RESUMO
O jubileu é uma bela oportunidade para refletir sobre as implicações do perdão, da reconciliação, e da esperança. Ao mesmo tempo, continua carregando consigo, desde o primeiro jubileu de 1300, o cada vez mais incômodo conceito e a aparentemente ultrapassada prática das indulgências. Foi justamente esta que criou as 95 teses de Martim Lutero, propondo um debate que, ao ser refutado e excomungado seu autor, resultou na separação de caminhos e no surgimento de igrejas novas que reclamavam para si estar em melhor sintonia com a Sagrada Escritura do que a igreja existente. Não se trata de um dogma nem de uma doutrina de alta importância na hierarquia das verdades, e de uma prática provavelmente cada vez menos compreendida pelo povo católico. Continua, no entanto, incomodando as relações ecumênicas. Baseada em documentos do magistério e abordagens teológicas católicas e evangélicas, o presente artigo reflete, inicialmente, de forma mais ampla sobre o jubileu ordinário atual e seu antecessor de 2000, traça uma análise da bula do papa Francisco, destaca questões críticas do debate sobre as indulgências e apresenta uma visão luterana do tema para, concluindo, conduzir uma conversação ecumênica destacando o potencial caráter terapêutico da igreja, enquanto não vê espaço para indulgências na teologia e igreja atuais.
PALAVRAS-CHAVE
Ecumenismo; Indulgências; Penitência; Martim Lutero; Jubileu 2025
ABSTRACT
The jubilee is a beautiful opportunity to reflect on the implications of forgiveness, reconciliation and hope. At the same time, since the first jubilee in 1300, it has carried with it the increasingly uncomfortable concept and seemingly outdated practice of indulgences. It was precisely this that created Martin Luther’s 95 Theses, proposing a debate which, when its author was refuted and excommunicated, resulted in the parting of ways and the emergence of new churches that claimed to be better in tune with Sacred Scripture than the existing church. This is neither a dogma nor a doctrine of high importance in the hierarchy of truths, and a practice probably less and less understood by the Catholic people. Notwithstanding, it continues to trouble ecumenical relations. Based on documents from the magisterium and Catholic and Protestant theological approaches, this article initially reflects more broadly on the current ordinary jubilee and its 2000 predecessor, analyses Pope Francis’ bull, highlights critical issues in the debate on indulgences and presents a Lutheran view of the issue, and concludes by promoting an ecumenical conversation highlighting the potential therapeutic character of the church, while seeing no room for indulgences in today’s theology and church.
KEYWORDS
Ecumenism; Indulgences; Penitence; Martin Luther; Jubilee 2025
Introdução
Estive em Roma na virada do ano de 2000 para 2001 que marcara o final do Ano Santo. Viajei junto com minha esposa, brasileira, nordestina e católica. Nos hospedamos na Casa Valdese, casa de hospedagem desta pequena, mas antiga igreja protestante italiana, a Igreja Valdense. Foi nesta casa que, durante o II Concílio Vaticano, costumavam encontrar-se os observadores ecumênicos. Foram os dias do fechamento da Porta Santa. O propósito da nossa viagem não tinha relação com isto, mas a movimentação, obviamente, chamava nossa atenção. Um cartão na Gregoriana, em cuja entrada demos uma espiada, anunciava a – entrementes já ocorrida – defesa da tese de doutorado de um certo padre Elias Wolff – hoje meu colega na PUCPR e um grande parceiro nos caminhos de diálogo. De modo alguma eu antecipava, naquele momento, que iria ser convidado, um quarto de século mais tarde, trabalhando em universidade católica, a compartilhar uma visão luterana e ecumênica a respeito do Jubileu atual. O convite me honra e demonstra a abertura da revista para uma diversidade de abordagens.
Resolvi assumir o desafio. No entanto, em vez de concentrar-me na questão do jubileu de Lv 25 e na esperança, por mais tentador e enriquecedor que fosse, imaginando que outros artigos tratariam desta dimensão com afinco, decidi focar numa questão que permanece complicada no diálogo ecumênico: as indulgências. Fazem parte de cada jubileu, embora não poucos(as) teólogos e teólogas, tanto católicos(as) como evangélicos(as), mantenham um certo incômodo com a questão e prefeririam evitar a discussão1. O ecumenismo, contudo, não pode driblar as polêmicas e precisa, de vez em quando, trazê-las à tona, mesmo que talvez se prefira ignorá-las. Certamente, os editores estavam conscientes do risco do seu convite, uma vez que a conexão do jubileu ordinário com a concessão de indulgências toca no núcleo da controvérsia que inaugurou, de forma mais explícita, a Reforma protestante. Não é minha intenção aqui retomar aquela polêmica nos termos nos quais ela fora desenvolvida há mais de 500 anos. No entanto, quero tecer uma reflexão acerca da pertinência de indulgências nos tempos atuais, e daquilo que querem significar, numa visão ecumênica, consciente de outro evento importante que precedeu o jubileu de 2000 e também passou pelos seus 25 anos: a assinatura da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, em 31 de outubro de 1999. É o primeiro documento ecumênico desde a Reforma que entrou na coletânea do famoso Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, na versão em português do Brasil – produzida predominantemente por Johan Konings – de 2007, antes mesmo da referência do Denzinger em alemão (DH, n. 5073-5074). Nesta pesquisa bibliográfica e documental, baseio-me em aportes teológicos, tanto católicos quanto luteranos, e documentos do magistério.
