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PERGUNTAR PARA QUÊ? QUESITO RAÇA/COR NO CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS

¿ POR QUÉ PREGUNTAR? CUESTIÓN RAZA/COLOR EN EL REGISTRO ÚNICO DE PROGRAMAS SOCIALES

WHY DO ASK FOR IT? RACE/COLOR QUESTION IN THE SINGLE REGISTRATION FOR SOCIAL PROGRAMS

Resumo

A partir da análise do preenchimento do quesito raça/cor do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), realizado por entrevistadoras sociais em um Centro de Referência de Assistência Social, este artigo objetiva discutir o tensionamento racial presente no campo da Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Assumindo uma política investigativa pautada nos estudos da Ciência, Tecnologia e Sociedade e da Teoria Ator-Rede, utilizamos o registro de diários de campo como ferramenta à produção de dados sobre o referido preenchimento. Nesse percurso, assinalamos que o racismo brasileiro e as ambiguidades ligadas ao quesito raça/cor se atualizam no preenchimento do CadÚnico, implicando diferentes performances à produção da autodeclaração racial. Frente a isso, a compreensão das questões raciais nos processos socioterritoriais e subjetivos, que atravessam os serviços da PNAS, é fundamental ao desenvolvimento de práticas ao exercício da cidadania que não corroborem com manutenção da desigualdade racial brasileira.

Palavras-chave:
Assistência Social; Raça; Desigualdade Racial; Cidadania

Resumen

A partir del análisis del llenado de la pregunta raza/color del Registro Único de Programas Sociales del Gobierno Federal (CadÚnico), realizado por entrevistadores sociales en un Centro de Referencia de Asistencia Social, este artículo tiene como objetivo discutir la tensión racial presente en la Política Nacional de Asistencia Social (PNAS). Asumiendo una política de investigación basada en los estudios de Ciencia, Tecnología y Sociedad y la Teoría Actor-Red, utilizamos el registro de diarios de campo como herramienta para la producción de datos sobre dicho relleno. De esta manera, señalamos que el racismo brasileño y las ambigüedades relacionadas con la raza/color se actualizan en el llenado del CadÚnico, lo que implica diferentes actuaciones en la producción de la autodeclaración racial. Así, la comprensión de las cuestiones raciales en los procesos socio-territoriales y subjetivos que atraviesan los servicios del PNAS es fundamental para el desarrollo de prácticas para el ejercicio de la ciudadanía que no corroboren el mantenimiento de la desigualdad racial en Brasil.

Palabras clave:
Asistencia social; Raza; Desigualdad Racial; Ciudadanía

Abstract

Based on the analysis of the filling out of the race/color question of the Federal Government Registry for the Social Programs (CadÚnico), carried out by social interviewers at a Social Assistance Reference Center, this article aims to discuss the racial tension present in the field of National Social Assistance Policy (PNAS). Assuming an investigative policy based on the studies of Science, Technology and Society and the Actor-Network Theory, we used field diaries registers as a tool for the production of data on the aforementioned filling. We point out that Brazilian racism and the ambiguities related to race/color are updated in filling out the CadÚnico, implying different performances in the production of racial self-declaration. In this view, the understanding of racial issues in the socio-territorial and subjective processes that cross the PNAS services is fundamental to the development of practices for the exercise of citizenship that do not corroborate the maintenance of Brazilian racial inequality.

Keywords:
Social Assistance; Race; Racial Inequality; Citizenship

Introdução

Se olharmos para o campo da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), reconheceremos que questões raciais, como raça, racismo, negritude, branquitude, entre outras, não são tão prevalentes como as questões ligadas, por exemplo, à vulnerabilidade social. No entanto, se territórios compreendidos como espaços de desigualdade, vulnerabilidade e risco social fazem parte dos cenários das práticas socioassistenciais, que política estamos colocando em curso quando não tecemos discussões que articulem a compreensão desses cenários à desigualdade racial que assola o país? Como nos alerta Sueli Carneiro (2011Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.), pobreza nesse país tem cor. Entendemos que nos últimos anos tem havido um movimento, a nível macropolítico, em direção a questões étnico-raciais, pois se o próprio documento que implementa a PNAS (2004Política Nacional de Assistência Social - PNAS. (2004). Norma Operacional Básica. MDS.) não faz referência a essas questões, elas passam a incorporar publicações posteriores do Governo Federal (Ministério da Saúde, 2009Ministério do Desenvolvimento Social (2009). Guia de políticas sociais: quilombolas. Autor., 2017aMinistério do Desenvolvimento Social (2017a). Trabalho social com famílias indígenas na proteção social básica. Autor., 2018aMinistério da Saúde (2018a). Guia da implementação do quesito raça/cor/etnia. UNB., 2019aMinistério do Desenvolvimento Social (2019a). Atendimento à população indígena na proteção social especial. Autor., 2019bMinistério do Desenvolvimento Social (2019b). Atendimento a povos e comunidades tradicionais na proteção social básica. Autor.).

E esse movimento precisa estar presente nas práticas cotidianas dos serviços disponibilizados pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Segundo dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. (2011). Retrato das desigualdades de gênero e raça (4ª ed.). Autor.), 70% dos domicílios que recebiam algum tipo de benefício assistencial eram chefiados por negras/os. Atualmente, há ainda uma série de dados que seguem corroborando a implicação entre desigualdade social e racial, como os que apontam que entre as mais de 90% das responsáveis familiares mulheres que recebem benefício do Programa Bolsa Família1 1 O Bolsa Família é um programa que contribui para o combate à desigualdade com a transferência direta de renda a fim de superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Têm direito a ele famílias que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza, podendo (com benefício variável) ou não (benefício básico) possuir em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0-12 anos ou adolescentes até 15 anos, sendo pago até o limite de 5 benefícios por família. Atualmente o benefício corresponde a 89 reais (básico) ou 41 reais, podendo chegar ao máximo de 205 reais (variável). http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia , 75% são mulheres negras (CadÚnico, 2018, citado por Ministério da Saúde, 2018bMinistério do Desenvolvimento Humano (2018b). SUAS sem racismo: promoção da igualdade racial no Sistema Único de Assistência Social. Autor.):

Entre as crianças e adolescentes que vivenciam situação de trabalho infantil, 81,9% são pretos e pardos e 16,7% são brancos. Quando falamos de vivência de violência e/ou negligência, 70,8% são pessoas pretas e pardas e 28% brancas. Em situação de abuso e/ou exploração sexual, 68,6% dos participantes do serviço são pretos e pardos e 29,8% são brancos. Já quanto às crianças e adolescentes em situação de rua, 77,9% são pretos e pardos e 20,7% são brancos. (2018b, p. 9Ministério do Desenvolvimento Humano (2018b). SUAS sem racismo: promoção da igualdade racial no Sistema Único de Assistência Social. Autor.)

