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Iconicidade e Complexidade na Comunicação Hipnótica1 1 Apoio: Capes

RESUMO

O presente trabalho busca promover uma aproximação teórica entre a inconicidade, capacidade dos signos de transmitirem qualidades de um objeto, e uma perspectiva complexa da comunicação hipnótica. Essa discussão é desenvolvida em torno de três tópicos principais. O primeiro é a heterogeneidade semiótica dos processos comunicacionais da hipnose; o segundo consiste numa articulação entre o individual e o coletivo; e o terceiro, nas relações entre a noção de ethos e sentimento. O trabalho é concluído destacando que, malgrado as dificuldades conceituais, as relações entre iconicidade e complexidade proporcionam grandes contribuições no que diz respeito a temas importantes da comunicação hipnótica, como a subjetividade, a experiência do terapeuta, a pesquisa e o pertencimento.

Palavras-chave:
iconicidade; comunicação hipnótica; complexidade; semiótica; transe

ABSTRACT

The present paper proposes a theoretical approximation between iconicity, which is the signs’ ability to transmit the resemblance with objects, and a complex perspective of hypnotic communication. The discussion is developed based on three main topics. The first is that of semiotic heterogeneity of communicative processes of hypnosis; the second consists of an articulation between the individual and the collective; and third, in the relation between the notions of ethos and sentiment. The paper concludes that in spite of conceptual difficulties the relationship between iconicity and complexity propitiate great contributions regarding important themes in hypnotic communication, such as subjectivity, the therapist’s experience, research, and belonging.

Keywords:
iconicity; hypnotic communication; complexity; semiotics; trance

Nas pesquisas contemporâneas, a comunicação hipnótica frequentemente é relatada sob uma ótica reducionista, que privilegia os padrões de resposta como eixo de análise e o instrumentalismo de avaliação, como foco de pesquisa (Jensen & Patterson, 2014Jensen, M. & Patterson, D. (2014). Hypnotic approaches for chronic pain management. American Psychologist, 2, 167 - 177.). Com poucas exceções (Jamieson, 2007Jamieson, G. (2007). Hypnosis and conscious states. London: Oxford University Press.; Michaux, 2002Michaux, D. (2002). Hypnose, langage et communication. Paris: Imago.), nas quais se buscam propostas explicativas, a grande maioria das pesquisas centra-se na avaliação da eficácia, ignorando a abordagem de importantes processos que tradicionalmente compõem a comunicação hipnótica como campo, como a influência mútua, a cultura, a subjetividade, os aspectos criativos envolvendo o inconsciente e o sujeito (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.). Semelhantes perspectivas promovem uma concepção unilateral, padronizada e instrumentalista da comunicação hipnótica, centrada no poder do terapeuta sobre um indivíduo autômato e numa ótica na qual o tema é bastante avaliado e medido, mas raramente pensado.

Nesse sentido, considera-se que uma perspectiva complexa, isto é, que articula diferentes dimensões e saberes (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; 2005Morin, E. (2005). L’Éthique. La méthode VI. Paris: Seuil.) para a compreensão da comunicação hipnótica é de fundamental importância por diferentes razões. Primeiro, o que ocorre entre os protagonistas da cena hipnótica não se restringe a uma perspectiva individual, dado que esse contexto e a experiência dos envolvidos são constantemente atravessados por processos coletivos da cultura, da biologia, das trocas sociais e institucionais (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.; Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.). Em segundo lugar, tais processos não se restringem a um único tipo de saber, como a psicologia, envolvendo dimensões variadas que compõem o tecido sociocultural, como cultura, religião, gênero, economia, pertencimento familiar e de classe (Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.). Em terceiro lugar, o tecido subjetivo que se desenha entre essas dimensões não se restringe a uma única unidade, como a resposta, mas a uma malha heterogênea e intrincada de processos que é criada por elas (Michaux, 2002Michaux, D. (2002). Hypnose, langage et communication. Paris: Imago.; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.), que também lhes influencia, e envolve aspectos simbólicos, emocionais, vitais e cognitivos.