1 Dimensões do jubileu
A Perspectiva Teológica, naquele Grande Jubileu anterior, já lançara uma edição especial. O Editorial (2000; Barros, 2000) daquela edição mencionara o entrelaçamento de três momentos: Em primeiro lugar, o jubileu do Antigo Testamento (Lv 25), da “volta atrás às origens ideias do povo de igualdade, de justiça e de fraternidade” com o perdão das “dívidas sociais” (Editorial, 2000, p. 6) que deveria indagar o povo cristão a assumir sua voz e cidadania numa sociedade plural, e a “Igreja católica a uma mudança de comportamento diante das formas de desrespeito, de segregação, de discriminação no seu seio” (Editorial, 2000, p. 7), especialmente em relação às mulheres e ao laicato. Em segundo lugar, o ano da graça do Senhor anunciado pelo próprio Jesus na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-30), recordando as palavras do profeta Isaías (Is 61,1-2), anunciando a Boa Nova libertadora aos pobres, prisioneiros, cegos e oprimidos: “toda a vida de Jesus foi um Jubileu de graça” (Editorial, 2000, p. 7). Na igreja católica do contexto latino-americano, isto se desdobrara numa decidida opção pelos pobres, em anúncio e denúncia. O glamour das festanças do jubileu, no entanto, poderia desvirtuar este conteúdo e tornar até a celebração eucarística em “programa de auditório” e alegrar mais o mercado do que a quem Jesus trouxe a alegria (Editorial, 2000, p. 8). Focado nos primeiros dois momentos, em seu artigo sobre o tema publicado naquela mesma edição da revista, Marcelo Barros (2000, p. 17) sugeriu um “grande sábado para toda a terra”, com jubileu ecumênico baseado na “dimensão sabática da fé”, que também se juntaria à inciativa de Jubileu 2000 para o cancelamento da dívida externa de países empobrecidos (Barros, 2000, p. 20). Em terceiro lugar, o Editorial cita a tradição eclesiástica que costuma proclamar um Ano Santo regularmente desde sua introdução pelo papa Bonifácio VIII em 1300, cedendo à força da piedade popular. Segundo o Editorial (2000, p. 8) – sem assinatura, presumivelmente escrito pelo saudoso Johan Konings –, é “mais eclesiástico que evangélico, mais canônico que bíblico, mais de ritos de piedade que de prática social”, lentamente “transformando-se numa sede de indulgências” (Editorial, 2000, p. 9). Foi em torno das indulgências, o texto segue afirmando, que se desenvolveu “a triste tragédia eclesiástica do século XVI” que repercute de forma contraditória num chamado para um jubileu com indulgências na atualidade, prejudicando o ecumenismo (Editorial, 2000, p. 9). Lembra-se também a primeira Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) sob título de “um novo milênio sem exclusões”, que fora promovida naquele mesmo ano em colaboração entre o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), por sua vez membro do CONIC. Esta atividade ecumênica mui significativa repetir-se-ia nos anos 2005, 2010, 2016 e 2021. Não sei se haverá clima para outra no futuro próximo, pois pelo ritmo quase quinquienal adotado já estaria na hora – a última CEF encontrou enorme resistência no seio da igreja católica, com campanha vergonhosa de alguns grupos extremos, pequenos, mas barulhentos, contra a campanha (contra as Campanhas de Fraternidade em geral, na verdade), o CONIC e sua secretária-geral. Na contramão da movimentação ecumênica à época fora publicada, em agosto de 2000, a Declaração Dominus Iesus sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, a qual, ainda que não tenha trazido nenhuma novidade em termos da teologia magisterial, machucara relações ecumênicas e inter-religiosas pela sua absoluta falta de sensibilidade e de reconhecimento da trajetória já trilhada. Por outro lado, o papa João Paulo II vinha dando sinais de um compromisso ecumênico (UUS, que completa 30 anos em 2025) e buscava ser inclusivo ao máximo na condução do Ano Santo de 2000, inclusive convidando representantes de outras igrejas para a preparação e atos específicos relacionados. Em protesto contra a importância dada – em coerência com a tradição católica – às indulgências, a Aliança de Igrejas Reformadas e a Igreja Valdense se retiraram do comitê de preparação (Sattler, 2000, p. 18s.).
Neste interstício de 25 anos, muita coisa mudou, de forma especial com a eleição do saudoso papa Francisco e seu estilo peculiar de ser bispo de Roma, pastoral, social, e ecumênico com firmeza, mas também com humildade. É significativo que o papa destaque, em sua bula sobre o jubileu Spes non confundit – “A esperança não engana”, a carta aos Romanos, central para a compreensão da salvação, onde Paulo, no 5º capítulo, justamente enfatiza a salvação por meio da fé. Há, portanto, profunda ressonância entre a abordagem do papa Francisco e do referido documento ecumênico (a DC) que, por sua vez, reflete um longo e intenso diálogo entre as tradições católica e luterana. Desta maneira, minha abordagem não é de modo algum aleatória ou marginal, mas toca no cerne da compreensão do papa Francisco sobre o jubileu. Além do papa jesuíta argentino e de autoras e autores católicos(as) contemporâneos(as), considera também proeminentes autores jesuítas que inovaram a compreensão das indulgências: os alemães Karl Rahner (2005 a,b) e Otto Semmelroth (1968). Importa notar que no contexto alemão – onde a memória histórica, naturalmente, permanece mais forte quanto ao conflito no século XVI – há farta literatura a respeito, tanto por parte de autores(as) católicos(as)2, quanto de evangélicos (Neuner, 1999; Böttigheimer, 2000; Sattler, 1992; 2000; Brandt, 2008; Hamm, 2016; Leppin, 2017; Dieter, 2021), enquanto no contexto brasileiro, até onde consigo ver, a questão das indulgências é pouco tratada com profundidade (conferir Wolff, 2024, p. 39-41). Obras de referência da teologia luterana brasileira e internacional, traduzidas ao vernacular, tratam delas apenas rasteiramente (Bayer, 2007; Dreher, 2014; Altmann, 2016; Westhelle, 2008), talvez entendendo tratar-se de algo superado e irrelevante nos dias de hoje, interessante como mero ponto de despertamento da crítica de Lutero e do desenvolvimento de sua teologia. Também para mim seria bem mais fácil resgatar os aspectos mais ecumenicamente compatíveis do Jubileu, como a esperança cristã e o perdão da dívida. No entanto, entendo que no ecumenismo não avançamos se não trabalhamos os pontos difíceis e críticos. Para tanto, é necessário deparar-se com a compreensão atual, seja do magistério episcopal, seja do magistério acadêmico, daquilo que seriam indulgências hoje e a que ponto será possível uma aproximação ecumênica a respeito.
2 A bula de Francisco
O tom colocado pelo papa Francisco em sua bula de proclamação do jubileu ordinário de 2025 recai sobre a esperança e está sob o enunciado de Paulo em Rm 5,5: spes non confundit – “a esperança não engana”. O grego kataischynei poderia ser traduzido também como “não desaponta” ou “não decepciona”, ou ainda como “não deshonra”, ou “não envergonha”. O jubileu é entendido como “ocasião de reanimar a esperança” (SNC, n. 1). SNC, n. 2 coloca o texto bíblico em seu contexto, que destaca a justificação pela fé e sublinha que o acesso à graça se dá pela fé (Rm 5,1-2). Também ressalta que o apóstolo Paulo é realista e reconhece a esperança em meio às tribulações (Rm 5,3-4), como são enfrentados, conforme ressalta o papa, especialmente em situações de anúncio do Evangelho. Enquanto a evangelização tem seu sustento na cruz e na ressurreição de Cristo, fomenta a importante virtude da paciência, algo difícil de ser vivido neste mundo tão acelerado e digitalizado. A paciência é “filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu suporte” (SNC, n. 4). Lembra também da importância da paz e de “espaços de negociação” que são necessários para que ela ocorra – impossível não pensar em exemplos concretos como a guerra da Rússia contra Ucrânia ou de Israel contra os palestinos, com feições de genocídio. Depois fala da “preocupante queda da natalidade” (SNC, n. 9, grifo omitido). Como isto atinge principalmente os povos de tradição cristã no hemisfério norte, mas crescentemente também no hemisfério sul, soa como um chamado de fortalecer, inclusive demograficamente, o povo cristão diante do notável crescimento da população de outras religiões, especialmente muçulmana. Sob ponto de vista do diálogo ecumênico e inter-religioso, um elemento um tanto ambíguo.