Frente a esses dados, nos chama atenção como as questões raciais não aparecem com centralidade e relevância no campo de práticas que efetuam a Política de Assistência Social. Como parte de uma pesquisa situada no campo da Psicologia Social, que busca compreender como a cidadania é produzida/performada como um objeto da rede de práticas que compõe a Política de Assistência Social2 2 O projeto citado foi encaminhado ao Comitê de Ética pelo qual recebeu aprovação para a realização da pesquisa (CAE 12497019.0.0000.5334). , este artigo objetiva colocar em evidência tensionamentos raciais presentes no campo dessa política a partir da análise do preenchimento do quesito raça/cor, realizado por entrevistadoras sociais de um CRAS de Porto Alegre, durante as entrevistas efetuadas ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico)3 3 O CadÚnico é gerenciado pelo então Ministério da Cidadania - antigo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). .

A construção de uma política investigativa

Como mencionamos acima, a discussão de questões raciais no campo da Assistência Social deriva de uma pesquisa interessada em compreender como a cidadania tem sido produzida/performada como um objeto da rede de práticas que compõe a PNAS. Para tanto, assumimos uma política investigativa apoiada em uma perspectiva teórico-metodológica que construímos a partir da articulação de elementos advindos dos estudos da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTC), da Teoria Ator-Rede (TAR) e de pistas do método cartográfico.

Nesse caminho, a noção de rede nos auxiliou a assumir a agência dos diferentes atores envolvidos nas relações de produção da cidadania (humanos e não humanos, materiais e imateriais) que atuam de modo a produzir e transformar, e não apenas transmitir informações (Latour, 2012Latour, Bruno (2012). Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. EDUSC. ). Portanto, o que ganha existência no mundo é continuamente gerado como um efeito das interações desempenhadas em nossas práticas, ou seja, é performado através delas (Mol, 2008aMol, A. (2008a). Política ontológica: algumas idéias e várias perguntas. In João A. Nunes & Ricardo Roque (Orgs.), Objectos impuros: experiências em estudos sociais da ciência (pp. 63-106). Afrontamento.). Assim, para compreendermos como produzimos o quesito raça/cor e o que essa produção nos permite fazer na PNAS, também buscamos acompanhar e caracterizar as redes de práticas envolvidas nessa produção, descrevendo a performance das relações heterogêneas que produzem e rearranjam seus atores (Law, 2007Law, John (2007). Actor Network Theory and Material Semiotics. http://www.heterogeneities.net/publications/Law2007ANTandMaterialSemiotics.pdf
http://www.heterogeneities.net/publicati...
).

A cartografia também nos ofereceu pistas para a produção de nosso percurso investigativo, nos permitindo assumir um posicionamento ético-político pelo qual compreendemos que pesquisar é acompanhar um processo, e não representar um objeto (Kastrup, 2007Kastrup, Virginia (2007). O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade, 19(1), 15-22.). Desse modo, acompanhar as interações e práticas no campo de nossa pesquisa nos possibilitou construir descrições, registradas nos diários de campo, que nos auxiliam a conhecer o processo de produção do quesito raça/cor, ou seja, compreender como ele ganha existência a partir das práticas (sempre localizadas histórica, cultural e materialmente) que constantemente o produzem no entrelaçamento entre o real e o político (Mol, 2002Mol, Annemarie (2002). The body multiple: ontology in medical practice. Duke University Press.). Isso não significa que nossas análises possam falar da produção do quesito raça em todos os serviços da PNAS, mas semelhante ao que propõe a pesquisadora Annemarie Mol em seus estudos de caso, propomos que essa discussão possa servir como uma ferramenta que, ao oferecer pontos de contraste e comparação para diferentes locais e situações, permita aumentar nossa sensibilidade (Mol, 2008bMol, A. (2008b). The logic of care: health and the problem of patient choice. Routledge.). Em suas palavras: “Ele não nos diz o que esperar - ou fazer - em qualquer outro lugar, mas sugere perguntas pertinentes. Os estudos de caso aumentam nossa sensibilidade” (Mol, 2008b, p. 9Mol, A. (2008b). The logic of care: health and the problem of patient choice. Routledge., tradução livre)4 4 No original: “It does not tell us what to expect - or do - anywhere else, but it does suggest pertinent questions. Case studies increase our sensitivity” (Mol, 2008b, p. 9). .

A partir dessa composição teórico-metodológica, nossa saída a campo foi realizada com base na perspectiva etnográfica realizada por Annemarie Mol (2008bMol, A. (2008b). The logic of care: health and the problem of patient choice. Routledge.), através da qual acompanhamos as atividades de rotina desenvolvidas pela equipe de um CRAS, localizado na zona sudeste de Porto Alegre, durante o período de 6 meses - acompanhando em média dois turnos de trabalho no Centro por semana. No escopo da discussão racial que propomos neste artigo, objetivamos, assim, visibilizar e compreender como o quesito raça/cor é performado em um serviço da Política de Assistência Social.

Conhecendo usuárias/os e famílias: o CadÚnico como instrumento na assistência social

Embora garantida como direito desde a Constituição de 88, a assistência social, como política pública, é recente. Como parte dos três componentes de seguridade social do Brasil garantidos pela Constituição, apenas em 2003 materializam-se as diretrizes presentes na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, sendo a promulgação da PNAS efetivada uma década depois, em 2004, voltada para aqueles que dela necessitarem (2004Política Nacional de Assistência Social - PNAS. (2004). Norma Operacional Básica. MDS.). Só então se tornou possível, em 2005, a implementação do atual SUAS.

