RESUMO
Este artigo apresenta, a partir da análise narrativa, uma proposta de enredo para a narrativa de João 6,1-71, estruturada em três cenas: 6,1-15; 16-21; 22-71. A primeira sessão analisa cada uma das três cenas, apresentando seus respectivos enredos episódicos. Na segunda sessão, o desafio consiste em destacar os elementos unificadores utilizados pelo narrador na conexão das cenas que, naturalmente, produzirá um enredo unificante. Por fim, demonstra a lógica narrativa do enredo unificante, percebendo a contribuição de cada cena para que a narração completa cumpra seu objetivo principal, que é oferecer ao leitor a resposta à pergunta-chave da narrativa: que tipo de Messias Jesus é?
Palavras-chave
João; Pão da Vida; Revelação; Enredo; Análise narrativa
ABSTRACT
This article presents, through narrative analysis, a proposed plot for the narrative of John 6:1-71, structured into three scenes: 6:1-15; 16-21; 22-71. The first section analyzes each of the three scenes, outlining their respective episodic plots. In the second section, the challenge is to highlight the unifying elements employed by the narrator in connecting the scenes, naturally yielding a cohesive plot. Finally, it demonstrates the narrative logic of the cohesive plot, discerning the contribution of each scene to ensure that the entire narration fulfills its primary objective, which is to provide the reader with the answer to the narrative’s key question: What kind of Messiah is Jesus?
KEYWORDS
John; Bread of Life; Revelation; Plot; Narrative analysis
Introdução
Que tipo de Messias Jesus é? Essa é a pergunta-chave que Jo 6 apresenta a seu leitor. Para respondê-la, ele o conduzirá por uma narrativa complexa, formada por três cenas marcantes que, com um toque de genialidade, compõem um enredo único, chamado de unificante. Dessa forma, este artigo tem como objetivo analisar cada uma das três cenas, percebendo como cada uma delas se encaixa na narração total. Em seguida, o desafio consiste em perceber os elementos unificadores utilizados pelo narrador a fim de produzir a sintaxe da narrativa. Por fim, apresenta a lógica narrativa, a partir desses elementos, que constrói um enredo único. Por meio do enredo unificante, o narrador responderá à pergunta-chave. Ao mesmo tempo, em tom pragmático, exigirá do leitor uma resposta de fé diante do que (ou quem) fora revelado.
1 O enredo
Jo 6 pode ser subdivido em cinco quadros narrativos: 6,1-15.16-21.22-34.35-59.60-71. Nem sempre um quadro equivale a uma cena completa, quando se identifica a presença de um enredo. Na intenção de dinamizar a narração, o autor pode unir vários quadros em uma mesma cena (MARGUERAT, 2009, p. 48). Esse procedimento acontece em Jo 6, quando o autor une os três últimos quadros para formar uma cena (6,22-71).
Jo 6, portanto, é uma narração composta de, pelo menos, três cenas: 6,1-15.16-21.22-71. Cada uma delas tem um enredo próprio, que se chama enredo episódico. Assim como num quebra-cabeças, em que cada peça ocupa o seu devido lugar, cada cena tem a sua posição narrativo-literária, formando o enredo unificador, que corresponde à totalidade da narração. Dessa forma, o enredo unificador revela a lógica da estrutura narrativa (VITÓRIO, 2016, p. 58). Ao final da narração, o leitor entende o porquê de cada uma das cenas. Para isso, além de colocar cada cena em seu devido lugar, o narrador deve ser capaz de elaborar sua narração com sintaxe, que são elos entre os diversos enredos episódicos, que direcionam a narrativa. Caso contrário, o leitor não será capaz de captar a lógica (VITÓRIO, 2016, p. 58.). Dessa forma, para se compreender a lógica narrativa de Jo 6, deve-se analisar cada uma das cenas, detectando como se processa a trajetória da ação.
1.1 Enredos episódicos
Para subdividir Jo 6 em episódios narrativos particulares (cenas), dispõe-se de quatro parâmetros: tempo (registra as mudanças de cronologia), lugar (aponta as modificações no espaço), personagens (indica as mudanças na constelação de atores) e tema (pode funcionar como princípio unificador de uma narrativa e manter a unidade através de mudanças de lugar ou de tempo) (MARGUERAT, 2009, p. 45-46).
Após estabelecer os limites literários de uma cena (perícope), deve-se analisar o enredo, que segue uma estrutura formal em cinco passos:
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situação inicial ou exposição: ambienta a narração (tempo, lugar, circunstâncias, personagens, problemas, temas). Desse ponto de partida decorrerá tudo mais;
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nó ou complicação: ação posta em movimento, tornando a narração mais complexa a partir da interação dos personagens;
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ação transformadora ou clímax: corresponde a um fato que interfere de tal modo na narração a ponto de lhe provocar uma reviravolta;
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desenlace: esclarece as muitas questões levantadas pelo leitor ao longo da leitura;
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situação final: trata-se do polo oposto à situação inicial e, consequentemente, estabelece a conexão com a cena seguinte (VITÓRIO, 2016, p. 20-21).
1.1.1 Cena 1: Jo 6,1-15
A primeira cena começa em Jo 6,1. Deve-se, então, analisar a partir daí. Para o recorte da primeira cena, identificam-se os quatro parâmetros:
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tempo: a cena começa com a expressão depois destas coisas (μετὰ ταῦτα – 6,1)1, indicando ruptura com a narrativa anterior (5,1-47). Além disso, Jo 6,4 menciona a proximidade da Páscoa, um importante marco do calendário judaico;
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lugar: Jo 6,1 informa que Jesus, após realizar um sinal em Jerusalém (5,1), partiu para a Galileia, para a região de Tiberíades (do outro lado do mar);
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personagens: a cena anterior (5,19-47) descreve o discurso de Jesus aos judeus em virtude do sinal realizado em Jerusalém (5,1-18). Em Jo 6,1, agora em outro lugar, há uma troca de personagens: mantém-se Jesus e acrescentam-se os discípulos e a multidão;
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tema: Jo 6,1-15 apresentará um novo sinal realizado por Jesus, a multiplicação de pães e de peixes.
Jo 6,1-4 oferece os quatro parâmetros que delimitam a primeira cena, ambientando a narração. Constitui-se, então, a situação inicial. Jesus, após o sinal e o discurso em Jerusalém (5,1-47), desloca-se, juntamente com seus discípulos, para a Galileia. Uma grande multidão o seguia por conta dos sinais. Em tempos de Páscoa, Jesus afasta-se de Jerusalém. Essa distância geográfica, somada à menção “a festa dos judeus” (ἡ ἑορτὴ τῶν Ἰουδαίων – 6,4), conota um sentido teológico. O leitor deverá ficar atento. Com isso, Jo 6,1-4 levanta questionamentos que deverão ser elucidados no decorrer do enredo episódico: o que a multidão espera de Jesus? Terá entendido o sentido dos sinais realizados? Por que Jesus, em tempo de Páscoa, está distante de Jerusalém? Qual será o papel dos discípulos na cena?
O primeiro ato (6,5-10) descreve o encontro de Jesus com a multidão e a interação com seus discípulos. Aqui começa o nó ou complicação. A multidão que seguiu Jesus precisa ser alimentada. O que fazer? Jesus, ao ver a multidão, faz uma pergunta a Filipe: “De onde compraremos pães para que estes comam?” (6,5). Com o questionamento, o narrador dramatiza a cena, pois, se trata de um teste (πειράζω). Jesus sabia como alimentaria a multidão (6,6). A resposta de Filipe eleva o nível da tensão: nem duzentos denários de pão seriam suficientes para que cada pessoa recebesse um pedaço (6,7). De igual forma, André contribui para a construção do nó. Leva até Jesus um rapaz que partilha cinco pães e dois peixes. Não obstante, André considera isso insuficiente (6,9). A postura do rapaz, oferecendo uma quantidade insuficiente, cria o contraste para que se destaque o gesto de Jesus. Então, Jesus orienta que seus discípulos fizessem as pessoas se sentarem. Ele não despedirá a multidão com fome, no entanto, fará algo. O leitor deve ficar atento! Por fim, o narrador informa que havia, aproximadamente, cinco mil homens naquele lugar (6,10). Reforça o contraste, agora, enfatizando a diferença entre a quantidade oferecida pelo menino e a quantidade de pessoas a serem alimentadas. O leitor percebe que não haverá resolução de ordem humana para a situação.
O segundo ato (6,11) descreve o gesto de Jesus. Situa-se, aqui, a ação transformadora ou clímax. Os cinco pães e dois peixes, oferecidos pelo rapaz, são acolhidos por Jesus. Ele os tomou, deu graças e os distribuiu a todos os que estavam sentados. A expressão “conforme desejavam” (ὅσον ἤθελον) demonstra que o gesto de Jesus foi sobrenatural. Com apenas cinco pães e dois peixes, cinco mil homens comeram até ficarem saciados. A impossibilidade de alimentar a multidão é revogada por Jesus. O mistério criado em 6,6 foi revelado.
O terceiro ato (6,12-13) alude à conclusão da alimentação milagrosa. É o desenlace ou desfecho da cena. Em 6,12, o advérbio ὡς (quando; depois de), indica a mudança de ato e o verbo ἐμπίπλημι (encher, saciar) arremata a ação transformadora. Após todos comerem e se fartarem (6,11), Jesus ordena a seus discípulos que recolhessem a sobra, para que nada se perdesse (6,12). Eles obedeceram e encheram doze cestos com as sobras. O narrador reforça que essas são sobras daqueles cinco pães e dois peixes (6,13), oferecidos pelo rapaz (6,9). Algumas das questões levantadas em 6,5-10 são, aqui, já respondidas.
