RESUMO
Este artigo analisa a epistemologia implícita nos escritos de Paulo, com foco em Romanos 1,18-23, e sua relevância para a teologia contemporânea. Partindo de uma exegese detalhada do texto, argumenta que Paulo não critica a racionalidade humana, mas sim a prática da injustiça que impede o reconhecimento de Deus. A pesquisa também estabelece um diálogo entre a epistemologia paulina e os modelos teológicos latino-americanos, como a Teologia da Libertação, propondo que os escritos bíblicos podem contribuir significativamente para a construção de epistemologias teológicas contextualizadas e libertadoras. A conclusão destaca afinidades entre a prática paulina e modelos contemporâneos, sem propor relações de fundamentação dogmática, mas sim de inspiração mútua.
PALAVRAS-CHAVE
Epistemologia; Romanos; Paulo; Teologia; Razão
ABSTRACT
This article examines the implicit epistemology in Paul’s writings, focusing on Romans 1:18-23, and its relevance to contemporary theology. Through a detailed exegesis of the text, it argues that Paul does not critique human rationality but addresses the practice of injustice that hinders the acknowledgment of God. The research also engages in a dialogue between Pauline epistemology and Latin American theological models, such as Liberation Theology, suggesting that biblical writings can significantly contribute to the development of contextual and liberating theological epistemologies. The conclusion highlights affinities between Pauline practice and contemporary models, fostering mutual inspiration rather than dogmatic foundations.
KEYWORDS
Epistemology; Romans; Paul; Theology; Reason
Introdução
A discussão epistemológica no campo da Teologia e das Ciências da Religião continua em estado de ebulição. As amplas mudanças no campo das ciências humanas, ocorridas na virada do século, em função do avanço cada vez mais dominante do neoliberalismo econômico têm desafiado especialmente a Teologia para ser uma voz significativa no debate contemporâneo sobre a justiça e a emancipação humanas e do planeta. Neste amplo debate, porém, há uma lacuna significativa, que este artigo procura indicar e oferecer uma primeira aproximação ao tema, ainda tentativa. Essa lacuna é a ausência de discussão sobre a epistemologia implícita nos escritos bíblicos e sua possível contribuição à discussão epistemológica contemporânea.
Neste século tem crescido o número de artigos, ensaios e monografias sobre a epistemologia bíblica, mas é uma discussão ainda em seus primórdios e voltada exclusivamente para a compreensão do que teria sido a epistemologia na Escritura ou da Escritura. Este artigo se situa em um espaço liminar, entre a pesquisa exegética e a pesquisa teológica fundamental ou sistemática. Consta de uma exegese de Rm 1,18-23 que procura evidenciar a epistemologia implícita do apóstolo Paulo a partir da reflexão sobre sua descrição do conhecimento de Deus pelos gentios que não têm a Torá como seu guia para o acesso a Deus. Diferentemente da maior parte das análises desta perícope, neste artigo defendo a tese de que Paulo não acusa os gentios de possuírem uma razão ou racionalidade falhas, incapazes de proporcionar um conhecimento adequado de Deus. Ao contrário, ele afirma explicitamente que mesmo sem a Torá os gentios podem conhecer adequadamente a Deus a partir da própria criação. Esta afirmação contradiz a tradição judaica do Segundo Templo em que Paulo se insere, mas está presente, de diferentes modos, na filosofia greco-romana de seu tempo.
Na exegese da perícope procuro mostrar que tipo de conhecimento de Deus é possível sem o acesso à Torá, bem como indico as fontes e os processos reflexivos de Paulo na escrita do texto. A partir da exegese, a segunda seção do artigo fará uma síntese do que poderíamos chamar, ainda que de modo algo anacrônico, de epistemologia paulina e buscar na reflexão epistemológica da Teologia na América Latina modelos que possuam suficiente afinidade com o modo paulino de construção de conhecimento. O objetivo não é mostrar que modelo teológico é bíblico, algo desnecessário, a não ser em uma visão fundamentalista da fé cristã. A epistemologia teológica não depende de uma fundamentação bíblica como se fosse uma doutrina ou dogma da fé, mas pode aproveitar o diálogo com a pesquisa sobre a eventual epistemologia presente nos escritos bíblicos. Longe de ser uma relação de causa-efeito, o artigo propõe uma relação de afinidade entre a epistemologia teológica contemporânea e a(s) epistemologia(s) nos escritos bíblicos judaico-cristãos.
1 A Exegese do Parágrafo
1.1 Tradução e considerações preliminares
18 É revelado o desgosto de Deus, do céu, sobre toda impiedade e injustiça dos seres humanos que retêm a verdade na injustiça. 19 Porquanto o que pode ser conhecido a respeito de Deus está manifesto entre eles, pois o próprio Deus o manifestou, 20 visto que as suas invisibilidades (coisas invisíveis) desde a criação do mundo são perceptíveis, compreendidas nas coisas feitas, ou seja, seu poder eterno e sua divindade, de modo que eles não têm desculpa, 21 pois, embora tenham conhecido a Deus, eles não O glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; ao contrário, foram tornados fúteis em seus raciocínios e o seu coração insensível foi obscurecido. 22 Reivindicando ser sábios, foram estultificados; 23 e modificaram a glória do Deus imperecível em semelhança de uma imagem de seres humanos, pássaros, animais de quatro patas e répteis perecíveis
(Rm 1,18-23)
É quase unânime1 na história da interpretação acadêmica de Romanos considerar 1,16-17 como a tese da carta – o crescente uso da análise retórica para interpretar as cartas de Paulo tem levado comentaristas a considerar 1,16-17 como a propositio do escrito (Jewett, 2006, p. 136). Conquanto, do ponto de vista da teologia posterior das Igrejas Cristãs (que tem influenciado intensamente a interpretação de Gálatas e Romanos), o conceito de justificação possa ser considerado um dos temas centrais da teologia de Paulo, do ponto de vista da estruturação da carta, de sua organização sintática e da situação com que Paulo lida em sua carta, vejo a tese da carta em 1,14-15: “Sou devedor a gregos e bárbaros, a pessoas educadas e não-educadas, de modo que também estou disposto e pronto a evangelizar também a vós em Roma”. A tese (ou propositio) é explicitada na primeira seção da carta mediante duas orações subordinadas articuladas pela preposição γὰρ (portanto, pois, porque), nos versos 16 e 18 e uma oração subordinada iniciada por διό (porquanto, portanto, porque), no verso 24 – formando assim a estrutura inicial:
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1,8-15 Propósito da carta
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8-13 Visita a Roma
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14-15 Visão Missionária de Paulo (propositio)
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1,16-32 O Evangelho e o Desgosto de Deus
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16-17 O Evangelho e a Justiça de Deus
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18-23 O Desgosto de Deus em relação à idolatria
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24-32 A entrega da humanidade à sua própria vontade
Tendo em vista o objetivo deste artigo, analisarei apenas os versos 18-23 do primeiro capítulo de Romanos, mas levarei em conta não só a seção à qual eles pertencem, mas a própria totalidade da carta, visto que Romanos nos oferece uma argumentação e exposição bem estruturadas e coesas.
O parágrafo dos versos 18-23 é estruturado da seguinte forma:
Tese: 18 Está revelado o desgosto de Deus, do céu, sobre toda impiedade e injustiça dos seres humanos que retêm a verdade na injustiça.
