silva, & Cristiane C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 143-160). Perspectiva. ; Kilomba, 2019Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ; Moreira, 2019Moreira, Adilson (2019). Racismo recreativo. Pólen. ; Nogueira, 2017Nogueira, Isildinha Baptista (2017). Cor e Inconsciente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 121-126). Perspectiva. ).

Essas construções nos conduzem, então, até o caráter higienista da cultura político-afetiva racista desde os tempos coloniais, a partir do qual ser negro remete a uma cadeia de significados equivalentes, como: “africano - África - selva - selvagem - primitivo - inferior - animal - macaco” (Kilomba, 2019, p. 130Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ). Ou ainda: negro - sujo - fedido - imundo - nojento, já que “fedida”, “merda”, “podre”, “fedorenta”, “nojenta”, “suja” e “porqueira” constituem insultos raciais recorrentes dirigidos à população negra (Sales, 2009, p. 130Sales, Ronaldo Laurentino (2009). Raça e Justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Massangana. ).

Dessa maneira, essas reiteradas construções simbólicas fazem com que sujeitos brancos sintam orgulho de serem limpos, mas neuróticos e negrófobos, mobilizados pelo desejo, inveja, raiva, ódio, desprezo e pulsão destrutiva dirigida às pessoas negras; além do gozo em subjugar, humilhar e produzir insegurança emocional nessas pessoas. Enquanto isso, sujeitos negros são humilhados e sofrem de sentimento de inferioridade, despersonalização, humilhação racial, autorrejeição, angústia, mal-estar, autoalienação, vergonha-desonra, desprezo-desinvestimento de si, traumas-neuroses, alienação e sofrimento-adoecimento como efeitos psicossociais do racismo (Elias & Scotson, 1965/2000Elias, Norbert & Scotson, John L. (2000). Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Jorge Zahar.; Fanon, 1952/2008Fanon, Frantz (1952/2008). Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA. ; Gonçalves, 2017Gonçalves, José Moura (2017). A dominação racista: o passado presente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia Silva, & Cristiane C. Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 143-160). Perspectiva. ; Kilomba, 2019Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. Cobogó. ; Nogueira, 2017Nogueira, Isildinha Baptista (2017). Cor e Inconsciente. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 121-126). Perspectiva. ; Silva, 2017Silva, Moíses Rodrigues (2017). Racismo, uma leitura. In Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia da Silva, & Cristiane Curi Abud (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise (pp. 161-178). Perspectiva. ).

Em síntese, a estigmatização racial enquanto microtécnica cordial do corpo confere significado às marcas, odores, cores, texturas, gostos, fluxos, gestos, gozos etc. do corpo negro como um status racial, cuja semiótica racista o transforma no próprio lugar da exclusão, e ao qual se dirige a violência física e simbólica. Assim, o estigma demarca o corpo negro, revela as desigualdades raciais e reifica os processos de hierarquização-dominação racial branca ao mutilar, esfolar, fragmentar, codificar e semiotizar o corpo negro (Sales, 2009Sales, Ronaldo Laurentino (2009). Raça e Justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Massangana. ), por meio de uma linha olfativa que delimita a alteridade e categoriza o real moldando os imaginários coletivos. Uma linha entre quem cheira bem e inspira confiança, simpatia e aliança; e aquele Outro malcheiroso, perigoso, repugnante, cuja humanidade é simbolicamente equiparável ao excremento, e quem se deve desprezar, romper e odiar (Le Breton, 2016aLe Breton, David (2016a). Antropologia do corpo. Vozes. ).

