Open-access “Nasceu para vocês um salvador!” (Lc 2,11): Jesus, peregrino de esperança, na catequese de Lucas

“A Savior is Born for you” (Lk 2:11): Jesus, Pilgrim of Hope, in Luke’s Catechesis

RESUMO

O Jubileu, promulgado pelo Papa Francisco, para 2025, com a Bula Spes non confundit (Rm 5,5), aponta para o tema da esperança. Será preciso pensá-la como estilo de vida de cristãos e cristãs, comprometidos em criar o mundo querido por Deus, nos passos de Jesus. A catequese lucana contém uma rica apresentação de Jesus, enquanto peregrino de esperança, do começo ao final de sua caminhada. Esse texto explicita esse dado da cristologia lucana, visando contribuir para a compreensão do Jubileu e sua incidência no compromisso batismal dos seguidores. Parte-se do vocabulário lucano da esperança relacionando-a com a palavra salvação. Seguem-se a apresentação do compromisso de Jesus de recuperar a esperança para os desesperançados e da efetivação desse programa missionário. Ele-se viu às voltas com a ação dos inimigos, empenhados em frustrar seus objetivos. Entretanto, nada foi capaz de detê-lo, enquanto construtor de esperança, mesmo pregado na cruz. E, mais, os apóstolos receberam a tarefa de levar adiante sua missão.

PALAVRAS-CHAVE
Jesus de Nazaré; Evangelho de Lucas; Esperança; Salvação; Pobres

ABSTRACT

The Jubilee promulgated by Pope Francis for 2025, with the bull Spes non confundit (Rom 5:5), points to the theme of hope. It is necessary to think of it as a lifestyle of the Christians, committed to creating the world desired by God, in the footsteps of Jesus. The Lukan catechesis contains an enriching presentation of Jesus, as a pilgrim of hope, from beginning until the end of his journey. The present text explains this aspect of Lukan Christology, aiming to contribute to the understanding of the Jubilee and its impact on the baptismal commitment of the followers. It begins with the Lukan vocabulary of hope, relating it to the word salvation. Then comes the presentation of Jesus’ commitment to restore hope to those who are hopeless and to the implementation of this missionary program. Often he found himself faced with his enemies whose actions determined to frustrate his objectives. However, even being nailed to the cross, nothing was able to stop him from being an architect of hope. Furthermore, the apostles were given the task of carrying forward their mission.

KEYWORDS
Jesus of Nazareth; Gospel of Luke; Hope; Salvation; Poor

Introdução

A Bula Papal – “Spes non confundit – a esperança não engana” (Rm 5,5) –, que proclama o Jubileu Ordinário do ano 2025, relança o tema da esperança, que perpassa toda a Bíblia, da primeira à última página. Pode-se dizer que a imagem de Deus da tradição judaico-cristã apresenta-o como o Deus da esperança. Equivoca-se quem pensa a esperança como alienação dos problemas do quotidiano, dos dramas pessoais, das tragédias da humanidade, dos becos sem saída em que os seres humanos se encontram. Enraizada na história, impele a mirar para além do que parece ser o fim e a se convencer da possibilidade de novos começos. Ou seja, a se persuadir da não existência de um fim absoluto, limite último de todas as expectativas e sonhos. Todos os “fim” são provisórios para quem cultiva a virtude da esperança e se deixa guiar por ela. Mesmo o limite da morte, para quem crê, apresenta-se como etapa de uma caminhada rumo à eternidade, ao encontro com a infinita misericórdia divina.

Enquanto o desespero é criação humana, a esperança, em última instância, reporta-se a Deus. Enquanto o ser humano, com sua maldade e seu egoísmo, insiste em gerar situações limites, que parecem ser o extremo do horizonte, Deus implode os horizontes curtos e confronta o ser humano com perspectivas insuspeitáveis, cabendo-lhe se lançar na aventura de acreditar ser possível recomeçar. Enquanto a humanidade opta por caminhos impérvios, que conduzem às guerras, às inimizades, à frustração dos grandes ideais de justiça e de paz, enfim, à destruição, a esperança plantada por Deus em cada coração humano aponta veredas alternativas pelas quais se pode chegar ao perdão, à reconciliação, à fraternidade, ao cuidado com os fragilizados, cujo resultado será o surgimento do mundo almejado pelos homens e mulheres de boa-vontade. O shalom tão presente na pregação dos profetas bíblicos!

O versículo paulino – “a esperança não decepciona! (Rm 5,5) –, escolhido para motivar o Jubileu, indica dupla direção. No tocante ao Deus da fé, cabe-nos acreditar sermos criados e guiados por quem nos fez à sua “imagem e semelhança” (Gn 1,26-27), anseia vê-la brilhar em cada ser humano e tudo faz para que seu desejo se torne realidade. Da parte de Deus, a esperança nunca decepciona! No tocante ao ser humano, cabe-lhe abraçar firmemente o projeto do Criador, em favor de sua criatura predileta – “e viu que era muito bom!” (Gn 1,31) –, e se pautar por ele. Apesar dos muitos percalços, até derrotas, haverá de constatar não ter sido enganado. Não é de Deus enganar seus filhos e filhas amados!

O Papa Francisco elencou uma série de condições humanas para as quais se devem voltar as atenções das pessoas de fé: presos, doentes, jovens, migrantes, exilados, deslocados, refugiados, idosos e pobres (FRANCISCO, 2024, n. 10-15). A lista pode ser acrescida, em face dos inumeráveis dramas nos quais a humanidade está mergulhada, inclusive os de caráter socioambiental, sempre carente de quem lhes mantenha viva a chama da esperança. Se o Deus da fé tem o rosto do Deus da esperança, afirmação semelhante pode ser feita de quem se deixa guiar por Ele. Serão homens e mulheres da esperança, porquanto o desespero corresponde à negação da fé e da caridade.

O Jubileu exige voltarmos às fontes de nosso compromisso batismal, nos colocarmos nos passos de Jesus de Nazaré e reconhecê-lo como peregrino de esperança, em absoluta sintonia com o Deus da fé de seu povo. A cristologia neotestamentária é toda perpassada pelo testemunho de Jesus de Nazaré e das comunidades cristãs primitivas, às voltas com o desafio de construir esperança, em meio a perseguições, calúnias, mentiras, injúrias, chegando ao cúmulo do martírio. Nada disso foi capaz de privá-los da alegria e da esperança; antes, tornou-os impávidos e dispostos a seguir o caminho aberto por Jesus de Nazaré.

Um traço da cristologia do evangelista Lucas consiste, exatamente, em apresentar Jesus focado no projeto de Deus, que o levava a ser peregrino de esperança, com a missão de recuperar a esperança no coração das vítimas de uma sociedade de exclusão e marginalização sociorreligiosa, servindo-se de uma teologia afinada com aquela dos profetas e dos sábios de Israel. Com o intuito de evidenciar esse dado da catequese evangélica, este estudo aclara o vocabulário lucano da esperança, coligando-o com o tema da salvação, entendendo que a superação do desespero acontece com o advento da salvação (item 1). Jesus de Nazaré, no início de seu ministério, declarou, de maneira inequívoca, a decisão de recuperar a esperança na vida dos deserdados, tornando patente seu projeto missionário, inspirado na tradição profética de seu povo (item 2). Ao longo de sua peregrinação, se caracterizou como recuperador de esperança, ao dar uma guinada na vida dos oprimidos pelas doenças e pelos preconceitos da sociedade e da religião (item 3). Sem embargo, foi perseguido, ferrenhamente, pelos que insistiam em dar um basta em sua ação salvadora e impedi-lo de fazer a esperança renascer para os mergulhados no desespero (item 4). A maldade dos inimigos frustrou-se, mesmo tendo sido Jesus condenado a morrer na cruz: a decisão de construir esperança foi levada até o extremo, de modo que, o que parecia ter sido o fim, a crucifixão, tornou-se ponto de partida de um movimento que, após milênios, apesar dos pesares, continua a dar frutos, em favor dos deserdados deste mundo (item 5).

1 O vocabulário lucano da esperança e da salvação

O substantivo grego elpís (esperança) não se encontra na catequese lucana. A forma verbal elpízo (esperar), por sua vez, é usada três vezes. Lc 6,34 refere-se aos que emprestam, esperando receber de volta;1 em 23,8, Herodes esperava ver algum milagre feito por Jesus. A semântica de ambas faz alusão a experiências do dia a dia. Quanto a 24,21, corresponde a um fragmento do diálogo do Ressuscitado com os discípulos de Emaús, onde revelam suas expectativas em relação a Jesus: “nós esperávamos (elpizómen) que fosse ele quem redimiria Israel”.

O terceiro uso corresponde ao sentido que nos interessa, ao focar a esperança em sua vertente histórica, no que toca o drama da humanidade em busca de salvação. Quiçá se possa classificar de ingênua as expectativas dos primeiros discípulos e das comunidades cristãs primitivas. Entretanto, tinham diante de si uma realidade desconformada com o querer de Deus a exigir mudanças radicais. Pensavam que Jesus abraçaria o compromisso de cortar o mal pela raiz, com a expulsão dos dominadores romanos e o estabelecimento do Reinado de Deus, o banimento dos opressores e dos promotores de injustiça e a implantação do ansiado shalom, quando os empobrecidos e marginalizados teriam sua dignidade reconhecida.

O caminho escolhido por Jesus para estabelecer o Reino de Deus tomou outro rumo. Sua ação “subversiva” começou pelas bases da pirâmide social, entre os pequenos e os pobres, restituindo-lhes a alegria e a esperança de viver (STEPHEN, 2023, p. 214-215). Quando os inimigos o acusam diante de Pilatos, insistem em argumentar: “ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui” (23,5). “O narrador vai mostrando continuamente ao leitor [e à leitora] quão diferente é a realidade do seu protagonista”(MENDONÇA, 2018, p. 174). Em momento algum, Jesus optou pela força das armas, muito menos lhe interessava ter ao seu redor pessoas violentas e vingativas, no estilo dos zelotes, dispostos a desforrarem dos romanos toda a crueldade praticada contra os judeus (6,27-35). Pelo contrário, enveredou-se pelos caminhos da misericórdia e da compaixão pelos deserdados de seu tempo, de quem se fez solidário, posto que “a misericórdia é o princípio fundamental da atuação de Deus e o que configura toda a vida, a missão e o destino de Jesus” (PAGOLA, 2012, p. 183).

Assim, a única ocorrência do verbo esperar, visando uma transformação sociopolítica, não corresponde ao pensamento de Jesus, na catequese lucana. Aliás, ele mesmo cuida de oferecer aos discípulos em crise pistas para a compreensão da realidade, sob um prisma novo, pelo qual a esperança nasce na contramão da maldade humana, conformada com o querer de Deus (Lc 24,25-27). A releitura de “todas as Escrituras” que lhe diziam respeito, incluindo “Moisés e todos os profetas”, possibilita aos discípulos entenderem a pedagogia divina da esperança que realiza grandes coisas, não pelo poder das armas; ao revés, pela ação discreta de quem se coloca inteiramente à disposição de Deus para ser agente de sua ação na história, capaz de recobrar, na vida das pessoas, a alegria de viver, a começar por Jesus de Nazaré.

Conquanto o vocábulo elpís esteja ausente do evangelho lucano, uma palavra carregada de esperança pode substitui-lo: salvação (FABRIS, 2006, p. 204-212). Nele se encontram os substantivos sotér (salvador – 2 vezes), sotería (salvação – 4 vezes), sotérios2 (salvação – 2 vezes).3 A esperança assume o rosto da salvação, na pessoa e na atuação de Jesus.

Para Lucas, a salvação não é uma noção abstrata [...]; é uma realidade concreta. A salvação é a vida de Deus doada aos seres humanos, sua compaixão oferecida aos pobres, a cura levada aos doentes e o perdão concedido aos pecadores. Tudo isso acontece através do nascimento e da vida de Jesus, para atingir o auge em sua morte e sua ressureição, lugar de nossa plena libertação

(DEVILLERS, 2016, p. 53).

Em seus dois usos, o termo sotér (salvador) aplica-se a Deus e a Jesus. No Magnificat (1,46-55), Maria proclama: “o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador (sotérí mou)” (1,47). O tema da esperança, conectado com a ação salvífica divina, se faz presente de maneira bem peculiar, se se pensa a ação salvífico-libertadora de Deus, fiel à promessa irrevogável feita aos patriarcas, ao longo da história de Israel. Maria descortina um horizonte de esperança, ao recordar que Deus leva adiante sua promessa, beneficiando todo o gênero humano, já que sua misericórdia “perdura de geração em geração para aqueles que o temem” (1,50). Portanto, a esperança torna-se um tópico importante para se compreender as palavras de Maria, no encontro com a prima Isabel, com um pormenor: centram-se na esperança dos pobres, por quem Deus dá mostras de interesse particular. Os soberbos são dispersados; os poderosos, derrubados de seus tronos e os ricos, despedidos de mãos vazias; enquanto isso, os humildes são exaltados e os famintos, cumulados de bens (1,50-53).

Sotér aparecerá, de novo, na fala do Anjo, que anuncia aos pastores o nascimento do menino Jesus: “foi gerado para vós, hoje, um Salvador (sotér), que é Cristo Senhor”. (2,11).