Argumentação: 19 Porquanto o que pode ser conhecido a respeito de Deus está manifesto entre eles, pois o próprio Deus o manifestou, 20 visto que as suas invisibilidades (coisas invisíveis) desde a criação do mundo são perceptíveis, compreendidas nas coisas feitas, ou seja, seu poder eterno e sua divindade, de modo que eles não têm desculpa, 21 pois, embora tenham conhecido a Deus, eles não O glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; ao contrário, foram tornados fúteis em seus raciocínios e o seu coração insensível foi obscurecido. 22 Reivindicando ser sábios, foram estultificados; 23 e modificaram a glória do Deus imperecível em semelhança de uma imagem de seres humanos, pássaros, animais de quatro patas e répteis perecíveis.
1.2 Interpretando o parágrafo
1.2.1 A Tese
O parágrafo estabelece um contraste com o anterior (v. 16-17), que afirmava a revelação da justiça de Deus na pregação do Evangelho. Ambos, porém, estão vinculados tematicamente e mediante o uso do mesmo verbo, no mesmo tempo, para comunicar a revelação de Deus (Ἀποκαλύπτεται, apokalyptetai, terceira pessoa do singular, presente do indicativo, voz passiva). O aspecto da ação verbal, nas duas ocorrências, é durativo processual, ou seja, apresenta a ação como em andamento – assim como, neste momento, a justiça de Deus está sendo revelada na pregação do Evangelho, assim também o desgosto de Deus está sendo revelado na condição humana de idolatria e infidelidade. A relação estabelecida não é, como se costuma interpretar o texto, de causa-efeito na ordem inversa dos parágrafos. Ou seja, a condição humana descrita por Paulo não é a causa do anúncio do Evangelho – ela é o ambiente, a esfera na qual se dá a pregação do Evangelho. Apesar de ter se tornado relativamente comum nas discussões sistemáticas afirmar o pecado como a causa da redenção, não é essa a relação aqui (essa relação causal pode ser lida em outros trechos de Romanos, especialmente no capítulo 3).
Chama a atenção, também, a diferença espacial dessas diferentes revelações: a justiça de Deus é revelada na pregação do Evangelho, enquanto o seu desgosto é revelado do céu, ou seja, diretamente da morada de Deus. A justiça revelada poderá ser recebida pelos seres humanos mediante a sua fidelidade a Deus (o inverso de sua idolatria), enquanto o desgosto de Deus já é visível na própria vida humana em sociedade:
A acusação de Paulo à humanidade pagã é severa. Como os profetas de antigamente, ele vê os pagãos como objeto da “ira” de Deus (orgê). Isto deve ser entendido como a reação de descontentamento de Deus diante da pecaminosidade humana; “De Deus não se zomba; tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6,7). A ira é, portanto, um atributo ou qualidade de Deus, paralela à sua retidão ou justiça no v. 17. “Na sua própria existência [isto é, na existência dos pagãos] reside o julgamento proferido contra eles” (Michel, Brief an die Römer, 96). Paulo entende a degradação moral da humanidade pagã como uma manifestação concreta da existência de Deus em suas vidas terrenas
(Fitzmyer, 1993, p. 271).
Considero esta interpretação mais adequada do que a proposta por Robert Jewett (2006, p. 150):
Como mostra o argumento subsequente, Paulo opera com base na suposição de que o evangelho de Cristo (1:17) revela os vergonhosos “segredos do coração” (2:16; 1Co 14:25) que os humanos tentam suprimir. A cruz de Cristo revela a tendência não reconhecida de eliminar a verdade e de travar guerra contra Deus, para que os seres humanos e as instituições possam manter a sua aparência de virtude e honra superiores. A ressurreição de Cristo expôs este segredo vicioso que está no cerne do esforço humano e revela a verdade chocante sobre a natureza da tentativa de inversão dos papéis dos humanos e de Deus. Na sua competição pela honra, reivindicam um estatuto devido apenas a Deus e acabam numa vergonhosa distorção. A pregação do evangelho, no presente, “revela” esta realidade oculta.
Jewett justifica a sua interpretação afirmando que a proveniência celestial desta revelação se refere aos sinais e prodígios que acompanham a pregação do evangelho: “A referência explícita à revelação ἀπʼ οὐρανοῦ [ap’ouranou] (“do céu”) sugere a fundamentação de todo o edifício no testemunho divinamente autenticado 'pelo poder de sinais e maravilhas' (15,19) até a morte e ressurreição de Cristo.” A proposta é interessante na medida em que evita a interpretação da relação entre pecado e evangelho como de causa-efeito. Todavia, sua tentativa de identificar as duas formas de revelação na própria pregação do evangelho não pode ser justificada mediante o argumento por ele usado, visto que Paulo jamais utiliza os "sinais e maravilhas" como manifestação celestial. A referência a Rm 15,19 é válida enquanto mostra a relação estrutural entre a seção inicial da carta e a final, porém impõe a Rm 15,19 um sentido que não pode ser captado no parágrafo a que o verso pertence. É mais adequado, do ponto de vista da argumentação de Paulo na carta, entender as duas revelações como distintas: uma delas se manifesta na pregação do evangelho, enquanto a outra se manifesta na própria condição humana e é perceptível e compreensível pela humanidade, que não tem desculpa para a sua idolatria e infidelidade a Deus. Em outras palavras, Paulo, aproveitando-se da crítica judaica ao mundo gentílico, afirma que mesmo as pessoas que não conhecem a Lei de Deus sabem que há algo errado em sua existência, sabem que não seguem a verdade de Deus e não podem senão reconhecer a sua própria culpabilidade diante de Deus e uns dos outros.
Assim também Byrne entende a relação entre os dois parágrafos (ou duas revelações):
Uma vez levada em conta esta perspectiva apocalíptica, não é surpreendente que Paulo fale da revelação da ira de Deus imediatamente depois e, até certo ponto, em paralelo com a revelação da justiça de Deus (1:17a). As duas “revelações” estão relacionadas, até mesmo causalmente (cf. gar), no sentido de que a revelação da ira de Deus significa que o acerto de contas final está em andamento e os seres humanos estão sendo considerados deficientes aos olhos de Deus. A “tese” a ser desenvolvida aqui é que “não há justiça” do lado humano (3:20)
(Byrne, 1996, p. 65).
É digno de nota que Jewett tenha oferecido a leitura aqui referenciada, visto que sua visão interpretativa de Romanos conjuga tanto o aspecto apocalíptico (destacado por Byrne), quanto a dimensão sociocultural da teologia da carta, lida como uma resposta de Paulo ao conceito romano de honra.
O desgosto de Deus é revelado “sobre toda impiedade e injustiça dos seres humanos que retêm a verdade na injustiça”. Optei por uma tradução espacial2 da preposição grega, ao invés da costumeira tradução por "contra", que desloca o sentido do texto para o campo judicial, ao invés do campo existencial no qual entendo que o parágrafo se situa. Embora a orgê de Deus possa ser entendida como se referindo ao juízo final de Deus contra a humanidade, considero mais adequado entendê-la como a expressão do desgosto, da mortificação de Deus causada pela infidelidade humana.