O epílogo (6,14-15) gira em torno do sinal operado por Jesus na cena. É a situação final. A multidão que segue Jesus, por conta dos sinais realizados em favor dos doentes (6,2), recebe um sinal e, com isso, conclui: “Este é, verdadeiramente, o profeta que vem para o mundo” (6,15). Dessa conclusão, surge a intenção de ungir Jesus como rei. Ele, porém, rejeita essa pretensão e se afasta da multidão: “retirou-se de volta para o monte sozinho” (6,15b). A situação inicial (6,1-4) narra a multidão se aproximando de Jesus, parecendo ter entendido o sentido dos sinais. A situação final, porém, demonstra que a multidão não havia entendido os sinais, especialmente o que acabara de ser realizado (6,11). Por isso, Jesus se afasta e permanece sozinho. O mal-entendido da multidão e a ausência de Jesus, inseridos nesse final, preparam o terreno para as próximas cenas (6,16-21.22-71).
Ao final, todas as questões levantadas na situação inicial são respondidas: 1) a multidão procura Jesus por ver os sinais que faz em favor dos doentes e não os compreende como deveria. Além disso, não entenderam o próprio sinal feito em favor dela (6,11). A multidão tem uma expectativa equivocada acerca de Jesus (6,14); 2) Jesus se afasta de Jerusalém na Páscoa e parte o pão com todos ali (“dá graças”). Longe de Jerusalém, em tempo de Páscoa, Jesus realiza um gesto eucarístico; 3) a interação de Jesus com os discípulos demonstra que eles também não haviam compreendido os sinais realizados por Jesus. Apesar de Jesus estar presente na cena, não cogitam a possibilidade que ele possa resolver o problema da fome da multidão. As respostas apresentadas na primeira cena serão aprofundadas ao longo das demais e plenamente respondidas quando se contemplar o enredo unificador.
1.1.2 Cena 2: Jo 6,16-21
Concluída a primeira cena, Jo 6,16 inicia um novo enredo episódico, que, também, deve ser demarcado a partir dos quatro parâmetros estabelecidos:
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tempo: como indicação de mudança na cronologia, nota-se dois indícios temporais. Primeiro, a expressão ὡς δὲ ὀψία ἐγένετο (quando, então, tarde se fez – 6,16); segundo, a expressão καὶ σκοτία ἤδη ἐγεγόνει (e a escuridão já se tinha feito – 6,17). Ambas enfatizam que a segunda cena não acontece no mesmo momento que a primeira. Há uma distância temporal entre as duas. Além disso, a segunda expressão tem um valor teológico, já que, a linguagem dualista é característica no Evangelho de João (EJ);
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lugar: os discípulos deixam Tiberíades e atravessam o mar em direção a Cafarnaum (6,17). A segunda cena se passa a, aproximadamente, vinte e cinco ou trinta estádios do local da primeira cena (6,19), nas águas do mar da Galileia;
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personagens: a multidão, que teve participação ativa na primeira cena, não participa dessa; ficou em Tiberíades. Há, apenas, dois personagens: os discípulos e Jesus. Ausente num primeiro momento, Jesus será inserido no desenrolar do enredo;
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tema: a estabilidade da terra firme dá lugar à instabilidade das águas. É uma cena de travessia e os discípulos enfrentarão as águas agitadas do mar da Galileia. Nesse cenário caótico, Jesus manifestará sua autoridade ao andar sobre as águas.
Jo 6,16-18 estabelece os quatro parâmetros que demarcam a segunda cena, ambientando a narração. Constitui-se, então, a situação inicial. Ao anoitecer (Ὡς δὲ ὀψία ἐγένετο), os discípulos desceram para o mar, entraram no barco e navegaram para Cafarnaum. O narrador lembra o leitor que Jesus não estava com eles e que a multidão permaneceu em Tiberíades. O cenário caótico desperta a atenção: já estava escuro, com vento forte e o mar agitado2; e, tudo isso, sem Jesus por perto. Dessa forma, a situação inicial apresenta questões que deverão ser respondidas ao longo do enredo: por que os discípulos estão se deslocando para Cafarnaum? O que acontecerá naquela cidade? Os discípulos conseguirão atravessar o mar em segurança? Em que momento, e de que forma, Jesus entrará em cena? Qual será a reação dos discípulos quando virem Jesus?
O primeiro ato (6,19) descreve a aparição de Jesus e o encontro com os discípulos. Aqui está o nó. Jesus, que havia ficado sozinho no monte na cena anterior, vai em direção aos discípulos. Tinham remado cerca de vinte e cinco ou trinta estádios, quando viram Jesus andando sobre as águas, aproximando-se do barco. Num cenário de caos, certamente, a presença de Jesus deveria gerar tranquilidade e paz. O leitor, solidarizando-se com os discípulos que enfrentam uma situação difícil, provavelmente, se sente aliviado ao saber que Jesus está indo ao encontro deles, andando sobre as águas – símbolo de autoridade3. Sem dúvida, o leitor espera encontrar esse alívio dentro daquele barco. Isso não acontece, já que ao avistarem Jesus, os discípulos temeram, pois, não o reconheceram. A presença e o gesto de Jesus não são discernidos. Está posta a tensão.
O segundo ato (6,20) refere-se às palavras de Jesus. Situa-se, aqui, a ação transformadora ou clímax. Ante à reação dos discípulos, Jesus se dá a conhecer, numa linguagem de teofania, e os convida a superar o medo que, geralmente, acompanha as manifestações de Deus (Ex 19,16; Dt 18,16) (KONINGS, 2017, p. 211): “Eu sou, não temais” (ἐγώ εἰμι· μὴ φοβεῖσθε). A presença salvadora de Jesus, outrora ofuscada aos olhos dos discípulos, torna-se nítida por conta de suas palavras de revelação. Essas palavras, porém, deverão ser acolhidas por eles. Apesar do leitor já saber que Jesus estava na cena, há suspense em relação à reação dos discípulos.
O terceiro ato (6,21a) descreve a resposta dos discípulos, desfazendo o suspense. É o desenlace da narrativa. O medo gerado ao não reconhecerem Jesus é dissipado: “Queriam, então, recebê-lo no barco” (ἤθελον οὖν λαβεῖν αὐτὸν εἰς τὸ πλοῖον). O verbo θέλω (querer, desejar) (RUSCONI, 2009, p. 224) tem conotação de intenção, desejo (LOUW; NIDA, 2013, p. 259 e 320). Expressa que os discípulos superaram o medo e tencionam receber Jesus no barco. A presença de Jesus sobre as águas não é mais fonte de medo, mas, uma presença desejada.
Em relação à tradição sinótica, há uma mudança significativa. Mateus e Marcos relatam que Jesus, após ser reconhecido pelos discípulos no meio da tempestade, foi acolhido no barco (Mt 14,22-33; Mc 6,45-52). João, porém, omite essa informação. Apenas relata que os discípulos têm a intenção de receber Jesus no barco. João deixa uma lacuna. Muitos comentaristas preenchem esse branco narrativo a partir da tradição sinótica, tendo como óbvia a acolhida de Jesus no barco4.
A omissão, porém, serve como estratégia narrativa, preparando o leitor para a próxima cena. O leitor descobrirá, em Jo 6,64, que Jesus sabia que alguns discípulos, de fato, não creram nele, e que um entre eles o entregaria. Em Jo 6,21a, portanto, o narrador antecipa o elemento da desconfiança: apesar de superarem o medo e tencionarem receber (acolher = λαμβάνω) Jesus, ele não entra no barco. Θέλω é usado, em Jo 6,21, no modo imperfeito do indicativo5. Isso sugere a ideia de desconfiança, da parte de Jesus, que o narrador deseja, sutilmente, comunicar. Dessa forma, a intenção dos discípulos de receber (acolher) Jesus é uma ação que não permanece, não tem efeito no presente. Essa descontinuidade constitui o final da cena 3, pois, muitos discípulos o abandonarão e um deles o entregará (6,60.64.66).
O epílogo (6,21b) é a situação final. O barco dos discípulos, que enfrentava as contrariedades do vento forte e do mar agitado, chegou a seu destino: Cafarnaum. A instabilidade apresentada na situação inicial dá lugar à estabilidade. A presença de Jesus mudou a sorte dos discípulos. Essa mudança de cenário é demarcada por, pelo menos, três aspectos: 1) o jogo dos movimentos: em Jo 6,16, os discípulos desceram para o mar (κατέβησαν οἱ μαθηταὶ αὐτοῦ ἐπὶ τὴν θάλασσαν). Saíram do lugar seguro e encararam o caos. Ao final, fizeram o movimento contrário: deixaram o caos e retornaram à segurança (εὐθέως ἐγένετο τὸ πλοῖον ἐπὶ τῆς γῆς εἰς ἣν ὑπῆγον); 2) a mudança geográfica: no início da cena, os discípulos vão para o mar e, ao final, desembarcam em terra firme. Ao falar do destino do barco, o narrador utiliza o substantivo γῆ (terra) e não a expressão πέραν τῆς θαλάσσης (do outro lado do mar) e nem Καpαρναούμ (Cafarnaum). Terra e mar se contrapõem; 3) a presença de Jesus: o narrador informa que Jesus não estava com os discípulos no início da travessia. Em 6,20, porém, Jesus entra em cena, andando sobre as águas, manifestando sua autoridade por meio de sua palavra.
Na cena dois, o leitor encontra resolução para algumas questões: 1) os discípulos conseguiram atravessar o mar e alcançaram a outra margem, graças a Jesus; 2) quando já escuro, no meio do vento forte e da agitação do mar, Jesus vai ao encontro de seus discípulos andando sobre as águas. Sua presença, num primeiro momento, causa medo. Entretanto, ao proferir suas palavras, o temor é dissipado. O suspense permanecerá por mais um tempo. Ainda não se sabe porque os discípulos estão indo para Cafarnaum e nem o que acontecerá naquela cidade, palco da próxima cena.