Assim, o odor de santidade do sujeito branco é reafirmando, ao mesmo tempo em que se mantém a hierarquia social de seu grupo, de tal modo que o enunciado “negro sujo!” é também um vocativo de “fique no seu lugar!” (Sales, 2009Sales, Ronaldo Laurentino (2009). Raça e Justiça: o mito da democracia racial e o racismo institucional no fluxo de justiça. Massangana. ). E, então, a branquitude emerge como significante cultural, o lugar de poder social de uma pretensa superioridade racial a partir de hostilidades raciais e propagação simbólica de imagens, discursos, narrativas e representações culturais racializadas para fins de justificação das hierarquias, privilégios e desigualdades raciais (Moreira, 2019Moreira, Adilson (2019). Racismo recreativo. Pólen. ). Isso equivale a dizer que os estigmas racistas servem tanto para vigiar, controlar, punir, desqualificar, desumanizar e violentar os corpos negros quanto para justificar-impor o próprio racismo, as desigualdades raciais (simbólicas e materiais) e a dominação racial, eximindo o grupo estigmatizador (branquitude) de qualquer responsabilidade (Elias & Scotson, 1965/2000; Sales, 2009).

Considerações finais

“nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim o determina a lógica da dominação, ... [mas] assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.” (Gonzalez, 1984/2020, pp. 77-78Gonzalez, Lélia (1984/2020). Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira In (Flavia Rios & Márcia Lima (Orgs.) Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos (pp. 75-93). Zahar. )

Ao longo do texto, vimos que o racismo possui camadas profundas, moldando os significados culturais e impregnando nossos corpos, emoções e sentidos - que comumente consideramos ser meramente biológicos. Longe de ser pontual e ao acaso, essa construção é historicotidiana, assentada nas desigualdades raciais (materiais, simbólicas e de poder), perpetuada pelos processos de socialização e subjetivação, e sustentada pelos estigmas racistas que atuam como mecanismos simbólicos de controle-repressão-poder. É nesse contexto que os sujeitos sem saneamento são os mesmos simbolicamente saneados-higienizados racialmente pelo cheiro do racismo, tendo sua condição humana rebaixada ao status de chorume, esgoto, fossa-vala (negra) e corpo-dejeto-lixo-descartável-indesejável da sociedade. Isso revela como o racismo tem se efetivado a partir da produção de desigualdades simbólicas que forjam as subjetividades-identidades raciais, privilegiando e supervalorizando a branquitude, em detrimento da negritude, a partir do saneamento como significante racializado.

Em virtude disso, é possível identificar um processo de socialização da vida cotidiana a partir do qual as pessoas têm seus corpos-emoções-sentidos construídos sob o exercício da higienização racial - e sua naturalização -, que imputa aos sujeitos negros o lugar simbólico e social de sujo, imundo, fedido e nojento; e aos sujeitos brancos, o lugar do limpo, cheiroso, clean, higiênico e desejado. Como consequência, o cheiro do racismo e outros tantos estigmas-mecanismos-tecnologias racistas de poder são fundamentais para compreender a temática da identidade racial brasileira e seus aspectos simbólico-subjetivos. Através desse prisma, precisamos compreender a construção da identidade racial negra que, por vezes, assume mecanismos de negação/embranquecimento como estratégias de fuga da dor, das humilhações e das violências físico-simbólicas que os estigmas racistas causam durante toda uma vida através da identificação com o sujo, fedido, imundo e lixo da sociedade.

Em contrapartida, a identidade racial branca, ainda que em condição de pobreza, tende a ser construída sob o reforço positivo sistemático da sua humano-dignidade e na crença irrestrita do seu lugar de poder legítimo-natural (meritocrático) na sociedade, o que constitui uma desigualdade simbólico-subjetiva que demanda mais pesquisas no escopo dos estudos das desigualdades raciais. Aliás, essa temática da racialidade do sujeito branco e seus mecanismos-estratégias de poder é fundamental nessa discussão, na medida em que a branquitude opera diretamente tanto na produção de estigmas racistas que constituem um mecanismo político de subalternizar, desassujeitar e higienizar-embranquecer os indivíduos historicamente racializados (e pertencentes a grupos destituídos de poder) quanto na produção de um racismo blasè marcado, sobretudo, pela indiferença, insensibilidade e “inércia”, que nega, invisibiliza, naturaliza, estigmatiza, silencia e oculta as desigualdades raciais que os cotidianos insistem em explicitar.