A bula ainda menciona a situação precária de pessoas presas e da importância de “recuperar a confiança em si mesmas e na sociedade” (SNC, n. 10) e possibilitar sua reinserção na comunidade. Invoca a necessidade de “clemência e libertação”, como é a tradição jubilar do Antigo Testamento (Lv 25,10; Is 61,1-2 citados em Lc 4,19), como base do chamado para que os bispos se empenhem em prol de “condições dignas para quem está recluso, respeito pelos direitos humanos e sobretudo a abolição da pena de morte” (SNC, n. 10), pois ela não permite esperança de perdão e renovação. Como sinal concreto “de proximidade”, o papa anuncia abrir uma Porta Santa numa prisão (SNC, n. 10), como de fato fez, pedindo para que as pessoas detentas abram a “porta do coração” e se segurem pela corda da “âncora da esperança” (Francisco, 2024, não paginado). Na bula, o papa ainda menciona a importância da atenção a e do cuidado aos doentes (SNC, n. 11), aos jovens diante da falta de perspectivas (SNC, n. 12), aos migrantes (SNC, n. 13 – com mais uma variação do tema da “porta”: “portas do acolhimento”), aos idosos (SNC, n. 14) e aos pobres, sublinhando que “são quase sempre vítimas, não os culpados” de sua situação (SNC, n. 15). Depois enfoca a necessidade de uma distribuição justa da terra, a superação da fome e o acesso à água, bem como o perdão das dívidas de países insolventes (SNC, n. 16), retomando iniciativas de jubileu muito em evidência 25 anos antes, como vimos. Relembra ainda um evento ecumênico muito importante, os 1700 anos do Concílio de Nicéia a ser celebrado neste ano de 2025, remetendo à importância da sinodalidade e da corresponsabilidade de “todos os batizados, cada qual com o próprio carisma e ministério” (SNC, n. 17; Sinner, 2024), além de destacar sua importância ecumênica como “convite a todas as Igrejas e Comunidades eclesiais para avançarem rumo à unidade visível” (SNC, n. 17, com citação do “manifesto ecumênico” de Jo 17,21 e menção da questão aberta da data da páscoa que Nicéia visava resolver, mas que até hoje não está unificadaconferir Towards a Common Date for Easter, 1997). Tudo isto, sob ponto de vista ecumênico, não é polêmico, pelo contrário. Também na perspectiva de uma teologia pública (Sinner; Zeferino, 2024) há de se parabenizar o papa pelo que afirma aqui.
As dimensões éticas acima destacadas são recorrentes nos escritos do papa Francisco e indicam que ele intendeu utilizar a presente bula não apenas como um ato jurídico ou técnico – que não deixa de ser indicado pelo próprio nome “bula” como publicação de um decreto papal, e o ato de instituição do Ano Santo –, mas também encorajador e exortador. Diferente da bula anterior, de 2015, que proclamou o jubileu extraordinário, Misericordiae vultus (“o rosto da misericórdia”), na presente a parte teológica mais profunda vem ao final (SNC, n. 18ss.). Remete ao testemunho “credível e atraente” (SNC, n. 18) ao dar razão da esperança, com referência a 1Pd 3,15. Enquanto MV focava na misericórdia de Deus por meio de Jesus Cristo, citando mormente textos dos Evangelhos, especialmente Lc e Mt, aqui o foco está em Paulo e na carta aos Romanos. O papa lembra da importância da ressurreição da morte, esperança cristã fundamentada na ressurreição de Cristo, simbolizada pela forma tradicionalmente octogonal do batistério para lembrar o oitavo dia, o dia da ressurreição, abre “o ciclo do tempo à dimensão da eternidade” (SNC, n. 20). Neste contexto, como já o fizera João Paulo II na bula da proclamação do jubileu 2000 (IM, n. 13), menciona também os mártires, mas diferente de IM enfatiza que estes são “pertencentes às diferentes tradições cristãs”, como “sementes de unidade, porque exprimem o ecumenismo do sangue”, desejando “ardentemente” que haja uma celebração ecumênica dos mártires ao longo do ano de jubileu (SNC, n. 20). Continuando, é a plenitude da comunhão com Deus da qual brota a felicidade (SNC, n. 21, citando Agostinho). Ao falar do juízo, lembra que Deus é amor e que o juízo basear-se-á no amor, “especialmente naquele que tivermos, ou não, praticado para com os mais necessitados, nos quais Cristo, o próprio Juiz, está presente” (SNC, n. 22).
Ao mesmo tempo que dá esta ênfase específica da esperança, logo no início também insere o jubileu dentro da tradição: “Jubileu, que, segundo uma antiga tradição, o Papa proclama de vinte e cinco em vinte e cinco anos” (SNC, n. 1; conferir SNC, n. 6). Quando surgiu, em 1300, foi animado, como relembra o papa, “pela espiritualidade popular” (SNC, n. 5). Relembra, ainda, exemplos de anos de graça jubilar já anteriores a 1300. Portanto, está sendo invocada também a tradição das indulgências. Isto está sendo tratado explicitamente, além da ordenação mais técnica no início, na parte onde fala sobre o juízo, no final da bula.
Após insistir, inclusive com referência à Spe Salvi do papa Bento XVI, o papa Francisco menciona a importância de “ser purificado” (SNC, n. 22, grifo omitido), o que, além de remeter a uma compreensão mais terapêutica do que jurídica, traz à tona o purgatório, mencionado explicitamente no parágrafo seguinte, com citação do Catecismo da Igreja Católica, o qual, por sua vez, se baseia nos cânones do Concílio de Trento e na constituição apostólica Indulgentiarum Doctrina, de 1967. No CIC, n. 1472 afirma-se que “todo pecado, mesmo venial, acarreta um apego prejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra, quer depois da morte, no estado chamado ‘purgatório’”. Estendendo-se, assim, o alcance das indulgências para além da morte – como é doutrina católica tradicional – por meio da intercessão, a indulgência jubilar “destina-se de modo particular a todos aqueles que nos precederam, para que obtenham plena misericórdia” (SNC, n. 22). Destaca, naturalmente, também a importância do sacramento da penitência, mas também a indulgência para retirar “efeitos residuais do pecado”. “Uma tal experiência repleta de perdão não pode deixar de abrir o coração e a mente para perdoar. [...] O futuro iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diversos, mais serenos, mesmo que ainda banhados de lágrimas” (SNC, n. 23). Este aspecto das indulgências será aprofundado na próxima seção. No final da bula, dando destaque à Mãe de Deus como “testemunha mais elevada” da esperança de Deus, o papa lembra também a celebração vindoura de 2031, dos 500 anos da primeira aparição da Virgem de Guadalupe. Maria é, “para o santo Povo de Deus, ‘sinal de esperança segura e de consolação’” (SNC, n. 24, com referência a LG, n. 68). No todo, o papa sublinha que “o próximo Jubileu há de ser um Ano Santo caracterizado pela esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus. Que nos ajude também a reencontrar a confiança necessária, tanto na Igreja como na sociedade, no relacionamento interpessoal, nas relações internacionais, na promoção da dignidade de cada pessoa e no respeito pela criação” (SNC, n. 25).
Sem dúvida, há muita riqueza ética e teológica nesta bula do papa Francisco, em grande parte não somente aceitável como mui benéfico do ponto de vista luterano, ecumênico e, inclusive, público. O nó da questão está, de fato, nas indulgências. Veremos.