Podemos seguir Käsemann, neste ponto, que também considera a ira de um ponto de vista apocalíptico, mas não escatológico nem moral:
A noção da ira de Deus, comum em Paulo, não deriva da tradição grega, mas da apocalíptica judaica do Antigo Testamento. Portanto, não deve ser vista como uma emoção nem inserida na estrutura de uma visão moral do mundo. Caso contrário, teríamos de concordar com Ritschl (Rechtfertigung, II, 153f.) que o que aqui se expressa é uma abordagem antropomórfica que obscurece o amor de Deus. Marcião já percebera o texto dessa forma e extirpou a palavra θεοῦ. Nosso ponto de partida deveria ser o seguinte: a manifestação da ira é descrita nos vv. 24ss.
(Käsemann, 1980, p. 34).
O que faz descer o desgosto de Deus sobre a humanidade é a retenção da verdade por meio de toda a impiedade e injustiça dos seres humanos. Um primeiro problema a resolver na interpretação desta sentença é a abrangência do termo “seres humanos”. Três posições podem ser levadas em conta: (a) o termo refere-se a toda a humanidade, indistintamente, quer judeus, quer gentios; (b) o termo se refere apenas aos gentios; e (c) o termo se refere apenas às pessoas que retêm a verdade. A terceira posição é defendida, p.ex., por Penna (2004, p. 169):
Contudo, o discurso de Paulo neste momento da sua argumentação não implica um julgamento negativo sobre a humanidade em geral, pois não diz respeito a todos os homens, mas apenas àqueles que detêm a verdade na injustiça, independentemente de serem gentios ou judeus.
Esta terceira posição me parece insustentável no conjunto do texto, embora gramaticalmente não seja impossível. Restringir o alcance do termo desta forma nos obriga a perguntar: quem seriam as pessoas que retêm a verdade? Na sequência da carta, culminando em 3,20, Paulo demonstra que toda a humanidade, judeus e gentios, igualmente, está escravizada ao pecado e alienada da glória (honra) de Deus. Fitzmyer exemplifica os que defendem a segunda posição:
Nos versos 18-32, embora Paulo fale apenas de “seres humanos” (’anthropoi, 1,18) e nunca especifique “gentios” ou “gregos”, fica claro a partir de 2,1 (ou pelo menos a partir de 2,9) que ele tem pensado nesta primeira subseção da humanidade não-judaica. Assim, ele implicitamente retorna à divisão da humanidade expressa em 1,16 como “judeu” e “grego” (= pagão ou gentio). Em 2,1-3,9 ele tratará da humanidade judaica. Sua discussão acabará abrangendo a totalidade, pois “todos, tanto judeus quanto gregos, estão sob o poder do pecado” (3,9)
(Fitzmyer, 1993, p. 270).
O argumento de Fitzmyer tem mais peso do que o de Penna. De fato, tanto em 1,16-17 quanto em 2,1-3,9 há uma distinção entre judeus e gentios, mas não há evidência indiscutível de que essa distinção seja ontológica. Em 1,16-17 Paulo fala da ordem (lógica, não cronológica) da pregação do evangelho, enquanto em 2,1-3,9 a distinção é baseada na posse ou não da Lei de Deus. No tocante à condição existencial, não há diferença entre judeus e gentios – pois, como o próprio Fitzmyer lembra, toda a humanidade está debaixo do poder do pecado conforme a declaração de Rm 3,9.
A primeira posição é defendida pela maioria dos comentaristas (embora o fator numérico não seja garantia de validade da interpretação), mas há nuanças interessantes. Käsemann, por exemplo, afirma o seguinte: “à intensidade do julgamento corresponde a totalidade do mundo que está sob ele, de modo que a afirmação sobre os gentios se aplica à natureza pagã da humanidade como tal e, portanto, implica também o judeu culpado” (Käsemann, 1980, p. 35). À primeira vista o termo parece abranger apenas gentios, mas, de fato, engloba toda a humanidade, inclusive judeus, pois a natureza humana é pagã – ou diríamos pecaminosa.
Jewett (2006, p. 152) representa a interpretação mais frequente do alcance do termo:
O alvo da ira divina é contra “toda impiedade e transgressão dos humanos”, uma descrição abrangente do que está errado com a raça humana como um todo. Apesar de uma referência posterior a falhas caracteristicamente pagãs (1,23), a formulação com “toda” indica que Paulo deseja insinuar que os judeus, bem como os romanos, os gregos e os bárbaros, estão sendo responsabilizados.
As dificuldades desta interpretação são: (a) o uso do advérbio "toda", que modifica a expressão impiedade e injustiça e não o ser humano; (b) a atribuição de idolatria aos judeus. Por isso, considero a segunda posição mais compatível com a linha argumentativa de Paulo na carta. Embora ele conclua que toda a humanidade esteja debaixo do poder do pecado (3,9), não consigo ver a possibilidade de Paulo atribuir ao seu povo, judeu, a idolatria dos versos 22-23, nem a de considerar seu povo como absolutamente falto de sabedoria e conhecimento de Deus. O fato de que neste parágrafo Paulo está usando material judaico de crítica ao mundo gentílico, ainda que não em perfeita sintonia com essa crítica (como veremos adiante), também é argumento importante para a defesa da posição exemplificada por Fitzmyer. Jewett reconhece a relação quiástica entre os versos 17-18 – baseada no uso do verbo apokalyptetai e deveria reconhecer também a relação quiástica na ordem da discussão paulina: o evangelho é pregado primeiro para o judeu, depois para o grego; a acusação recai primeiro sobre o grego e depois sobre o judeu.
Embora Käsemann e Fitzmyer ofereçam uma interpretação ontológica da discussão paulina nesta seção (conforme as citações acima), o alcance do argumento paulino não chega a esse local conceitual. Se interpretarmos este parágrafo à luz de sua posição na argumentação que tem como um dos seus pontos climáticos a perícope de 3,21-25, perceberemos que o campo da discussão não é ontológico, mas sociopolítico. Em sua propositio, Paulo se apresenta como devedor a todas as classes da humanidade – as honradas e as desonradas. Em 1,16 afirma que não se envergonha do Evangelho, e em 3,23 Paulo afirma “todos pecaram e não estão à altura da honra de Deus”. Na seção a que nosso parágrafo pertence, Paulo fala da desonra a que os “seres humanos” ficaram entregues por se afastarem de Deus (v. 24), que corresponde perfeitamente à desonra que esses seres humanos submeteram Deus, ao reduzir sua honra (glória) à de criaturas. Estes versos nos mostram que a categoria utilizada por Paulo para descrever a condição da humanidade não é ontológica, não se trata da natureza humana – mas, a categoria da honra, uma das categorias que articula toda a vida social no Império Romano.
O desgosto de Deus, aqui, é dirigido a pessoas que cometem o que poderíamos chamar de pecado epistêmico: elas retêm a verdade por meio de sua injustiça (que retoma o par impiedade e injustiça na parte anterior do verso 18). A injustiça dos gentios contrasta com a justiça de Deus revelada no Evangelho. A interpretação da justiça de Deus em Romanos permanece um tópico em disputa e não podemos introduzir aqui essa discussão, de modo que ofereço apenas uma descrição plausível do conceito de justiça em 1,16-17 que nos permita refletir e fundamentar o sentido da injustiça nos versos 18ss.