Para Lucas, é um dos títulos mais característicos de sua concepção jesuânica e o que aparece com frequência no Evangelho da infância (Lc 1,47), apresentando Jesus como agente e sujeito de sotería. [...] Estes elementos podiam ser desafiadores em uma sociedade que tinha as euangélia imperiais como as notícias determinantes da oikouméne

(ACOSTA BONILLA, 2010, p. 290-291).

A notícia do Anjo descortina para um grupo de excluídos um novo horizonte carregado de esperança, motivo de grande alegria (2,10). A multidão de anjos põe-se a glorificar a Deus pela presença do Salvador divino na história: “glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos seres humanos que ele ama!” (2,14). A esperança divina da salvação, com seu rosto de shalom (paz), assume contornos novos, com o recém-nascido de Belém, filho de Maria e José, pobre entre os pobres, cuja missão consiste em dizer aos descartados da sociedade que Deus os ama, se coloca em seu favor e lhes permite sonhar com um mundo diferente. De fato, “considerando a situação de miséria em que se encontram, [Deus] se comove e põe remédio, fazendo com que eles sejam os primeiros destinatários de seu projeto salvífico” (CASALEGNO, 2003, p. 299).

O anúncio – “foi gerado para vós, hoje, um Salvador, que é o Cristo Senhor” – tem algo de revolucionário, pois, sotér era uma designação atribuída a reis e imperadores (SCHREIBER, 2018, p. 83.92). Aplicado a Jesus, “o título se relacionava, em geral, com o conceito romano de salus, como sinal da ansiada ‘idade de ouro’, inaugurada por Augusto” (ACOSTA BONILLA, 2010, p. 291); e, sutilmente, o opõe ao imperador, “o único a merecer, plenamente, tais apelativos” (ALETTI, 2022, p. 71).

Não é por acaso que a narração lucana do nascimento de Jesus apresenta um desafio implícito [à] propaganda imperial, não negando os ideais imperiais, mas proclamando que a verdadeira paz do mundo foi trazida por Jesus [...] no formato de uma proclamação imperial, como parte da singela contrapropaganda lucana de que Jesus, não Augusto, era o Salvador e fonte de paz que, ao nascer, marcou um novo início do tempo (isto é, o “neste dia” escatológico)

(BROWN, 2005, p. 497.507-508).

No caso de Jesus, Deus depositava sua confiança em um pobrezinho indefeso e lhe confiava a tarefa criar uma nova sociedade, em que fosse banida toda sorte de injustiça e de opressão dos grandes sobre os pequenos, dos soberbos sobre os humildes e desvalidos. Os leitores e as leitoras da catequese lucana devem estar atentos em relação ao Império Romano, com seus tentáculos se impondo inclementes sobre os povos vassalos, reduzidos à escravidão e à exploração. A salvação oferecida por Deus, por intermédio do sotér, Jesus, despontava como farol, a começar pelos pastores dos campos de Belém, os primeiros convidados a acolher a esperança, que se tornaria realidade pela atuação salutar do sotér, em suas vidas.

O exército celeste (stratiá) que apareceu aos pastores, após o nascimento do Salvador, Messias e Senhor (2,11) para louvar a Deus (2,13), recorda a praxe romana dos triunfos, nos quais o exército reunido cantava vitória e prestava honras ao triumphator, de madrugada, exatamente, no começo do desfile da vitória

(SCHREIBER, 2018, p. 83).

Sotería (salvação) tem quatro presenças na catequese lucana. As três primeiras são atribuídas a Zacarias, na perícope conhecida como Benedictus, após ter dado ao filho recém-nascido o nome João (1,67-79). No presente, Deus suscitara “uma força [literalmente, chifre – kéras] de salvação (sotería)”, cumprindo a promessa feita desde tempos antigos (1,69). A salvação se configura como esperança de libertação das mãos dos inimigos e dos cultivadores de ódio contra o povo de Deus (1,71). E acontece na vida dos perseguidos e dos marginalizados, enfim, dos pobres e indefesos, em favor de quem, Deus age na história, reavivando em seus corações a chama da esperança (SCHREIBER, 2018, p. 81).

O terceiro emprego de sotería encontra-se na expressão “conhecimento da salvação” (gnósis soterías), ligada à missão confiada a João, de “ir à frente do Senhor para [...] transmitir ao seu povo o conhecimento da salvação” (1,77). Corresponde ao encargo de “preparar os caminhos para o Senhor” (1,76), ou seja, o Salvador que estava para nascer, Jesus, o filho de Maria e José. Uma vez mais, as vítimas da inimizade e do ódio serão os primeiros favorecidos com a salvação. Quem vivia no desespero tem motivos de reaver a esperança, já que Deus “visitou e redimiu o seu povo” (1,68), salvando-o de seus opressores, pela intermediação do sotér Jesus.

O quarto uso da palavra sotería acontece no encontro de Jesus com Zaqueu. Quando o homem rico se declara disposto a renunciar a seus bens, em favor dos pobres e de uma vida eticamente orientada, Jesus reconhece: “hoje a sotería aconteceu nesta casa” (19,9). A vida de Zaqueu passou por uma transformação, abrindo-se para a esperança de uma existência renovada, não mais confiada no acúmulo de bens, e, sim, voltada para a compaixão misericordiosa no trato com os pobres e o respeito com os semelhantes, que não seriam mais enganados e extorquidos por ele. Despontou para ele a esperança de ser uma nova pessoa, pela presença do sotér Jesus em seu mais íntimo, a verdadeira casa onde queria se hospedar, para salvá-lo.

Sotérios se encontra duas vezes na catequese lucana. A primeira está no louvor de Simeão, conhecido como Nunc dimittis (2,25-32), em que o homem “justo e piedoso” (2,25) reconhece: “meus olhos viram a tua salvação (soteríon)” (2,30). Referia-se ao menino Jesus que tomara nos braços, enquanto bendizia a Deus (2,29-32). Sotérios pode ser entendido como “portador de salvação”; “presença salvífica”. Simeão vê acontecer a tão esperada sotería, na pessoa do sotérios que tem nos braços. Por outro lado, desabrocha para a humanidade a esperança de poder caminhar iluminada pela luz do sotérios Jesus (2,32).

A segunda vez verifica-se na expressão “salvação de Deus” (sotérion tou theoú), uma citação do profeta Isaías: “toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3,6; Is 40,5). O evangelista serve-se de Is 40,3-5 como chave para explicar a ação de João (Batista), aquele que “prepara os caminhos” do sotérios Jesus, a fim de que toda a humanidade se beneficie da ação salvadora de Deus. A esperança se renova pela intervenção divina na história, intermediada por quem atua como sotérios da parte de Deus. As palavras do anjo, em 2,11, referindo-se ao recém-nascido, estará em processo de realização, com o início da missão de Jesus.

Enquanto os substantivos, ligados à salvação, são escassos na catequese lucana, o verbo salvar (sózein) ocorre dezessete vezes.4 Tem a conotação de curar, em sete ocasiões (6,9; 7,50; 8,36.48.50; 17,19; 18,42). Quatro vezes, está na boca dos carrascos do Crucificado, e na dos crucificados com ele, que o desafiam a “salvar-se a si mesmo... e a nós”, na condição de “Messias de Deus, o Eleito” (23,35[2x].37.39). Cinco vezes se refere à salvação eterna (8,12; 9,24[2x]; 13,23; 18,26). Uma vez tem o sentido de reconduzir o ser humano para Deus (19,10).

A salvação, na catequese de Lucas, tem abrangência universal, mesmo que os empobrecidos e os marginalizados sejam seus principais beneficiários (ARRUDA JUNIOR, 2024, p. 108-132; DEVILLERS, 2016, p. 70). Ao lhes resgatar a dignidade e reintegrá-los na sociedade e na religião, Jesus lhes permite cultivar a esperança de serem tratados com misericórdia e compaixão, como irmãos e irmãs. Consciente de ter diante dos olhos todos os seres humanos, sem exceção, Jesus recusa-se a se fixar num lugar, pois, como disse: “devo também anunciar a outras cidades a Boa-Nova do Reino de Deus, pois é para isto que fui enviado” (4,43).

Embora o Jesus de Lucas tenha expressado uma evidente preocupação pelos pobres, os enfermos, as mulheres e os gentios, também está claro que Jesus não é retratado como despreocupado com aqueles que não se enquadram nesses grupos. Em vez disso, o universalismo é uma característica marcante da postura social de Jesus. [...] Às vezes, as curas de Jesus também beneficiavam os ricos e os poderosos

(CASSIDY, 1978, p. 24 – grifo do autor).

2 Jesus, chamado a construir esperança

Jesus pode ser cognominado “construtor de esperança”, ao longo de sua peregrinação. Essa foi a missão recebida do Pai, levada até as últimas consequências. Apesar de “Jesus não ser jamais o sujeito do verbo ‘esperar’, mas espera” (MIES, 2010, p. 1330).5 A narração de Lc 4,16-22 constitui-se, na catequese lucana, o ponto de partida de sua intensa vida missionária, marcada pela opção por um projeto de vida alicerçado no serviço generoso aos carentes de esperança. “Jesus tem claro seu projeto: semear liberdade, luz e graça. É isso que deseja introduzir naquelas aldeias da Galileia e no mundo inteiro” (PAGOLA, 2012, p.78).

A narração começa com a ambientação precisa da cena. Passa-se em dia de sábado, na sinagoga de Nazaré, cidade em que Jesus foi criado.6 Estava acostumado a frequentar esse espaço comunitário, lugar de encontro e de partilha com os irmãos e irmãs de fé. onde, em dias festivos, “após algumas invocações comuns, são lidos alguns trechos da Bíblia, dos livros históricos e proféticos, com a correspondente tradução em língua aramaica para o povo” (FABRIS, 2006, p. 59). Essa experiência, sem dúvida, marcou seu modo de pensar a fé e a ação de Deus, na vida do seu povo. Os oráculos proféticos tocavam-no de cheio. A presença costumeira naquele espaço, que lhe possibilitava estar reiteradamente em contato com a tradição profética, levou-o a descobrir sua vocação-missão de construtor de esperança. Pensemos em Is 40,1, onde o profeta escuta Deus a lhe dizer: “consolem, consolem o meu povo!” No coração daquele jovem do interior, brotou e foi crescendo a consciência de que lhe cabia semelhante missão, em particular, quando se defrontava com “os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos” (14,21), marginalizados pela religião e pela sociedade, carentes de resgatar a alegria e a razão de viver. Trilhando esse caminho, Jesus se tornou “pedagogo da inclusão” (PERONDI; CATENASSI, 2016, p. 18).

Certo dia, com a anuência do chefe da sinagoga, Jesus teve a chance de usar um direito de todo hebreu adulto de fazer a leitura de um texto da Escritura e comentá-lo (PRIOR, 1995, p. 113-115). Foi-lhe aberto o rolo, onde encontrou a passagem correspondente a Is 61,1-2. Em primeira pessoa, o profeta descreve, com pormenores, sua experiência vocacional, com a qual Jesus se identificará.

Eis o texto isaiano, referido em Lc 4,18-19:

v. 18: O Espírito do Senhor está sobre mim,
por isso ele me ungiu
para evangelizar os pobres; 7
enviou-me para libertar os cativos,
recuperar a visão dos ce gos;
enviou-me para libertar os oprimidos,
v. 19: proclamar o ano favorável de Deus.

O duplo uso do verbo enviar (apostéllo), verbo da missão, estabelece uma relação peculiar entre Deus e o profeta. Esse recebe a incumbência de mediar a ação divina na história, como se fora o próprio Deus em ação. Doravante, tudo quanto o profeta fizer sê-lo-á em estreita sintonia com quem o enviou, para não correr o risco de se tornar falso profeta (Dt 18,20). Requer-se do enviado obediência total, no querer e no agir, em vista de levar a bom termo a missão recebida. Obviamente, Deus só envia quem está em perfeita comunhão com ele. Como pressuposto do envio, está a vivência consolidada da fé, sem a qual a missão estaria comprometida em seu nascedouro. Em Lc 4,16-22, Jesus “é um profeta de estatura imponente: não apenas sabe que é enviado, a quem é enviado, que a sua missão é escatológica, mas oferece o critério que permitirá verificar a autenticidade de sua missão”, o serviço aos pobres (ALETTI, 2012, p. 79).

O profeta Isaías fez uma experiência exemplar de envio missionário (Is 6,1-13). Em face da pergunta retórica de Deus – “quem eu enviarei? Quem irá por nós?” –, se apressa em responder – “aqui estou; envia-me” (Is 6,8). De igual modo, o profeta Jeremias – “tu irás àqueles a quem eu te mandar e anunciará aquilo que eu te ordenar (Jr ,17). Assim sucede com todos os profetas de Deus, entre eles, Jesus de Nazaré.

A evocação do Espírito do Senhor (pneúma kyríou) dá impostação especial ao envio. O Espírito atua como força dinamizadora do enviado, de modo que suas palavras e ações sejam inspiradas por Deus, para além das habilidades pessoais. Sob a ação do Espírito, se mostra corajoso nas adversidades (21,12), sábio nos momentos de dificuldade (21,15) e perseverante nas fragilidades (21,19). Deixado à própria sorte, será incapaz de ir longe; impelido pelo Espírito, nada o deterá, como aconteceu com Jesus, já no início do seu ministério, quando pretenderam lançá-lo de um precipício, mas ele “passando pelo meio deles, prosseguiu seu caminho” (4,30).