A ação da assistência social é dividida entre proteção social básica e proteção social especial, cujas unidades públicas de serviços se encontram localizadas em áreas de vulnerabilidade social. A última corresponde a situações de vulnerabilidade extremas, como abandono e maus-tratos, entre outros, cuja referência são os Centros de Referência Especial de Assistência Social (CREAS). Já a proteção social básica é a porta de entrada para a Política e tem como unidade de referência os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), através dos quais se busca desenvolver as potencialidades e aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Seus serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização são executados pelas três instâncias de governo e devem ser articulados dentro do SUAS. Entre os serviços contemplados pelo CRAS estão o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), Programa de Inclusão Produtiva, projetos de enfrentamento da pobreza, centros de convivência para idosos e serviços para crianças, adolescentes e jovens que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e ações socioeducativas.

Em meio às ações e programas desenvolvidos no campo da PNAS também é realizado o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal5 5 O Cadúnico foi criado em 2001 e regulamentado em 2007, tendo seus procedimentos definidos em 2011. Seu principal objetivo é servir de instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, utilizando-o como mapeamento das necessidades e melhoria de vida dessas famílias (MDA, 2017b). . O CadÚnico é um instrumento de registro através do qual são armazenados dados que permitem identificar os/as usuário/as que acessam o SUAS e conhecer suas condições de vida. Além de ser realizado no serviço que é porta de entrada para a Política socioassistencial brasileira, é por meio dele que se realiza a seleção para o recebimento de benefícios oferecidos por programas sociais, tais como o Programa Bolsa Família. Nele constam informações sobre o domicílio familiar (quantidade de cômodos, acesso à água, rede de esgoto, coleta seletiva, além de acabamentos físicos em gerais da moradia), de cada integrante da família (quantidade, documentos, deficiências, escolaridade, trabalho), sobre gastos mensais (luz, água, alimentação, gás, transporte, remédio e aluguel) e renda familiar. Há, também, uma sessão para famílias indígenas e quilombolas. A identificação específica de cada integrante familiar é realizada a partir das informações e documentos (como RG, CPF, Certidão de Nascimento) apresentados para a realização do cadastro pelo Responsável da Unidade Familiar. A caracterização de raça ou cor também está presente e é autodeclaratória, ficando a cargo do/a usuário/a nomear-se ou, no caso de ser necessário a heteroclassificação, o responsável familiar definirá a raça/cor de seus familiares. Segundo o “Guia de Implementação do Quesito Raça/Cor/Etnia” (Brasil, 2018aMinistério da Saúde (2018a). Guia da implementação do quesito raça/cor/etnia. UNB.), do Ministério da Saúde, a heteroclassificação se aplica a situações nas quais

outra pessoa, preferencialmente um membro da família, define a cor raça ou etnia da pessoa assistida. Esta conduta deverá ser utilizada somente em situações específicas, tais como: declaração de recém-nascidos vivos, declaração de óbito, registro de pacientes em coma ou quadros semelhantes. (Ministério da Saúde, 2018a, p. 23Ministério da Saúde (2018a). Guia da implementação do quesito raça/cor/etnia. UNB.)

O campo da Assistência Social não possui, em seus documentos de base para orientação técnica do trabalho social com as famílias (Ministério do Desenvolvimento Social, 2012aMinistério do Desenvolvimento Social (2012a). Orientações técnicas sobre o PAIF: vol. 1 - Serviço de proteção e atendimento integral à família. Autor., 2012bMinistério do Desenvolvimento Social (2012b). Orientações técnicas sobre o PAIF: vol. 2 - Trabalho social com famílias do serviço de proteção e atendimento integral à família. Autor.), orientações que envolvam a temática racial ou que orientem e discutam a questão do quesito raça/cor6 6 Como nossa discussão se restringe aos documentos da política pública, não nos debruçamos sobre os materiais produzidos pelas categorias profissionais em relação à temática racial, como as publicações: caderno 3 da Série assistência social no combate ao preconceito intitulado “Racismo”, de 2016, e o livro manifesto "Assistências sociais no combate ao racismo”, de 2020, ambas do Conselho Federal do Serviço Social; ou, ainda, a publicação do Conselho Federal de Psicologia intitulada “Relações raciais: referências técnicas para a prática da(o) psicóloga(o)”, de 2017. , que passa a ser mencionado no documento SUAS sem Racismo (Ministério da Saúde, 2018b). O próprio Manual do entrevistador social (Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2017bMinistério do Desenvolvimento Social e Agrário (2017b). Manual do entrevistador (4ª ed.). Autor.) não traz uma análise crítica sobre a aparição dos termos populares (mulato, moreno, mestiço etc.); a única orientação é considerá-los dentro dos parâmetros da categoria “pardo”, reproduzindo as opções disponíveis para que os/as usuárias/os possam se autodeclarar. O percurso dessa discussão já se encontra mais avançado no Sistema Único de Saúde, no qual se buscam efetivar ações instituídas pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Ministério da Saúde, 2007Ministério da Saúde (2007). Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. SEPPIR.). Portanto, nos chama atenção que uma Política que se efetiva para garantir o acesso a direitos sociais na relação entre desigualdade social, vulnerabilidade e desigualdade racial seja só recentemente incorporada nesse campo.

Território e população: sim, a desigualdade tem cor

Segundo o geógrafo Milton Santos, “o território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, circulamos, moramos, mas também um dado simbólico” (Santos, 2007, p. 82Santos, Milton (2007). O espaço do Cidadão. EDUSP.). Nesse caminho, os espaços territoriais e suas redes geográficas são delimitadas e manipuladas para possibilitar (ou não) o acesso aos bens de consumo, entretenimento e serviços de direito. Assim, é imprescindível que possamos olhar para a caracterização do território e população da região na qual acompanhamos a realização das entrevistas do CadÚnico, a fim de que possamos visibilizar as relações entre desigualdades sociais e raça e compreendermos a relevância do quesito raça/cor na PNAS.