Considero conveniente seguir algumas conclusões de Ziesler (1972, p. 32): “não é correto dizer que ts-d-q em suas formas de substantivo e adjetivo é particularmente forense, ou mesmo legal”; “neste sentido, é verdade que no AT a justiça é um termo relacional (Verhältnisbegriff), e aparte do fato de que normalmente se refere ao comportamento dentro de um relacionamento, um relacionamento com YHWH é quase sempre adicionado” (Zieler, 1972, p. 35); “justiça não é uma virtude, nem a soma das virtudes, ela é a atividade apropriada à aliança” (Zieler, 1972, p. 40). Em síntese, Ziesler constata, corretamente a meu ver, que a justiça de Deus, no Antigo Testamento, é, primariamente, a atividade pactual de Deus, que consiste tanto em libertar o oprimido, quanto entrar em um relacionamento fiel com o liberto e possibilitar ao liberto uma relação fiel na aliança. O nexo entre libertação, fidelidade e justiça é evidente nestes versos de Paulo e não deve ser minimizado3.
A justiça de Deus resulta, portanto, na vida em fidelidade que é possibilitada à pessoa justificada. Essa nova vida é possível porque a pessoa é libertada dos poderes que a escravizam, conforme Paulo desenvolverá o argumento da carta. Assim, esta declaração da vida revelada no anúncio da boa-nova do Messias faz, também, a transição para o parágrafo seguinte, iniciado com a declaração de que “do céu se revela o desgosto de Deus”. Quando olha para os seres humanos que não adoram YHWH, mas a ídolos, Paulo se entristece, pois partilha do desgosto de Deus com a impiedade e injustiça dessas pessoas. Quando olha para o Messias, Paulo se alegra e enche de ânimo, pois partilha do amor de Deus por todos os pecadores. Para podermos entender a liberdade da pessoa justificada é necessário que entendamos a condição humana de escravidão, e o argumento paulino na sequência não é moral, mas antropológico (no sentido dado a este termo por Juan Luis Segundo, ou seja, relativo à existência humana no mundo). Em outras palavras, Paulo não passa a mostrar que o indivíduo é pecador e precisa do perdão de Deus para se reaproximar dele. Passa, sim, a mostrar como a parcela gentia da humanidade está escravizado aos poderes da idolatria e que os próprios caminhos que ela construiu para viver uma vida digna são insuficientes para libertá-la da escravidão a que ela mesmo se expôs.
Entramos, agora, no campo do conhecimento ou, projetando para o passado uma categoria moderna, no campo da epistemologia. Paulo não oferece neste parágrafo uma discussão propriamente epistemológica, o texto se refere primariamente ao pecado epistêmico dos gentios, que é o de aprisionar a verdade na injustiça. O adjunto adverbial da segunda parte do verso 18 é formulada em uma hendíadis: impiedade e injustiça dos seres humanos que, por sua vez, é explicada por uma oração subordinada adjetiva restritiva: que retêm a verdade na injustiça. Impiedade e injustiça são um par presente tanto na LXX quanto na cultura romana. Na LXX, os dois termos são encontrados juntos no Sl 72,6 (73,6 nas versões modernas: “Por isso a arrogância os dominou; eles se revestiram de sua injustiça e impiedade”) e em Pr 11,5 (A justiça do homem íntegro aplana-lhe o caminho; mas a impiedade se precipita na injustiça). Nos dois textos se referem ao comportamento injusto e opressor de judeus contra seus próprios compatriotas.
Na cultura romana, a piedade era um dos três pilares da vida correta, possivelmente a mais importante virtude romana, cujo sentido era primariamente o do respeito e fidelidade aos vizinhos, ao estado e aos deuses4. A palavra grega está presente apenas em Romanos, aqui e em 11,26 (citação de Is 59,20), além destas ocorrências, no corpus paulinum, só é encontrada em 2Tm 2,16 e Tt 2,12, de modo que sua utilização por Paulo, aqui, pode ter sido determinada pela audiência da carta – moradores de Roma. Os seres humanos são ímpios e injustos porque, embora conhecendo a verdade, não a praticam. Ao contrário, retêm a verdade na injustiça – aprisionam a verdade na prática injusta.5
A injustiça, como corretamente Jewett percebeu, está em relação antitética com a justiça de Deus no v. 176. Não pode, porém, ser entendida apenas como a oposição das pessoas contra Deus, visto que a justiça de Deus é, predominantemente, sua ação libertadora e o estado ideal das relações sociais do povo de Deus. Logo, a verdade é retida mediante a prática da opressão, da desonestidade, da dominação – marcas típicas da dominação imperial. Na tese do v. 18 está implícito que os seres humanos conhecem a verdade. Seu problema não é epistemológico no sentido de uma razão falha, inadequada. Também não é moral, pois a imoralidade é descrita por Paulo como consequência desta prática injusta. O problema humano destacado neste parágrafo é social (em sentido lato: social, cultural, político, econômico, religioso): quando os seres humanos relegam a verdade de Deus a segundo plano, passam a exercer o poder de modo injusto, gerando morte, pobreza, escravidão e desesperança.
Isto será explicitado na argumentação que se dá nos v. 19-23, aos quais dedicaremos nossa atenção.
1.2.2 A argumentação
Os seres humanos retêm a verdade na injustiça porque:
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conheceram as invisibilidades de Deus, mas não o honraram como Deus (19-21);
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ao contrário, desonraram-no ao reduzi-lo à condição de ídolo visível (22-23).
Na argumentação Paulo faz um jogo conceitual com as noções opostas de visibilidade e invisibilidade. O Deus invisível, de fato, manifesta as suas invisibilidades nas coisas visíveis da sua criação e os gentios (o que também vale para judeus) perceberam sua invisibilidade na visibilidade do visível, mas decidiram não O honrar enquanto Deus invisível no visível e o reduziram à visibilidade do visível. Embora Paulo se aproprie da crítica aos gentios na Sabedoria de Salomão, ele inverte o foco da crítica ao afirmar que os gentios conheceram, sim, a Deus. Em Sabedoria 13,1 lemos, porém: “Sim, naturalmente vãos foram todos os homens que ignoraram a Deus e que, partindo dos bens visíveis, não foram capazes de conhecer Aquele que é, nem, considerando as obras, de reconhecer o Artífice” (Bíblia de Jerusalém).7
Paulo não está, aqui, minimizando a capacidade humana de conhecer a Deus, ao contrário, ele afirma que Deus foi conhecido por eles (o verbo está no particípio aoristo, que pode indicar uma ação no passado ou, simplesmente, um princípio genérico). Por isso, entendo que a interpretação de Fitzmyer, neste ponto, não é aceitável:
Após o princípio geral enunciado no v. 20, Paulo passa a explicar o pecado específico dos pagãos. Ele admite que em certo sentido tais pagãos têm um conhecimento ou experiência vaga e não formulada de Deus8, apesar do que os judeus normalmente pensavam sobre eles (cf. Jr 10,25; Sl 79,6; Sb 14,12-22) e do que o próprio Paulo parece dizer em 1 Coríntios 1,21, “o mundo com toda a sua sabedoria não chegou a conhecer a Deus”. Em outras palavras, diz Paulo aqui, a sabedoria humana entre os pagãos não chegou a um conhecimento adequado de Deus
(Fitzmyer, 1993, p. 281).