De fato, nesta cena, localizada em Nazaré, Lucas está nos dando uma prévia de todo o seu evangelho, pois durante dez capítulos (9,51–19,27) ele vai nos mostrar Jesus prosseguindo seu caminho a Jerusalém, onde vai ser levado para fora da cidade e morto na cruz. Mas o caminho dele continuará; pois, ressuscitado por Deus, Jesus “entrará na sua Glória” (24,26), para se sentar ao lado do seu Pai. E serão os seus discípulos que prosseguirão no caminho

(COLAVECCHIO, 2013, p. 32 – grifo do autor).

A unção simbólica pelo Espírito corresponde à consagração do enviado a Deus, de modo a colocá-lo numa esfera superior, própria da divindade, mas com os pés fincados na história, onde lhe cabe efetivar a missão recebida. O ungido passava a pertencer à divindade, com a obrigação de coadunar seu agir com o querer de Deus e lhe ser inteiramente fiel.

A tradição bíblica não faz alusão a unções de profetas, com uma rara exceção. Trata-se da unção de Eliseu pelo profeta Elias, por ordem de Deus: “vá ungir também Eliseu, filho de Safat, natural de Abel-Meúla, como profeta em seu lugar” (1Rs 19,16). Nesse caso, Eliseu assumiria o posto de Elias. Dentre os profetas bíblicos clássicos, não se conhece quem tenha feito o sucessor, tampouco ungido alguém, encarregando-o de assumir e levar adiante sua missão.

Os verbos de ação que definem a incumbência do enviado são: evangelizar (euaggelízomai – anunciar boas notícias) e proclamar (kerýsso – 2x). São verbos característicos do profetismo, referidos a homens da palavra, chamados a tornar público o que ouviram da parte de Deus, como se fossem autofalantes da divindade (Am 7,14-15; Jr 7,1-2). O verbo evangelizar indica o conteúdo do que será anunciado, posto dever apenas ser boas notícias, conforme sua etimologia. A raiz do verbo proclamar sublinha o modo como o anúncio será feito. O substantivo kérycs significa arauto, pregador, mensageiro e o verbo kerýsso deve ser entendido como proclamar, alardear, como faziam os arautos dos reis. Destarte, a proclamação será escutada e entendida por todos. Algo como se diz em 12,3: “tudo o que vocês tiverem dito às escuras, será ouvido à luz do dia, e o que houverem falado aos ouvidos nos quartos, será proclamado sobre os telhados”.

Os destinatários da boas notícias e da proclamação do enviado de Deus são bem identificados: os pobres, os prisioneiros, os cegos, os oprimidos e os que anseiam pela remissão de suas dívidas, o fim da escravidão e a recuperação dos bens perdidos, de modo especial, a terra, privilegiados de seu “ministério messiânico e profético” (STEPHEN, 2023, p. 218). O foco da atenção do enviado de Deus se voltaria para a porção da sociedade defraudada de seus direitos e de sua dignidade, não tratada como irmãos e irmãs, como se esperava no interno do Povo de Deus. Sua ação libertadora “exige justiça social”; por isso, “Jesus se apresenta, não só como libertador social que exige justiça, mas como libertador integral do ser humano, pois quebra as cadeias do pecado, fonte de toda desigualdade social” (AUGUSTA, 2011, p. 110).

Donde sua obrigação de promover uma espécie de revolução pela superação da marginalização social e o restabelecimento da ordem querida por Deus, pois, “no reino de Deus ninguém deve ser humilhado, excluído ou separado da comunidade. Os impuros e os privados de honra têm a dignidade sagrada de filhos de Deus” (PAGOLA, 2014, p. 239). Tratava-se, em última análise, de restaurar a esperança em quem perdera a razão para viver, mostrando como Deus tomava seu partido e se mostrava contrário à ordem instaurada no seio do que era o povo de sua predileção.

“O ano da graça do Senhor” (literalmente, “o ano aceitável do Senhor”) é, no contexto de Isaías, uma referência ao ano do Jubileu, o quinquagésimo ano, quando, de acordo com a Lei mosaica, a propriedade da família deve retornar aos seus donos originais e os servos contratados devem ser libertados (Lv 25,8-55; observe-se também que as dívidas devem ser canceladas a cada sétimo ano, de acordo com Dt 15,1-11). A ênfase na liberação, em Lc 4,18, se relaciona a isso, pois o ano do Jubileu também é chamado de “ano da libertação” (Lv 25.10: LXX)

(TANNEHILL, 1996, p. 92-93).

Jesus, na sequência da narração, devolve o rolo ao servente da sinagoga e se senta, sob o olhar curioso dos presentes. E, ao invés de comentar o texto do profeta Isaías, faz uma declaração, a ser entendida como compromisso pessoal: “hoje, cumpriu-se essa escritura que vocês escutaram!”, uma forma de “programa de ação em favor dos oprimidos” (PRIOR, 1995, p. 162). O uso do verbo cumprir-se (pleróo), no perfeito passivo (peplérotai), com a conotação de plenificar, “foi plenificada”, dá o tom das palavras de Jesus. O que, no passado, o profeta se autoatribuiu mantém-se válido, hoje (sémeron), e se mostrará verdadeiro de maneira cabal em Jesus. Como? Na missão que estava para se iniciar! Sim, a vocação-missão profética, em favor dos marginalizados, estava de pé e ganharia novo fôlego pelo empenho de quem se obrigou a cumprir o programa em favor dos que foram aludidos na profecia de outrora. “Em seu comentário ao texto de Isaías, Jesus deixa claro que se identifica com o profeta que anunciou a vindicação de Israel em nome de Deus” (PRIOR, 1995, p. 137), correspondente ao direito dos excluídos. Jesus se comprometeu, publicamente, a lutar pelo mundo ansiado por Deus, como o profeta Isaías, com a diferença de ser na condição de Filho de Deus, como proclamara a voz vinda do céu, na cena do batismo: “tu és o meu Filho bem-amado; em ti me comprazo” (3,22).

Jesus proclama que ele está aqui para tornar realidade a espera dos pobres. Na Palestina do séc. I, os pobres se identificam com os cegos, os surdos, os coxos, os leprosos. Esse realismo corporal ajuda a entender a situação social da categoria dos pobres do evangelho. Eles não são pobres apenas no sentido econômico, mas são, também, marginalizados da sociedade de sua época. Nesse grupo de pobres, que eram mendigos, porque não tinham quem os sustentasse e também não tinham, naquela sociedade, nenhum outro modo de ganhar a vida, incluem-se os doentes e aleijados, as viúvas e órfãos

(AUGUSTA, 2011, p. 118).

O evangelista Lucas, no decorrer de sua catequese, seguirá Jesus, passo a passo, para mostrar como a profecia de Isaías serviu-lhe de pauta de ação, ao longo do seu ministério, “apresentada como um programa messiânico” (MENDONÇA , 2018, p. 160). Todos quantos encontrava, necessitados de misericórdia, eram beneficiados por sua presença de Messias construtor de esperança, pois, “os desamparados constituem o objeto de seus cuidados”, de modo a evidenciar “a dimensão social do anúncio do evangelho” (CASALEGNO, 2014, p. 107). Na condição de Salvador (2,11), tornou-se peregrino de esperança, mantendo-se firme na opção de vida, assumido na sinagoga de Nazaré, até expirar, entregando o espírito nas mãos do Pai (23,46).

O realismo da esperança bíblica, de um lado, e a situação da Palestina ocupada pelos romanos, do outro, provocaram necessariamente uma tomada de posição política por parte de Jesus. O sentido originário do texto de Is 61,1-2a, que serviu a Jesus para interpretar o seu programa salvífico, refere-se à libertação dos judeus deportados no exílio e à reunificação do povo disperso. Esta situação de opressão e dispersão era ainda mais grave na Palestina dos anos trinta. [...] Hoje é difícil reconstruir a linha de ação política e o pensamento de Jesus, porque o evangelho de Lucas estendeu um véu sobre os aspectos da atividade de Jesus que podiam ser usados contra os cristãos, suspeitos e acusados de formarem um movimento subversivo

(FABRIS, 2006, p. 209).

3 Jesus, construtor de salvação e de esperança

Um sobrevoo na catequese lucana, atento ao trato de Jesus com os marginalizados, permite constatar sua condição de peregrino de esperança, servidor dos sofredores em busca de quem lhes estenda a mão e os socorra. Todos quantos cruzavam seu caminho, ansiando por cura e restauração de sua dignidade, eram acolhidos e atendidos. Ninguém ficava de fora de sua ação de sotér da parte de Deus. Por onde passava, a esperança aflorava para os desesperançados.

O modo de proceder de Jesus pode ser definido como pedagogia da misericórdia, sendo o primeiro a colocar em prática o recomendado aos discípulos: “sejam misericordiosos (oiktrímones) como o Pai é misericordioso” (6,36) (TORQUATO, 2024, p. 85-94). “Lucas mostra que Jesus adotou muitas posições sociais, precisamente, porque pensava corresponder ao querer de Deus” (CASSIDY, 1978, p. 48). A parábola do bom samaritano (10,29-37) descreve os passos do exercício da misericórdia, no trato com os irmãos e as irmãs carentes de salvação e de esperança. O samaritano aproxima-se do homem que fora assaltado, o vê, deixa-se mover de compaixão e parte para a ação, esgotando todas as possibilidades de ajudá-lo, na mais total gratuidade. Eis como agirá Jesus com quem encontra pelo caminho, carente de sua intervenção salvadora.

A misericórdia exige um movimento de aproximação e de ida ao encontro do outro, mas antes é preciso deixar-se tocar pela situação, sentir empatia e entranhar no âmago e nas entranhas o clamor dos necessitados, tal como o do homem maltratado

(MAZZAROLO, 2016, p. 86).

3.1 A esperança dos doentes – “impondo as mãos sobre cada um, curava-os” (4,40)

No ambiente bíblico, a doença era considerada castigo de Deus por eventuais faltas cometidas, até as ignoradas. Por isso, os doentes eram vistos com preconceito e tratados com suspeita, pois sempre pairava a questão: “que terá feito para merecer a punição divina?” O desconforto social e religioso permanecia, até que obtivessem a ansiada cura.

Jesus reconcilia o enfermo com a sociedade. Enfermidade e marginalização estão tão estritamente unidas que a cura não é efetiva enquanto os enfermos não se veem integrados na sociedade. Por isso, Jesus elimina as barreiras que os mantêm excluídos da comunidade. A sociedade não deve temê-los, mas acolhê-los

(PAGOLA, 2014, p. 205).

Jesus, com seu poder de curar (salvar), despontava na vida dos doentes como chance de começar um novo capítulo em suas vidas, livres das discriminações de que eram vítimas. Por esse motivo, “todos os que tinham doentes atingidos por males diversos traziam-nos, e ele, impondo as mãos sobre cada um, curava-os ” (4,40) ou, então, “curou a muitos de doenças, de enfermidades, de espíritos malignos e restituiu a vista a muitos cegos” (7,21). Qualquer um podia constatar como “os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem e os mortos ressuscitam” (7,22). Muitos vinham de longe “para ouvi-lo e ser curados de suas enfermidades” (5,15; 6,18a). Nenhum doente era excluído e nenhuma doença estava fora de seu poder de curar. Quem o procurava estava seguro de ser atendido, “porque dele saía uma força (dýnamis) que curava a todos” (6,19); “ele tinha um poder do Senhor (dýnamis kyríou) para operar curas” (5,17b).

Algumas curas específicas são narradas. Um homem “cheio de lepra” recorreu a Jesus com o desejo de ser purificado, e a súplica foi atendida. Superando um tabu, Jesus toca-o e declara que seja limpo da lepra. A cura acontece de imediato (5,12-14). Doravante, poderia se reintegrar à sociedade e retomar a vida normal, sem os preconceitos que recaíam sobre ele. Diante de uma plateia formada por “fariseus e doutores da Lei, vindos de todas as aldeias da Galileia, da Judeia e de Jerusalém”, Jesus cura um paralítico, introduzido em sua presença por um buraco feito no terraço da casa, deitado numa maca (5,17-26). A cura começa com a declaração de perdão dos pecados do paralítico. Ao ser colocado em xeque pelos escribas e fariseus, ordena ao doente: “levanta-te, tome teu leito (klinídion – pequena cama) e vai para a tua casa”. O homem obedece e, curado, “foi para casa, glorificando a Deus”. Embora não tenha havido um pedido formal, Jesus toma a iniciativa de curar certo homem cuja “mão direita era atrofiada (cserá – seca)” (6,6-11). Jesus pediu que ficasse de pé, no centro da sinagoga. O homem obedeceu e bastou que estendesse a mão e a apresentasse a Jesus, para que ficasse curada. Um oficial romano (hekatontárkos – centurião) enviou “alguns anciãos dos judeus” para pedirem a Jesus que curasse um subordinado (doúlos) seu que estava doente (7,1-10). Ao constatar a humildade daquele superior militar, Jesus se admirou e declarou jamais ter encontrado fé tão profunda em Israel. Sem que tivesse dito qualquer palavra ou dado ordens, os enviados “voltaram para casa e encontraram o servo em perfeita saúde”. Durante uma refeição na casa de um dos chefes dos fariseus, Jesus se vê diante de um homem, vítima de hidropsia (hydropikós), espécie de edema, acúmulo de líquido em alguma parte do corpo (14,1-6). Jesus inquire os mestres da Lei e os fariseus sobre a liceidade de curar em dia de sábado. Como ficassem calados, “tomou o hidrópico, curou-o e o despediu”, mesmo não havendo um pedido explícito. Por fim, curou dez leprosos que lhe suplicaram compaixão – “Jesus, Mestre (epistátes), tem compaixão de nós” (17,11-19) . Com a ordem de se apresentarem aos sacerdotes e se percebendo purificados, apenas um voltou para agradecer, “dar glória a Deus”. O evangelista constata tratar-se de “um samaritano”. Jesus refere-se a ele como “estrangeiro” e declara ter sido curado pela força da fé – “tua fé te curou (sésoken – salvou)”. O homem foi curado de um sofrimento “triplamente qualificado: o sofrimento da enfermidade em si, a perda do lugar social e celebrativo por conta da impureza e a hostilidade e desprezo por ser samaritano” (TORQUATO, 2020, p. 127).