A região na qual está localizado o CRAS, cujas atividades acompanhamos no percurso da pesquisa, se encontra a sudeste da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. De acordo com dados publicados pela prefeitura (Porto Alegre, 2007Porto Alegre, Prefeitura Municipal. (2007). Mapas e indicadores das vulnerabilidades sociais. Procempa.), o território é marcado por alto índice de vulnerabilidade social, ocupando o 8º lugar mais baixo no quesito entre as áreas da capital7 7 O índice considera o acesso à água encanada, saneamento básico, domicílio com banheiros sem sanitário, domicílio com renda de 1 a 2 salários mínimos, número de crianças de 0 a 14 anos, responsável pelo domicílio com menos de 4 anos de estudo e mulheres analfabetas responsáveis pelo domicílio (Porto Alegre, 2007). . Legalizado em 1997 (Porto Alegre, 1997Porto Alegre, Prefeitura Municipal. (1997). Lei nº 7954, de 14 de janeiro de 1997. Diário Oficial do Rio Grande do Sul.), o bairro apresenta características de uma estrutura precária de uma região que cresce sem planejamento público, como falta de abastecimento de água potável (prejudicada também em épocas de chuvas), falta de saneamento básico (cerca de 24% das/os moradoras/es não possuem esgoto adequado) e ruas não pavimentadas (apenas 45% das casas possuem pavimentação) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). XII censo demográfico. Ministério da Economia.)8 8 Destacamos que o CRAS que acompanhamos se localiza próximo a outros serviços públicos ofertados no território, estando próximo a duas escolas e ao lado da UBS da região, bem como próximo à esquina da rua principal do território, por onde passam as linhas de ônibus. Possui a estrutura de uma casa de material ampla, com recepção na entrada da Unidade, três salas para a realização do CadÚnico, duas salas amplas, uma para reuniões de grupos e outra para a equipe, uma sala menor, também para encontro de grupos com um anexo dentro para depósito (doações, cestas etc.), banheiros (um individual para uso das/os trabalhadoras/es e outro coletivo para usuárias/os), uma cozinha e pátio com horta nos fundos. . Além disso há uma alta demanda por serviços públicos, como escolas, creches e serviços ligados ao SUAS e ao SUS (Fundação de Assistência Social e Cidadania [FASC], 2019Fundação de Assistência Social e Cidadania - FASC. (2019). Diagnóstico socioterritorial da Lomba do Pinheiro. Autora.). A região, ainda, possui a presença de localidades indígenas da capital - quatro aldeias e um acampamento que abrigam três diferentes etnias (Kaingang, Mbyá Guarani e Charrua).

Em relação à população negra, dados (ainda que desatualizados) indicam que 32% dos moradores se declararam como negros na região (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). XII censo demográfico. Ministério da Economia.). Essa porcentagem pode ser ainda maior se considerarmos as dificuldades relacionadas à autodeclaração da negritude diante do racismo estrutural que perpassa as relações de nosso país. Nesse sentido, a participação majoritária de pessoas negras na busca pelos serviços socioassistenciais do município, relatada no diagnóstico socioterritorial realizado pelos profissionais do CRAS da região (FASC, 2019Fundação de Assistência Social e Cidadania - FASC. (2019). Diagnóstico socioterritorial da Lomba do Pinheiro. Autora.) e presenciada em nossa experiência durante a pesquisa, corroboram essa afirmação.

Diversos dados vêm mostrando a população negra da região com uma porcentagem alta em quesitos relacionados à desigualdade social. Há um alto índice de gravidez na adolescência (cerca de 15%) em comparação ao restante da cidade, sendo que, entre as mães negras, 13% possuem menos de 19 anos (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos [SINASC], 2018Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos - SINV. (2018). Dados preliminares. Secretaria Municipal da Saúde.). O percentual também é alto quando se trata de baixa escolaridade entre as mães negras (35,5%), estando acima da média (cerca de 31%) do total de mães com baixa escolaridade da região (SINASC, 2012Sistema de Informação de Mortalidade - SIM. (2012). Relatório geral da mortalidade em Porto Alegre. Secretaria Municipal da Saúde.). Em relação aos homens, os jovens negros (15 a 29 anos) representam 82% das mortes por homicídio (Sistema de Informação de Mortalidade [SIM], 2012Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos - SINV. (2012). Relatório 2012 geral. Secretaria Municipal da Saúde.), provavelmente ligadas ao tráfico de drogas e/ou violência policial que também perpassam a localidade. Ainda no que se refere à população negra, 15% não é alfabetizada (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). XII censo demográfico. Ministério da Economia.). Tais dados evidenciam a falta de amparo do setor público a um bairro que possui 5% de famílias indigentes (que vivem com até 1/4 de salário mínimo) e 22% de famílias pobres (com até 1/2 salário mínimo), com um rendimento médio total de apenas 2 salários mínimos (IBGE, 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (2010). XII censo demográfico. Ministério da Economia.).

Desse modo, torna-se evidente que a vulnerabilidade social no bairro, assim como mostram os dados a nível nacional (Ministério da Saúde, 2018b), está intrinsecamente relacionada com a população não branca, isto é, a desigualdade racial também fala sobre a desigualdade social e econômica. Portanto, não pautar o debate sobre raça, negritude e branquitude quando falamos sobre classes sociais é perpetuar uma lógica racista estrutural, na qual novamente o branco é destacado, pois se encontra como sujeito universal, como a norma (Kilomba, 2019Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios do racismo cotidiano (1ª ed., J. Oliveira, trad.). Cobogó. (Original publicado em 2010)), mesmo que não seja maioria no cenário com o qual trabalhamos.

Raça e cor no CadÚnico

Para que possamos compreender as implicações e a relevância do quesito raça/cor para as ações e práticas desenvolvidas no campo da PNAS precisamos abrir a discussão para a importância de operarmos com a noção de raça enquanto categoria social e política. Racismo é uma construção ideológica desenvolvida no século XVI por europeus como consequência ao contato com outras culturas (Schucman, 2010Schucman, Lia V. (2010). Racismo e Antirracismo: a categoria raça em questão. Revista Psicologia Política, 10(19), 41-55.). Nesse sentido, diante da empreitada colonial - disfarçada sob o manto da civilização estendida a outros povos considerados sub-humanos - criou-se, no século XIX, justificativas e argumentos científicos vinculados à superioridade branca em relação ao outro construído como negro. Desse modo, instituições de poder formularam um discurso “da luta de raças como princípio de segregação, eliminação e normalização da sociedade” (Schucman, 2010, p. 43Schucman, Lia V. (2010). Racismo e Antirracismo: a categoria raça em questão. Revista Psicologia Política, 10(19), 41-55.). Seguindo as contribuições da pesquisadora, afirmamos que o racismo se trata, portanto, de uma prerrogativa que justifica as desigualdades materiais e simbólicos baseado na ideia de raça, tendo como mecanismo a permanência dos privilégios de um grupo sobre outro. Por mais que o conceito de racialização do ser humano não se sustente mais na ciência, o termo continua sendo empregado pela significância que assume ainda como fenômeno social, ou seja, fala-se de raça porque ela é performada socialmente, em nosso cotidiano ela prevalece construindo desigualdades. Para isso, operar com esse termo não diz respeito a manter a segregação, mas reconhecer seus efeitos para que possamos implementar políticas efetivamente antirracistas.