3 O que fazer com as indulgências?
Procuro resumir aqui, em quatro aspectos, as quaestiones disputatae que se colocam para um diálogo ecumênico sobre as indulgências. Nesta seção enfatizo também posições críticas e inovadoras de autora e autores católicos sobre o tema.
Primeiro, vale lembrar tratar-se, juntamente com o purgatório, de uma doutrina especificamente ocidental e católico romana. Não foi adotada nem pelas igrejas orientais, nem, obviamente, pela Reforma, tendo sido um dos pontos despertadores do protesto teológico de Lutero. Isto relativiza sua importância no cristianismo mundial. A própria teologia católica reconhece não se tratar de um dogma, mas de uma doutrina em nível relativamente baixo na “hierarquia das verdades” (UR, n. 11; Neuner, 1999; Sattler, 2000, p. 21). Por isso, ninguém é obrigado adquirir indulgências para sua salvação. A igreja mais atende a uma demanda popular. Seria interessante saber, empiricamente, o que as pessoas entendem, hoje, por indulgência(s). Há 70 anos, Karl Rahner ([1955] 2005a, p. 492) entendeu que o interesse entre católicos em conseguir indulgências teria “certamente” diminuído – o que pode ser verdade, ainda hoje, na Alemanha (Sattler, 2000, p. 15), mas como seria no Brasil ou em outros contextos? As multidões que se juntam as peregrinações locais e à Roma indicam que considerável atratividade persiste, embora os motivos sejam, provavelmente, múltiplos e complexos, e que o conhecimento popular sobre a doutrina das indulgências seja, presumivelmente, modesto.
Segundo,o perigo do caráter técnico e jurídico das indulgências e sua possível quantificação. Embora o Concílio de Trento em sua 25ª Sessão, publicando um decreto sobre as indulgências em 4 de dezembro de 1563, tenha determinado, “genericamente, a completa abolição de toda espécie de vil comércio praticado em torno de sua obtenção” (DH, n. 1835), seu atrelamento a atos específicos – rezas, missas, o recebimento do sacramento da reconciliação, a peregrinação, o entrar por uma porta santa etc. – abre-se para uma possível banalização do caráter da salvação como dádiva de Deus e uma compreensão meritória dos atos. Para muitos pastores e teólogos(as) católicos(as), este perigo está bem presente. Pelo que ouço em discussões e missas3, há preocupação com um possível mal-entendido das indulgências num sentido técnico-mecânico e insistência na importância da reta postura do fiel e em Deus como único autor do perdão. Em certa semelhança com a disciplina eclesiástica em algumas igrejas protestantes, especialmente da tradição reformada e calvinista, a ideia é que a igreja, com seu “tesouro” de graça que provém do Cristo, acompanhe a pessoa fiel e lhe ajude para encontrar o e permanecer no reto caminho. Nos primeiros séculos da igreja, o comum era que se impunha penas previamente, a serem cumpridas antes da reconciliação da pessoa pecadora com a comunhão eclesiástica, a qual em geral era celebrada numa quinta-feira santa. A partir dos séculos VI/VII, estabeleceram-se “tarifários” de penitência que regulamentavam a pena a ser aplicada a determinado pecado. Houve possibilidades de redemptiones, aliviando a pena, e comutationes, pagando uma quantia de dinheiro em vez de jejuar, por exemplo (Sattler, 2000, p. 27). Como era difícil as pessoas comparecerem à reconciliação litúrgica, chegou a ser tido como suficiente a confissão oral e a satisfação cumprida. De lá surgiu a prática de pronunciar a absolvição previamente, condicionada ao cumprimento da satisfação. Indulgências surgiram neste contexto para aliviar as penas temporais. Esta separação dos elementos do processo de penitência fez com que pudessem crescer iniciativas autônomas, como a proclamação de indulgências por atos específicos – entre eles a participação numa cruzada (assim o papa Urbano II no século X) –, apagando todas as penas temporais devidas. A partir de meados do século XIII, tornou-se comum poder dedicar indulgências também aos defuntos para aliviar o processo purificador pós-morte, pois a communio sanctorum abrange os vivos e os mortos.
Karl Rahner entendeu o “tesouro da igreja” não como um acúmulo de graça que pudesse ser distribuída pela igreja como se ela fosse um banco, mas como “a vontade própria de Deus para a salvação” (Gottes eigener Heilswille, Rahner, 2005a, p. 499). Para ele, indulgência é a intercessão da igreja pela salvação do pecador. Ele entende a “nova” compreensão – Rahner mesmo utiliza aspas, pois entende que antes resgata conteúdos antigos e não inventa novos – de Bernhard Poschmann (1948) e dele próprio estar em consonância com a ID (Rahner, [1967] 2005b)4. O jesuíta Otto Semmelroth (1968, p. 18) considerou o tesouro da igreja uma “imagem”, concordando com a 62ª tese de Lutero: “O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus” (OSel 1,27) e aponta para ID, n. 4 (na verdade, ID, n. 5). Contudo, ID, n. 8 insiste que “na indulgência, usando de seu poder de administradora da redenção de Cristo Senhor, a Igreja não se contenta com rezar, mas por sua autoridade abre ao fiel convenientemente disposto o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos pela remissão da pena temporal” (grifo nosso), o que acaba reforçando a contradição apontada.
O Enchiridion indulgentiarum, disponível somente em latim no site do Vaticano, pela sua natureza de listar uma variedade de atos que rendem indulgência total ou parcial, reforça a ideia quantificadora. Sua quarta edição, de 1999, interessantemente, inclui a participação na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos como um ato que pode render indulgência5. Portanto, como ressalta Sesboüé (2014, p. 893), apesar das importantes mudanças, p.ex. admitindo abusos e rejeitando um conceito “bancário” das indulgências, a linguagem – e talvez a concepção também, diria eu – ainda retém resquícios de uma linguagem de eficácia mecânica (Sesboüé, 2014, p. 893).
Terceiro, o caráter contraditório entre os aspectos punitivos e terapêuticos. Como a definição em vigor é que “a indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa” (CIC, n. 1471; ID, n. 2), a terminologia de “pena” é uma constante. Pergunta-se por quem teria pronunciado esta pena – se for o próprio pecado, a igreja, ou Deus, e a quem caberia perdoá-la. CIC, n. 1472 esclarece que “estas duas penas [sc. eterna e temporal] não devem ser concebidas como uma espécie de vingança infligida por Deus do exterior, mas, antes, como uma consequência [sic] da própria natureza do pecado.” Neste sentido, a terminologia “consequência do pecado” seria muito mais clara do que “pena do pecado” (cf. IM, também Rahner, 2005a, p. 494). Em SNC, significativamente, não se fala de “pena” neste contexto. Enfatiza, de fato, mais a compreensão de “consequências do pecado”. Seguindo esta última linha conceitual, o caráter terapêutico ficaria saliente. Sattler (1992; 2000, p. 22, n. 21) fala da dimensão “pessoal-existencial” destas consequências, além da dimensão sacramental, pelo que vê abertura dos teólogos da Reforma do século XVI. Para ela, “as penas do pecado [...] sensibilizam pelo prejuízo à convivência criado por culpa própria e fomentam a disposição para um novo começo; produzem verdadeiro arrependimento” (Sattler, 2000, p. 30, tradução própria)6. O professor de teologia fundamental católica, também alemão, Christoph Böttigheimer (2024) defende que se deve abordar o aspecto terapêutico, no sentido da ajuda da igreja para um “amadurecimento existencial”.