As narrativas evangélicas de curas de enfermidades comportam alguns elementos a serem sublinhados. Acontecem em dia de sábado, no recinto de uma sinagoga (6,6-7); incluem o tema da fé (5,12.20; 7,9; 17,13.19); os tabus religiosos e sociais são superados (5,13 – Jesus toca o leproso; 7,2 – acolhe o pedido de um pagão e beneficia outro pagão; 17,18 – favorece um samaritano, inimigo de seu povo); as expectativas dos inimigos são frustradas (5,21-24; 6,7 ); a cura acontece imediatamente (5,13.25; 7,10). Em todas as ocasiões, as curas são feitas em total gratuidade.

3.2 A esperança dos endemoninhados – “o Reino de Deus já chegou para vocês” (11,20)

A catequese lucana refere-se ao conflito de Jesus com forças terríveis que se apoderam do ser humano e o levam a se posicionar contra Deus e assumir atitudes incompatíveis com a fraternidade e a solidariedade que devem reger as relações no interno da sociedade e da comunidade de fé. A narração chama a atenção para a situação em que as pessoas se encontram, cativas de forças superiores à sua capacidade de se libertar delas. A presença do sotér Jesus lhes traz a esperança de se verem livres dessa malignidade e poderem viver em paz, integrados na comunidade.

Tem-se a impressão de que o fenômeno da possessão demoníaca era recorrente. Pode-se imaginar a insegurança social causada por essa camada da população e a esperança representada pela presença e ação de Jesus, que promovia libertação. Lc 4,41 constata que “de um grande número [de doentes] também saíam demônios”. Dentre “uma imensa multidão de pessoas”, havia “atormentados por espíritos impuros que também eram curados” (6,18b). Na luta contra o “espírito de demônio impuro” (4,33) e os “espíritos impuros”, Jesus era sempre vencedor.

Um primeiro embate acontece a sinagoga de Cafarnaum (4,33-37). Aí estava “um homem possesso de um espírito de demônio impuro (pneúma daimoníou akáthartou)”. Aos berros, questionava a presença de “Jesus Nazareno”, que viera para “arruinar-nos”. Ele conhece a identidade de Jesus – “o Santo de Deus” –, porém, Jesus não se importa e lhe ordena a se calar e sair daquele homem. O narrador, parco na descrição da cena, observa, apenas, que “o demônio, lançando-o no meio, saiu sem lhe fazer mal algum”. Em todo caso, o homem libertado das forças demoníacas tem, diante de si, a esperança de viver diferentemente. Um segundo embate, bem violento, deu-se na “região dos gerasenos” entre Jesus e o “homem possesso de demônios (daimónia)” (8,26-39). A forma plural permite vislumbrar as dimensões do problema. Quando Jesus pergunta como se chama, a resposta é “legião”. O narrador, então, explica a razão: “porque muitos demônios (daimónia pollá) haviam entrado nele”. Jesus não se intimida e os desafia, ordenando que saíssem daquele homem, “de quem se apossavam com frequência”, de forma brutal. Jesus permite que os demônios entrem numa manada de porcos que, por fim, se precipita no lago e se afoga. Quanto ao homem, os curiosos que foram verificar o acontecido o encontram “sentado aos pés de Jesus, vestido e em são juízo”. Por conseguinte, recuperado para viver uma vida nova. O terceiro confronto foi com um “espírito impuro” que atormentava uma criança, provocando sintomas parecidos ao que chamamos de epilepsia (9,37-43). Os discípulos foram incapazes de resolver o problema. Isso levou o pai do filho único a recorrer, diretamente, a Jesus. Colocada diante de Jesus, a criança tem um surto, pois “o demônio a jogou por terra e a agitou com violência”. De forma lacônica, o narrador informa que “Jesus conjurou severamente o espírito impuro, curou (iáomai) a criança e a devolveu ao pai”. Doravante, abria-se para a criança a oportunidade de crescer livre daquela angustiante opressão. Uma quarta menção à cura de possessão fala da expulsão de “um demônio que era mudo (daimónion kophós)” (11,14). Quando o demônio saiu, a pessoa pôs-se a falar, para espanto das multidões. Tem início, então, um entrevero entre Jesus e alguns dos presentes, que o acusavam de expulsar demônios com o poder recebido de “Beelzebu, o chefe (archón) dos demônios” (11,15-22). Ele se defende, mostrando a insustentabilidade da acusação e concluindo que, “se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus chegou até vocês”. Essa se torna uma pegada importante para se reconhecer o objetivo do ministério de Jesus, construtor de esperança, afugentador de demônios e espíritos impuros. Nele, “o dedo de Deus” agia em favor do ser humano sofredor.

[Jesus] não utiliza os recursos utilizados pelos exorcistas: anéis, aros, amuletos, incenso, leite humano, cabelos. Sua força está nele mesmo. Basta sua presença e o poder de sua palavra para impor-se. Por outro lado, ao contrário da prática geral dos exorcistas, que conjuram os demônios em nome de alguma divindade ou personagem sagrada, Jesus não sente nenhuma necessidade de revelar a origem de seu poder: não explica em nome de quem expulsa os demônios, não pronuncia o nome mágico de ninguém, nem invoca nenhuma força secreta. Também não se serve de conjuros ou fórmulas secretas. Nem sequer recorre a seu Pai. Jesus enfrenta os demônios com a força de sua palavra; “sai dele”; “cala-te”; “não tornes a entrar nele” . Tudo leva a pensar que, enquanto combate os demônios, Jesus está convencido de estar atuando com a própria força de Deus” (PAGOLA, 2014, p. 209-210).

Dois fatos chamam a atenção nas narrações concisas de milagres de cura dos endemoniados. O primeiro diz respeito ao uso de autoridade (exousía) e de poder (dýnamis) (4,36; 6,19), por parte de Jesus, para consumar a libertação de quem era possuído por demônios e espíritos impuros. O segundo tem a ver com o conhecimento da identidade correta de Jesus por quem era dominado pelos espíritos impuros: “sei quem tu és: o Santo de Deus” (4,34); os demônios gritavam: “Tu és o Filho de Deus!” (4,41); “que existe entre mim e ti, Jesus, filho de Deus Altíssimo?” (8,28). Todavia, jamais, Jesus levou a sério tais afirmações, sequer se serviu delas para dar credibilidade ao que fazia.

3.3 A esperança das mulheres – “mulher, estás livre de tua doença” (13,12)

As mulheres recebem um destaque especial na catequese lucana. Lc 8,1-3 pode ser considerado o correspondente feminino do chamado masculino ao discipulado do Reino (6,14-16). Aqui, são nomeados os doze apóstolos; lá, um grupo de mulheres são citadas nominalmente, fato que não ocorre nos demais sinóticos. Chama a atenção terem sido curadas de espíritos malignos (pneúmata ponerá). Maria Madalena foi libertada de “sete demônios”, ou seja, de uma situação extremamente degradante, que a privava da dignidade de ser humano.

Decerto, todas as demais mulheres, de alguma forma, foram beneficiadas por Jesus, que lhes abriu as portas da esperança, a ponto de se tornarem discípulas e colocarem seus bens a serviço da missão do Mestre (8,3). Seria uma forma de se mostrarem gratas, por terem sido resgatadas por ele?8 O espírito de gratidão poderia ser um indício para se compreender o motivo de terem se mostrado solidárias com o Mestre crucificado, como observa o evangelista: “as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia, permaneciam a distância, observando estas coisas” (23,49). E, mais adiante: “as mulheres que tinham vindo da Galileia com Jesus, haviam seguido José [de Arimateia]; observaram o túmulo e como o corpo de Jesus fora ali depositado. Em seguida, voltaram e prepararam aromas e perfumes. E, no sábado, observaram o repouso prescrito” (23,55-56). Na madrugada do primeiro dia, se dirigem ao túmulo para dar ao Mestre uma sepultura digna e são informadas de que fora ressuscitado (24,1-9). E se tornaram as primeiras apóstolas do Ressuscitado, não obstante devendo sofrer o preconceito dos discípulos, que não lhes deram crédito (24,9-11).

A esse grupo de mulheres discípulas-apóstolas, agraciadas e valorizadas por Jesus, somam-se outras mulheres beneficiárias da compaixão misericordiosa do Mestre, que vem em seu socorro, de modo a verem renascer a esperança. Logo no início do seu ministério, a “sogra de Simão [Pedro]” foi curada de uma “febre alta” (pyretós mégas). Uma vez livre de ser consumida por esse “fogo” (pyr) devorador (mégas = imenso), “imediatamente se levantou e se pôs a servi-los” (8,38-39). De mulher prostrada pela doença, tornou-se servidora de Jesus e seu grupo de discípulos e discípulas.

Uma cena comovente está narrada em Lc 7,11-17, a ressurreição do filho único de uma mãe viúva. Na porta da cidade de Naim, coincidem dois cortejos: o de Jesus, com seu grupo e numerosa multidão, e o de um funeral. Pode-se imaginar a aflição daquela mãe, aos prantos, pela perda do filho único, tábua de salvação para ela, uma viúva, dependente do filho para ter reconhecimento social, por já ter perdido o marido. Numa sociedade patriarcal e machista, a carência de esteio masculino – pai, marido ou filho – era fatal para uma mulher. As lágrimas daquela sofredora tocou as entranhas de Jesus e o comoveu (esplanchnísthe – passivo: “foi movido de compaixão”) e o levou a agir. Depois de consolá-la – “não chores!” –, tomou a iniciativa de lhe devolver o filho com vida – “jovem, eu te ordeno, levanta-te!” –, fazendo-a passar do desespero à esperança, da profunda tristeza a uma grande alegria.

Outra mulher anônima, tida na cidade como “pecadora” (hamartolós), experimenta a presença salvadora de Jesus em sua vida (7,36-50). Numa atitude de extrema ousadia, adentra a casa de um fariseu preconceituoso, onde se encontrava o Mestre, convidado para uma refeição, tendo consigo “um frasco de alabastro com perfume”. Essa informação permite deduzir não se tratar de uma pobrezinha. Se o frasco era valioso, pode-se imaginar a qualidade do perfume! Para expressar sua gratidão, cujo motivo o narrador omitiu de informar aos leitores e leitoras, “ficando por detrás, ao pés dele [de Jesus], chorava e com as lágrimas começou a lhe banhar os pés, a enxugá-los com os cabelos, a cobri-los de beijos e a ungi-los com o perfume”. Confrontado com os pensamentos maldosos do fariseu anfitrião, Jesus põe-se a defender a “pecadora” e seu gesto de extrema gratidão, seguro de que só “o perdão e a misericórdia transformam-se em atitudes capazes de salvar e regenerar” (PERONDI; CATENASSI, 2016, p. 21). Enfim, “seus numerosos pecados (hamartia) lhe foram perdoados, porque demonstrou muito amor”. A que entrou pecadora saiu perdoada e salva; o fariseu intolerante, por não ter se beneficiado com a presença salvadora de Jesus, ao lhe faltar amor, permaneceu no seu pecado. O amor restaurou a esperança na vida da que fora pecadora, pelo agir salutar de Jesus.

São dois os modos de ver, estreitamente ligados entre si: o olhar que Simão pousa sobre a mulher que interage com Jesus condiciona o seu modo de ver Jesus. Ele não tem dúvida, a esse respeito: ela é uma pecadora e Jesus não é um profeta. O relato tenta esclarecer: Simão tem a possibilidade de ver as coisas de outra maneira? Pode ver o que Jesus vê, ou seja, uma mulher que foi perdoada e que manifesta um grande amor (v. 47)? Se o consegue, então, poderá, de fato, conhecer Jesus, não apenas como profeta, mas, também, como o portador do amor misericordioso de Deus

(REID, 1998, p. 124).