1.1.3 Cena 3: Jo 6,22-71
Jo 6,22 abre a terceira e última cena da narração. Essa, como as demais cenas, tem os quatro parâmetros de delimitação:
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tempo: a expressão “no dia seguinte” (τῇ ἐπαύριον), comum no Evangelho de João (EJ) (1,29.35.43; 12,12), demarca o início do episódio. Destaca que o relato da travessia para Cafarnaum aconteceu no dia anterior. Há uma distância cronológica. Além disso, a experiência no mar aconteceu no final da tarde (Ὡς δὲ ὀψία ἐγένετο – 6,16), dominada pela escuridão (καὶ σκοτία ἤδη ἐγεγόνει – 6,17). A terceira cena, porém, será marcada pelo dualismo. As palavras de Jesus serão proclamadas na luz do novo dia, simbolismo importante no Evangelho de João (EJ);
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lugar: 6,21b, além de se constituir como situação final da cena 2, ambienta o novo episódio. Os discípulos, que navegavam para o outro lado do mar (πέραν τῆς θαλάσσης – 6,17), chegaram ao destino: Cafarnaum. A terceira cena acontecerá nessa cidade (6,17.24.59). Antes, porém, o narrador prepara o cenário, reunindo os principais personagens. Para isso, narra o deslocamento da multidão, que ficara em Tiberíades (6,22). Ao perceber que Jesus se dirigiu a Cafarnaum, vai à procura dele (6,24). Em Jo 6,22-24, então, relata-se o deslocamento da multidão, de Tiberíades a Cafarnaum;
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personagens: a multidão, que não participou do segundo episódio (6,16-21), é inserida novamente (6,22.24). Apesar da menção inicial, os discípulos participarão ativamente somente no final da cena. Além disso, um novo personagem é introduzido: “os judeus” (6,41.52). Sua presença será importante para a tensão narrativa. Semelhante à primeira cena, Jo 6,22-71 apresenta personagens singulares, Simão Pedro e Judas Iscariotes (6,68.71), ambos representando os Doze (6,70). Portanto, a terceira cena possui uma nova constelação de personagens: Jesus, a multidão, “os judeus”, os Doze, Simão Pedro e Judas Iscariotes;
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tema: o sinal realizado por Jesus na primeira cena (6,1-15) ecoa em Jo 6,22-71. A multidão o procura novamente (6,24). Logo, o leitor se questiona a respeito da real motivação, já que Jesus se afastou quando concluíram ser ele o profeta-rei (6,15). O mal-entendido em relação ao sinal dos pães e dos peixes (6,26-27) será oportunidade para que Jesus se revele, por meio de suas palavras, como o “pão da vida” (6,34-35). Ao final, a cena exigirá dos personagens (e do leitor) uma decisão a respeito de Jesus: suas palavras são duras, impossíveis de serem ouvidas (6.60.66); ou, ele tem palavras de vida eterna, não há para quem ir além dele (6,68).
Muitos elementos surgirão ao longo da cena, mas, sempre relacionados com o horizonte fixado em Jo 6,22-24, que descreve a situação inicial. Nesse prólogo estão os quatro critérios de recorte, ambientando o episódio. No dia seguinte à multiplicação de pães e de peixes (6,1-15), a multidão, percebendo que Jesus e os discípulos não estavam mais em Tiberíades, partiu para Cafarnaum à procura dele. Como num flashback (analepse), o narrador recorda o sinal realizado no dia anterior, especialmente, o gesto de Jesus: “tendo dado graças o Senhor” (εὐχαριστήσαντος τοῦ κυρίου – 6,23). Depois, relembra o fato de que os discípulos partiram sozinhos para a travessia do mar e que Jesus não havia entrado no barco com eles (6,22). A constituição do cenário no terceiro episódio suscita algumas indagações: por que o narrador relembra acontecimentos das cenas anteriores? Por que a cena se desenrola em Cafarnaum? Qual é a importância dessa cidade para o tema a ser desenvolvido na narração? Por que a multidão procura Jesus novamente? Qual é a real motivação? Terá ela entendido o sinal? Qual é o verdadeiro sentido do sinal realizado por Jesus?
O primeiro ato (6,25-60) retrata a interação entre os personagens e Jesus. Aqui começa o nó. Ao encontrar Jesus em Cafarnaum, a multidão indagou-lhe a respeito da forma de seu misterioso deslocamento: “Rabi, quando chegaste aqui?” (ῥαββί, πότε ὧδε γέγονας; – 6,25). A multidão percebeu que havia apenas um barco e que Jesus não entrou nele com os discípulos (6,22). O uso da palavra “rabi” (ῥαββί), somado à menção de que tudo se passa numa sinagoga em Cafarnaum (6,59), dá ao nó conotação de ensino e de conflito.
A resposta de Jesus revela que há algo a ser ensinado à multidão (e, ao leitor, também). A desconfiança de que ela não havia entendido o significado do sinal no dia anterior se confirma. A multidão está à procura de Jesus apenas para comer pão novamente. A intenção equivocada é denunciada. É necessário trabalhar por uma comida de outra natureza, que não perece e que é dada somente pelo Filho do Homem (6,26-27). O uso do verbo έργάζομαι (trabalhar) suscita a pergunta pelas “obras de Deus”, importante expressão na piedade judaica: “Que faremos para que trabalhemos (obremos) as obras de Deus?” (6,28). Há somente “uma obra” a ser realizada: crer em Jesus, o enviado (6,29). Enquanto na pergunta aparece “obras” (ἔργα), o narrador utiliza o substantivo no singular, “obra” (ἔργον), na resposta de Jesus. Faz, com isso, uma correção esperada: “a obra de Deus aguarda, não um ‘fazer’, mas, um ‘crer’; não se trata, portanto, de um serviço a ser executado, e sim da aceitação de um dom” (ZUMSTEIN, 2014, p. 222).
A complicação segue se estruturando a partir do mal-entendido. Ao ouvir a respeito da necessidade da fé no enviado de Deus, a multidão exige de Jesus um sinal para crer nele: “Que (obra) realizas?” (τί ἐργάζῃ; – 6,30). A exigência confirma a percepção de Jesus. A multidão, mesmo vendo os sinais realizados (6,2.11.14), não creu em Jesus. Não conseguiu ir além da materialidade dos gestos. Por isso, exige outros sinais legitimadores, tendo o “maná comido no deserto” (“pão do céu” – Ex 16,4.15; Sl 78,24; Ne 9,15) e Moisés como paradigmas da exigência (6,31). A superficialidade e a incompreensão se manifestam: a multidão “evoca o dom feito aos seus antepassados quando acaba de saciar-se (v. 11) e quis fazer de Jesus o seu rei (v. 15)” (ZUMSTEIN, 2014, p. 223).
Jesus continua sua correção, demonstrando a diferença entre o que a multidão espera e o dom que ele oferece. O que a multidão supõe: no passado, por meio de Moisés, seus antepassados comeram “pão do céu” (6,31). O que Jesus diz: agora, no presente, “meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu”, não Moisés; este pão “é o que desce do céu e dá vida ao mundo” (6,32-33). O alimento oferecido por Moisés foi, no máximo, uma prefiguração. O verdadeiro pão, capaz de oferecer vida eterna, é dado pelo próprio Deus, sem mediação. Esse dom está disponível hoje, não encerrado no passado. Seu alcance é ilimitado: “ao mundo”, não apenas aos israelitas (KONINGS, 2017, p. 214). Limitada pela compreensão material do pão, a multidão pede a Jesus que sempre lhe dê desse pão (6,34). Esse mal-entendido assemelha-se ao da samaritana, a respeito da água (4,15) (KONINGS, 2017, p. 214).
A partir do mal-entendido, Jesus se revela como o dom oferecido por Deus, o “pão da vida” (6,35). Quem for a ele não terá mais fome e sede. Ele desceu do céu (καταβέβηκα ἀπὸ τοῦ οὐρανοῦ) para fazer a vontade do Pai: “que tudo o que me deu não perca dele mas o ressuscite no último dia” (6,39); “que todo o que vê o Filho e crê nele tenha vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (6,40). Jesus sabe, porém, que a multidão o viu, contudo, não creu (6,36). Novamente, o narrador destaca a incompreensão acerca dos sinais realizados (6,14-15.26.36).
De repente, surge uma mudança significativa. A partir de Jo 6,41, o interlocutor de Jesus transforma-se de multidão para “os judeus”. Beutler entende essa alteração como um recurso linguístico de João, uma vez que “os judeus” são os antagonistas clássicos de Jesus desde o primeiro capítulo (1,19): “na medida em que os parceiros do diálogo se recusam a crer em Jesus, eles se tornam ‘judeus’” (BEUTLER, 2015, p. 178). Apesar da transição de interlocutores, o diálogo segue dinamizado pelo mal-entendido. Por duas vezes, “os judeus” não conseguem entender o que Jesus está dizendo (6,41.52).
Primeiro, o mal-entendido acerca da origem de Jesus. Se ele é o “pão que desceu do céu” (6,32.33.35.38), se ele é o Filho do Homem (6,27) que um dia virá sobre as nuvens do céu, como é possível que tenha uma família conhecida em Nazaré? Por isso, “os judeus” murmuravam contra Jesus: “não é este Jesus, o filho de José, do qual nós conhecemos o pai e a mãe?” (6,41). Ele, porém, não tenta demonstrar a veracidade da identidade que reivindica, todavia, especifica a atitude que permite sua descoberta. Como aponta Zumstein, “o caminho de fé que Jesus propõe aos seus ouvintes relutantes está ligado a duas condições: a eleição e a compreensão correta da Escritura” (ZUMSTEIN, 2014, p. 233) (Jo 6,37.45).