Nessa prerrogativa racial, o que pouco se comenta é que, na criação de um outro distinto, também se constrói o padrão. A branquitude se define por esse espaço de privilégios construídos historicamente e legitimados de modo institucional. É algo tão presente nas estruturas sociais que não se assume como vantagens e benefícios, mas como normalidade, sem racionalizar que é apenas para o branco que esse normal é vivenciado. Brancos e não brancos se constituem socio e psicologicamente de modo racionalizado, mas em uma relação assimétrica de poder. Para esse outro, negro ou indígena, é um essencialismo marcado externamente, antes mesmo do sujeito; para o branco, é a possibilidade de se inventar e se construir sem limitações sociais a priori. De acordo com Lourenço Cardoso (2010Cardoso, Lourenço (2010). Branquitude acrítica e crítica: a supremacia racial e o branco anti-racista. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 8(1), 607-630.), “não se trata de uma identidade homogênea e estática porque se modifica no decorrer do tempo ... ser branco pode significar ser poder e estar no poder” (pp. 609-610).

Essas relações assimétricas em torno da questão racial também são visíveis no processo histórico dos registros do quesito raça/cor no censo demográfico brasileiro. De acordo com a pesquisadora Lilia Schwarcz (2012Schwarcz, Lilian M. (2012). Censo e contra-senso: nomes e cores ou quem é quem no Brasil. In Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira (pp. 97-106). Companhia das Letras.), a ascensão social relaciona-se com o processo de embranquecimento, “a identificação racial é quase uma questão relacional no Brasil: varia de indivíduo para indivíduo, depende do lugar, do tempo e do próprio observador” (p. 89). Nessa direção, de acordo com a autora, o termo pardo foi constituído como uma nomeação indefinida, que poderia englobar todos aqueles outros não nomeados, sendo algo posto de modo externo, por um outro, nunca por si mesmo. A categorização das cores, nesse sentido, não fala apenas de fatores fenótipos, funcionando como um dado simbólico das experiências sociais relacionadas.

Desde o censo de 2000, a padronização adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para a autodeclaração racial inclui as seguintes categorias: branca, preta, parda, amarela, indígena. Portanto, categorias utilizadas para a realização do CadÚnico ainda são pouco familiares à população (e muitas vezes aos trabalhadores/as do SUAS), que desconhecem, por exemplo, que tanto pretos como pardos constituem a população negra do país. O fato de os dados serem resultados de autodeclaração também é um fator significativo, pois o racismo estruturante molda nossas relações cotidianas e nossas subjetividades, constituindo sujeitos negros que, diante da opressão, dor, estigma, humilhação e processos de subalternização, encontram dificuldades de se reconhecerem em sua negritude.

Esse processo decorre das particularidades que o racismo assume no contexto brasileiro, particularidades que estão vinculadas à ideia de miscigenação disseminada por Gilberto Freyre (1933/2003Freyre, Giberto (2003). Casa-grande e senzala (48ª ed.). Global Editora. (Original publicado em 1933)). A partir da ideia de uma nação cordial e uma democracia racial, a figura do “mulato” tornou-se identidade nacional mantendo o fenômeno do racismo velado, mas inteiramente presente na intimidade e ambiguidades cotidianas. De acordo com Lia Schucman (2010Schucman, Lia V. (2010). Racismo e Antirracismo: a categoria raça em questão. Revista Psicologia Política, 10(19), 41-55.), é desse modo que a sociedade brasileira mantém as estruturas do privilégio branco, ao mesmo tempo em que evita a possibilidade de criação da identidade racial como ação política.

A miscigenação brasileira, contudo, pouco tem de cordial. De acordo com Abdias do Nascimento (1978/2019Nascimento, Abdias (2019). O Branqueamento da raça: uma estratégia de genocídio. In O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado (pp. 83-92). Paz e Terra. (Original publicado em 1978)), a política de branqueamento, colocada em curso pela exploração sexual da mulher negra e indígena, retrata um fenômeno evidente de genocídio (e construção do mito da democracia racial) que segue produzindo seus efeitos em nosso presente. Nesse processo, se produz um vazio pelo qual o sujeito não se reconhece como branco, pois não tem os mesmos privilégios, assim como também não se enxerga como negro, já que o termo carrega estigmas negativos, com as quais o sujeito não quer se vincular. Isso quer dizer que, na prática, existem relações distintas aos brancos e não brancos no acesso aos recursos sociais. Kabengele Munanga (2017Munanga, Kabengele (2017). As ambiguidades do racismo à brasileira. In Noemi M. Kon, Cristiane C. Abud, & Maria L. Silva (Orgs.), O racismo e o negro no Brasil: questões para psicanálise (pp. 33-44). Perspectivas.) também nos mostra os efeitos da ambiguidade do “mestiço”, do preto e do pardo, que dificultam a formação de uma identidade negra, além de fomentar o racismo para esses sujeitos que, ao não conseguirem/não terem condições para se nomearem como população negra, não nomeiam o fenômeno presenciado do racismo. Se reconhecer e se assumir marca uma postura política de resistência.

Forjados ao longa da história que buscou produzir uma certa unidade para a constituição de uma determinada nação brasileira (Schwarcz, 2012Schwarcz, Lilian M. (2012). Censo e contra-senso: nomes e cores ou quem é quem no Brasil. In Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira (pp. 97-106). Companhia das Letras.), esses aspectos ligados à ambiguidade da relação raça e cor no país continuam a se atualizar em nossas relações contemporâneas e, portanto, no cotidiano de serviços públicos como o CRAS. São essas ambiguidades que tornam possível, como acompanhamos nas saídas de campo, que o uso de coloquialidades como “mulato” e “mestiço” (termos pejorativos9 9 Tanto mulato, palavra relacionada a mula (cruzamento de cavalo com jumento), como mestiço, relacionado à ideia de “vira-lata” (Kilomba, 2019), têm conotação ofensiva, distanciado o sujeito negro da noção de humanidade, na medida em que o aproxima de uma animalização. ) ainda sejam utilizadas pela população.