O relato da cura de uma criança (país), “filha única [...] de “um homem chamado Jairo, chefe da sinagoga” (8,40-42.49-56), é intercalado com a cura de uma mulher com “fluxo de sangue”, hemorragia (8,43-48). O homem foi suplicar a Jesus a cura de sua filha, “de mais ou menos doze anos”, que “estava à morte”. Jesus acolheu o pedido e se dirigiu ao local onde estava a doente. Eis que vieram informar que a menina havia morrido, de modo a ser dispensada a presença de Jesus, que assegurou ao pai: “não temas; crê somente, e ela será curada (sothésetai – será salva)”. Ao chegar na casa, foi ridicularizado, quando viu as pessoas chorando e batendo no peito, e declarou: “não chorem; ela não morreu; está dormindo”. No entanto, “riam-se dele, pois sabiam que a menina estava morta”. Jesus, então, segurou a mão da menina e lhe ordenou: “criança, levanta-te!”, no que foi prontamente obedecido: “o espírito (pneúma) dela voltou e, no mesmo instante, ela ficou de pé”, para espanto geral.

Quanto à mulher com hemorragia, havia doze anos (a mesma idade da menina) buscava, em vão, ser curada. Ao tocar a barra da veste de Jesus, viu-se curada (8,43-48). O Mestre sentiu que algo – “uma força (dýnamis)” – saiu dele. Como ninguém tinha explicação para o ocorrido, coube à mulher trêmula, “vendo que não podia se ocultar”, cair-lhe aos pés, e declarar “diante de todos por que razão o tocara, e como ficara instantaneamente curada”. Jesus lhe diz: “filha, tua fé te salvou (sesokén – curou)”. Doravante, tudo em sua vida seria diferente!

Outro caso de recuperação da vida de uma mulher está narrado em Lc 13,10-17, quando, em dia de sábado, numa sinagoga, Jesus se depara com “uma mulher, possuída há dezoito anos por um espírito que a tornava enferma e estava inteiramente recurvada e não podia de modo algum levantar a cabeça”. Não se importando com a lei do repouso sabático, o Mestre lhe impõe as mãos e anuncia: “mulher, tu foste libertada (apolélysai) de tua doença!” A forma verbal passiva revela ser Deus o autor da cura, dele vem a libertação operada na vida daquela mulher. “Jesus é o mediador desse poder de libertação” (REID, 1998, p.179). No mesmo instante, a mulher encurvada “se endireitou e glorificava a Deus”. Mais um episódio de recuperação da esperança na vida de uma mulher.

[As mulheres] são chamadas por Jesus desde suas enfermidades, desde suas opressões, sua ignorância e seus bens materiais para terem acesso a uma nova condição, que é a de mulheres curadas, libertadas e instruídas na palavra. Isto lhes dá a possibilidade de seguir e servir a Jesus no anúncio e na proclamação do reino de Deus, adquirindo assim a qualidade de discípulas e testemunhas

(RAMOS, 2003, p. 94).

Contrariando o preconceito social e religioso contra as mulheres, Jesus se mostra próximo e solidário, curando-as, libertando-as e valorizando-as de muitas maneira, num esforço de “despatriarcalizar” a sociedade de seu tempo (PAGOLA, 2014, p. 269) . Dá-lhes destaque em seu ministério, tirando-as do anonimato, e apontando para outra sociedade possível, em que as mulheres tenham voz e vez, sejam reconhecidas em sua dignidade, com direito de nutrir esperança em seus corações. Afinal de contas, “a atuação das mulheres foi modelo de discipulado para os varões por sua entrega, sua atitude de serviço e sua fidelidade total a Jesus até o fim, sem traí-lo, negá-lo nem abandoná-lo” (PAGOLA, 2014, p. 278).

3.4 A esperança dos pecadores – “o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (19,10)

O trato com os pecadores foi uma constante na vida de Jesus, para escândalo de seus adversários. De certo, “o que mais provocou escândalo e hostilidade contra Jesus não foi a acolhida aos impuros, e sim sua amizade com pecadores” (PAGOLA, 2014, p. 240). Tinha consciência da maneira como os inimigos o consideravam. Falando de si, declarou: “veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: ‘eis aí um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores’” (Lc 7,34). Certa vez, quando “todos os publicanos e pecadores estavam se aproximando dele para ouvi-lo, os fariseus e os escribas murmuravam: ‘este homem recebe os pecadores e come com eles!’” (15,1-2). O murmúrio, evidentemente, pretendia equiparar Jesus com seus comensais e, dessa forma, desmoralizá-lo. Contudo, ele não se deixou abater, pela consciência da missão que lhe cabia de ganhar os pecadores para Deus, não pela via da ameaça e do castigo, antes recorrendo à proximidade e à compaixão. A convivência com ele abria para os pecadores a chance de viver diferentemente, com a possibilidade de entrever uma nova perspectiva de vida.

Tendo sido chamado por Jesus para se tornar discípulo (5,27-28), o publicano Levi, um pecador público, “ofereceu-lhe uma grande festa em sua casa, e com eles estava à mesa numerosa multidão de publicanos e outras pessoas” (5,29-31). Os fariseus e os escribas aproveitaram a ocasião para questionar os discípulos de Jesus, admirados com o que viam: “por que vocês comem com os publicanos e os pecadores?” O preconceito religioso e o orgulho de serem melhores levavam-nos a olhar com desprezo os tachados como pecadores, inimigos de Deus.

Jesus se apressa em responder à pergunta dirigida aos discípulos. Tomando a palavra, de maneira breve, faz duas afirmações certeiras. A primeira corresponde a um dito sapiencial: “os sãos não têm necessidade de médico e, sim, os doentes” (5,31). Os pecadores são, metaforicamente, entendidos como doentes que carecem de ser curados. Por isso, Jesus se dedica a curá-los. Os escribas e os fariseus, de sua parte, seguros de serem justos diante de Deus, não se interessam por eles. Jesus, pelo contrário, como o pastor que vai em busca da ovelha perdida; a mulher que se empenha em encontrar a moedinha perdida e o pai que espera, pacientemente, a volta do filho perdido (15,4-32), se lança na busca dos que devem reencontrar os caminhos de Deus, penhor de esperança.

A segunda afirmação especifica a missão de Jesus: “não vim chamar justos, mas sim os pecadores à conversão (metánoia)” (5,32), de modo a esclarecer o motivo de se interessar pelos rejeitados pela sociedade e pela religião. Espera que se convertam, passem por uma mudança radical, experimentem uma reviravolta em suas vidas, de modo a superarem as condutas incompatíveis com o querer de Deus e retornarem ao trato misericordioso com os semelhantes, a exemplo do samaritano da parábola (10,25-37). Não lhe interessa apresentar os escribas e os fariseus como modelo de piedade, pela submissão estrita aos imperativos da Lei mosaica, com a possibilidade de serem hipócritas e dissimulados. Importa-lhe, antes, que os pecadores se voltem inteiramente para Deus e se deixem amar e guiar por Ele, única esperança de vida.

O episódio em torno de Zaqueu torna-se emblemático da preocupação de Jesus pelos pecadores, salvos por sua presença e intervenção (19,1-10). A dupla caracterização de “rico” e “de baixa estatura” revela sua condição socioeconômica, bem como, religiosa, na medida em que sua vida girava em torno do dinheiro, uma espécie de divindade que polarizava sua vida, em oposição a Deus. Entretanto, algo acontecia no íntimo daquele rico que o levava a “procurar ver quem era Jesus”. O narrador não explicitou as razões desse interesse. Em todo caso, Zaqueu aproveitou a primeira chance que lhe foi dada, quando Jesus “entrou em Jericó [cidade onde era ‘chefe dos cobradores de impostos’] e atravessava a cidade”. Tendo subido num sicômoro para garantir uma boa visão, foi surpreendido por Jesus que, ao passar, “chegou ao lugar, levantou os olhos e disse: ‘Zaqueu, desce depressa, pois hoje devo ficar em tua casa’”. O Mestre chamou-o pelo nome, como se faz com amigos, e se autoconvidou para se hospedar em sua casa. Um detalhe importante encontra-se no uso da partícula deí, traduzido por devo (é necessário), que, na catequese lucana tem um significado especial (POPKES, 1996, c. 842). Aponta para uma espécie de desígnio divino, a ser obedecido. Era como se o encontro de Jesus com Zaqueu realizasse o querer divino, em relação a ambos. Jesus foi recebido com alegria por seu anfitrião!

Não obstante, recebeu uma desaprovação geral, pois “todos murmuravam, dizendo: ‘foi hospedar-se na casa de um pecador’”. Enquanto isso, Zaqueu declarava a transformação provocada em sua vida pela presença de Jesus: “Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, restituo-lhe o quádruplo”. Ou seja, já não era mais pecador, por ter rejeitado o deus dinheiro e se voltado ao Deus da fé dos patriarcas, amigo dos pobres e promotor de vida com alto padrão ético. Jesus “introduziu em sua vida verdade, justiça e compaixão”, de modo que ele “se sente outro” (PAGOLA, 2012, p. 310). A cena se completa com duas declarações de Jesus. A primeira corresponde à “salvação que entrou nesta casa”, na vida de Zaqueu, dando-lhe o rumo querido por Deus. A segunda explicita a finalidade da ação de Jesus, na missão de Messias: “procurar e salvar o que estava perdido”. Pode-se completar: “... e lhe trazer esperança!”

A presença de Jesus na vida dos pecadores foi malvista e objeto de crítica e murmuração. Era insuportável para os adversários verem-no às voltas com aquela porção da sociedade desprezada por eles, com a falsa convicção de ter sido descartada por Deus. Jesus segue a direção contrária, sentindo-se à vontade na convivência com os pecadores, convencido de sua atribuição de buscar e trazer para Deus “quem estava perdido”, visto que “este foi o programa (cf. 4,18) que ele realizou e com o qual se identifica (7,22) e proclama feliz quem não se escandaliza com isto (7,23)” (TORQUATO, 2020, p. 166).

3.5 A esperança dos marginalizados – “aos pobres é anunciado o Evangelho” (7,22)

A proclamação do Anjo do Senhor aos pastores, no meio da noite, pode ser identificada como o início da restauração da esperança, levada a cabo por Jesus no decorrer do seu ministério (2,8-20). Uma luz envolve esse grupo de nômades menosprezados e desclassificados pela sociedade sedentarizada, por seus rebanhos serem um perigo para as plantações, e uma voz celeste se faz ouvir: “eis que lhes anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo. Nasceu, hoje, para vocês um Salvador, que é o Cristo-Senhor!” Tendo atendido as orientações do Anjo e encontrado o recém-nascido, Maria e José, “voltaram para casa, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora dito”. A presença do Salvador trazia para aqueles menosprezados um fio de esperança, numa sociedade que insistia em descartá-los, privando-os da expectativa de que algo pudesse mudar.

A ação do Messias Jesus, na condição de evangelizador dos pobres (7,22), portanto, começa bem antes do início de sua vida pública, na pessoa dos pastores nos arredores de Belém. Deus olha para eles com condescendência! Foram os primeiros a contemplar o Salvador, na pobreza de uma manjedoura, desprovido de sinais exteriores de grandeza, tão valorizados pelos poderosos. Apesar das aparências, ali estava quem haveria de encarnar o amor de Deus pelos últimos e descartados e lhes revelar o quanto valiam aos olhos do Pai. Aliás, as bem-aventuranças se abrem com a solene declaração: “bem-aventurados vocês, os pobres, porque de vocês é o Reino de Deus” (6,20). Os preteridos pela sociedade eram avaliados diferentemente por Deus, que lhes dá dignidade especial e lhes reserva o bem mais precioso: “o Reino de Deus”, motivo de esperança. Serão eles os participantes do banquete escatológico, a “refeição no Reino de Deus” (14,15), pois, ficando de fora os primeiros convidados, bem ou mal, são introduzidos na sala do banquete, pois o dono da casa ordenou: “vai depressa pelas praças e ruas da cidade, e introduz aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos” (14,21). Aqui, se tratava de uma parábola. No entanto, na mesma ocasião, Jesus se dirigiu aos participantes do banquete, constatou como se comportavam de forma indevida e os aconselhou: “quando vocês derem um almoço ou jantar não convidem os amigos, nem os irmãos, nem os parentes, nem os vizinho ricos, para que não convidem vocês, e os retribuam do mesmo modo. Quando derem uma festa, chamem pobres, estropiados, coxos, cegos. Vocês serão felizes porque não têm com que os retribuir” (14,12-14).9 Tal exortação “enfatiza que os seguidores de Jesus devem se esforçar para incluir os pobres e os enfermos na vida da comunidade”, de modo a recobrar-lhes a dignidade (CASSIDY, 1978, p.32).

A preocupação de Jesus pelos mais pobres era uma constante. “Não é exagero qualificar o evangelho de Lucas como ‘o evangelho dos pobres’, isto é, a boa nova de Deus em favor dos que se acham de alguma maneira privados do necessário” (FABRIS, 2006, p. 110). Da mesma forma como optou pelo caminho da pobreza – “as raposas têm tocas e as aves dos céus, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (9,58) –, orientou os apóstolos a serem despojados quando saíssem em missão – “não levem nada pelo caminho, nem bastão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, tampouco tenham duas túnicas” (9,3). Até mesmo o lençol com o qual o corpo de Jesus foi envolvido para o sepultamento foi-lhe dado como gesto de piedade (23,53).