É inaceitável, também, a conclusão de Scott, que contradiz explicitamente os v. 19-21, além de ler o texto em uma perspectiva ontológica incompatível com o seu conteúdo:
Se Paulo estabelece algo involuntariamente, é uma proposta epistêmica de que a razão humana é, pelo menos no atual estado das coisas, constitucionalmente incapaz de alcançar a verdade sobre Deus. O Criador tornou fútil o pensamento das criaturas (ἐματαιώθησαν ἐν τοῖς διαλογισμοῖς αὐτῶν [’emataióthesan ’en toîs dialogismoís ’autôn) e pulverizou a escuridão da loucura sobre o pensamento humano (ἐσκοτίσθη ἡ ἀσύνετος αὐτῶν καρδία [’eskotisthe he ’asúnetos ’autôn kardía]). Na atual ordem das coisas, nenhum ser humano pode chegar ao conhecimento de Deus com base na revelação universal que é oferecida
(Scott, 2008, p. 18).
Este mesmo autor incorre novamente em erro ao concluir que o problema que impede a razão humana de conhecer adequadamente a Deus é moral. Neste caso, ele confunde a consequência com a causa:
Devemos observar aqui, porém, que a raiz do problema em Rm 1,18-32 não é intelectual. É um problema moral. Paulo não diz aqui que os seres humanos deixam de conhecer a Deus porque são intelectualmente incapazes ou porque não conseguem raciocinar adequadamente. Em vez disso, eles falham em responder adequadamente ao Deus que conhecem (1,21). O seu conhecimento não os leva a tomar medidas apropriadas. Em vez disso, eles adoram ídolos (1,23.25). Se não faltou nada no seu conhecimento inicial, por que não responderam adequadamente? A resposta só pode ser que os seres humanos não conseguiram fazer o esforço moral necessário para responder. Tal leitura também se enquadra no facto de a idolatria humana ser retratada aqui, como em muitos escritos judaicos, como um problema moral.[30] [...] O momento decisivo no conhecimento religioso é, portanto, a luta moral para responder corretamente à verdade sobre Deus.[31] É este esforço moral que, diz Paulo, os seres humanos já não são capazes de exercer, e é este fracasso moral que os cega para a verdade religiosa
(Scott, 2008, p. 19).
Semelhantemente, não é possível concordar com a dualidade do conhecimento de Deus descrita por Dom Jacques Dupont:
Deveríamos ver em Romanos 1,21 um tipo análogo de conhecimento, não estritamente religioso? É bem provável. Notemos, de fato, que o conhecimento não tem Deus diretamente como objeto, pois está orientado para o mundo criado no qual Deus se manifesta. Apresenta-se, portanto, como uma inferência, um ato de inteligência. Isto deveria conduzir posteriormente a uma abordagem verdadeiramente religiosa: dar glória a Deus e agradecer-lhe; mas as duas abordagens são separáveis e os homens não uniram a segunda à primeira. A fórmula “conhecimento de Deus” não teria aqui, portanto, o significado que normalmente recebe na tradição judaica
(Dupont, 1960, p. 29).
A distinção entre um conhecimento religioso e outro racional não faria sentido no mundo paulino. O problema descrito aqui em Romanos não é o da falta de um passo epistêmico adicional, do conhecimento racional à prática religiosa. O problema é exatamente o fato de que o conhecimento das invisibilidades de Deus pelos gentios foi anulado por sua prática da injustiça.
É mais adequada a interpretação de Jewett, embora sua descrição de um passado arcaico careça de comprovação, e ele não discuta propriamente o tema de que tratamos neste artigo:
O reconhecimento direto do conhecimento de Deus pela humanidade no v. 19 é reiterado sem qualquer implicação depreciativa a respeito de qualificações culturais. A mudança dos verbos no presente nos vv. 18-20 aos verbos aoristo nos vv. 21-23 assinala uma viragem para os representantes de um passado arcaico que se afastaram da verdade e impuseram um futuro sombrio aos seus descendentes. “Os aoristos devem ser entendidos como gnômicos; eles expressam o que os pagãos de todos os tempos fizeram.” A linguagem técnica para o conhecimento autêntico de Deus, conforme usada na filosofia helenística da religião, no judaísmo e no cristianismo primitivo, é empregada sem desculpas [...]
(Jewett, 2006, p. 156)9.
Tanto aqui como em 1 Coríntios Paulo não questiona a capacidade da razão humana para conhecer a Deus, questiona, sim, a prática humana da injustiça que impede que o conhecimento de Deus se torne concreto e afete a vida das pessoas. Usando, apenas para efeito de argumentação, termos de Kant, a acusação contra a sabedoria humana em Coríntios não se dirige à dimensão pura da razão, mas às dimensões prática e estética. O ser humano conhece – cognitivamente – a verdade, mas não a pratica, ao contrário, aprisiona a verdade em sua injusta dominação do próximo. Este é o foco da seção de 1Co 1,10 – 4,17, conforme percebemos com relativa clareza em 1,18-31 que destaca a pertença da argumentação ao campo da honra, como aqui em Romanos. A resposta de Deus à inadequação da sabedoria humana (1,18-25) não é um novo conhecimento, mas uma transformação espaçotemporal: “Deus, porém, escolheu as pessoas ignorantes do mundo para envergonhar os sábios, e Deus escolheu as pessoas fracas do mundo a fim de envergonhar os fortes e Deus escolheu os plebeus do mundo, e os desprezados – todos os que não têm valor – a fim de tornar nulos todos os que têm, para que nenhuma carne se glorie diante de Deus” (1,27-29).
A estultícia e futilidade do conhecimento dos gentios não é a causa de não conhecerem a Deus, mas a consequência de não o honrarem como Deus. A opção dos gentios em honrar os ídolos como deuses é que tornou inadequado e vazio o seu conhecimento de Deus. A falta de sabedoria resulta da retenção da verdade pela injustiça – que equivale à idolatria nestes versos – e não o contrário. O problema não é epistemológico no sentido de uma limitação da razão humana, mas epistêmico, no sentido de um conhecimento que, por falta de reconhecimento de Deus, torna-se um desconhecimento. Esta é a novidade teológica que Paulo apresenta aqui em 1,18-23. Os gentios conhecem a Deus sim. Sua capacidade racional não é limitada às coisas visíveis (diríamos, hoje, à ciência), estende-se às invisíveis também. O problema humano não é cognitivo, mas prático, político (em sentido lato, relativo a todo tipo de exercício do poder). Paulo não está discutindo aqui (nem em 1Cor 1,10–4,17) a validade da razão (ou da filosofia), mas a da sabedoria política dos governantes. Estas constatações, porém, nos remetem ao próximo tópico do artigo.