Nos atendimentos que acompanhamos, podemos perceber os diversos atores, humanos e não humanos, que se colocavam em relação para a efetivação da performance do quesito raça/cor durante as entrevistas para o CadÚnico. O cadastramento, que era realizado por três entrevistadoras sociais, envolvia a distribuição de aproximadamente vinte e uma fichas às/aos usuárias/os (por ordem de chegada, no período da manhã) de segunda a quinta-feira. Havia três salas pequenas destinadas ao cadastro, nas quais as entrevistadoras sociais realizavam sete entrevistas por turno. Nesse processo, nos chamou atenção que, no período da pesquisa, houve alta rotatividade de funcionárias: foram cinco trabalhadoras diferentes, entre vinte e seis e quarenta e nove anos, na qual apenas uma era declaradamente negra. Todas as entrevistadoras sociais eram terceirizadas, a maioria com ensino médio completo. Na sala de espera, alguns funcionários/as realizavam uma breve explicação dos documentos que precisam ser apresentados na hora do cadastramento. Ao serem chamadas/os, as/os usuárias/os se dirigiam até as pequenas salas nas quais se encontravam uma entrevistadora social, um computador, o cadastro impresso (que é o preenchido pela entrevistadora durante a entrevista) e duas cadeiras para as/os usuárias/os. As entrevistas tinham duração de vinte a trinta minutos.

Nesse processo, no que se refere à pergunta sobre a autodeclaração racial, por vezes se evidenciou uma falta de preparação/formação das entrevistadoras sociais em relação à forma de abordagem e apresentação das categorias do IBGE listadas como opção de resposta (branca/preta/parda/amarela/indígena), assim como o desconhecimento em relação às mesmas pelas/os usuárias/os atendidos:

A entrevistadora pergunta, “com qual cor tu identifica seu filho?”, a usuária parece um pouco em dúvida, responde, “mestiço, eu acho, é assim que se fala né? Mestiço, é deve ser”. Três filhos, dois que ela classificou como mestiço, um branco. A entrevistadora social não orientou ou informou, preencheu o formulário em silêncio, provavelmente como pardo. (Diário de campo do dia 22/07/2019)10 10 Os trechos de “Diário de Campo” mencionados ao longo do texto constituem os documentos produzidos pelas pesquisadoras com descrições e narrativas da experiência vivenciada durante os seis meses em que foi realizada a saída de campo.

Também há situações nas quais as entrevistadoras sociais não realizam o questionamento às/aos usuárias/os, preenchendo a pergunta do formulário por conta própria, ou seja, a partir de suas próprias percepções e avaliação: “Tem vezes que eu não pergunto, vejo assim pelo tom de pele, se tem um tom de pele parecido com o meu, é pardo” (Diário de campo do dia 07/01/2020). Em outra situação o preenchimento da autodeclaração é confirmado com base no registro da Certidão de Nascimento: “No momento da pergunta sobre declaração da cor do filho, a usuária comenta, ‘mestiço... pardo?’. A entrevistadora social verifica a certidão e confirma que no registro está como pardo” (Diário de campo do dia 22/07/2019).

A falta de capacitação sobre a autodeclaração racial também pode colaborar para o afastamento das/os usuárias/os. Frente ao racismo, que relaciona a negritude a percepções e visões pejorativas, o questionamento (por parte de entrevistadoras sociais brancas) pode ser visto como uma ação violenta, visto que um país que colocou em curso uma política de branqueamento da população (Nascimento, 1978/2019Nascimento, Abdias (2019). O Branqueamento da raça: uma estratégia de genocídio. In O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado (pp. 83-92). Paz e Terra. (Original publicado em 1978)) faz com que sua população, buscando reconhecimento, deseje estar cada vez mais próxima do ideal da branquitude. Esse ponto nos parece visível no relato de uma das entrevistadoras sociais durante uma reunião de equipe quando nos conta que, ao mencionar a pergunta da autodeclaração racial a uma usuária negra, esta “ficou irritada quando questionada sobre sua autodeclaração, perguntando o motivo e agindo como se tivessem a acusando de algo” (Diário de campo do dia 07/01/2020). Quando se trata de usuárias percebidas pelas entrevistadoras sociais como mulheres brancas, a pergunta sobre autodeclaração, muitas vezes, também não é realizada, como na entrevista na qual “após dois cadastros anteriores com pessoas brancas, pela primeira vez a entrevistadora pergunta, ‘com qual cor tu identifica seu filho?’, para uma moça negra” (Diário de campo do dia 22/07/2019). Tais práticas nos remetem à noção da branquitude como padrão e da negritude como outro ressaltado, como nos fala Grada Kilomba (2019Kilomba, Grada (2019). Memórias da Plantação: episódios do racismo cotidiano (1ª ed., J. Oliveira, trad.). Cobogó. (Original publicado em 2010)), colocando em jogo um modo de encarar a branquitude como não racializada versus a negritude racializada, atualizando uma relação unilateral pela qual apenas o diferente é nomeado.

Nesse sentido, a compreensão das questões raciais na formação das entrevistadoras sociais (e, também, demais trabalhadores do campo) auxiliaria no esclarecimento da importância dos dados, que corresponde a uma característica como qualquer outra perguntada no cadastro, mas que, nesse caso, carrega consigo as implicações do racismo estrutural brasileiro. O que fica evidente, frente aos fragmentos dos diários de campo produzidos a partir de nossas experiências como pesquisadoras no encontro com o campo de pesquisa, é que esse cenário de tensionamento racial implica performances diferentes à produção de dados sobre o quesito raça/cor e, portanto, à realização da autodeclaração, pois, a cada entrevista, o modo como a pergunta sobre autodeclaração é feita, a escolha sobre realizá-la ou não e o preenchimento por conta própria são práticas que estão sempre em jogo e cuja efetivação se encontra relacionada à percepção das entrevistadoras sociais no encontro com as/os usuárias/os. Percepção que, por sua vez, é atravessada por elementos e relações ligadas ao racismo estrutural. Se não há uma preocupação e cuidado do poder público em oferecer formação sobre esses mesmos elementos e relações, em oferecer ferramentas sobre o modo de abordar e realizar a pergunta sobre a autodeclaração racial, como será possível sensibilizar as/os trabalhadoras/es a compreender a relevância dessa informação? A romper com práticas alinhadas ao racismo institucional e estrutural?