Sua escolha de viver em pobreza, se mostrar solidário com os pobres e apresentar o caminho da pobreza aos discípulos, encontrou reações variadas. Quando propôs a um homem importante – “vende tudo o que tens, distribui aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois vem e me segue” –, o indivíduo, “ouvindo isso, ficou cheio de tristeza, pois era muito rico” (18,22-23), de modo a recusar o convite para o discipulado. Na direção oposta, sem ter feito uma só advertência a Zaqueu, teve o prazer de escutar uma declaração que está na raiz de todo discipulado (16,13) – “Senhor, eis que dou a metade de meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, restituo-lhe o quádruplo” (19,8).

O tema dos pobres e da pobreza, na vida e no ministério de Jesus, tem fundamentos, estritamente, teológicos. Em contraste com “os fariseus, amigos do dinheiro” (16,14), optou por “servir a Deus” e não o deus dinheiro (16,13) e, em decorrência, fazer-se solidário com os vitimados pela carência de bens, a quem declarou bem-aventurados e herdeiros do Reino de Deus (6,20).10

3.6 Os apóstolos nos passos de Jesus, peregrino de esperança – “enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar” (9,2)

A peregrinação da esperança de Jesus não se findou com a morte de cruz. Já no início do seu ministério, começou a formar um grupo de discípulos e lhes confiou a responsabilidade de levar adiante sua missão. Eis porque “convocando os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, bem como para curar doenças e enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar” (9,1-2). O poder (dýnamis) e a autoridade (exousía) dos enviados decorrem da participação no poder e na autoridade de quem os enviou, de forma a alargar o círculo de abrangência. A esperança construída por Jesus se expandiria pela atuação dos discípulos, transformados em apóstolos. Por onde passassem, se tornariam presença do Salvador, agindo em favor das vítimas do desespero, ansiosas por serem libertadas dos males que as afligiam e as impediam de viver dignamente, na sociedade e na religião da época. Isso se tornava verdade na expulsão de “todos os demônios” e na cura das doenças. Essa foi a ação que o Mestre estava implementando e lhes competia dar continuidade.

O envio dos discípulos-missionários para “proclamar (kerýsso) o Reino de Deus e curar (iáomai)” perfaz a dupla vertente do messianismo de Jesus, em sua condição de Messias por palavras e Messias por obras, presente em 4,17-21. Ambas as vertentes são carregadas de esperança! A Boa-Nova do Reino garante que Deus se faz solidário com os últimos deste mundo e, desdizendo os preconceitos sociais e religiosos, valoriza-os na condição de filhos e de filhas. Se o mundo os despreza, Deus os acolhe e os ama. O fato de curar torna-se, igualmente, penhor de esperança, na medida em que salva os doentes e enfermos da suspeita de serem castigados por Deus por eventuais faltas, mesmo aquelas das quais não se recordam. A relação inquestionável entre doença e castigo divino impossibilitava aos doentes e enfermos de pensarem de maneira diferente, inclusive declarar a própria inocência, como aconteceu com o ousado Jó bíblico. Curá-los significava libertá-los do círculo vicioso da intolerância sociorreligiosa, devolver-lhes a autoestima, com o resultado de banir de seus corações o desalento. Dessa forma, os discípulos manteriam viva a chama da esperança acesa pelo Mestre Jesus.

A catequese lucana contém o envio de setenta e dois discípulos, encarregados de seguirem na frente para preparar a peregrinação do Mestre, rumo a Jerusalém (10,1). Dentre várias orientações, o Mestre lhes diz: “em qualquer cidade em que vocês entrarem e forem bem recebidos, comam o que lhes servirem, curem os enfermos que nela houver e digam ao povo: ‘o Reino de Deus está próximo de vocês’” (10,8-9). Retorna o tema do anúncio (kerýsso) e das curas (therapeúo), a serem levados adiante com o poder (dýnamis) e a autoridade (exousía) compartilhados pelo Mestre, embora a texto evangélico não o diga de maneira explicita. O leitor e a leitora podem deduzi-lo, já que os enviados seriam incapazes de implementar, pela própria força e iniciativa, a missão recebida. Da mesma forma que o Mestre se sabia “ungido” pelo Espírito do Senhor (4,18), de modo similar, eles, a seu modo, seriam agraciados por igual dinamismo, origem de toda ação humana, em vista de resgatar a esperança da humanidade sofredora.

Os setenta e dois enviados constatam a efetividade do seu ministério, quando, reunidos com o Mestre, se mostram alegres porque, “até os demônios se nos submetem em teu nome!” (10,17). O Mestre sustenta a veracidade do que dizem. Contudo, faz uma restrição: “não se alegrem porque os espíritos se submetem a vocês; alegrem-se, antes, porque os nomes de vocês estão inscritos nos céus” (10,18-20). Era uma chamada de atenção para a esperança escatológica que lhes estava reservada. Quem, em nome do Messias Jesus, se faz servidor da esperança na vida dos desesperançados pode nutrir a convicção de que serão acolhidos pelo Pai, no final da caminhada. Esperança a ser vivida com alegria!

Todavia, nem sempre os discípulos dão conta de implementar, a contento, sua incumbência, como na incapacidade de curar o rapaz vitimado por “um espírito que o toma e subitamente grita, o sacode com violência e o faz espumar e é com grande dificuldade que o abandona, deixando-o dilacerado” (9,37). Em outra ocasião, quiçá por ciúme, proíbem alguém que expulsava os demônios em nome de Jesus e o impedem, “porque ele não nos acompanha”. Jesus os censura, pois qualquer um pode atuar como construtor de esperança na vida do próximo. Para Jesus, “quem não está contra vocês está a favor de vocês” (9,49-50). Num gesto impensado, dois dos discípulos fazem exatamente o contrário do que o Mestre almeja deles, ao lhe pedirem permissão para ordenar que descesse fogo do céu e consumisse os samaritanos que se recusavam a lhes dar hospedagem, na peregrinação para Jerusalém. Jesus os repreende, pois só lhes cabia fazer o bem, jamais o mal, construir esperança e não aflição (9,51-55).

O tema da esperança percorre, de maneira transversal, a catequese de Lucas. Do começo ao final, Jesus de Nazaré atua como construtor de esperança, máxime, para os mergulhados no desespero e na incapacidade de prospectar saída para suas terríveis situações. Sem embargo, foi desafiado a vencer os obstáculos colocados pelos inimigos, a cada passo, por não estarem interessados com a mudança do status quo.

4 Os inimigos da esperança, em conflito com o peregrino de esperança

O peregrino de esperança trilhou um caminho de intermináveis intolerâncias, desde o início de seu ministério. O relato das tentações, inserido na catequese lucana, logo após o batismo (3,21-22), chama a atenção para uma constante na vida de Jesus de Nazaré (4,1-13). O diabo, por todos os meios, tenta desviá-lo do projeto do Pai dos Céus, exatamente, buscando criar conflito entre ele o Pai, a quem estava decidido a ser fiel, até o extremo. Daí ter introduzido suas investidas com uma forma condicional capciosa: “se tu és Filho de Deus” (v. 3a.9). E lhe propõe desafios capazes de estremecer a relação filial com o Pai que lhe confiou uma missão. A primeira tentação consistiu em usar, para proveito pessoal, o poder recibo para fazer o bem aos demais (v. 3b). A segunda propunha-lhe submeter-se ao diabo, de forma a realizar a missão sem passar pela cruz, ao escolher o caminho mais fácil (v. 5-7). A terceira sugeria-lhe agir como filho irresponsável que, ao fazer suas loucuras, conta com o pai para livrá-lo das sequelas desastrosas (v. 9-11). Jesus confrontou o tríplice ataque, com firmeza, de modo a frustrar as pretensões do tentador (v. 4.8.12). Esse será seu padrão de comportamento, até a cruz. Portanto, jamais cederá às investidas de quem atravessa seu caminho para frustrar sua determinação de construir esperança entre os desafortunados deste mundo.

A primeira oportunidade aconteceu ainda em Nazaré, sua cidade natal. Por ocasião da liturgia sinagogal, em que leu e aplicou a si o texto do profeta Isaías (4,16-22), Jesus viu-se enredado em interpretações preconceituosas a respeito do que dissera: “hoje, realizou-se essa Escritura que vocês acabaram de ouvir” (v. 21). E deu-se ao trabalho de mostrar o equívoco do raciocínio de seus críticos. Esses reagiram com violência: “diante dessas palavras, todos na sinagoga se enfureceram. E, levantando-se, expulsaram-no para fora da cidade e o conduziram até um cimo da colina sobre a qual a cidade estava construída, com a intenção de precipitá-lo de lá. Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho” (v. 28-30). O caminho de Jesus fora traçado pelo Pai e nada nem ninguém haveria de impedi-lo de concluir sua caminhada.

As perseguições foram crescendo sempre mais. Os inimigos mais ferozes pertenciam a uma ala do movimento dos escribas e dos fariseus, determinados a eliminá-lo, sem dó. Em um conturbado almoço, na casa de um fariseu, onde Jesus se pôs a denunciar a hipocrisia dos anfitriões (11,37-52), esses “começaram a persegui-lo terrivelmente e a cercá-lo de interrogatórios a respeito de muitas coisas, armando-lhe ciladas para surpreenderem uma palavra de sua boca” (11,53-54).

São muitos os motivos que os inimigos de Jesus se davam para exterminá-lo. Dentre eles, quiçá o principal, dizia respeito à esperança oferecida aos marginalizados pela religião intolerante do farisaísmo de seu tempo: os pecadores.

É um erro pensar que Jesus teve a oposição das autoridades judaicas devido à sua relação com a gente comum ou com camadas social e economicamente mais desfavorecidas do povo. Ele não é, por exemplo, criticado por curar, mas por fazê-lo em dia de sábado (6,6-11; 14,1-6). A polêmica reação das autoridades judaicas, nomeadamente doutores da Lei e fariseus, visava à relação de Jesus com os pecadores. Em relação aos cegos, pobres, estropiados, Jesus era descrito pela sua audiência como “aquele que vem” para fazer a misericórdia anunciada pelos profeta. Mas, para com os pecadores, a LXX (Sl 11,6; 68,2; 75,8) reservava também uma vigorosa antipatia. Eles eram os “malvados”, os que não demonstravam arrependimento

(MENDONÇA, 2018, p. 144-145).

A catequese lucana foca, sobretudo, essa vertente do ministério de Jesus. A cena de Lc 15,1-2 é paradigmática. “Todos (pántes) os cobradores de impostos e os pecadores estavam se aproximando para ouvi-lo” (v. 1). O pronome indefinido plural – todos – sugere que nenhum dos excluídos pela religião ficou de fora, para horror dos inimigos de Jesus, que os acolhia. Se estavam se aproximando para ouvi-lo, é porque se sentiam acolhidos e valorizados e encontravam nas palavras daquele Mestre algo que os encantava, como luz a lhes tirar da escuridão e mostrar-lhes que ainda havia esperança. Um momento sublime em suas vidas!

No entanto, os onipresentes “fariseus e escribas” põem-se a murmurar, censurando-o, em seu íntimo: “este homem recebe os pecadores e come com eles” (v. 2), como se Jesus estivesse cometendo um pecado imperdoável.11 O versículo anterior fala em “ouvir”; agora, em “comer com”. O leitor e a leitora do evangelho se dão conta de que os inimigos de Jesus têm uma visão surreal dos fatos, ao verem para além do que têm diante deles, pois o texto só diz que os publicanos e os pecadores estavam interessados em ouvir Jesus, omitindo a comida, referida pelos inimigos da esperança. Em todo caso, a suspeita tem fundamento, por corresponder ao desejo de Jesus: receber (prosdékontai) os pecadores e comer (synesthío) com eles. Em outras palavras, abrir as portas do seu coração e estabelecer relações fraternas com quem foi descartado pela religião e pela sociedade, de modo a lhes dizer o quanto Deus os ama e deseja trazê-los para junto de si, pela intervenção do Filho Jesus.

Situação semelhante acontecera, “quando Levi ofereceu-lhe uma grande festa em sua casa, e com Jesus estava à mesa numerosa multidão (óchlos polýs) de cobradores de impostos e outras pessoas” (5,29-32). Levi era um cobrador de impostos, a quem Jesus chamou para que o seguisse e ele, “levantando-se, deixou tudo e o seguia” (5,27-28). A grande festa marcava o início de sua nova vida. Inexplicavelmente, lá estavam “os fariseus e seus escribas murmurando e dizendo aos discípulos de Jesus: ‘por que vocês comem e bebem com os cobradores de impostos e os pecadores?’” (v. 30). O gesto de Jesus, solidário com os descartados, incomodava-os, por se chocar com a imagem de deus implacável e segregador que cultivavam. Parecia-lhes uma atitude insuportável para seus padrões religiosos.