Na resposta do primeiro mal-entendido, surge um segundo: “como pode este nos dar (sua) carne para comer?” (6,52). As palavras ditas por Jesus até aqui (6,25-51), são, então, aprofundadas a partir de uma nova autoproclamação (KONINGS, 2017, p. 220). Em 6,51, ele se autoproclama como “o pão vivo que desceu do céu” (ἐγώ εἰμι ὁ ἄρτος ὁ ζῶν ὁ ἐκ τοῦ οὐρανοῦ καταβάς). Segundo Konings, a mudança de “pão da vida” (ἄρτος τῆς ζωῆς) para “pão vivo” (ἄρτος ὁ ζῶν) indica que Jesus não somente dá o pão da vida, nem apenas é o pão da vida (o ensinamento em pessoa), no entanto, que ele tem a vida em si mesmo (KONINGS, 2017, p. 220). Dessa forma, o acento não está mais na sua ética e no seu ensino, antes, no ato generoso de doação da própria vida, na cruz: “o pão que eu darei é a minha carne” (6,51b). “Exatamente no momento da cruz, Jesus será, mais do que nunca, mensagem e palavra do Pai” (KONINGS, 2017, p. 221). Para Léon-Dufour, a realidade dessa doação na cruz é enfatizada pelas palavras “carne” e “sangue”:
No nosso texto, as expressões paralelas “carne” e “sangue” evocam certamente a condição humana que o Filho do Homem assumiu desde que desceu do céu para ser “elevado”. Como na carta aos Hebreus, também para Jo a condição mortal era necessária para que o Enviado pudesse cumprir sua missão
(LEON-DUFOUR, 1996b, p. 124).
Segundo Zumstein (2014, p. 238), não é mais o “revelador encarnado” (“o pão que desceu do céu”) que detém o papel principal na narrativa, e sim o “Crucificado-Elevado”, referindo-se a um tempo pós-pascal. A vida, portanto, está disponível para aquele que “come a carne” e “bebe o sangue” de Jesus (6,53), permanecendo nele (6,56-57). Esse novo modo de apropriação da vida, oferecida pelo Crucificado, materializa-se no dom do “pão da vida”, distribuído durante a última Ceia (Jo 13,1-30) e revivido na eucaristia comunitária (ZUMSTEIN, 2014, p. 238). A nova experiência contrapõe-se à realidade vivida pelos antepassados (“vossos pais”): comeram o maná no deserto, no entanto, morreram (6,58). A oposição é ressaltada por uma nota do narrador: “estas coisas disse ensinando na sinagoga de Cafarnaum” (6,59). Para Zumstein (2014, p. 238), a indicação do lugar em que essas palavras foram ditas é significativa, pois, “exatamente no lugar onde a fé tradicional foi ensinada, Jesus apresentou sua ‘reinterpretação cristológica’ da história fundadora do maná”.
Ao final do ato, nota-se outra mudança actancial. Enquanto “os judeus” saem de cena, os discípulos, até então silenciosos, ressurgem como interlocutores de Jesus. Reagem, negativamente, às palavras dele: são duras (σκληρός) e difíceis de serem ouvidas (ἀκούω) (6,60). Com isso, está configurado o nó da narrativa: a multidão não compreendeu o sinal do pão (6,14-15.26.30.34); “os judeus” não conceberam Jesus como “Lógos preexistente-encarnado” (6,42) e nem entenderam o significado de sua autodoação como evento promotor da vida (6,52); por fim, os discípulos consideraram duras as palavras de Jesus – estão escandalizados (6,60).
A incompreensão da multidão e a incredulidade de “os judeus” não surpreendem o leitor (2,23-25; 5,18). A atitude dos discípulos, porém, gera tensão e suspense. Quando Jesus manifestou sua glória em Caná da Galileia, seus discípulos creram nele (2,1-11). Agora, porém, mesmo depois de outros sinais, a fé encontra-se abalada: estão escandalizados (σκανδαλίζω) pelo discurso (λόγος) de Jesus, considerado duro. Há suspense: qual será o desfecho da cena? O que Jesus fará diante da reação dos discípulos? O escândalo será reforçado ou removido?
O segundo ato (6,61-65) descreve a resposta de Jesus aos discípulos. Situa-se, aqui, a ação transformadora. Percebendo a murmuração dos discípulos e a dificuldade para ouvir suas palavras, Jesus não recua, antes, reforça o escândalo. Anuncia sua volta à esfera divina, simbolicamente situada nas alturas: “Se, então, virdes o Filho do Homem subindo para onde estava primeiro?” (LEON-DUFOUR, 1996b, p. 132) (Jo 6,62).
O verbo “subir” ou “tornar a subir” (anabáino) corresponde literariamente ao verbo “descer” (katabáino) da primeira parte do discurso. A descida do céu exprimia a vontade amorosa do Pai dando aos homens o verdadeiro Pão (6,32), a volta “para onde estava antes” significa que a missão do Filho está cumprida. O Senhor havia anunciado, segundo Isaías: “Minha palavra não torna a mim sem ter executado o que me agrada e levado a termo aquilo para que a enviei”
(LEON-DUFOUR, 1996b, p. 132) (Is 55,11).
Os discípulos se queixam de não suportarem a declaração de ter Jesus “descido” do céu. Contudo, essa realidade não corresponde à missão completa do Filho. Por isso, lhes pergunta, em Jo 6,62, o que pensarão quando, por meio de sua elevação, a missão for concluída (BROWN, 1979, p. 527). Segundo Léon-Dufour, a conjunção ἐὰν (se) sugere uma eventualidade, pois, a ação de “ver” (θεωρέω) a subida do Filho do Homem pressupõe um ato de fé (LEON-DUFOUR, 1996b, p. 133).
Não se pode ver o mistério anunciado sem crer na divindade do Filho do Homem. Para o leitor que acredita, a eventualidade encarada aguarda uma resposta do tipo: “Vós crereis plenamente”; é o que será confirmado no discurso de despedida: o Paráclito demonstrará ao fiel que Jesus é justificado pela sua “volta” (hypágō) ao Pai. Neste caso, a conjunção eán poderia equivaler a “quando virdes”: a palavra de Jesus será completada pela revelação do Espírito Paráclito que introduzirá a verdade plena. Quanto ao descrente que ouve tal anúncio, ele certamente não “verá” Jesus subir ao céu, mas o verá desaparecer, e esta eventualidade constatada reforçará seu escândalo; como este homem que anuncia a sua morte poderia, a despeito de seu desaparecimento, continuar a vivificar o mundo?
(LEON-DUFOUR, 1996b, p. 133).
A grande questão que transparece é: como entender o destino de Jesus sem sucumbir ao escândalo? A resposta de Jesus é que somente o Espírito, ou seja, a ação do próprio Deus, pode trazer uma compreensão correta da trajetória do Revelador (6,63) (ZUMSTEIN, 2014, p. 241). Desse entendimento provém a vida. Ao contrário, a carne (ἡ σὰρξ), na medida em que indica a autossuficiência humana, é inútil (οὐκ ὠφελεῖ οὐδέν). Somente quem se abre à ação do Espírito pode perceber na pessoa de Jesus a presença do Pai. O dualismo evocado, Espírito e carne (πνεῦμα – σὰρξ), tem paralelo com a narrativa de Nicodemos: “se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá ver o Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne; o que nasceu do Espírito é espírito” (3,5b-6).
Surge, então, outra questão crucial: se o Espírito é o que garante a fé e, consequentemente, a vida, onde pode ser encontrado e recebido? Jesus oferece a resposta: “as palavras que eu vos falei são espírito e são vida” (τὰ ῥήματα ἃ ἐγὼ λελάληκα ὑμῖν πνεῦμά ἐστιν καὶ ζωή ἐστιν – 6,63). Portanto, somente quem acolhe as palavras de Jesus receberá o Espírito e a vida eterna. Ele batiza com o Espírito Santo, que desceu e permanece sobre ele (1,33).
Deste modo, no v. 63, aparece mais uma vez Jesus afirmando que o homem não pode conseguir a vida por suas próprias forças. Se Jesus é a revelação divina que vem do céu, o mesmo que o pão para alimentar aos homens, sua intenção é comunicar-lhes o princípio da vida eterna. O homem que aceita as palavras de Jesus receberá o Espírito vivificante
(BROWN, 1979, p. 528).
Jesus, porém, sabe que há entre os discípulos alguns que não creem (6,64). O evangelista destaca a onisciência de Jesus, informando que ele já sabia desde o início quem eram os que não acreditavam e quem havia de entregá-lo. Segundo Brown (1979, p. 528-529), Jo 6,64 é uma reminiscência de Jo 6,35-50, trecho em que o pão se refere, primariamente, à revelação de Jesus, em quem é preciso crer. Repete, agora aos discípulos, a advertência feita sobre a falta de fé, em Jo 6,36. “A advertência se mantém nos v. 37, 40 e 44, com alusões à necessidade de que se cumpra a vontade do Pai: somente creem em Jesus aqueles que são atraídos pelo Pai” (BROWN, 1979, p. 529).
Ante a incredulidade de muitos discípulos (6,61), Jesus finaliza sua resposta reafirmando que a possibilidade inversa, a fé, continua sendo um dom: “por isso disse a vós que ninguém pode vir a mim, se não tiver sido dado do (meu) Pai” (6,65). Se a incredulidade é a expressão da vontade humana, colocada diante da oferta do Revelador, a fé é uma oportunidade concedida por Deus. Não é uma iniciativa humana: “a liberdade de crer é um dom, concretizado na ‘descida’ e ‘subida’ do Filho do Homem, isto é, no evento da revelação que precede qualquer resposta humana” (ZUMSTEIN, 2014, p. 241).