O desconhecimento das implicações raciais como um fator determinante na desigualdade social do país também corrobora e sustenta lógicas ligadas ao mito da democracia racial. Como efeito, somos levados a compreender que a problemática social é reconhecida como uma questão de pobreza e desamparo social desvinculada de qualquer relação com a desigualdade racial que assola o país. Esse falso entendimento é extremamente prejudicial à compreensão da importância da autodeclaração racial:

A entrevistadora social, uma mulher branca, comenta que tem vezes que não pergunta, porque acha que não importa saber em algumas situações, “a pessoa está ali, está vários dias sem tomar banho, sem comer, em uma situação realmente triste, não faz sentido eu perguntar como ela se autodeclara”. (Diário de campo do dia 07/01/2020)

Nesse sentido, por mais que haja críticas à classificação adotada atualmente pelo IBGE, é preciso entender que a não separação de pessoas brancas e não brancas por um discurso universalizante e igualitário não contribui para a eliminação da desigualdade social (e, portanto, também racial), mas corrobora sua manutenção. Como afirma Sueli Carneiro (2011Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.), no Brasil políticas universalistas estão em estrita relação com o mito da democracia racial, já que “realizam a façanha de cobrir com um manto ‘democrático e igualitário’ processos de exclusão racial e social que perpetuam privilégios” (p. 99). Nesse cenário, a efetivação dos ideais das políticas universalistas de nosso país depende do reconhecimento dos fatores que reproduzem as desigualdades e da utilização da focalização com instrumento dos desvios históricos que sustentam a manutenção dessas desigualdades e a reprodução de privilégios. Ou seja: “depende de sua focalização nos segmentos sociais que, historicamente, elas mesmas vêm excluindo” (Carneiro, 2011, p. 99Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.).

Portanto, se a discussão sobre racismo e desigualdade racial não estiver presente no cotidiano das práticas e na formação dos próprios técnicos e trabalhadores sociais do campo da assistência social, como será possível auxiliar famílias e usuários/as no pleno exercício da cidadania, no acesso à garantia de bens, serviços, direitos sociais, redes de cuidado? Como será possível romper com as lógicas que, como nos mostra Milton Santos (2007Santos, Milton (2007). O espaço do Cidadão. EDUSP.), podem contribuir para a manutenção de cidadãos desiguais? - sujeitos sem acesso efetivo a bens e serviços por sua distribuição em lugares geográficos e socioeconômicos também desiguais.

Considerações finais

De acordo com Milton Santos (2007Santos, Milton (2007). O espaço do Cidadão. EDUSP.), para além de discursos legais, a cidadania está ligada às características de pertencimento dentro das estruturas sociais; como consequência, o seu acesso também difere proporcionalmente a elas. É uma rede de criação que possibilita não só o Estado em reconhecer o sujeito como detentor de direitos, mas também do próprio sujeito se reconhecer como tal, e isso, em suas palavras, só é possível em um espaço não alienante nas lógicas de mercado e de poder.

Desse modo, garantir a cidadania é também garantir a possibilidade de existência, de reconhecimento. Portanto, não é possível trabalhar com populações ímpares, com suas particularidades específicas de modo totalizador, a partir de políticas universalizantes, como nos fala Sueli Carneiro (2011Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.), pelas quais os sujeitos “visíveis”, tomados como modelo e base para a produção e desempenho das práticas no campo da Política dizem respeito a uma população bem específica, ou seja, aos brancos, cis, héteros, classe média, capacitista.

Vivemos em um país que carrega uma herança escravocrata e, portanto, racista, que insiste em se atualizar no cotidiano de nossas relações. Os dados do último Atlas da Violência (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2019Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. (2019). Atlas da violência. Autor.) gritam a desigualdade racial cotidiana que, por vezes, teimamos em não querer reconhecer, mesmo perante números que dizem que nos últimos 10 anos o homicídio de pessoas negras aumentou 33,1% frente a 3,3% dos não negros; que a mesma taxa entre mulheres negras aumentou 29,9% contra 4,5% de mulheres não negras. Notícias que têm se tornado recorrentes estampam situações como as de uma família negra que, passeando em seu carro numa via pública, foi alvo de mais de 80 tiros pelo exército brasileiro11 11 Jucá, Beatriz (2019, 10 de maio). Doze militares são denunciados por fuzilamento de músico e catador no Rio. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/11/politica/1557530968_201479.html , que meninos e meninas morrem todos os dias com tiro à queima-roupa, com bala perdida, com tiro pelas costas, como Ágatha Félix12 12 Cerioni, Clara (2019, 19 de novembro). Polícia Civil aponta que tiro da PM matou Ágatha Félix no RJ. Exame. https://exame.abril.com.br/brasil/policia-civil-aponta-que-tiro-da-pm-matou-agatha-felix-no-rj . Se o campo de práticas direcionadas ao suporte assistencial nasce e se configura justamente em meio à lógica colonial que se estrutura por meio da ideia de raça, torna-se fundamental que possamos produzir nossas análises nesse campo em intersecção com as questões raciais, problematizando o modo como a racialização é assumida (ou não) na Política de Assistência Social.

Nesse campo de construção do exercício da cidadania, o cadastramento é também seu ator. As perguntas realizadas a partir dele apontam um diagnóstico sobre o acesso (ou não) a direitos sociais básicos que os usuários/as deveriam usufruir. No ato de sua realização podem surgir, ainda, outras problemáticas que atravessam o processo de ser cidadão, como violências e alienações. Esses dados tornam possível pensar outras estratégias, novas políticas e serviços, identificar demandas. Nesse processo, a autodeclaração racial é um ator importante no combate à desigualdade racial. Como sugere a cartilha “SUAS sem racismo” (Ministério da Saúde, 2018b), no enfrentamento ao racismo institucional uma das perguntas que precisamos responder é se o “quesito raça/cor é preenchido segundo as categorias de classificação do IBGE? [E se] as informações coletadas são utilizadas para a definição de prioridades nas ações de sua instituição?” (Ministério da Saúde, 2018b, p. 14). Portanto, é de suma importância para entender os elementos raciais envolvidos nos processos socioterritoriais e de subjetivação que constituem usuários/as de cada região para que possamos trabalhar a favor do exercício da cidadania a partir de práticas que não corroborem o mito da democracia racial e, portanto, a manutenção da desigualdade racial brasileira.