Tem-se a impressão de que Jesus viu os discípulos sendo questionados, tomou a frente e deu aos inimigos a devida resposta, reportando-se a um provérbio e tirando as conclusões: “os sãos não têm necessidade de médico e, sim, os doentes; não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, à conversão” (v. 31-32). As contraposições sãos/doentes, justos/ pecadores expressam o contraste entre Jesus e seus inimigos, mais radicalmente, entre Deus e os inimigos de Jesus. A evidência do provérbio permite a Jesus explicar seu modo de agir, impossível de ser contestado. Cabe-lhe estar com os pecadores, a fim de convidá-los a se voltarem para Deus e, com isso, tirá-los do desespero da marginalização, recordando-lhes que são amados e valorizados por quem os criou, para além da visão hostil dos que se apoderaram da religião. Jesus tem a missão de banir a desesperança de suas histórias! “Nos episódios subsequentes, a narração mostra uma nítida progressão da agressividade dos fariseus e escribas, ao ponto da demência (anoía, 6.11 – tradução Osty)” (ALETTI, 2022, p. 144).

A catequese lucana refere-se à consciência de Jesus, no tocante à hostilidade dos inimigos e ao modo como o viam. Sabia que o chamavam de “comilão e beberrão, amigo de publicanos de pecadores” (7,34). O problema não estava no fato de “comer e beber” e, sim, das pessoas com quem “comia e bebia”. Se fossem os ricos e poderosos, não teria problema! O impasse surgia por se sentar à mesa com os indesejados, os não-amados. Aqui se situava o escândalo dos pretensos amigos de Deus, defensores de uma religião corrompida, pensada nos estreitos limites de sua mentalidade, na contramão de Jesus. Esses se comportavam como médicos cuidando de pessoas saudáveis, enquanto os doentes e enfermos são deixados de lado. Jesus recusava-se a se enquadrar nesse estilo de religião. A convivência com os excluídos implodia um tipo de religião construída no inverso da tradição teológica de Israel, mormente, aquela dos profetas de outrora e sua sensibilidade, perante as vítimas de um sistema iníquo, mantido pela falsa segurança religiosa dos ricos e poderosos, acobertados por quem deveria, em primeiro lugar, protegê-los: o rei e sua corte (STEPHEN, 2023, p. 211-212).

A cena da “pecadora” na casa do fariseu Simão remete, da mesma forma, para a presença de Jesus que perdoa e recria esperança (7,36-50), mas é malvisto. A narrativa evangélica fala de uma mulher conhecida como pecadora, omitindo-se de dizer seu nome e de que pecado se tratava, que toma a decisão de se mostrar grata a Jesus, exatamente, na casa de um fariseu sectário, Simão, no contexto de uma refeição (v. 36-37). Seus gestos de extrema delicadeza (v. 38) deixam chocado o anfitrião que se põe a pensar mal de seu convidado (v. 39). Jesus defronta-o e defende a mulher, denunciando a falta de hospitalidade do fariseu e sua incapacidade de reconhecer a gratidão presente nos gestos daquela mulher (v. 40-47).

Os inimigos de Jesus se recusavam a aceitar que perdoasse pecados e, por consequência, provocasse uma mudança na vida das pessoas. Certa vez, quando disse a um paralítico, carregado numa maca: “homem, teus pecados estão perdoados” (5,20), os escribas e fariseus se puseram a considerá-lo blasfemo, com o argumento de que compete apenas a Deus o perdão dos pecados (5,21). Jesus, dando-se conta de seus pensamentos equivocados, enfrenta-os, mostrando-se ser capaz de ir além do perdão dos pecados (5,22-23). Pode fazer muito mais: ordenar que o paralítico se levante, pegue a maca e vá para casa. O homem obedece-lhe e, à vista de todos, levanta-se e vai para casa. Quem chegara pelo telhado, sai caminhando pela porta, “glorificando a Deus”, repleto de esperança (5,24-25), frustrando os raciocínios enviesados dos opositores de Jesus.

Um segundo grande motivo refere-se à liberdade com que Jesus se relacionava com as prescrições religiosas, tidas como imperativos incontornáveis pelos senhores da religião. O atropelo do preceito do repouso sabático tornou-se um autêntico cavalo de batalha. Jesus se pautava pela lei da vida, prioritária em relação a qualquer outra lei religiosa. Por isso, quando se defrontava com alguém carente de cura, atuava em seu favor, qualquer que fosse o dia da semana, até mesmo o sábado. Foi o que aconteceu com o homem cuja mão direita era atrofiada (6,6-11). O indivíduo estava na sinagoga, em dia de sábado, e Jesus deu-se conta de sua presença. Os escribas e os fariseus estavam atentos para ver o que faria. Sem que tivesse sido solicitado, Jesus pediu ao homem que se levantasse e se colocasse no meio da assembleia e o curou na presença de todos (v. 8-10). Então, os inimigos “se enfureceram e combinavam o que fariam a Jesus” (v. 11), ou seja, de que maneira poriam fim à sua vida, encerrando sua missão de construtor de esperança.

Reação semelhante teve um chefe de sinagoga, por Jesus ter curado uma mulher encurvada em dia de sábado (13,10-13). “Ficou indignado” e argumentou existir outros dias fora do sábado, no quais se pode curar, sem atropelar o preceito sagrado (13,14). Jesus não lhe dá ouvido, chamando-o de “hipócrita” e denunciando-lhe a falta de empatia com a mulher sofredora (13,15-16). Libertada da longa enfermidade, a mulher pode respirar aliviada, caminhando empertigada e glorificando a Deus (13,13). De novo, Jesus realizou seu dever de reconstruir esperança, para indignação dos opositores.

Outra cena evangélica de cura acontece, em dia de sábado, “na casa de um dos chefes dos fariseus”, onde Jesus estava “para tomar uma refeição” e se defronta com um indivíduo hidrópico (14,1-6). Os escribas e os fariseus espreitam (parateroúmenoi – olhavam de perto) – Jesus para ver como agiria. Entretanto, se mantêm calados, quando são interrogados sobre a liceidade ou não de curar em dia de sábado (v. 3-4). Jesus “tomou o doente, curou-o e o despediu”, com o argumento irrefutável: “qual de vocês, se seu filho ou seu boi cai num poço, em dia de sábado, não o retira imediatamente em dia de sábado?” (v. 4-5). Os inimigos não têm como contestar (v. 6) e, com toda probabilidade, passam a nutrir mais antipatia por Jesus, insubmisso à Lei mosaica, numa forma de subversão da ordem religiosa.

Jesus denuncia os escribas e fariseus pela insensibilidade de impor às pessoas fardos pesados que nem eles se dispõem a tocar (11,46). Dessa forma, criam uma religião do desespero, porquanto as pessoas entendem que Deus jamais se dá por contente com o que fazem para lhe demonstrar respeito e obediência. Esse deus, com pitadas de sadismo, está na origem da intolerância dos escribas e dos fariseus, ao verem Jesus curando em dia de sábado, de modo a possibilitar aos curados mudarem de vida e voltarem a ter alegria e esperança de viver. Os inimigos chegam ao absurdo de atribuir a “Beelzebu, príncipe (archóntos) dos demônios” o poder com o qual atua em favor da humanidade privada de esperança (11,14-15). Jesus se defende com a justificativa de agir “pelo dedo de Deus”, donde lhe vem o poder de expulsar demônios (11,20). Sua atuação em prol da esperança torna-se possível por sua ação se alicerçar toda no Pai. Eis porque jamais renunciará à missão de construir esperança no coração humano, pelas investidas dos inimigos, ao revés, permanecerá impávido, até à morte de cruz.

5 Peregrino de esperança até o final

Jesus realizou seu projeto de construir esperança, não se deixando intimidar por quem pretendia impedi-lo. No começo de seu ministério, o evangelista observara: “ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho” (4,30). O término dessa caminhada aconteceu com a morte de cruz. No entanto, teve continuidade na ação dos apóstolos, enviados pelo mundo inteiro, com o compromisso de fazer a esperança brilhar nos corações quem anseiam a Boa-Nova da salvação. Afinal, a mensagem do Anjo do Senhor aos pastores – “hoje, nasceu para vocês um Salvador” – deveria ecoar para toda a humanidade.

Os três prenúncios da paixão (9,22; 9,44-45; 18,31-34) supõem a consciência de Jesus, quanto à rejeição de seu projeto de vida, mormente, por parte dos “anciãos, sumos sacerdotes e escribas” (9,22), a elite religiosa da época, incapaz de se abrir para a nova teologia presente em seus gestos de misericórdia e em suas palavras. Reconhecia ser alto o preço a ser pago por afrontar uma estrutura religiosa refratária a quem lhe denunciava o apego equivocado à Lei mosaica e pensava agradar a Deus pela prática escrupulosa dos preceitos religiosos, cuja interpretação manipuladora, os colocava na antípoda do querer divino (11,42). Quem impunha fardos insuportáveis nos ombros dos outros não se dispunha a “tocá-los com um dedo sequer” (11,46). Essa casta, falsamente fiel a Deus, cuidaria de eliminar Jesus, com o intuito de frustrar a orientação dada à sua vida, na qual a esperança se constituía em eixo vertebrador.

Jesus contou com a possibilidade de um final violento. Não era um ingênuo. Sabia do perigo a que se expunha se prosseguisse sua atividade e continuasse insistindo na irrupção do reino de Deus. Mais cedo ou mais tarde sua vida podia desembocar na morte. O perigo o ameaçava a partir de diversas frentes

(PAGOLA, 2014, p. 416).

Jesus não se deixou abater e, até o extremo da crucifixão, persistiu em manter viva a chama da esperança, a começar pelos discípulos. Quando da última ceia, adverte Pedro – “Simão, Simão, Satanás pediu insistentemente para peneirar vocês como trigo” –, revelando a triste sina dos que lhe eram tão próximos, logo se apressa a dizer: “eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos”. Ao mesmo tempo em que antevê o fracasso do discípulo, como sua tríplice negação, prognostica um tempo novo em sua vida, quando lhe caberia confirmar os irmãos e as irmãs na fé (22,31-34). Lc 22,54-62 narra o início desse tempo novo, ainda naquela noite. Quando Pedro perpetrava a terceira negação, “o galo cantou e o Senhor, voltando-se, fixou o olhar nele. O discípulo, então, se lembrou da palavra que o Senhor lhe dissera: ‘antes que o galo cante hoje, tu me terás negado três vezes’. E, saindo para fora, chorou amargamente (éklasen pikrós)”. O choro amargo corresponde à conversão, prenunciada pelo Mestre, e marca o início da missão de confirmar os irmãos e as irmãs na fé. O discípulo vacilante se tornará discípulo fiel, cuja vida será toda dedicada à missão de motivar os irmãos e as irmãs a perseverarem no caminho aberto pelo Mestre, na esperança de o trilharem na fidelidade a Deus.

Um detalhe da cena da prisão de Jesus, no monte das Oliveiras, pode ser lido sob o prisma da esperança, como marca de seu ministério (22,47-51). Judas Iscariotes havia conduzido os “sumos sacerdotes, chefes da guarda do Templo e anciãos”, até onde o Mestre se encontrava e, com um beijo o entregou. Um dos discípulos reagiu, desembainhando a espada, e, com um golpe, decepou a orelha direita de um servo do sumo sacerdote. Ou seja, respondeu violência com violência, desrespeitando o que lhe fora ensinado (6,27-35). Todavia, Jesus, “tocando-lhe a orelha, curou-o!” O leitor e a leitora da catequese lucana dão-se conta do desespero daquele homem, vendo-se privado da orelha direita e com sangue a correr aos borbotões. Por outro lado, imaginam a alegria que se apoderou dele, ao se ver curado por quem era violentado, com motivos de sobra para deixá-lo sofrer. A desumanidade de que era vítima não demoveu Jesus de seu propósito de vida.

As entrelinhas do relato lucano da paixão, em vários momentos, deixam entrever outros indícios da radicalidade de Jesus no tocante à esperança. Lc 23,8-12 narra o encontro de Jesus com Herodes, que manifestara o desejo de vê-lo (9,9). O v. 8 revela a expectativa do tirano: “havia muito tempo que queria vê-lo, pelo que ouvia dizer dele; e esperava ver algum milagre feito por ele”. Jesus frustrou-o, pois nada respondeu, quando interrogado; tampouco reagiu às investidas dos “sumo-sacerdotes e dos escribas”, que estavam presentes, num patente conluio do opressor romano com a elite religiosa de Israel. Quando Herodes reenvia Jesus a Pilatos, de onde viera, o evangelista faz uma observação importante: “e, neste mesmo dia, Herodes e Pilatos ficaram amigos entre si, pois, antes, eram inimigos” (v. 12). Situa-se, aqui, o tema da esperança: a inimizade se converte em amizade, pela presença de Jesus, na condição de réu, na vida daqueles déspotas, agora reconciliados.