Dessa forma, concretiza-se o clímax da terceira cena. Os discípulos, outrora escandalizados, têm diante de si a alternativa para superarem esse impasse. Devem escolher, pois “a revelação de Jesus não se impõe ao homem como uma evidência, ela se propõe a uma liberdade” (LEON-DUFOUR, 1996b, p. 135). Se insistirem em considerar duras as palavras de Jesus, permanecerão no escândalo e morrerão (6,49.58). Porém, se acolherem essas palavras, receberão o Espírito e viverão para a eternidade (6,51.58). Apesar de serem difíceis de ouvir (6,60), as palavras de Jesus são o caminho para a vida (6,63). O suspense, então, atinge seu auge: qual será a decisão dos discípulos?
O terceiro ato (6,66-69) descreve as consequências da resposta de Jesus ao escândalo de seus discípulos. É o desenlace da terceira cena, marcado por um contraste. Os “muitos discípulos” (πολλοὶ [ἐκ] τῶν μαθητῶν αὐτοῦ), que antes murmuraram por conta das palavras de Jesus, tomaram sua decisão: “desde isso muitos d[entre] os seus discípulos partiram para trás e não mais com ele andavam-em-redor” (6,66). O escândalo inicial evoluiu para deserção. Rejeitaram o dom de Deus e permaneceram na carne (σὰρξ). Por isso, não puderam ouvir as palavras de Jesus (τίς δύναται αὐτοῦ ἀκούειν; – 6,60) e, naturalmente, continuarão sem fé e sem vida (6,64).
Contrapondo-se à apostasia dos “muitos discípulos”, surge uma confissão: “para um pequeno grupo, as palavras de Jesus constituem a condição de possibilidade de fé e, portanto, de vida eterna” (ZUMSTEIN, 2014, p. 242) (6,67-69). Ante a deserção, Jesus volta-se ao pequeno grupo de discípulos, denominado “os Doze” (τοῖς δώδεκα)6, e pergunta: “não quereis também vós partir?” (μὴ καὶ ὑμεῖς θέλετε ὑπάγειν; – 6,67). Exige-se uma resposta. Léon-Dufour afirma que o verbo ὑπάγω (partir, retirar-se, ir embora) junta à ideia do “ir-se” (partir) a de um retorno para casa7, portanto, “dentro do contexto, a do retorno dos Doze para sua existência anterior” (LEON-DUFOUR, 1996b, p. 137).
A resposta é dada por Simão Pedro: “Senhor, para quem iremos? Palavras de vida eterna tens” (κύριε, πρὸς τίνα ἀπελευσόμεθα; ῥήματα ζωῆς αἰωνίου ἔχεις – 6,68). “No ‘nós’, Pedro fala não só por si, mas como porta-voz do grupo dos Doze e da comunidade nascente” (BEUTLER, 2015, p. 186). Segundo Zumstein (2014, p. 242), Pedro, ao utilizar o mesmo verbo que expressa apostasia (ἀπέρχομαι = partir – 6,66), subverte seu significado, demonstrando a insensatez de se afastar de Jesus, pois, somente ele tem “palavras de vida eterna”. Todo o conteúdo do discurso (6,35-58), julgado inadmissível pelos “muitos discípulos”, é acolhido sem reserva pelos Doze. Como consequência da opção positiva, Pedro (e “os Doze) confessa: “nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” (καὶ ἡμεῖς πεπιστεύκαμεν καὶ ἐγνώκαμεν ὅτι σὺ εἶ ὁ ἅγιος τοῦ θεοῦ – 6,69).
Que se entende por “Santo de Deus”? O apelativo, raro, é difícil de interpretar. Pedro não retoma nenhum dos termos pelos quais Jesus se designou no discurso (Filho, Pão da Vida, Enviado de Deus, Filho do Homem), nem mesmo nenhum dos títulos tradicionais correspondentes à expectativa judaica; estes já foram aplicados a Jesus pelos discípulos de João Batista no capítulo primeiro (Messias, Filho de Deus, Rei de Israel). É de notar que Pedro traduz aqui, à sua maneira, que é Jesus para ele. Faz eco ao Sl 16, o único texto onde se encontra, na Septuaginta, a expressão “teu Santo” (cf. At 2,27)? Este Salmo canta a profunda intimidade entre Deus e o orante. Será que Pedro entende aqui a intimidade de Jesus com Deus? Jesus proclamou sua união com o Pai (5,19-30), ele proclamará mais tarde ter sido “santificado por Deus” (10,36; 17,19). O apelativo “Santo de Deus” supera de muito o de “Messias”, mas se une ao de “Filho de Deus” confessado por Simão Pedro em Mt 16,16
(LEON-DUFOUR, 1996b, p. 138-139).
O epílogo (6,70-71) descreve a reação de Jesus frente à confissão de Pedro, que surpreende o leitor. Constitui-se a situação final. Ao invés de felicitar o discípulo por ter tomado a decisão correta, Jesus emite um alerta: “não eu vos escolhi doze? E um de vós é diabo” (οὐκ ἐγὼ ὑμᾶς τοὺς δώδεκα ἐξελεξάμην; καὶ ἐξ ὑμῶν εἷς διάβολός ἐστιν – 6,70). A advertência tem uma dupla função. Primeiro, enfatiza que a confissão de fé é um dom. O aoristo ἐξελεξάμην (escolhi) faz referência a um evento passado, o chamado dos Doze, não mencionado no evangelho. Trata-se de uma analepse que extrapola os limites do Evangelho de João (EJ), teologicamente significante. Primeiro, indica que a fé manifestada não deve ser encarada como resultado da iniciativa dos Doze, e sim de Deus. Só é possível crer porque, antes, foram escolhidos. Segundo, a advertência de Jesus sublinha que o dom não é, de forma alguma, uma garantia. Apesar de serem escolhidos, um dentre os Doze “é um διάβολος (diabo), ou seja, alguém que age fora do plano de Deus e contra ele” (ZUMSTEIN, 2014, p. 243).
Por fim, o evangelista revela ao leitor a identidade do “diabo”: “dizia, pois, de Judas de Simão Iscariotes; pois este estava para o entregar, um dos doze” (6,71). Essa menção confirma o que fora dito em 6,64. Ao nomear o traidor, sustenta que aquele que vai entregar Jesus é, precisamente, um dos Doze. A confissão de fé, mesmo sendo resultado do dom divino, é frágil. Deve ser confirmada cotidianamente.
A terceira cena (6,25-71) termina no polo oposto à situação inicial (6,22-24). A narração começa enfatizando a iniciativa da multidão: ela nota (ὁράω) a ausência de Jesus em Tiberíades, sobe (ἐμβαίνω) no barco e parte (ἔρχομαι) para Cafarnaum procurando (ζητέω) Jesus (6,24). Em contraste, a narrativa termina destacando a iniciativa divina: “Não eu vos escolhi (ἐκλέγω) doze?” (6,70a). A fé da multidão, sustentada pela própria iniciativa, retrocede para a incredulidade (6,24.26.34.41.52.60); apesar de encontrar Jesus, não permanece com ele. Já o escândalo dos discípulos é superado pelos Doze, graças à iniciativa do Pai (6,60.66.68-69). Permanecerão com Jesus. Na construção da cena, destaca-se o verbo ζητέω (procurar – 6,24), importante no Evangelho de João (EJ), usado em 4,23, no diálogo de Jesus com a samaritana. Ele, ao falar com a mulher a respeito dos verdadeiros adoradores, os que adoram em Espírito e em verdade, afirma: “estes são os adoradores que o Pai procura (ζητέω)”. Nesse sentido, o leitor perceberá, na leitura de Jo 6, que o encontro de Jesus com a multidão será resultado do esforço da carne e não do Espírito (6,63). A multidão apoia-se na própria busca; os Doze, em sua eleição divina.
Ao final da cena, todos os questionamentos levantados são respondidos: 1) João retoma os acontecimentos da primeira cena (6,1-15.22-24). A multidão, que vira o sinal do pão, não conseguiu entender o verdadeiro significado daquele gesto. Apenas querem comer de novo. O mal-entendido servirá de oportunidade para que Jesus se revele como “pão da vida”, dom de Deus ao mundo; 2) a revelação acontece em Cafarnaum, na sinagoga. Esse elemento é importante em virtude do antagonismo de “os judeus”. Justamente diante desse conflito, os discípulos deverão tomar uma decisão em relação a Jesus; 3) a verdadeira fé, explicitada pela narrativa, só é possível como resultado da graça de Deus. A iniciativa humana não sustenta a permanência com Jesus. O leitor, portanto, caso queira seguir o caminho dos “Doze”, deverá acolher, sem reservas, as palavras de Jesus, pois, comunicam Espírito e vida (6,63).
1.2 Enredo unificante
Assim como um amontoado de tijolos não forma uma parede, várias cenas em sequência não constituem uma narrativa. O que faz dos tijolos uma parede é o cimento, que une e sustenta cada peça, deixando tudo em seu devido lugar. De igual forma, numa narrativa, são necessários elementos unificadores (sintaxe), ou seja, elos entre os diversos enredos episódicos, para direcionarem a narração. Ao conectar devidamente as cenas, forma-se o enredo unificante, que corresponde à totalidade da narração (VITÓRIO, 2016, p. 58-59). Nesse sentido, uma vez que se analisa os três enredos episódicos que compõem o texto de Jo 6 (6,1-15.16-21.22-71), surge a tarefa de explicitar os elos entre as referidas cenas e, consequentemente, a unidade semântica do conjunto (enredo unificante).