Desse modo, é possível afirmar que a cultura político-afetiva higienista no cheiro do racismo: (a) influencia a construção da identidade racial como estratégia de dominação racial, ao estigmatizar, desumanizar, subalternizar e matar simbolicamente pessoas negras (o Outro historicamente subalternizado e destituído de poder) tidas como malcheirosas, e reafirmando o odor de santidade da branquitude (grupo branco historicamente estabelecido no poder, quem imputa o valor olfativo); e (b) legitima-naturaliza as desigualdades raciais (materiais e simbólicas), as subvivências e a subcidadania da população estigmatizada, como se a condição natural, biológica e incontornável de ser negro/a fosse ser um corpo-dejeto-lixo-descartável a viver na imundície, sujeira e fedor. Por isso, sob a análise do poder, a estigmatização racial é indissociável daquilo que pretende dissimular, já que ao demarcar sujeitos negros como sujos, a branquitude pretende ocultar seu papel ativo na produção do racismo e tenta se convencer (e aos demais) que não possuem privilégios e responsabilidades diante dos processos que produzem o racismo. Instituir a negritude como imundície, então, é um modo de negar a si mesmo a sua sujeira e podridão racista, é uma estratégia de despolitizar-desistoricizar a brancura do poder e de naturalizar as desigualdades raciais.

Nessa perspectiva, os estigmas produzidos em uma cultura político-afetiva racista atendem a um projeto higienista-genocida, já que, ao reduzir o corpo negro a um corpo moralmente sujo-imundo-fedido, o transforma em um corpo lixo-dejeto-descartável, mobilizando afetos-desejos de remoção e higienização-limpeza racial desses corpos, ao mesmo tempo que lhes recusa políticas de combate à desigualdade racial. Isso equivale a dizer que nessa cultura as vidas negras são descartáveis e não importam, podendo, por isso, ser excluídas do beneficiamento de políticas sociais de vida, enquanto as vidas brancas são excessivamente protegidas, valorizadas e assistidas pelas mesmas políticas. Assim, as camadas subjetivas, intersubjetivas e institucionais do racismo são indissociáveis e retroalimentam a estruturação-perpetuação do racismo e da sua cultura político-afetiva higienista, que comparece desde os olhares racistas até os discursos e posicionamentos políticos higienistas que autorizam as políticas de remoção de favelas, os despejos de populações de seus territórios para grandes empreendimentos (incluindo os agroindustriais), as subvivências insalubres sob o racismo ambiental, a remoção de pessoas em situação de rua dos centros das cidades, a criminalização do funk, a destruição de terreiros de candomblé, as chacinas e violências policiais nos territórios negros, o planejamento urbano higienista e as políticas de genocídio ditas de segurança pública em nome da ordem, do progresso e da limpeza.

Enfim, a cultura político-afetiva higienista organiza as relações sociais e as políticas públicas, demarcando quais corpos podem sofrer violências e ser destituídos de humano-dignidade e cidadania, e quais não; naturaliza que pessoas negras sejam maioria entre a população em situação de rua e carcerária, e que essas pessoas vivam sem saneamento e outros direitos básicos - sem que sequer nos importemos; e qualifica que alguns corpos, culturas, artes e territórios sejam considerados lixos, sujos, imundos; e, portanto, passíveis-desejáveis de genocídio-embranquecimento, sobre os quais uma limpeza é sempre bem-vinda. Tendo isso em vista, é fundamental uma maior articulação entre as Psi e as Ciências Sociais para a compreensão da interface saúde, cidadania e construção sociopolítica da etnicidade; e para a construção de outra sociedade, verdadeiramente humana, ecológica e democrática.

Agradecimentos

O autor agradece às/aos pareceristas anônimas/os da revista; à Ariane Celestino Meireles, Andréia Teixeira Ramos, Isabella Baltazar e Karine Lopes Narahara pelo feedback do texto; e à Letícia Zanella Sais e ao Ricardo Joel Franquiz Flores pelas traduções.