Quarto, o caráter contraditório entre terapia e libertação dos “efeitos residuais do pecado” (reliquiae peccati). Pois, se é, certamente, verdade que com o anúncio do perdão não ficam apagadas as marcas do pecado (SNC, n. 23) – os traumas, como diria a neuropsicologia, que deixam marcas no corpo (Sinner, 2017) –, a forma de lidar com elas por meio da “purificação” e, quando possível, reparação, são elementos interessantes que deveriam, justamente, ser encorajadas e não apagadas por uma ação rápida e pouco exigente. Assim, na linha do que foi mencionado no aspecto anterior, Sattler (2000, p. 30) conclui que “uma dispensação efetuada autoritativamente de um sofrimento existencial não é concebível” e vê nisso o “espinho na carne da discussão intra-católica sobre a indulgência”7. Rahner (2005a, p. 493) insistira na cura destas feridas como um “processo” que necessita de tempo e que permite um “amadurecimento” (Reifung). Em 1968, Semmelroth (1968, p. 24s.) insistia que a indulgência “ajudaria” os fiéis ao pagar as penas temporais (ID, n. 8) e não apagaria ou encurtaria “objetivamente” estas penas. A indulgência “alivia” a pena temporal “assim que por meio da intervenção oficial da Igreja unida com Cristo se efetue força divina da graça para poder crescer pela pena do pecado e erguer-se em direção a Deus”. Novamente, a questão da autoria do perdão é fundamental. Se é Deus, a igreja não administra uma quantidade desta graça de forma técnica e jurídica, mas como comunhão ajuda a pessoa fiel em seu caminho de lidar com as feridas do pecado nela própria e em outras pessoas que aquela tenha ferido. Este seria, então, um caminho a ser trilhado e não algo momentâneo, quase mágico, ou como ato de “anistia civil” (bürgerliche Amnestie, Rahner, 2000a, p. 497). A Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, de 1999, justamente faz constar como consenso:
Compartilhamos a convicção de que a mensagem da justificação nos remete de forma especial ao centro do testemunho neotestamentário da ação salvífica de Deus em Cristo: ela nos diz que como pecadores devemos nossa vida nova unicamente à misericórdia perdoadora e renovadora que Deus nos presenteia como dom e que nós recebemos na fé, mas nunca, de forma nenhuma, podemos merecer
(DH, n. 5073).
A teóloga católica alemã Dorothea Sattler afirma também um caráter público deste processo terapêutico: “Numa renovação da celebração pública da reconciliação seria importante refletir sobre a forma adequada da imposição de penitência, cujo sentido é de dar expressão pública à disposição existencial de conversão, para ajudar a reputação pública danificada da comunidade cristã com um todo e, assim, lhe devolver sua credibilidade”8. De forma parecida, José Duque entende a penitência como a “articulação histórico-temporal, corpórea, do nosso acolhimento do perdão”, a “actualização existencial dessa mesma solidariedade” (Duque, 2000, p. 115s.).
Enquanto estes aspectos apontam para controvérsias e divergências sérias, elas repercutem na própria teologia e magistério católicos que têm consciência delas e procuram caminhos de repensar o conceito e a prática de indulgências, o que é propício para um diálogo ecumênico. Passo a apresentar uma posição luterana a respeito.
4 As indulgências em perspectiva luterana
Como é sabido, foram as 95 teses de Martim Lutero que iniciaram, de forma mais aberta e pública, mas dentro de um movimento de reforma já existente e que não se restringe à pessoa de Lutero, a Reforma Protestante. Por isso, é o dia de 31 de outubro que, a cada ano, é lembrado como Dia da Reforma, pois naquele dia Martim Lutero teria afixado – o ato é contestado por historiadores – estas teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, onde fora catedrático da universidade. Hoje, as teses estão eternizadas, em relevo, numa pesada porta de metal. À época, a porta original servia como mural público. De fato, as teses foram direcionadas a Albrecht de Brandemburgo, quem – contra a lei canônica, mas acertado por pagamento – era bispo de duas dioceses, Magdeburgo e Mogúncia. Promoveu ali o comércio de indulgências para a construção da basílica de São Pedro no Vaticano, mas também para pagar suas dívidas com os banqueiros Fugger de Augsburgo.
Mais do que modernas, segundo o medievalista luterano Volker Leppin (2016, p. 35-63), as posições e motivações de Lutero eram medievais, fruto de um debate “intramedieval” (Leppin, 2016, p. 60). Evidenciavam uma boa dose de mística, a partir do incômodo com uma piedade externalizada e clericalizada, objeto de crítica também de místicos como Johannes Tauler (1300-1361), ou pensando que a indulgência era uma esperança vazia, já declarado pelo franciscano Matthias Döring (ca. 1390-1469). A novidade estaria no caráter mais fundamental de sua crítica. Entendia que a ênfase deveria recair sobre o arrependimento, a postura interna, e não sobre a satisfação, de obras externas9. A partir disto, Lutero foi promover um “Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências” (OSel 1,21-29) – Pro declaratione virtutis indulgentiarum. A costumeira caracterização das teses como sendo “contra as indulgências” é, portanto, reducionista. Não são “contra” as indulgências, mas criticam abusos e querem resgatar o que entendem ser o verdadeiro e correto conteúdo dessas. Não é por acaso que a primeira tese dá o tom para o que se segue: “Ao dizer: ‘Fazei penitência’ etc. [Mt 4.17], nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência” (OSel 1,22). Em seu Tractatus de indulgentiis, oferecido para o debate junto com as 95 teses, como aponta o jesuíta estudioso de Lutero, Jared Wicks (2017, p. 4), Lutero conclui: “assidue sanantem gratiam eius quaeramus” – “busquemos incessantemente a graça curadora dele [sc. de Deus]” (WA.Br 12, 10).
Embora Lutero não negue a importância de elementos exteriores – como o sacramento da Penitência – não é a ela que se reduz a penitência (tese 2 esclarece que tese 1 não se referia à penitência sacramental, OSel 1,22-23), mas principalmente se trata da “verdadeira penitência interior” (tese 4, OSel 1,23; Kemnitzer; Raschzok, 2021). No seu “Sermão sobre a Indulgência e a Graça”, de 1518, Lutero afirma que
não se pode provar, a partir da Escritura, que a justiça divina deseja ou exige do pecador qualquer pena ou satisfação, mas sim unicamente sua contrição ou conversão sincera e verdadeira, com o propósito de, doravante, carregar a cruz de Cristo e praticar as obras acima mencionadas (mesmo que não sejam prescritas por ninguém)
(OSel 1,32).