O enredo unificante de Jo 6 é do tipo revelação8. Ao final, o redator espera que o leitor saiba e creia que Jesus é o dom de Deus enviado para salvar o mundo (6,29.38.39.51). Essa intenção é explicitada na declaração final de Pedro, onde os verbos “crer” (πιστεύω) e “conhecer” (γινώσκω) constituem a confissão de fé idealizada pela narrativa: “nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” (6,69). Para o narrador, essa compreensão é crucial, pois, a fé em Jesus como enviado do Pai é a única possibilidade de vida (6,47.49.50.53). Por fim, o enredo destaca que essa fé resulta, tão somente, da confiança na iniciativa divina, e não do esforço humano (6,44.65.70).
De que forma, então, o narrador constrói o enredo unificante e como ele conecta os enredos episódicos? Há, pelo menos, três elos que auxiliam na conexão entre as cenas e, consequentemente, no estabelecimento da lógica narrativa: o aspecto lexical, a repetição de algumas informações e o campo semântico.
1.2.1 Aspecto lexical
Os vocábulos são fundamentais para construção e articulação de uma narrativa, especialmente quando é constituída por dois ou mais enredos episódicos. Assim como uma costureira une distintos retalhos de tecidos por meio de fios, formando uma linda colcha de retalhos ou uma bela peça de roupa, o narrador alinhava diversos “retalhos” de textos e de memórias, produzindo um sentido ao conjunto da obra. O que, num primeiro momento, pode parecer ilógico e desconexo, ganhará sentido à medida que os “fios” narrativos se tornem visíveis aos olhos do leitor.
Há diversos vocábulos em Jo 6 que funcionam como fio, promovendo uma lógica na medida em que conecta as três cenas que compõem a narrativa (6,1-15.16-21.22-71). A lógica será demonstrada ao final da análise desse tópico. Trata-se, por enquanto, de listar os vocábulos em seus devidos lugares, percebendo, lexicalmente, a conexão entre as cenas.
1.2.2 Repetição
Repetição é uma forma linguística para destacar algo importante em um texto bíblico, recurso presente em Jo 6. Além dos vocábulos citados no tópico anterior, o narrador se vale da repetição de informações e temas, na intenção de conectar as cenas:
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Jo 6,22-24 é um elo importante, pois, relembra fatos das cenas anteriores. Da primeira cena, recorda que a multidão havia ficado do outro lado do mar e que comeu o pão oferecido por Jesus durante o seu gesto eucarístico (“tendo dado graças o Senhor”). Da segunda cena, recorda que Jesus não entrou no barco com seus discípulos e que eles partiram sozinhos para o outro lado; o destino é Cafarnaum. Além disso, a menção de que a multidão, novamente, procura Jesus (6,24) faz o leitor se lembrar de Jo 6,2: “seguia a ele grande multidão, porque viam os sinais que fazia sobre os enfermos”;
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por diversas vezes, o narrador destaca a onisciência de Jesus: ele sabe o que fazer em relação à fome da multidão (6,6); conhece a intenção equivocada da multidão de proclamá-lo como “profeta-rei” (6,15); percebe que suas palavras escandalizaram seus discípulos (6,61); sabe quem, de fato, creu nele e quem seria o traidor (6,64); e finaliza explicitando que um dos Doze é um diabo (6,70). Implicitamente, essa onisciência também aparece na segunda cena (Jo 6,16-21). João demonstra que Jesus conhece, verdadeiramente, a intenção dos seus discípulos: apesar do desejo de recebê-lo no barco, Jesus não entra (6,21). Dessa forma, a realidade da onisciência de Jesus perpassa todas as cenas;
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a palavra Καφαρναουμ (Cafarnaum) conecta as cenas dois e três (6,17.24.59). Enquanto a segunda cena descreve a travessia para Cafarnaum, a terceira narra o que acontece naquele lugar;
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na primeira cena, do grupo de discípulos menciona-se o nome de dois: Filipe e André (6,5.8). De igual forma, na terceira cena, do grupo dos Doze nomeiam-se dois discípulos: Simão Pedro e Judas Iscariotes (6,68.71). Destaca-se, ainda, que Simão Pedro, apesar de atuar apenas no final da terceira cena, é mencionado em Jo 6,8. Uma vez que terá um papel importante no desfecho da narrativa, estaria o narrador familiarizando o leitor com esse personagem? É provável que sim (MATEOS; BARRETO, 1999, p. 302);
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observação semelhante pode ser feita em relação à menção do número “doze”, que aparece em dois momentos distintos. Primeiro, “doze” é o número de cestos formados com as sobras de pães recolhidos após a multiplicação (6,13). Segundo, “doze” é a identificação do grupo seleto de discípulos escolhidos por Jesus, que permanecerão com ele ao final da narrativa (6,67.70.71). A menção na primeira cena parece ser uma prefiguração da terceira cena, especialmente quando se observa indícios da iniciativa de Jesus em relação à formação dos “doze”, tanto em relação aos cestos quanto ao grupo de discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram para que nada se perca. [Então, reuniram e encheram doze cestas pesadas de pedaços dos cinco pães feito de farinha de cevada, que sobraram do que haviam comido]” (Jo 6,12-13); “Não eu vos escolhi doze?” (Jo 6,70);
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por fim, ligada ao simbolismo dos “doze” está a noção da vontade de Deus. A expressão “para que nada se perca” (ἵνα μή τι ἀπόληται – 6,12), relacionada aos doze cestos de pães que sobraram, tem seu sentido revelado em Jo 6,39: “Esta, porém, é a vontade do que me enviou, (para) que tudo o que me deu não perca dele, mas o ressuscite no último dia” (τοῦτο δέ ἐστιν τὸ θέλημα τοῦ πέμψαντός με, ἵνα πᾶν ὃ δέδωκέν μοι μὴ ἀπολέσω ἐξ αὐτοῦ, ἀλλ’ ἀναστήσω αὐτὸ [ἐν] τῇ ἐσχάτῃ ἡμέρᾳ) (KONINGS, 2017, p. 210).
1.2.3 Campo semântico
Por último, percebe-se o campo semântico. Muitos pesquisadores apontam que Jo 6 tem como pano de fundo o tema do Êxodo, com algumas reminiscências de outros textos (Nm 11,13; Dt 18,15; 2Rs 4,38.42-44; Ne 9,15; Sl 78(77),24; Pr 9,5; Sb 16,20; Sr 15,3; 24,21; Jr 31,33-34; Is 40,7; 48,21; 49,10; 51,10; 54,13; 55,1; entre outros)9. Esse campo semântico perpassa todas as cenas, sendo, sem dúvida, o principal elemento unificante. Zumstein vê uma relação direta entre Jo 6 e Ex 16:
A segunda relação intertextual é aquela que liga Jo 6 a Ex 16. A história da dádiva do maná no deserto, na qual Moisés desempenha um papel preponderante, constitui a matriz semântica de Jo 6. Em apoio a esta tese, iremos observar os seguintes elementos: a citação do Sl 77,24 (LXX) ao v. 31; as duas referências a Ex 16 nos vv. 39a e 44, e finalmente as alusões a esta grande narrativa do Antigo Testamento através dos motivos do “murmúrio” (cf. vv. 41.43.61 que se referem a Ex 16,2.7.8.9.12) e a pessoa de Moisés (cf. v. 14 que ecoa Dt 18,15.18). É certo que Jo 6 pode ser lido independentemente de Ex 16, mas a ligação intertextual com este famoso texto da tradição veterotestamentária, desencadeada pelos inúmeros sinais que pontilham a narrativa de Jo, gera um excedente de sentido que enriquece a interpretação. O pano de fundo sapiencial também é frequentemente evocado como pano de fundo do famoso ditado “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim nunca terá sede” (cf. Pr 9,5, Sr 15,3 e sobretudo 24,21 [24,29]). Por fim, a entrevista sobre o pão da vida também foi colocada em relação intertextual com Is 55,1-3 e 10-11. Por mais preciosas que sejam essas observações, Ex 16 continua sendo o horizonte de leitura decisivo de Jo 6
(ZUMSTEIN, 2014, p. 207).
Dessa forma, torna-se necessário a organização de um inventário, demonstrando em cada uma das cenas a presença desse campo semântico:
Conclusão: a lógica narrativa
A primeira cena (6,1-15) tem a função de apresentar a pergunta-chave que a narração de Jo 6 pretende responder: que tipo de Messias é Jesus? O questionamento será construído a partir do mal-entendido: a multidão vê o sinal realizado por Jesus, todavia, não entende seu sentido mais profundo (6,26). Em virtude da multiplicação de pães e de peixes, a multidão deseja aclamar Jesus como profeta-rei (6,14). Ele, sabendo dessa intenção, se retira sozinho para a montanha (6,15). O afastamento de Jesus demonstra que ele não compartilha dessa perspectiva popular a seu respeito. A primeira cena gera um suspense na narrativa.
Alguns temas importantes para a elaboração da resposta à pergunta-chave, que serão desenvolvidos ao longo da narrativa, são apresentados na primeira cena:
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a iniciativa de Jesus: Jo 6,1-15 sublinha que Jesus sempre toma a iniciativa: ele sobe a montanha e senta lá com seus discípulos; levanta os olhos e vê a multidão se aproximando; pergunta a Filipe onde comprariam pães para toda aquela gente; coloca seu discípulo à prova; toma os pães, dá graças e ele mesmo os distribui; ordena que seus discípulos recolham o excedente; conhece a intenção da multidão e, por isso, se antecipa e se retira sozinho para a montanha;
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Jesus testa seus discípulos: diante da necessidade de alimentar a multidão, Jesus pergunta a Filipe onde comprariam pães para que aquelas pessoas pudessem comer (6,5). Essa pergunta representa um teste de fé para os discípulos (6,6a);
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a onisciência de Jesus: a pergunta feita a Filipe constitui-se um teste, pois, Jesus sabe exatamente o que fará naquela situação (6,6b);
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ambiente de ensino: a cena começa ambientando o cenário: Jesus sobe a montanha e se senta lá com seus discípulos. Essa imagem introduz o leitor num contexto de aprendizagem, pois, uma correta compreensão acerca da identidade de Jesus será ensinada/revelada;
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conflito com os judeus: pano de fundo marcante para a narrativa é o embate com “os judeus”, personagem inserido na terceira cena.