Nesse sentido, a TAR e os Estudos da CTS se tornam uma perspectiva teórico-metodológica relevante para as análises no campo das políticas públicas. Ao nos oferecerem a possibilidade de compreender a produção dos objetos acompanhando as redes de interação entre os elementos heterogêneos que as constituem, esses campos nos auxiliaram a visibilizar os diferentes atores em relação na produção do quesito raça/cor - entrevistadora social, usuárias/os, Caderno do CadÚnico, questionamento sobre a autodeclaração racial - evidenciando, nessa relação, aspectos do racismo estrutural brasileiro que produzem uma certa confusão racial, como nos fala Sueli Carneiro (2011Carneiro, Sueli (2011). Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro.), gerando efeitos sobre o modo como nos reconhecemos racialmente e, consequentemente, dúvidas e dificuldades no processo de autodeclaração da população brasileira, principalmente, no que diz respeito ao reconhecimento e orgulho da própria negritude.

Visibilizar o que se coloca em jogo na produção do quesito raça/cor se torna fundamental para construção de práticas antirracistas no campo da PNAS que possam incluir, por exemplo, a efetivação de políticas de formação permanente que ofereçam discussões e ferramentas teórico-metodológicas às equipes dos serviços para compreensão do racismo e seus efeitos no acesso e garantia de direitos sociais, na constituição subjetiva da população negra, bem como a compreensão dos efeitos da branquitude como sistema de dominação e perpetuação de privilégios - o que é fundamental, considerando que as equipes técnicas dos serviços são, em sua maioria, compostas por pessoas brancas.

Portanto, compreender as tensões raciais envolvidas nos processos socioterritoriais e subjetivos, que constituem usuários/as de cada região, abre possibilidades para a criação de estratégias de enfrentamento ao racismo estrutural que sustenta a manutenção da desigualdade racial brasileira atualizando lugares precários de existência à população negra e corroborando o mito da democracia racial. Para que a cidadania seja efetivamente um exercício de todas/os brasileiras/os, é preciso que haja comprometimento com a luta antirracista.

Referências

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  • Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos - SINV. (2018). Dados preliminares Secretaria Municipal da Saúde.

Notas

  • 1
    O Bolsa Família é um programa que contribui para o combate à desigualdade com a transferência direta de renda a fim de superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Têm direito a ele famílias que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza, podendo (com benefício variável) ou não (benefício básico) possuir em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0-12 anos ou adolescentes até 15 anos, sendo pago até o limite de 5 benefícios por família. Atualmente o benefício corresponde a 89 reais (básico) ou 41 reais, podendo chegar ao máximo de 205 reais (variável). http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia
  • 2
    O projeto citado foi encaminhado ao Comitê de Ética pelo qual recebeu aprovação para a realização da pesquisa (CAE 12497019.0.0000.5334).
  • 3
    O CadÚnico é gerenciado pelo então Ministério da Cidadania - antigo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
  • 4
    No original: “It does not tell us what to expect - or do - anywhere else, but it does suggest pertinent questions. Case studies increase our sensitivity” (Mol, 2008b, p. 9).
  • 5
    O Cadúnico foi criado em 2001 e regulamentado em 2007, tendo seus procedimentos definidos em 2011. Seu principal objetivo é servir de instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, utilizando-o como mapeamento das necessidades e melhoria de vida dessas famílias (MDA, 2017b).
  • 6
    Como nossa discussão se restringe aos documentos da política pública, não nos debruçamos sobre os materiais produzidos pelas categorias profissionais em relação à temática racial, como as publicações: caderno 3 da Série assistência social no combate ao preconceito intitulado “Racismo”, de 2016, e o livro manifesto "Assistências sociais no combate ao racismo”, de 2020, ambas do Conselho Federal do Serviço Social; ou, ainda, a publicação do Conselho Federal de Psicologia intitulada “Relações raciais: referências técnicas para a prática da(o) psicóloga(o)”, de 2017.
  • 7
    O índice considera o acesso à água encanada, saneamento básico, domicílio com banheiros sem sanitário, domicílio com renda de 1 a 2 salários mínimos, número de crianças de 0 a 14 anos, responsável pelo domicílio com menos de 4 anos de estudo e mulheres analfabetas responsáveis pelo domicílio (Porto Alegre, 2007).
  • 8
    Destacamos que o CRAS que acompanhamos se localiza próximo a outros serviços públicos ofertados no território, estando próximo a duas escolas e ao lado da UBS da região, bem como próximo à esquina da rua principal do território, por onde passam as linhas de ônibus. Possui a estrutura de uma casa de material ampla, com recepção na entrada da Unidade, três salas para a realização do CadÚnico, duas salas amplas, uma para reuniões de grupos e outra para a equipe, uma sala menor, também para encontro de grupos com um anexo dentro para depósito (doações, cestas etc.), banheiros (um individual para uso das/os trabalhadoras/es e outro coletivo para usuárias/os), uma cozinha e pátio com horta nos fundos.
  • 9
    Tanto mulato, palavra relacionada a mula (cruzamento de cavalo com jumento), como mestiço, relacionado à ideia de “vira-lata” (Kilomba, 2019), têm conotação ofensiva, distanciado o sujeito negro da noção de humanidade, na medida em que o aproxima de uma animalização.
  • 10
    Os trechos de “Diário de Campo” mencionados ao longo do texto constituem os documentos produzidos pelas pesquisadoras com descrições e narrativas da experiência vivenciada durante os seis meses em que foi realizada a saída de campo.
  • 11
    Jucá, Beatriz (2019, 10 de maio). Doze militares são denunciados por fuzilamento de músico e catador no Rio. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/11/politica/1557530968_201479.html
  • 12
    Cerioni, Clara (2019, 19 de novembro). Polícia Civil aponta que tiro da PM matou Ágatha Félix no RJ. Exame. https://exame.abril.com.br/brasil/policia-civil-aponta-que-tiro-da-pm-matou-agatha-felix-no-rj
  • Financiamento: A pesquisa foi contemplada com uma bolsa de iniciação científica - BIC/UFRGS, em edital aberto pela universidade.
  • Aprovação, ética e consentimento: A pesquisa da qual se origina o artigo foi aprovada pelo Comitê de Ética (CAE 12497019.0.0000.5334).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2020
  • Revisado
    01 Maio 2021
  • Aceito
    12 Nov 2021
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