Contrário também ao que muitos pensam, especialmente no ambiente católico, Lutero não era contra obras – veja só o belo, embora pouco observado texto dele “Das Boas Obras”, de 1520 (OSel 2,97-170, que inclui uma abordagem dos Dez Mandamentos) –, mas insistiu que eram consequência da graça recebida e para a salvação nada podiam contribuir. A boa obra primária é a própria salvação, propiciada por Deus em Jesus Cristo e mediada às pessoas crentes pelo Espírito Santo. Por um bom tempo, Lutero ainda mantinha a penitência como sacramento. Contudo, enfatizou que seria preferível que o cristão “praticasse as obras e sofresse a pena” a não obtivesse indulgência, pois a indulgência pode se tornar uma mera “dispensa de boas obras e benéficas penas” (OSel 1,32). Desta forma, considerou obras até mais importantes do que o common sense teológico da época, pois “toda pena [...] que Deus impõe é útil e contribui para o melhoramento do cristão” (OSel 1,33). Disto decorrem duas coisas: penas temporárias precisam ser claramente separadas do perdão de Deus e do pecado em si, pois o pagamento das primeiras não pode contribuir para o segundo. Esta distinção já existia, mas Lutero a radicalizara. O segundo elemento é que as penas temporárias são benéficas e, em decorrência do perdão de Deus – e somente nesta ordem, cronológica e teológica – deveriam ser executadas para o melhoramento do cristão, e justamente não abonadas por meio de indulgências. No entanto, tanto Deus quanto a igreja com as penas por ela impostas (e somente estas ela pode também aliviar) não “impõem mais do que lhe [sc. a pessoa cristã] é possível carregar” (OSel 1,33).
Houve outros elementos como a questão se, e em que medida, o papa poderia dispensar de penas não impostos por ele próprio ou pelos cânones (tese 5, OSel 1,23), pois seria infringir a discrição única de Deus sobre o perdão. Outrossim, penas são (e podem ser) impostas apenas aos vivos (tese 8, OSel 1,23) e ninguém pode transformar penas temporais em penas no purgatório (tese 10, OSel 1,23), sendo que os mortos já não estão sujeitos às leis canônicas (tese 13). Esta última constatação não é consenso, uma vez que se a teologia católica entende que há uma forte conexão entre a communio sanctorum que transcende a fronteira da morte, criando uma ampla comunidade de solidariedade, o que, como tal, não é alheio à tradição protestante (Wenz, 1999). No entanto, na visão católica vale também em relação ao processo de purificação no purgatório que se segue caso a pessoa não tenha podido pagar suas penas temporais antes da morte. O purgatório, para Lutero, no momento de suas teses, ainda fora um pressuposto aceito, e ele pôde afirmar que “mihi certissimum est, purgatorium esse” (WA 1,555, 36, apud Wenz, 2016, p. 19: “É me certíssimo que existe um purgatório”, OSel 1,96), como afirmou ao explicar as 95 teses em suas Resolutiones disputationum de indulgentiarum virtute, de 1518 (OSel 1,55-190). Nunca aceitou como dogma, diante da falta de base bíblica – a qual sustentou amplamente em seu escrito sobre a “Refutação do purgatório” (Widerruf vom Fegefeuer, 1530, WA 30/2, 357-390), mas como opinião teológica possível, ainda que com restrições a determinados aspectos, especialmente à comercialização de indulgências (Sander, 2021). Em jogo está, para Lutero e a tradição luterana, sempre o perigo de ofuscar a confiança absoluta na dádiva gratuita da graça em Jesus Cristo e de minar a certeza da esperança cristã.
Sendo o purgatório historicamente contestado por sua falta de fundamentação bíblica, hoje a exegese também católica entende que não há como interpretar 1Cor 3,10-15 no sentido de que, a partir dos orientais Clemente da Alexandria e Orígenes, com mediação ocidental de Ambrósio de Milão e Agostinho e com fixação doutrinária no Ocidente dos séculos 13 a 15, se chegou a entender como purgatório. O Concílio de Trento, em sua XXIVa sessão de 3-4 de dezembro de 1563) reafirmou esta doutrina, com fundamentação na tradição da igreja, sem reivindicar uma base supostamente bíblica. Numa extensa abordagem do tema, o teólogo luterano alemão Gunther Wenz (2016) insere a questão no interim entre juízo geral e individual, no qual, historicamente, se chocam a compreensão hebraica entre a ressureição do corpo no final dos tempos e a grega da imortalidade da alma. Importa distinguir, mas não separar os dois momentos. Conclui que a doutrina do purgatório não precisa separar as igrejas
desde que esteja totalmente sob a premissa da justificação realizando-se gratuitamente no juízo final (a qual a fé alcança somente por causa do Cristo e na confiança nele), para de lá ser colocada na posição que a teologia da justificação atribui, conforme o juízo, às obras
(Wenz, 2016, p. 22s.)10.
Segundo Wenz, a ideia de uma conscientização dos pecados em vida, cuja avaliação, afinal, fica resguardada na ideia do juízo final – lembremos também a frequente recordação de Mt 25 instigando obras da caridade para com os que mais sofrem, os “pequeninos” irmãos de Jesus –, pode ser associado a um processo de purificação mesmo após a morte e antes do Grande Juízo.
O que está em jogo sempre para Lutero e para a tradição luterana é que o olhar tem que ser virado para Deus, para enxergar as dádivas de Deus e fomentar a gratidão por elas que se desdobra em boas obras. Na verdade, não são as obras em si que as fazem boas, mas sua qualificação pela fé. Uma obra boa é a obra na perspectiva da fé, a partir da grande boa obra que é a doação de Jesus Cristo para os seus na morte. Lutero bem enxergou que, nesta caminhada, o pecado sempre acompanha a pessoa, inclusive a pessoa batizada e crente, que se percebe simul iustus et peccator, ao mesmo tempo justa e pecadora, numa percepção da realidade do pecado (in re) e da perspectiva da justiça na esperança (in spe)11. O bem e o mal estão imiscuídos na realidade vivida, e só a vinda de Jesus no final dos tempos vai dar um fim a esta situação tensa e ambígua. A única segurança que se pode ter nesta caminhada é que Jesus salvou a todas e todos por meio da cruz e da ressurreição. Isto não pode ser desfeito e, portanto, pode sustentar a fé como confiança. A “segurança da salvação”, propagada por Lutero, não é nenhum tipo de arrogância, muito menos de complacência e inatividade. Ela é a base, a partir da ação exclusive a gratuita de Deus em Cristo, que liberta a pessoa crente para sua vida de fé e sua atuação no mundo e a sustenta. Portanto, a vida inteira deve ser penitência pela consciência do falhar e a necessidade da confissão constante diante de Deus, do recebimento do perdão e do poder continuar a caminhada.