Porém, em Jo 6,4, o narrador informa ao leitor que a história narrada acontece em tempo de Páscoa, referindo-se a ela como “a festa dos judeus” (ἡ ἑορτὴ τῶν Ἰουδαίων). Esse comentário explicita um afastamento entre Jesus e “os judeus”.
O leitor desatento poderia pensar que o relato da travessia de Jesus, andando sobre o lago de Tiberíades (6,16-21), fosse dispensável para a compreensão do conjunto de Jo 6, e, talvez, João tenha mantido a sequência das cenas apenas por respeito à tradição sinótica (BROWN, 1979, p. 472). Porém, há diversas adaptações na versão joanina desse episódio. João utiliza a tradição sinótica com muita liberdade. Além disso, percebe-se, em Jo 6,22-24, o trabalho do narrador para conectar a segunda e a terceira cenas, pois relembram o fato de Jesus não ter entrado no barco com os discípulos e que eles partiram sozinhos para Cafarnaum.
Portanto, não se deve esperar encontrar em João uma mera “variante” da narrativa de Marcos ou Mateus, mas uma “releitura” desses textos à luz da experiência da fé da comunidade joanina. Segundo esse modelo, João não será meramente um “quarto sinóptico”, apesar das muitas concordâncias verbais, mas ele aparece como um intérprete da tradição sinóptica à luz de seu próprio tempo
(BEUTLER, 2015, p. 170).
A conexão da segunda cena com o relato anterior, o sinal do pão (6,1-15), e com o relato subsequente, o discurso do pão da vida (6,22-71), é tênue. Para Beutler (2015, p. 170), o elemento que mais conecta a seção com o tema fundamental do pão da vida é a fórmula com a qual Jesus se dá a conhecer aos discípulos no meio da travessia: “Eu Sou” (6,20). Como se perceberá, “esta fórmula é muito significativa para conectar o relato da caminhada sobre a água com o discurso subsequente, em que Jesus se autodefine com as palavras ‘Eu sou o pão da vida’ (Jo 6,35.48.51), usando uma formulação que tem raízes no vocabulário do AT” (BEUTLER, 2015, p. 170). Brown considera que a fórmula “Eu Sou” (6,20) seja um elemento-chave para a conexão do relato da travessia:
Que relação esse milagre tem com a multiplicação e o resto do capítulo? Até certo ponto, o evangelista o utiliza como corretivo para a reação inadequada da multidão à multiplicação. Aquelas pessoas, impressionadas pelo caráter milagroso do sinal, estavam prestes a aclamar Jesus como messias político. Mas Jesus é muito mais do que isso e não pode ficar limitado por títulos como os de “o Profeta” ou “rei”. O fato de Jesus andar sobre as águas é um sinal de que o próprio Jesus é responsável pela interpretação, e o faz através da expressão única do nome divino “Eu Sou”
(BROWN, 1979, p. 475).
Se a primeira cena questiona que tipo de Messias é Jesus, o relato da travessia enfatiza o equívoco da multidão na interpretação do sinal do pão e lança pressupostos para a revelação que se fará ao longo do discurso em Cafarnaum (6,22-71). Jesus não poderá ser compreendido meramente na dimensão humana, como um líder político (profeta-rei), reduzido a
satisfazer necessidades materiais. Ele é de outra ordem, seu reino não é desse mundo (Jo 18,36-38). No contexto caótico da travessia, Jesus se dá a conhecer: “Eu sou, não temais” (6,20). Como observa Konings (2017, p. 211), mesmo se o primeiro sentido da expressão seja de identificar a pessoa de Jesus, é inevitável a associação com o nome de Deus, YHWH (“Aquele que é”, “Eu Sou”, Ex 3,14). “Deus revelou-se a Moisés como aquele que não tem nome próprio, como têm os outros deuses, ou melhor, cujo nome é inefável. Identificou-se como aquele que, com sua presença, acompanha seu povo: ‘Eu Sou/estou (contigo)’ (Ex 3,12; Jo 8,28)” (KONINGS, 2017, p. 211). Jesus é a presença de Deus no mundo, que liberta e conduz “para fora” aqueles que creem nele como enviado (Jo 10,1-6). Portanto, “João trata a cena como uma epifania divina centrada em torno da expressão ἐγώ εἰμι” (BROWN, 1979, p. 474).
Além disso, como exposto na seção 3.1.2.3 (Campo Semântico), o gesto de Jesus andar sobre as águas fortalece o campo semântico do Êxodo, da Páscoa. Como observa Brown (1979, p. 475), a tradição litúrgica pascal de Israel relaciona, estreitamente, a travessia do Mar Vermelho e o dom do maná. Jo 6,31, que menciona o maná comido pelos antigos no deserto, tem uma relação com Sl 78,24. Esse mesmo salmo se refere, no v. 13, à passagem do mar pelos israelitas. Outro paralelo importante está no Sl 77,20[19], que descreve poeticamente a passagem pelo Mar Vermelho: “abriu-se no mar teu caminho, tua senda na imensidão das águas, mas teus vestígios ficaram invisíveis”. Segundo Brown (1979, p. 475-476), uma das leituras sinagogais do ciclo pascal era Is 51,6-16, com alusões a como os redimidos passaram por um caminho, em cima das profundezas do mar (Is 51,10), e dizendo que o Senhor perturba o mar e agita as ondas (Is 51,15). Por fim, pode-se relembrar a intertextualidade entre a travessia do lago de Tiberíades e o Salmo 107, especialmente nos v. 4-5 (o povo que vagava faminto pelo deserto), v. 9 (o Senhor sacia os famintos), v. 23 (alguns desceram ao mar em seus navios), v. 25 (o Senhor levantando um vento de tempestade que levantou as ondas), v. 27-28 (os atribulados clamaram ao Senhor) e v. 28-30 (o Senhor salva os aflitos, acalmando o mar e os levando a um porto seguro).
Há, portanto, passagens do AT, especialmente aquelas relacionadas ao êxodo, que nos ajudam a explicar como a passagem de Jesus caminhando sobre as águas do lago pode se encaixar perfeitamente no pano de fundo pascal de João 6, por isso permaneceu intimamente relacionado à multiplicação. É claro que é difícil provar que o evangelista tinha alguma passagem específica em mente, mas, em conjunto, são numerosas o suficiente para tornar plausível a ideia de que ele pretendia que o milagre refletisse o simbolismo geral da passagem do mar durante o êxodo e a prerrogativa atribuída a Javé de fazer o seu caminho sobre ou nas águas
(BROWN, 1979, p. 476).
Semelhante ao que acontece na primeira cena, o relato da travessia do mar da Galileia insere outros temas importantes que serão aprofundados no discurso do pão da vida, respondendo, portanto, o questionamento principal:
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a iniciativa dos discípulos: ao contrário do que acontece no relato anterior, o foco da segunda cena recai sobre a iniciativa dos discípulos. Enquanto Jesus sobe a montanha, eles decidem partir para Cafarnaum, sozinhos. Não esperam por Jesus e não têm uma direção dada pelo mestre. Agem por conta própria;
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a escuridão: a cena da travessia é tomada do simbolismo da noite, imagem peculiar em João. Beutler (2015, p. 172) percebe uma relação dessa cena com Nicodemos, afinal, ele se encontra com Jesus à noite (Jo 3,2), pois “ainda não está iluminado pelo ensinamento do mestre”. De igual forma, os discípulos, agindo por iniciativa própria, permanecem “na escuridão”. Ainda não discerniram o mestre, e sua presença gera medo e estranhamento;
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a desconfiança de Jesus: o mestre conhece seus discípulos e sabe que eles estão “na escuridão”. A fé, inicialmente manifestada (2,11), precisa ser testada (6,6), pois se sustenta na iniciativa humana. Por isso, quando os discípulos desejam receber Jesus, o narrador omite a informação sinótica de que ele entra na embarcação. A intenção da acolhida parece não ser sincera, no entanto, Jesus sabe disso (6,64).
Devidamente preparado, o leitor ingressa na terceira cena, envolvido pelo suspense e desejoso por saber que tipo de Messias é Jesus (6,1-15). Já sabe que a resposta deverá extrapolar uma compreensão política e humana, pois o próprio Jesus já estabeleceu os critérios para que seja compreendido (6,16-21). Os temas incialmente introduzidos serão desenvolvidos na cena final, construindo, assim, a resposta à pergunta-chave e incitando o leitor a um posicionamento diante do que lhe será revelado.
Com o tema do Êxodo como pano de fundo, Jesus se revela como o “pão que desceu do céu”, pão que gera vida. Os indícios desse campo semântico, introduzidos na primeira e na segunda cena, serão explicitados, especialmente, pela citação do maná e de Moisés (6,31.32.49.58). Ambas as menções serão fundamentais na elaboração do discurso de Jesus.