2 Contribuições paulinas à epistemologia teológica contemporânea
No tópico anterior construí uma interpretação de Rm 1,18-23 em diálogo com alguns dos principais exegetas contemporâneos, dando ênfase ao aspecto epistemológico da perícope, procurando analisar o conhecimento de Deus praticado por gentios conforme a avaliação de Paulo. Tendo em vista a limitação de espaço de que dispomos, concentrei o diálogo com autores representativos das principais linhas interpretativas da carta, bem como dos estudos de epistemologia bíblica que estão começando a se tornar mais frequentes na pesquisa acadêmica.10 Neste tópico apresentarei algumas contribuições possíveis da prática teológica de Paulo, inferida da perícope estudada. Em um primeiro momento, farei uma breve sistematização da epistemologia teológica paulina. Em seguida, mostrarei algumas afinidades entre a epistemologia paulina e epistemologias teológicas presentes na América Latina. Mais uma vez, a limitação de espaço me obriga a reduzir a conversa a um grupo seleto de autores, escolhidos a partir da constatação, por Erico Hammes11, dos dois principais movimentos epistemológicos na teologia contemporânea: a centralidade da Escritura no Vaticano II e as teologias latino-americanas: contextual e da Libertação.
2.1 Parâmetros da epistemologia paulina a partir de Rm 1,18-23
Inicio com uma breve sistematização conceitual da dimensão do conhecimento em Rm 1,18-23. Hermeneuticidade, contextualidade, praticidade e dialogicidade são os parâmetros da epistemologia paulina neste parágrafo de Romanos, na ordem:
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um fazer teológico que se realiza na práxis ministerial, enquanto cumprimento da vocação divina, e interpretação da Bíblia a partir das perguntas da comunidade de fé, e da climatização da revelação divina no evangelho do Messias Jesus;
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uma fazer teológico cuja universalidade será decorrência de sua contextualidade radical, uma teologia sem preocupações sistemáticas12, mas voltada para responder aos problemas concretos de comunidades específicas;
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um fazer teológico que emerge de e alimenta uma prática libertadora, emancipadora em relação às formas de dominação às quais as comunidades de fé são submetidas, de modo que a reflexão sobre a fidelidade a Deus e a resistência à dominação seja uma das demandas permanentes do fazer teológico;
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um fazer teológico que se fundamenta na Escritura e sua vivência ministerial e comunitária, e aberto ao diálogo com saberes não-escriturísticos, levando em conta a contextualidade e relevância desses saberes para a vivência de fé da comunidade.13
2.2 Epistemologias teológicas latino-americanas em afinidade com a prática paulina
Libanio e Murad, em texto didático reconhecido, reapresentam a concepção da epistemologia teológica de Clodovis Boff, afirmando:
Ao trabalhar a estrutura teórica da teologia desde a perspectiva da prática teórica, da produção de seus próprios conhecimentos, Cl. Boff parte do conceito althusseriano de prática teórica. Trata-se da transformação de um tipo de saber, de ideias (matéria-prima teórica) em outro novo tipo de saber, outras ideias (produto teórico) por meio de determinado modo de conhecer (meios teóricos de produção). Assim, a teologia assume como matéria-prima uma matéria já trabalhada ao longo da história em forma de ideias, conceitos, experiências, práticas inteligíveis e até elementos já elaborados teologicamente. Num segundo momento, exerce sobre estas ideias uma ação transformadora com os instrumentos teóricos de que dispõe, a saber, o corpo de conceitos teológicos já possuídos. À sua luz, reinterpreta os dados anteriores, transformando-os em teologia
(Libanio; Murad, 1996, p. 98).
Embora mais recentemente Clodovis Boff tenha modificado sua descrição da teologia, o trecho citado representa bem o período áureo da Teologia da Libertação no final do século passado. Descrita como prática teórica, este tipo de teologia possui ampla afinidade com o modo como o apóstolo Paulo construiu o conhecimento teológico em suas cartas, particularmente na perícope estudada. Ele transforma o saber judaico e o saber filosófico greco-romano em um novo saber, exercendo sobre os anteriores uma transformação fundamentada na experiência pessoal e ministerial do apóstolo, que passou a conhecer a realidade de modo espiritual, não mais carnal, conforme sua proposição em 2Cor 5,16: “Por isto, doravante a ninguém conhecemos segundo a carne. Mesmo se conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não o conhecemos assim” (Bíblia de Jerusalém). A história da Teologia da Libertação no século XXI nos mostra, porém, a necessidade de buscar novo ou novos conceitos heurísticos para a renovação da epistemologia teológica na medida em que a teologia busque um modo de construção capaz de englobar as diferentes perspectivas de gênero, raça, etnia e classe.
No âmbito da teologia evangélica brasileira, Sidney Sanches oferece uma descrição representativa da teologia contextual, o movimento similar à Teologia da Libertação de âmbito católico-romano e ecumênico:
toda teologia é contextual, na medida em que pode ser remetida a um contexto que lhe é próprio. Mesmo aquelas que hoje são consideradas perenes ou universais, apenas o são porque alcançaram tal divulgação e penetração que se impuseram em toda parte onde a fé cristã é refletida e vivida por igrejas locais. E isto se deve à capacidade que elas possuem de, em alguma medida, responder às questões fundamentais destas comunidades. Contudo, elas são continuamente julgadas pela capacidade de continuar a responder às novas questões. Quando elas não correspondem mais, surge a necessidade de ajustá-las, adaptá-las, corrigi-las e, no limite, substituí-las. E assim aconteceu, de fato, com a emergência da Teologia contextual
(Sanches, 2009, p. 17).
Esta descrição do fazer teológico também possui ampla afinidade com o método paulino, cuja teologia era diretamente contextual, construída mediante cartas que visavam responder a situações de comunidades específicas, cartas cujas características linguísticas e teológicas transparecem claramente a sua contextualidade, ao ponto de ser praticamente impossível recuperar uma compreensão sistemática do pensamento paulino através da exegese. Que o apóstolo adaptava e renovava sua teologia fica evidente, por exemplo, na comparação entre Romanos e Gálatas no tocante ao tema da Lei de Deus e na comparação entre Romanos e 1 Coríntios no tocante à “epistemologia” teológica. A descrição da teologia contextual, porém, não oferece um conceito heurístico importante para o diálogo epistemológico.
Mais próximo de nós em termos temporais está a convocação de Carlos Cunha para a teologia latino-americana se atualizar mediante o diálogo com o pensamento decolonial:
Seja na cultura, na religião, no conhecimento ou outras instâncias, a teoria decolonial demanda um fazer também decolonial, isto é, um desprendimento epistemológico capaz de romper com a colonialidade do poder, do ser e do saber. A teologia não foge desta crítica e não escapa da decolonização. Decolonizá-la é um desafio a ser elaborado constantemente. A teologia precisa ter coragem de intensificar o diálogo com o pensamento decolonial. Se a intelecção da fé busca ter o que dizer à contemporaneidade, ela não pode se colocar distante dela
(Cunha, 2018, p. 329).
Uma teologia que dialoga com o pensamento decolonial também tem suas afinidades com a teologia paulina: (a) não é um saber meramente teórico, mas um saber prático teorizado, na mesma linha da teologia da libertação como ato segundo; (b) o apóstolo Paulo fazia sua teologia a partir da prática missionária, cujo fruto eram comunidades que podemos chamar (analogicamente) de decolonizadoras, na medida em que resistiam ao saber e à dominação imperial, assim como à tentativa de imposição da identidade judaica por parte de oponentes do apóstolo. Penso, porém, que é preciso ir além da proposta de Cunha, enfatizando a necessidade do diálogo com o pensamento decolonial ser, efetivamente, diálogo, ou seja, movimento comunicacional em duas direções.