Concluindo: uma conversação ecumênica
Tanto teólogas e teólogos quanto o magistério católico estão conscientes do assunto polêmico que são as indulgências, mesmo com as redefinições ocorridas. Por isso, o ecumenismo está presente em vários documentos. Conforme IM, n. 6, em 2015, a abertura da porta santa da Basílica de S. Paulo fora dos muros ficara para o dia 18 de janeiro, “início da Semana de oração pela unidade dos cristãos, para sublinhar, deste modo também, o carácter ecuménico peculiar que possui este Jubileu”. Há, reconhecendo o direito de muito da crítica de Lutero, um sensível incômodo com uma noção quase que mágica das indulgências, como demonstrei acima, e investimento numa nova compreensão católica desde antes do II Concílio Vaticano. A comercialização de indulgências ficou escancarada como abuso já no próprio século XVI e foi proibida pelo Concílio de Trento. O interesse pelas indulgências parece ser baixo, certamente na Europa, talvez também no Brasil e alhures – faltam dados empíricos para poder corroborar isto. Na hierarquia de verdades, a doutrina das indulgências não está alta nas prioridades, e não se trata de um dogma. Em tese, poderia ser abandonada (confira o pleito de Brandt, 2008).
No entanto, mesmo com todas estas qualificações, o assunto permanece presente e polêmico. O jubileu, por mais que tenha outros elementos interessantes e importantes, como o perdão de dívidas, o fomento à justiça e a transformação social, não consegue desvencilhar-se deste “peso no pé” que são as indulgências. Portanto, a cada vez que o papa proclama um ano jubileu, ordinário ou extra-ordinário, ele põe a mão na ferida quer originou o protesto da Reforma. Diferente de 2000, que era uma outra conjuntura eclesiástica e ecumênica, hoje o assunto não está tão quente como fora à época. Mesmo assim, por assim dizer, o elefante está dentro do cômodo. O que fazer com ele?
Enquanto não vejo como sustentar o apagar de penas a partir de ações muito específicas, como descritas acima, vejo sim potencial ecumênico na insistência no acompanhamento da comunidade eclesiástica do sofrimento das pessoas a partir do pecado, de suas feridas, e de tornar a graça que vem de Deus mais concreta em seu efeito. Assim, é oportuno que o papa Francisco entenda ser o jubileu uma oportunidade para um “encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus, ‘porta’ de salvação (cf. Jo 10,7.9)” (SNC, n. 1). Além da citação bíblica que usa a metáfora da “porta” para falar de Jesus, isto tem ressonância com o enunciado de Lutero sobre sua própria descoberta da salvação, como a descreve na introdução à publicação da Bíblia (1545), ao reconhecer a justiça que vem de Deus através da fé:
Comecei a entender que o sentido é o seguinte: Através do evangelho é revelada a justiça de Deus, isto é, a passiva, através da qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “O justo vive por fé.” [Rm 1,17] Então me senti como que renascido, e entrei pelos portões abertos do próprio paraíso. Aí toda a Escritura me mostrou uma face completamente diferente
(EC, n. 30).
Mesmo que Lutero, a pessoa mais bem documentada da Idade Média e, portanto, um fenômeno midiático dos “nativos da impressão” (printing natives, Kaufmann, 2024), possa emergir, na percepção comum, como figura heroica (ou demoníaca, a depender da interpretação) individual, tanto a postura dele quanto o movimento da Reforma dependeram de muitas pessoas e muitos fatores conjunturais. Seu confessor na Ordem dos Agostinianos Observantes, Johann von Staupitz (1465-1524), foi muito importante para Lutero, não por último em sua compreensão da penitência. Assim o foi, por meio da literatura, o místico Johann Tauler. Pode-se fazer a leitura de que a teologia de Lutero foi terapêutica – tanto para ele próprio, como descrito especialmente em EC, quanto para todas as pessoas crentes.
Do ponto de vista luterano, a ideia e prática de indulgências, mesmo no formato contemporâneo, continua teologicamente inaceitável, pois cria uma restrição à completude da salvação em Jesus Cristo e à graça que nunca pode ser merecida, ou seja, consequência de ação humana. É louvável, isto sim, a preocupação com o efeito da graça e as consequências no agir humano – neste sentido não há diferença teológica. Porém, no momento em que há alguma ideia da contribuição do ser humano para com a sua salvação, especialmente por meio de uma ação externa, quase que automática – como o passar por uma porta física – a prerrogativa de Deus parece prejudicada.
É verdade que, mesmo após a absolvição sacramental, permanecem maus hábitos e é preciso trabalhar no melhoramento. Esta ideia também se encontra em Lutero (Wachholz, 2017), e mais ainda nos conceitos de santificação de Calvino e Wesley. A vida é, de fato, uma peregrinação existencial e espiritual que precisa ser nutrida, e uma das tarefas da comunhão eclesial é justamente o ajudar-se mutuamente no crescimento espiritual. Contudo, isto não pode ser resolvido num ato legal ou técnico, como o passar por uma porta em meio a uma peregrinação a Roma, por mais que tal experiência poderá trazer benefícios para a vida espiritual de uma pessoa.
Minha conclusão é, portanto, que há elementos ricos em olhar para o pecado, e mais especificamente em pecados de ações (ou omissões) individuais, como deixando feridas, tanto na pessoa, no coletivo, ou no meio ambiente que sofreu a ação (ou omissão), quanto na pessoa ou no coletivo que a originou. Há necessidade de confissão de pecados – seja ela pública, litúrgica ou individual, sacramental – e de reparação, dentro do possível. As comissões de verdade que seguiram o exemplo sul-africano da Comissão de Verdade e Reconciliação (Truth and Reconciliation Commission) da África do Sul tentaram propiciar tais processos de confissão pública, perdão, reparação e reconciliação. No Brasil, tardiamente houve uma Comissão de Verdade que tinha que restringir-se a trazer fatos à tona, não podendo impor penas nem anistiar, pois a anistia geral fora precondição da transição democrática. Há uma política tímida de reparação. O sucesso do filme Ainda estou aqui (2024), de Walter Salles, com atuação brilhante de Fernanda Torres, Selton Mello e outros(as), mostra que a ferida ainda está aberta e precisa de ser lembrada, pois o esquecimento não cria nem penitência, nem perdão. Se o jubileu promover tais processos, pode ser benéfico para católicos, luteranos e a sociedade como um todo.
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1
Conferir, por exemplo, o subtítulo da palestra do teólogo Prüller-Jagenteufel, 2016: “Por que evangélicos têm receio e católicos sentem incômodo” (Tradução própria, no original: “Warum Evangelische Bedenken haben und Katholiken unwohl ist”).
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2
Já na discussão sobre a doutrina das indulgências no Concílio Vaticano II, que resultou na constituição apostólica promulgada pelo papo Paulo VI em 1967, Indulgentiarum doctrina, o cardeal alemão Julius Döpfner teve protagonismo, e o austríaco Franz König sugeriu incluir numa comissão a ser formada para este documento membros não católicos por causa da dimensão ecumênica, para conhecerem a doutrina católica autêntica. No entanto, ID seguiu praticamente o documento apresentado originalmente no Concílio; Sattler, 2000, p. 22s.