O tema do discurso de Jesus sobre “o pão da vida” em João 6 é afirmado nestas palavras: “Não foi Moisés que vos deu o pão do céu, mas meu pai está dando a vocês o verdadeiro pão do céu” (6,32). Assim, o segundo “dom” associado a Moisés é trazido para uma perspectiva cristológica. A intenção polêmica é evidente: Moisés é reduzido a um mero mediador do dom, e o próprio dom é derrogado em comparação com seu contratipo cristão. [...] O dom que é dado por meio de Jesus é descrito como paralelo ao que veio por meio de Moisés. Como o maná do deserto, a dádiva é “pão do céu”. Mas o discurso enfatiza que o dom de Jesus é superior ao que veio pela mão de Moisés: como o “pão verdadeiro” dá “vida eterna”, enquanto os pais que comeram o maná morreram. O novo dom é simbolizado pela multiplicação dos pães e pela reunião dos pedaços, pois o “pão vivo” é o meio de “congregar os filhos de Deus que estão dispersos”. Mas isso significa que o dom é nada menos que o próprio Jesus, ό καταβάς έκ του ούρανοῦ, “dado” na morte (MEEKS, 1967, p. 291).
Jesus dá o “pão da vida” e, ao mesmo tempo, é o próprio pão. Ele alimenta os famintos a partir da doação de si, de forma surpreendente e espiritual. O caráter sobrenatural do gesto de Jesus foi simbolizado na alimentação milagrosa que aconteceu na primeira cena. O leitor já havia sido informado que somente Jesus seria capaz de um feito daquele. O sentido do ato material será aprofundado no discurso, e o leitor saberá que Jesus é o único capaz de alimentar a “fome espiritual” do mundo, garantindo a vida eterna.
A conotação de ensino, que caracteriza o enredo unificante como tipo revelação, é percebida por alguns aspectos: primeiro, a descrição de que Jesus senta-se na montanha com seus discípulos (6,3) (KONINGS, 2017, p. 207); depois, a informação de que suas palavras foram proclamadas na sinagoga de Cafarnaum (6,59); em seguida, a própria narração das palavras de Jesus que se tornam necessárias diante de um mal-entendido acerca de sua identidade (6,15.26.27); por fim, a reação dos discípulos manifestando a dificuldade em ouvir (ἀκούω) essas palavras, demonstrando a incompatibilidade entre o que foi dito por Jesus e que pensam os discípulos.
Como forma de intensificar a tensão narrativa, João elabora seu relato sob perspectiva conflitiva. O contexto da história narrada situa-se próximo à Páscoa, considerada festa de “os judeus”. O distanciamento de Jerusalém, nesse período, já abordado, ganha sentido quando se nota a presença de “os judeus” como interlocutores de Jesus na terceira cena (6,41.52) e, ainda, a menção de que as palavras foram ditas dentro de uma sinagoga (6,59). Além disso, a concepção teológica de que Jesus supera Moisés ao proporcionar um pão, que é ele mesmo, que garante a vida eterna.
Essa ação é possível porque Jesus é o enviado do Pai e está comprometido com a vontade de Deus (6,38): “que tudo o que me deu não perca dele, mas o ressuscite no último dia” (6,39). Predomina na cena a ideia do esforço divino para que ninguém se perdesse do seguimento de Jesus, garantia da vida. Essa noção apareceu na primeira cena, quando Jesus ordenou seus discípulos que recolhessem as sobras dos pães, “para que nada se perca” (6,13).
Uma vez respondida a pergunta-chave, cabe ao leitor tomar sua decisão: crer ou não crer nesse Messias. A vida depende dessa escolha. Muitos discípulos abandonaram Jesus, considerando suas palavras duras (6,60.66). Os Doze, porém, permanecerão, pois encontraram palavras de vida eterna (6,68). O leitor deve seguir a escolha dos Doze.
Por trás dessa escolha transparece uma concepção teológica: a iniciativa divina. Só é possível acolher Jesus como dom de Deus porque o Pai, pri
meiro, os escolheu. Essa noção é simbolizada na primeira cena pela própria iniciativa de Jesus, que protagoniza as principais ações (6,1-15). Depois, indo ao encontro dos discípulos que estão sofrendo no mar, envolvidos na escuridão (6,16-21). O sentido desses atos de Jesus é explicitado em suas palavras ao longo do discurso, expressando que só é possível ir a ele se o Pai conceder (6,37.39.44). Além disso, a própria Escritura é sinal dessa inciativa, pois, quem a lê corretamente irá a ele (6,45). Jesus repete essa concepção em Jo 6,65 (“por isso disse a vós que ninguém pode vir a mim, se não tiver sido dado do meu Pai”), fechando o clímax da terceira cena, e conclui sua participação alertando os Doze sobre essa realidade: “Não eu vos escolhi doze?” (6,70a).
A eleição divina, porém, não é garantia. Por isso, a fé deve ser testada, como acontece com Filipe na primeira cena (6,6). Sabendo de tudo, Jesus não se deixa enganar pela expressão inicial da fé nele. Isso fica indicado em sua desconfiança diante do desejo dos discípulos em recebê-lo no barco durante a tempestade: ele não entra (6,21). Ante o escândalo de muitos discípulos (6,60-61), Jesus não retrocede, não obstante, avança em sua revelação (6,62-63). Como resultado, muitos desertam. Volta-se, então, aos Doze e os questiona: “Não quereis também vós partir?” (6,67). Jesus sabia quem realmente cria nele (6,64). Mesmo recebendo uma acolhida positiva dos Doze, os alerta que, apesar de serem escolhidos, um deles o trairia. A fé precisa ser confirmada.
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O presente artigo é o resultado da pesquisa contida na tese de doutorado intitulada Sinal e fé em João 6: uma análise do quadro narrativo do discurso do “Pão da vida”, defendida e aprovada em 09 de dezembro de 2022, na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE, Belo Horizonte, Minas Gerais, com apoio da CAPES. A tese está disponível em: https://faculdadejesuita.edu.br/sinal-e-fe-em-joao-6-o-quadro-narrativo-do-discurso-do-pao-da-vida/.
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1
Texto grego citado conforme NESTLE – ALAND, 1995.
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2
"Em Jo 6, a noite significa o tempo da angústia e do perigo. Acresce a esse simbolismo o tema do mar, considerado desde a cultura mais antiga, mundo da ameaça e das forças contrárias a Deus. A essa ameaça junta-se o vento violento, mencionado no v. 18" (BEUTLER, 2015, p. 172).
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3
O AT não contém nenhum episódio que nos fale de alguém andando sobre as águas; entretanto, fala de YHWH: Jó 9,8; Sl 77,20 (LEON-DUFOUR, 1996b, p. 90).
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4
KONINGS, 2017, p. 212; BEUTLER, 2015, p. 173; MATEOS; BARRETO, 1999, p. 311.
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5
"O significado da ação do imperfeito é semelhante ao do presente: expressa uma ação contínua, só que desta vez, localizada no passado. O imperfeito pode indicar uma ação que, no passado, era frequente, repetida ou habitual. Para sua representação gráfica sugere-se um traço contínuo, que, em algum momento, termina: [ _______ | ]" (REGA; BERGMANN, 2014, p. 129).
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6
"Os vv. 67-71 e 20,24 são os únicos textos em Jo que mencionam os "Doze". Os lugares são significativos. Em 20,24, identifica Tomé como um daqueles que serão reconhecidos como os garantes do testemunho apostólico, e em 6,67-71 os "Doze" constituem o grupo que pronuncia a decisiva confissão de fé. A Igreja joanina, embora tendo sua trajetória, se inclui na "grande Igreja" dos Doze" (KONINGS, 2017, p. 227).
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7
“Ir-se” (apérkhomai) em 6,66; 16,7. “Retornar para casa” (hypágo) em 13,3.33.36; 14,4.5.28.
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8
"O enredo é dito de revelação, quando culmina num ganho de conhecimento sobre um personagem da história. Quando a ação transformadora se aplica em um fazer, situando-se, portanto, no nível pragmático (pedido de cura, busca de pureza, desejo de reencontro), fala-se de um enredo de resolução” (MARGUERAT, 2009, p. 72).
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9
BEUTLER, 2015, p. 159-188; BROWN, 1979, p. 445-539; KONINGS, 2017, p. 200-229; LEON-DUFOUR, 1996b, p. 67-144; MATEOS; BARRETO, 1999, p. 293-345; ZUMSTEIN, 2014, p. 206-244.
Referências
- BEUTLER, Johannes. Evangelho segundo João: comentário. São Paulo: Loyola, 2015.
- BROWN, Raymond Edward. El evangelio según Juan I-XII: introduccion, traduccion y notas. Madrid: Ediciones Cristandad, 1979.
- KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Fonte Editorial, 2017. (Comentário Bíblico Latinoamericano).
- LEON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João II: capítulos 5–12. São Paulo: Loyola, 1996b. (Bíblica Loyola, 14).
- LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene A. Léxico Grego-Português do Novo Testamento: baseado em domínios semânticos. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013.
- MARGUERAT, Daniel; BOURQUIN, Yvan. Para ler as narrativas bíblicas: iniciação à análise narrativa. São Paulo: Loyola, 2009.
- MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O evangelho de São João: análise linguística e comentário exegético. São Paulo: Paulinas, 1989.
- MEEKS, Wayne A. The Prophet-King: Moses traditions and the Johannine Chrstology. Leiden: E. J. Brill, 1967. (Supplements to Novun Testamentum).
- NESTLE — ALAND. Novum Testamentum graece 27. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1995.
- REGA, Lourenco Stelio; BERGMANN, Johannes. Noções do grego bíblico: gramática fundamental. São Paulo: Vida Nova, 2014.
- RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento 3. ed. São Paulo: Paulus, 2009.
- VITÓRIO, Jaldemir. Análise narrativa da Bíblia: primeiros passos de um método. São Paulo: Paulinas, 2016. (Bíblia em comunidade. Série Bíblia como literatura, 8).
- ZUMSTEIN, Jean. L’Évangile selon Saint Jean (1-12) Genève: Labor et Fides, 2014. v. 1. (Commentaire du Nouveau Testament, 4a).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Dez 2024 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2024
Histórico
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Recebido
27 Nov 2023 -
Aceito
18 Set 2024