Pendente na cruz, longe de cultivar ódio e desejo de vingança, Jesus se predispõe a perdoar, com foco, não só nos malfeitores (kakourgói), pendentes “um à direita e outro à esquerda” (23,33), mas, em todos quantos foram agentes da injustiça que lhe era infligida, tanto de maneira ativa, notadamente, pela elite religiosa de Jerusalém, quanto de maneira passiva, pelos que não intervieram em seu favor, como os discípulos, que fugiram, renegaram-no e o traíram, e, igualmente, os muitos que foram beneficiados por ele. Para toda essa gente, Jesus declara: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (23,34). O perdão traz consigo a força de quebrantar corações, possibilitar um sincero exame de consciência, com o resultado de gerar conversão. O itinerário aberto pelo gesto de perdoar comporta, necessariamente, a esperança. Caso contrário, a oferta de perdão ficaria bloqueada em seu nascedouro e se mostraria equivocada: seria oferta de algo que, efetivamente, não se quer dar. No caso de Jesus, seria um perdão verbal, da boca para fora, impossível de ser efetivado! Considerando o propósito de vida de Jesus, levado extremamente a sério, o leitor e a leitora podem intuir se tratar de um perdão restaurador, que provém do fundo do seu coração. Todos quantos participaram de sua morte injusta, direta ou indiretamente, podiam se sentir perdoados por ele e isentos de culpabilidade diante de Deus. O futuro se apresentava como tempo de serem justos com os inocentes e gratos a quem lhes fez o bem.

O diálogo tenso e comovente entre Jesus Crucificado e seus companheiros de infortúnio revela-o decidido a levar, até o extremo, a tarefa de construir esperança (23,39-43). Um dos crucificados insultava-o, acusando-o de ser um Messias impotente, incapaz de salvar, tanto a si mesmo quanto aos companheiros de infortúnio (v. 40). O outro, por sua vez, o repreendia, reconhecendo que Jesus “não fez nenhum mal”, enquanto eles “estavam pagando por seus atos” (v. 40-41). E dirigiu a Jesus uma súplica pungente: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino” (v. 42). Longe de censurá-lo e lhe dizer ser tarde demais para se mostrar arrependido e merecedor de clemência, recebe uma resposta carregada de esperança: “em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (v. 43). Aquele homem, cuja vida consistiu em praticar o mal, nos instantes finais, vê-se abrir para si a porta da esperança, representada por aquele justo, condenado sem ter feito mal algum (v. 41). “Para o pecador que, aflito, clama socorro, a resposta de Jesus vem na forma de perdão, que é uma marca da narrativa da paixão de Lucas” (PERONDI; CATENASSI, 2016, p. 22). Não se importando com o passado daquele malfeitor, Jesus livra-o da eterna condenação.

Momentos depois, será a vez de Jesus chegar ao término de sua caminhada terrena, num gesto de ofertório da própria vida, nas mãos de Deus: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” (23,46), uma forma de declarar: “Pai, concluo minha carreira, na total fidelidade ao que prometi no início do minha jornada”, como se narra em Lc 4,21. A vida de Jesus, dessa forma, finda-se com a presença da esperança, pela convicção de ter sido, em tudo, fiel ao compromisso com o Pai . A declaração do centurião que presenciou sua morte de cruz – “realmente, este homem era justo” (23,47) – e o gesto da “multidão que havia acorrido para assistir ao espetáculo, e vendo o acontecido, voltou para casa, batendo no peito” (23,48) – são fruto da esperança cultivada por Jesus, até o extremo da cruz.

O episódio dos discípulos de Emaús, no final da catequese lucana, de certo modo, descreve a dinâmica da esperança, desde sua gênese até o frutos a serem colhidos (24,13-35). Tudo começa com a experiência de fracasso e o consequente desespero, em face do Mestre crucificado, frustração da esperança, nele colocada – “nós esperávamos (elpízomen)”; uma esperança grandiosa: a “redenção (lythroo) de Israel” (v. 21). O rosto sombrio de ambos externalizava o que se passava em seu interior (v. 17). Parecia se confrontarem com um fim implacável!

Em um cenário sombrio, apareceram pontinhos de luz, que poderiam aliviar o peso da dura realidade; contudo, foram postos sob suspeita. Havia chegado aos discípulos informações de que algumas mulheres, dentre as discípulas de Jesus, tinham ido ao lugar onde fora sepultado, não o encontraram; ao invés, tiveram “uma visão de anjos que declararam que ele está vivo”. Um grupo de discípulos foi averiguar o ocorrido, “tal como as mulheres haviam dito”, sem alcançar o verdadeiro objetivo da averiguação: “não o viram!” (v. 22-24). O pessimismo que se abatera sobre eles se confirmou. Era inútil nutrir falsas esperanças, quando o mais sensato seria se convencer do fracasso e assimilá-lo.

A presença de uma pessoa sensata, vinda de fora do ambiente de frustração, pode ser capaz de reverter o quadro. O Ressuscitado desempenhou esse papel, quando se aproximou dos dois, “enquanto conversavam e discutiam entre si [...] e se pôs a caminhar com eles”, “que tinham os olhos impedidos de reconhecê-lo” (v. 15-16). O diálogo começou, a partir de uma pergunta: “que palavras são essas que vocês estão trocando, enquanto estão caminhando?” (v. 17) A verbalização das angústias torna-se ponto de partida para se tomar consciência da real situação em que os desesperados se encontram. Quem as escuta tem a chance de olhar a realidade, sob um novo ângulo. E a nova perspectiva torna-se pista para a superação das interpretações pessimistas, geradoras de prostração.

O desconhecido põem-se a refletir com a dupla de discípulos, a partir da hermenêutica das Escrituras Sagradas, representada por “Moisés e todos os Profetas” (v. 27), segundo a qual a glorificação do “Cristo” supunha que passasse pelo sofrimento e pela morte, frustrando as expectativas de grandeza e poder. Portanto, podiam ficar tranquilos, pois, o acontecido com o Mestre crucificado correspondia ao projeto de Deus: “era necessário” (v. 26 – édei). Em momento algum, a vida do Mestre esteve fora do controle do Pai, mesmo quando pregado na cruz. Com essa chave de leitura, seria possível considerar a realidade de forma diferente e, como consequência, dar uma guinada em suas vidas, passando da tristeza e da desolação à alegria e à esperança.

Foi o que aconteceu com os dois discípulos. Um primeiro sinal consistiu em convidar o desconhecido para se hospedar com eles, “pois cai a tarde e o dia já declina” (v. 29). A hospitalidade voltou a ter sentido em suas vidas. O desespero, na certa, tê-los-ia impedido de perceber que o peregrino tinha necessidade de encontrar um lugar onde pernoitar. E, mais, prepararam-lhe uma refeição e se puseram à mesa com ele (v. 30a). A hospitalidade transformou-se em comensalidade, uma forma de união de corações, própria de quem cultiva valores, tais como, amizade fraterna, apoio mútuo, cuidado, solidariedade. Esse rol de virtudes subsiste no modo de proceder dos que são movidos pela esperança, já que, prescindindo dela, torna-se impossível entabular qualquer tipo de relação interpessoal consistente.

O click da esperança acontece, quando o hóspede anônimo “tomou o pão, abençoou-o, depois partiu-o e distribuiu-o a eles” (v. 30b). Ou seja, assumiu o papel de dono da casa, com direito a fazer a bênção da refeição, como de costume. A sementinha da esperança desabrocha: “seus olhos se abriram e o reconheceram” (v. 31). Os discípulos dão-se conta da transformação por que passaram: “não ardia o nosso coração, quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (v. 32). “Foi, portanto, o caminho na companhia de Jesus que permitiu o caminho através das Escrituras” (ALETTI, 2022, p. 704). Resultado: quem estava com “o rosto sombrio” (v. 17) tem, agora, motivos para voltar a sorrir e recuperar a esperança colocada no Mestre, que haviam perdido.

Um sinal evidente da revolução pela qual passaram torna-se visível na decisão de se levantarem e voltarem para Jerusalém, onde estavam reunidos “os onze e seus companheiros”, ou seja, a comunidade (v. 34), a quem “narraram os acontecimentos do caminho” e como “haviam reconhecido o Ressuscitado na fração do pão” (v. 35).

Com o coração ardendo e com os olhos abertos eles enfrentam a noite escura, sem medo, e voltam para a cidade de onde fugiram, onde vão encontrar os outros irmãos que ainda estão com medo

(PERONDI, 2018, p. 98).

Podendo adiar o regresso para Jerusalém, voltam apressados, sem perda de tempo, adentrando a escuridão noturna com a luz que passou a brilhar em seus corações. Da convicção de que não valia a pena estar com os irmãos e as irmãs de fé, passam a reconhecer a importância e a necessidade de viver em comunidade e levar adiante a missão que o Mestre lhes confiou. Quando pensavam ter chegado a hora de virar uma página em suas histórias, tomam consciência de ser tempo de recomeçar, na certeza de terem consigo o Ressuscitado a lhes fazer arder o coração, dando-lhes coragem para desafiar e vencer os reveses com seu poder de desanimar quem tem a obrigação de manter viva a chama da esperança.

O Ressuscitado “abriu a mente [dos discípulos] para que entendessem as Escrituras” e levassem adiante a missão de “proclamar a conversão para a remissão dos pecados a todas as nações, a começar por Jerusalém” (23,45.47), possibilitando que a humanidade inteira se tornasse beneficiária da salvação que o Ressuscitado tem a oferecer.

Doravante, a humanidade inteira seria contagiada com a esperança, cultivada pelo Mestre até o extremo da morte de cruz, pela atividade incansável de tantos discípulos e discípulas missionários que, “a começar por Jerusalém”, proclamariam “a conversão para a remissão dos pecados a todas as nações” (24,47).

Conclusão

As catequeses evangélicas, enquanto metanarrativas, possibilitam leituras pragmáticas para os leitores e as leitoras que se confrontam com elas, movidos pelo compromisso batismal. Jesus de Nazaré se constitui em paradigma de peregrino de esperança a lhes inspirar um estilo de vida, cuja relevância reconhecem e cuja urgência os dispõem a levá-lo a sério. O tópico da cristologia lucana, aprofundado neste texto, exige ser repensado, na atualidade, onde, mais que nunca, a esperança se constitui em pauta incontornável, para a teologia e a espiritualidade cristãs.

Jesus de Nazaré, peregrino de esperança, convoca seus discípulos e suas discípulas, em parceria com homens e mulheres humanistas e de boa-vontade, a tomarem as dores dos empobrecidos, dos marginalizados, das vítimas da maldade e da crueldade humana, das minorias e, também, de maiorias, cujos direitos básicos lhes são negados. Enfim, dos que vivem no desespero! E lhes dá como tarefa se tornarem peregrinos de esperança, deixando-se interpelar por tantos rostos a clamar por justiça e respeito à sua dignidade de filhos e filhas de Deus. São esses os primeiros destinatários do evangelho da esperança, que os confronta com a certeza de que um outro mundo é possível. Os peregrinos de esperança, como Abraão, saberão “esperar contra toda esperança” (Rm 4,18), na certeza de que “a esperança não decepciona” (Rm 5,5).

  • 1
    Em 6,35, aparece a forma verbal apelpízontes, no sentido de desesperar, abandonar a esperança (ZERWICK; GROSVENOR, 1981, p. 196).
  • 2
    Em Lc, o vocábulo é usado duas vezes, na forma neutra: sotérion (2,30; 3,6), com o sentido de salvação. Sotérios significa salvífico, que traz salvação (ZERWICK; GROSVENOR, 1981, p. 179.182).
  • 3
    Mt e Mc não usam nenhum dos três vocábulos; Jo usa 1x sotér (4,42) e sotería (4,22) (MORGENTHALER, 1982, p. 147).
  • 4
    Mt 15x; Mc 15x; Jo 6x (MORGENTHALER, 1992, p. 147).
  • 5
    A “esperança de Jesus”, em sentido amplo, está descrita em MIES, 2010, p. 1330-1331.
  • 6
    Lc refere-se a Nazará (4,16), enquanto Mt 2,23 e Mc 1,9 usam Nazaret.
  • 7
    O vocábulo “pobres” (ptochós) abarca uma larga faixa do espectro social do tempo de Jesus e do evangelista (COLAVECCHIO, 2013, p. 44-48).
  • 8
    Em momento algum, as catequeses evangélicas se referem aos Doze sendo, de alguma forma, beneficiados por Jesus, como acontece com as mulheres que o seguiam.
  • 9
    “De acordo com Lv 21,17-23, no entanto, essas pessoas nunca poderiam ser qualificadas para o serviço sacerdotal (mesmo que fossem levitas). A lista em Lv 21 [...] inspirou as estipulações em pelo menos dois dos escritos de Qumran, que proibiam tais pessoas ‘defeituosas’ de participar da grande guerra santa final (1QM 7.4-6) e da festa (1QSa 2.5-22)” (EVANS, 2011, p. 225; cf. PAGOLA, 2014, p. 192-196).
  • 10
    Na categoria de pobres, enquanto marginalizados e sem direitos, podem ser inseridas as crianças, a quem Jesus deu atenção e valorizou, quando censurou os discípulos que impediam que fossem levadas até ele – “deixem as crianças virem a mim, e não as impeçam, pois delas é o Reino de Deus” (18,15-17).
  • 11
    Na catequese lucana, quando Jesus aceita o convite de fariseus para comer com eles (7,36-50; 11,37-54; 14,1-24), revela “sua intenção de dialogar e alcançar mesmo aqueles que eram vistos como opositores de sua mensagem” (ARRUDA JUNIOR, 2024, p. 127-128). Eles, porém, não veem com bons olhos Jesus agir da mesma maneira com os marginalizados.

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Editado por

  • Editores
    Márcia Eloi Rodrigues e Franklin Alves Pereira.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2025
  • Aceito
    09 Jun 2025
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