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3
Conferir, por exemplo, a abertura do Ano Santo em Curitiba, 29 de dezembro de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/live/Js3fc3K7C1Q. Acesso em: 3 jan. 2025. Entre outros, o arcebispo metropolitano, D. José Antônio Peruzzo, afirmou: “As indulgências o que são? São a linguagem da Igreja para que os arrependidos se sintam renovados. Por isso estão ligados ao sacramento da reconciliação. As indulgências proporcionam um sentido. [...] As indulgências são sinais de esperança em vista da eternidade, uma vez que Deus não quer que nenhum dos seus se perca. Não é, portanto, simplesmente cumprir regras religiosas para alcançarmos méritos, mas é para deixarmo-nos alcançar pela misericórdia do pai que quer nos abraçar como filhos”.
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4
Assim, Rahner ressalta que a compreensão dele apresentada já em 2005a sobre o “tesouro da igreja” corresponde ao que define ID, n. 5: “que não é uma soma de bens comparáveis às riquezas materiais acumuladas no decorrer dos séculos, mas é o valor infinito e inesgotável que têm junto a Deus as expiações e os méritos de Cristo Senhor, oferecidos para que a humanidade toda seja libertada do pecado e chegue à comunhão com o Pai; não é outra coisa do que o Cristo Redentor, em quem estão e persistem as satisfações e os méritos de sua redenção”, com referência a Hb 7,23-25; 9,11-28. Contudo, logo em seguida, o texto papal “adiciona” a esse tesouro “incomensurável” “as preces e as boas obras da Bem-aventurada Virgem Maria e de todos os Santos [...] de sorte que, operando a própria salvação, também contribuíssem para a salvação de seus irmãos na unidade do Corpo Místico” (ID, n. 5). Na minha leitura, esta adição tende a, contraditoriamente, quantificar o tesouro da igreja e ofuscar a unicidade da obra de Cristo.
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5
“§ 1. Será concedida indulgência plenária aos fiéis [católicos] que participem em qualquer função na semana pela unidade dos cristãos e esteja presente na sua conclusão. § 2. Será concedida indulgência parcial aos fiéis que recitem, com devoção, uma oração pela unidade dos cristãos legitimamente aprovada (p.ex. Deus onipotente e misericordioso [oração que se segue no texto]” (EI n, 11), tradução própria. No original: “§ 1. Plenaria indulgentia conceditur christifideli qui aliquot functionibus in hebdomada pro christianorum unitate participaverit et eiusdem hebdomadae conclusioni interfuerit. § 2. Partialis indulgentia conceditur christifideli qui orationem legitime adprobatam pro christianorum unitate devote recitaverit (e.g. Omnipotens et misericors Deus)”. Conferir Sattler, 2000, p. 35.
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6
No original: “Die Sündenstrafen [...] machen sensibel für die selbstverschuldete Beeinträchtigung des Miteinanders und wecken die Bereitschaft zum Neubeginn; sie bewirken wahre Reue.“
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7
Nesta linha, Sattler, 2000, p. 37, também cita Ratzinger, 1997, 95: “Pode um papa dispensar de um processo existencial? Evidentemente que não. O que é uma exigência interna da existência humana não pode ser feito supérfluo por meio de um ato jurídico.” Tradução própria. No original: “Kann ein Papst von einem existentiellen Prozeß dispensieren? Natürlich nicht. Was eine innere Forderung menschlicher Existenz ist, das kann nicht durch einen Rechtsakt überflüssig gemacht werden.“
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8
Sattler, 2000, p. 38. Tradução própria. No original: “Bei einer Erneuerung der öffentlichen Feier der Rekonziliation wäre neu nachzudenken über die angemessene Gestaltung der Bußauflage, deren Sinn es ist, der existentiellen Umkehrbereitschaft öffentlichen Ausdruck zu geben, um das beschädigte öffentliche Ansehen der gesamten christlichen Gemeinschaft heilen zu helfen und ihr damit Glaubwürdigkeit zurückzugewinnen.“
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9
Leppin (2017) explica extensamente a diferença entre duas tendências existentes quanto à postura do crente arrependido, o contricionismo [contritio] a o atricionismo [attritio] que ele traduz numa postura sacramental-subjetiva e sacramental-objetiva, respectivamente. A primeira resultava numa excessiva auto-investigação introspectiva para verificar se se estava disposto o suficiente. Pedro Lombardo (Sent IV d. 17, c. 1), ao tratar da pergunta se o pecado pode ser perdoado mesmo sem confissão oral ao sacerdote, ele responde afirmativamente, como “confissão do coração” da pessoa a partir de sua contrição (apud Leppin, 2017, p. 526). Já a parte mais objetiva foi constatada no IV Concílio Laterano (1215), que tornou a confissão oral uma obrigação, e por Tomás de Aquino (ST III q. 84 a. 3), para quem a palavra da absolvição do sacerdote era o centro do processo penitencial. Duns Scotus e Guilherme de Ockham, sem dispensar a centralidade da absolvição, colocaram a ênfase na disposição da pessoa penitente, sendo que a attritio se torna contritio por meio da graça. Gabriel Biel combinou a penitência como ato ou hábito do penitente e como ato do sacerdote que absolve, sendo que a contritio seria a colaboração da disposição e da graça, num tipo de sinergismo. Assim, o efeito da graça depende de pressupostos humanos, do facere quod in se est (“fazer o que está em si próprio”). Em suas Dictata em Psalterium (1513-1515), a posição de Lutero reflete Biel, confiando nas forças humanas e interpretando, de forma negativa, o conceito de contritio. Sob influência de Tauler e do seu confessor Staupitz, no entanto, Lutero teria saído de uma compreensão mais negativa da penitência para uma positiva, denominando a penitência até de “doce”, em linguagem tipicamente mística. Tauler já insistira na continuidade da penitência para a vida toda, e a partir dele Lutero assume uma posição subjetiva-não sacramental, dando toda ênfase à contritio. Segundo Leppin, a emergente posição de Lutero que se desenvolveu também na discussão com a compreensão de João Eck (refletida no Tractatus de indulgentiis de Lutero, WA.Br 12, 5-10, originalmente identificado como prédica de 1516, mas reclassificada como sendo contemporâneo das 95 teses do ano seguinte), é uma confluência de Tauler, do apóstolo Paulo e de Agostinho de Hipona que resulta numa posição da total passividade do ser humano quanto à sua salvação.
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Tradução própria. No original: “wenn sie ganz unter das Vorzeichen der gratis erfolgenden Rechtfertigung im Endgericht tritt (die der Glaube allein um Christi willen und nur im Vertrauen auf ihn erlangt), um von dort aus in die Stellung eingerückt zu werden, welche die Rechtfertigungstheologie dem Gericht nach den Werken zuweist“.
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“[sc. este homem a quem Cristo ergueu] é simultaneamente pecador e justo; na verdade [in re] pecador, mas justo a partir da consideração e da promessa certa de Deus de que ele o libertará do pecado até tê-lo curado por completo. E assim ele está perfeitamente são na esperança [in spe]” afirmou Lutero em seu comentário sobre Epístola aos Romanos (1515/16; OSel 8,276).
Referências
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Editado por
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Editores
Franklin Alves Pereira e Márcia Eloi Rodrigues
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
10 Fev 2025 -
Aceito
16 Jun 2025