Carlos Cunha (2018, p. 307) inicia seu artigo afirmando “a teologia não é um saber autônomo”, proposição que ele explica no parágrafo inicial em que descreve o caráter dialogal da teologia:
Na busca por contextualização e pertinência, a teologia cristã se lança ao diálogo fecundo com outras áreas do conhecimento. Ao ser interpelada pelas demandas de outros saberes, a intelecção da fé se vê obrigada a repensar as suas próprias categorias com o objetivo de manter pública a sua tarefa. A teologia da libertação, por exemplo, chama esse exercício de abertura de mediação sócio-analítica (MSA), isto é, mediação necessária a uma teologia disposta a ouvir a sociedade com finalidades transformadoras e libertadoras. A MSA nos faz aceder ao texto social e discernir a situação de opressão/colonização que afetam o marginalizado ou subalternizado, que é o interlocutor e o destinatário principal não só da teologia da libertação, mas também da teologia decolonial
(Cunha, 2018, p. 307).
Embora concorde com a proposta dialogal de Cunha, considero inadequada a afirmação inicial de que a teologia não é um saber autônomo. Vejo uma diferença significativa entre diálogo e ausência de autonomia. Entendo autonomia neste caso como a auto-fundamentação da Teologia na Escritura, Tradição e práxis das comunidades cristãs. A teologia dialoga, sim, com outras áreas do conhecimento, mas não constrói sua legitimidade a partir delas, mas a partir de si mesma, de sua própria história, de sua própria racionalidade constituída no decurso da história das Igrejas Cristãs. O nomos da Teologia é captado pela experiência teologal da pessoa na comunidade cristã que pratica a fé em constante exame da Escritura e das teologias e tradições cristãs.
No diálogo com outros saberes a teologia não é, propriamente falando, obrigada a repensar suas categorias a partir das demandas desses saberes, mas, ao contrário, ela discerne criticamente as categorias não-teológicas que poderão ser úteis ao exercício de sua tarefa própria. Considero que estas especificações terminológicas estão de acordo com o espírito do artigo citado, ainda que não sigam sua letra. No diálogo com o pensamento decolonial, por exemplo, a teologia também tem voz ativa e oferece à decolonialidade do poder, ser e saber a sua própria contribuição, demandando do pensamento decolonial a inclusão da fé como prática decolonizadora. Nesse caso, uma teologia decolonial promoveria a decolonização do poder, ser, saber e crer – dimensão esquecida ou negligenciada no pensamento decolonial latino-americano.
O pensamento decolonial, porém, também não oferece à teologia cristã um conceito heurístico suficientemente amplo para a constituição de sua epistemologia. Sua contribuição mais importante é a renovação da interpretação da dominação contemporânea a partir do trinômio modernidade-colonialidade-decolonialidade, cuja importância é destacada em artigo crítico do pensamento colonial a partir da teologia contextual-libertadora latino-americana (Zabatiero, 2020, p. 1-18).
Conclusão
Apresentamos neste artigo uma reflexão exegética sobre o conhecimento de Deus possível aos gentios não possuidores ou destinatários da Torá de YHWH. Ao contrário da tradição judaica do Segundo Templo, Paulo defende a tese de que as invisibilidades de Deus (seu eterno poder e divindade) são conhecidas pelos gentios a partir de sua reflexão sobre as coisas criadas por Deus. Essa tese não é originária do apóstolo, mas apropriada por ele da discussão filosófica greco-romana, incorporada e ressignificada em conformidade com a compreensão paulina do Evangelho.
Procurou mostrar que, a partir de sua descrição do conhecimento de Deus em Rm 1,18-32, a racionalidade humana não é frágil a ponto de não conseguir conhecer a Deus. Não encontramos na perícope analisada uma crítica epistemológica da razão. A crítica paulina ao conhecimento gentílico de Deus não passa pela racionalidade, mas pela política. É a prática da injustiça que impede que o conhecimento de Deus se concretize como reconhecimento de Deus na vida e acaba se tornando em desconhecimento, em estultícia e falta de sabedoria. O remédio paulino não é, então, um novo modelo de racionalidade, mas um novo tipo de compromisso com Deus, não mais idolátrico, mas determinado pela fidelidade a Deus revelada no Evangelho encarnado pelo Messias Jesus.
A partir destes dados conceituais de Rm 1,18-23 o artigo, enfim, reflete sobre as afinidades entre a epistemologia implícita de Paulo e modelos epistemológicos na teologia elaborada na América Latina. Esta reflexão não é abrangente, nem pretende oferecer resultados definitivos. É um primeiro passo na superação de uma lacuna na reflexão teológica contemporânea em nossa América: o diálogo metodológico e conceitual entre a dogmática e a Bíblia. Talvez seu resultado mais interessante seja o de mostrar que a Escritura pode oferecer à Teologia mais do que costumeiramente nela procuramos. Ela não é apenas fonte primordial para as doutrinas cristãs, pode ser, também, uma fonte inestimável de diálogo epistemológico, colaborando na construção de uma teologia libertadora e promotora de vida – marca registrada das teologias cristãs latino-americanas do último quarto do século XX até nossos dias. Busca afinidades, não relações de fundamentação ou de causa-efeito. Afinidades podem ser bem mais inspiradoras do que fundamentos, pois não demandam uma resposta de obediência à autoridade escriturística, mas uma resposta de fé e fidelidade ao projeto libertador do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
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1
Achtemeier é um dos poucos comentaristas que tratam diferentemente a estrutura do início de Romanos: “Gramaticalmente, o versículo 17 é formado como uma oração subordinada ao versículo 16, já que o versículo 16, por sua vez, é gramaticalmente subordinado ao versículo 15. Contudo, essa construção não termina no versículo 17. O versículo 18 é subordinado a 1,17, 1,19b é subordinado a 1,19a e 1,20 por sua vez é subordinado a 1,19b. Uma cadeia tão longa de orações subordinadas é, com certeza, incomum, mas se quisermos entender o que Paulo está tentando dizer nesses versículos, a estrutura gramatical deverá ser levada em consideração. Qual é o sentido dessa longa série de orações subordinadas? Paulo aparentemente entende que cada oração subordinada dá a razão da declaração que a precedeu, isto é, a declaração no versículo 15 é apoiada pelo ponto que Paulo faz no versículo 16; O versículo 16 é então, por sua vez, apoiado pela afirmação contida no versículo 17, e assim por diante. É imediatamente aparente, nesse caso, que a afirmação dominante desta cadeia de orações subordinadas é o versículo 15, para cujo apoio todo o resto foi escrito. Toda a cadeia de raciocínio nos diz por que Paulo está ansioso para pregar o evangelho aos cristãos em Roma” (Achtemeier, 1985, p. 35). Concordo com a sua argumentação em relação à sintaxe, mas divirjo no tocante à estrutura da seção. Achtemeier vê uma seção em 1,14-23, enquanto considero que 1,8-32 é a primeira seção da carta após a sua abertura (1,1-7).
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2
Não há, é claro, uma relação direta entre Romanos e Marcos, mas podemos constatar a analogia entre a revelação do desgosto de Deus, do céu, em relação à impiedade humana e a revelação da messianidade de Jesus, do céu, no seu batismo (cf. Mc 1,14-15).