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    » https://doi.org/10.1590/S0104-129020162610
  • 1
    Historicotidiano entendido aqui como uma linha do tempo na qual o cotidiano do tempo presente é construído e atualizado ao longo da história do tempo passado. Isto é, um cotidiano que se atualiza ao longo da história.
  • 2
    É interessante notar que a água, um componente do saneamento, assume o símbolo da limpeza-brancura, metáfora desse processo de tornar-se limpo e branco, como ocorre em “Macunaíma” de Mario de Andrade (Schwarcz, 2012).
  • 3
    Referência racista-higienista dos negros como ratos.
  • 4
    O filme sul-coreano “Parasita” retrata o que aqui denominamos de “cheiro do racismo”.
  • 5
    É sintomático que o banheiro seja onde pichações assim costumem aparecer.
  • 6
    Líquido orgânico de cheiro desagradável de putrefação que escorre do lixo.
  • 7
    Neste caso, o relato de uma testemunha aponta a crueza de quem é violentado e tem que resistir: “você via descer lágrimas dos olhos do rapaz, mas ele aguentou firme” (Lima, 12 abr. 2021).
  • 8
    Neste caso, é revelador que a mulher agradeça a Deus pela dádiva de lhe ter concedido “vários talentos e dons” e “caráter reto”, isto é, de ser branca (Lima, 10 maio 2021).
  • 9
    Importa destacar que há críticas quanto à noção humanista-especista e moderna-ocidental de corporalidade, que aparta corpo-humano da natureza-afetos-não humanos (Narahara, 2022).
  • 10
    O estigma (e sua violência racista) tem sempre caráter coletivo, uma vez que o alvo não é a qualidade individual (da pessoa como pessoa), mas o grupo - o coletivo a que pertence -, considerado diferente e inferior (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman, 1963/2013; Moreira, 2019).
  • 11
    Apesar do autor colaborar com a compreensão do estigma, sua teoria possui limitações tais como: esquema binário, perspectiva patológico-biologizante e universalização de algumas especificidades estadunidenses.
  • 12
    Existem expressões linguísticas em diversas culturas para isso, como a expressão antissemita “foetor judaicus ou jiffa” (esta usada nos países árabes), “bata kussai” é utilizada no Japão para definir o cheiro dos estrangeiros, franceses e alemães se acusam quanto ao odor fétido, que também recai sobre africanas/os. Na França, isso se tornou uma especialidade e patologia, na qual foi desenvolvida uma categorização olfativa a partir de uma “etnoquímica” que comparava as “raças humanas”, apontando que raças negras, chinesas e alemãs do Norte eram acometidas de bromidrose fétida (fedor e suor) (Le Breton, 2016a).
  • 13
    Apesar de não discutir o caráter racial e grupal da sujeira, ao enfocar o comportamento individual poluído e seus rituais de purificação, Mary Douglas (1966Douglas, Mary (1966). Pureza e Perigo. Ensaio sobre a noção de Poluição e Tabu. Edições 70.) oferece uma explicação para a relação entre sujeira e desordem. Segundo a antropóloga, a ordenação e classificação de comportamentos considerados limpos, perfeitos, santos, íntegros, purificados, desejados e ordenados versus aqueles tidos como imundos, sujos, impuros, desordenados, indesejados, marginais, poluídos e doentes é um modo de significação simbólica na estrutura social hierárquica que permite punir, humilhar e exterminar o indivíduo sujo que desobedeceu a um tabu e causou uma desordem social.
  • 14
    Isso consiste no grupo estabelecido no poder produzir sua autoimagem a partir da minoria de seus “melhores” membros, enquanto representa o grupo destituído de poder representado pelas características “ruins” de sua “pior” porção (Elias & Scotson, 1965/2000; Goffman, 1963/2013).
  • Financiamento: A pesquisa contou com o financiamento por meio da bolsa de mestrado CNPq e bolsa de doutorado PROCAP 2019, respectivamente, sob os editais Cotas do Programa de Pós-Graduação e FAPES (n. 030/2018) .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2021
  • Revisado
    18 Maio 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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