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3
A seguinte descrição da justiça corrobora a interpretação aqui adotada: “A concepção veterotestamentária da justiça não se baseia na concordância das ações humanas com normas jurídicas consideradas de caráter absoluto, mas na adequação de um comportamento em uma relação bilateral. Por isso, a justiça de Deus se manifesta em um agir digno dele com respeito a seu povo, a saber, em sua ação salvífica e libertadora (Is 45,21; 51,5s; 56,1; 62,1). Sua justiça foi louvada em tempos primitivos (Jz 5,11) e continua sendo celebrada (1Sm 12,7; Is 45,24; Mq 6,5; Sl 103,6; Dn 9.16). Quem anelava a libertação invocava a justiça de Deus, ou seja, a intervenção divina (Sl 71,2; 143,11), e seus inimigos terminavam confusos (Is 41,10-11; 54,17; Sl 129,4-5). Por amor a Israel, a justiça de Deus é estendida inclusive à natureza da terra, a fim de que seja próspera (Os 10,12; Jl 2,23; Is 32,15ss; 48,18-19). Israel é definido aqui em função de sua participação na justiça de Deus (Sl 24,5), que pode ser descrita inclusive em termos espaciais (Sl 89,17; 69,28)” (Seebass, 1990, p. 405).
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4
“Para explicar o significado dos dois termos poderíamos pensar na definição que lemos em Xenofonte: 'A impiedade afeta os deuses e a injustiça aos homens' (Cyrop. 8,8,7), e aplicá-los aos desenvolvimentos subsequentes (da impiedade se fala nos v. 21-23 [v., também, Rm 11,26 onde se cita Is 59,20 neste sentido], e da injustiça nos v. 24-31). Mas, na realidade, os dois termos formam uma hendíadis inseparável e explicam-se mutuamente. Por um lado, de fato, na concepção estoica a impiedade também diz respeito a relações humanas, como as familiares, enquanto, por outro lado, a injustiça, especialmente no grego da LXX, tem uma dimensão puramente religiosa e geralmente equivale simplesmente a 'pecado', traduzindo predominantemente o hebraico ‘awon, ‘transgressão-culpa’ (76 vezes: cf. Sl 7,14; 10,6; 27,3; 44,7; 63,2; 100,8; 1 18,29; Is 58,6; 60,18; Jr 11,10; 28,5; 38,34; 40,8; 43,3)” (Penna, 2004, p. 174). Não confere, porém, que na LXX o termo injustiça tenha apenas conotação religiosa.
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5
Com esta interpretação, o termo verdade não deve ser entendido de modo puramente cognitivo, de modo que a interpretação de Alain Badiou é pertinente: “o gesto inédito de Paulo é subtrair a verdade da dominação comunitária, seja de um povo, de uma cidade, de um império, de um território ou de uma classe social. O que é verdadeiro (ou justo, o que nesse caso tem o mesmo significado) não se deixa remeter a nenhum conjunto objetivo, nem do ponto de vista de sua causa, nem do ponto de vista de seu destino” (Badiou, 2009, p. 12).
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6
O termo ἀδικία [’adikia] e os seus equivalentes latinos são usados com conotações semelhantes de “má conduta”, “injustiça” e “violação da lei” pelos vários grupos culturais do mundo mediterrâneo. A repetição proeminente deste termo no v. 18 sinaliza sua ligação decisiva com o termo antitético δικαιοσύνη [dikaiosyne] na tese dos v. 16-17 e sugere a oposição dos humanos contra Deus (Jewett, 2006, p. 152).
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7
Essa inversão torna inaceitável a conclusão de Mortensen (2018, p. 111):: “O que a Sabedoria de Salomão apresenta aqui é muito semelhante ao que Paulo apresenta em 1:18-32.46 Na verdade, deveria ser considerado como agindo de forma semelhante, construindo e reproduzindo estereótipos étnicos”. Este autor interpreta esta seção de Romanos como diatribe e descreve Paulo como um judeu que apresenta estereotipadamente os gentios – ainda que, para efeitos da pregação do evangelho, ele mesmo (Paulo) não considere essa descrição estereotipada como válida. Seguindo a linha interpretativa de autores como Stowers, Song e Campbell, ele não vê nesta seção a voz de Paulo, mas uma personificação que apresenta a visão que ele, Paulo, combaterá ao longo da carta. Há vários problemas com essa linha interpretativa em termos gerais. Neste parágrafo, a tese não se sustenta porque Paulo não apresenta os gentios da forma estereotipada que os judeus utilizavam, mas faz sua própria releitura da identidade gentílica.
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8
Não há nada no texto, porém, que qualifique o conhecimento do v. 21 como vago ou não formulado.
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9
Jewett justifica sua conclusão mostrando, acertadamente, que a linguagem usada por Paulo nestes versos não é apenas judaica, mas evidencia o uso de termos técnicos de correntes filosóficas do período (conferir p. 153-155).
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10
Mary Healy constata o início do crescimento dos estudos sobre epistemologia em Paulo no século XXI: “A excelente monografia de I. W. Scott, Implicit Epistemology in the Letters of Paul: Story, Experience and the Spirit, WUNT 2, 205 (Tübingen: Mohr Siebeck, 2006) [a obra de Scott aqui citada é uma atualização desta monografia], é uma exceção bem-vinda, sendo o primeiro estudo do conhecimento em Paulo desde Jacques Dupont Gnosis. La connaissance religieuse dans les épitres de Saint Paul, publicado há meio século (Louvain: Gabalda, 1949). A monumental Theology of Paul the Apostle de J.G.D. Dunn (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), ilustra a lacuna nos estudos contemporâneos, na medida em que não fornece nenhuma seção ou capítulo que trate explicitamente das noções de conhecimento ou revelação de Paulo” (Healy, 2007, p. 134, nota 1).
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11
“Na história recente podem ser identificados dois movimentos fundamentais na transformação metodológica: o Concílio Vaticano II e as teologias regionais. Num primeiro momento a centralidade animadora da Escritura, resultado de meio século de pesquisas, é consagrada no Concílio Vaticano II. Além do método adotado nos textos conciliares, as orientações para a formação em Teologia afirmam explicitamente o estudo da Bíblia como 'alma da Teologia' (cf. Dei Verbum 24; Optatam Totius 16) que deve ser o seu primeiro momento e seu ponto de partida. Por conseguinte, a própria Bíblia se torna um objeto especial de pesquisas. Junto com a Escritura, a consciência da historicidade e o valor da grande Tradição, dão ao discurso da fé uma nova qualidade na defesa de si mesma e frente ao mundo. Num segundo momento, as realidades locais e regionais passam a influir de maneira decisiva a tarefa teológica. É quando surgem as teologias contextuais, seguidas pelas culturais e de gênero, entre outras” (Hammes, 2007, p. 168).
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12
O que não implica em juízo de valor contra a Teologia Sistemática ou Dogmática, mas demanda que a sistematização seja contextualmente controlada e não fundada em uma universalidade conceitual abstrata.
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13
Os quatro parâmetros indicados são apresentados e discutidos com detalhes em Zabatiero, 2018.
Referências
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Editado por
-
Editores
Márcia Eloi Rodrigues e Franklin Alves Pereira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
20 Jun 2024 -
Aceito
26 Mar 2025