No tocante aos dois primeiros pontos acima destacados, é possível considerar que alguns autores da hipnose e de campos afins têm oferecido contribuições significativas, mesmo que nem sempre explicitem sua ligação com a complexidade. Tanto a relação entre o individual e o coletivo na experiência do transe como sua dimensão interdisciplinar contam com o interesse e a contribuição significativa de diferentes autores (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.; Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.; Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.). No que se refere ao terceiro tópico, entretanto, a discussão sobre a comunicação hipnótica ainda permanece plena de lacunas quanto a uma perspectiva complexa. Autores importantes (Erickson, 1992Erickson, M. (1992). Creative choice in hypnosis. New York, NY: Irvington.; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.) destacam diferentes elementos presentes no processo, mas não desenvolvem suas ideias sobre como se articulam no tecido comunicacional e as implicações disso. Outros parecem repetir a dicotomia presente nas psicoterapias (Michaux, 2002Michaux, D. (2002). Hypnose, langage et communication. Paris: Imago.) entre o foco no padrão (pattern), envolvendo sequências de comportamentos e cognições, ou no significado (meaning), destacando, sobretudo, a linguagem e a produção simbólica.

Quais seriam as interfaces e diferenças entre tais focos, como atuariam na construção do transe, como acessariam processos inconscientes, se o fariam de modos diferentes e como envolveriam o sujeito e seu mundo são tópicos que não são devidamente aprofundados por tais autores, malgrado sua importância para a compreensão e a abordagem do tema. Toda a riqueza da comunicação hipnótica, embora destacada em algumas obras (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.), acaba por ser menosprezada em termos conceituais, cedendo espaço a concepções reducionistas de análises monolíticas que pouco se aproximam da considerável experiência que promovem na comunicação hipnótica.

Nesse sentido, a iconicidade, que consiste na capacidade de os signos transmitirem qualidades de um objeto (Hiraga, 2005Hiraga, M. (2005). Metaphor and iconicity. New York: Palgrave.; Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.), traz perspectivas de grande relevância. Ela implica, a princípio, uma ruptura dos limites rígidos de alteridade que separam o sujeito do social na hipnose, ainda muito marcada por perspectivas individualistas nas quais o mundo interno do sujeito é limitado por grandes barreiras na troca com o social (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.). Ao mesmo tempo, a iconicidade proporciona uma compreensão ampla de diferentes tipos de elementos que se articulam no tecido comunicacional (Constantini, 2010Constantini, M. (2010). La sémiotique visuelle: nouveaux paradigmes. Paris: Harmattan.; Bordron, 2011Bordron, J.-F. (2011). L’Iconicité et ses images. Paris: Puf.), tal como ocorre na hipnose, que, além de palavras, traz também uma transmissão vital (sons, tons de voz, pausas), visual e emocional (Neubern, 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.). Há uma considerável capacidade de evocar processos e sentimentos profundos da experiência humana (Jappy, 2013), além de uma compreensão racional. Desse modo, mesmo que não tenha sido desenvolvida no contexto de processos no qual a comunicação hipnótica tem lugar - a subjetividade humana -,a iconicidade pode ser de grande relevância para uma compreensão complexa da própria comunicação hipnótica, pois possui elementos fundamentais para semelhante proposta.

Desse modo, o presente trabalho possui o objetivo de promover uma aproximação teórica entre a iconicidade (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.; Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.) e uma perspectiva complexa da comunicação hipnótica (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2012Neubern, M. (2012). Drama como proposta de compreensão da clínica de Milton Erickson. Interação em Psicologia, 16 (2), 307 - 315. ; 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.; 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ; 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.). Essa aproximação será desenvolvida a partir de uma análise das possibilidades de aplicação de algumas noções de iconicidade na comunicação hipnótica - heterogeneidade semiótica, relações entre individual e coletivo e entre ethos e sentimento -, seguida de uma reflexão crítica sobre a iconicidade a partir de conceitos do pensamento complexo, como descrito no item a seguir.

Pressupostos básicos

A capacidade de transmitir as qualidades de um objeto que caracteriza a iconicidade está originalmente ligada à semiótica de Charles Peirce (citado em Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.), embora hoje seja concebida também sob outras perspectivas (Hiraga, 2005Hiraga, M. (2005). Metaphor and iconicity. New York: Palgrave.; Hancil & Hirst, 2013Hancil, S. & Hirst, D. (2013). Prosody and iconicity. Amsterdan: J. Benjamin Publishing.). A semiótica de (Peirce 1989Peirce, C. (1989). Writings of Charles Peirce: A chronological edition. Indianapolis: Indiana University Press.) será tomada aqui como referência central para discuti-la, por meio de autores contemporâneos (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.; Colapietro, 1989Colapietro, V. (1989). Peirce’s approach to the self. New York: Suny.; Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.; Santaella, 2009Santaella, L. (2009). Matrizes da linguagem e do pensamento. São Paulo: Fapesp/Iluminuras.; Short, 2007Short, T. (2007). Peirce’s theory of signs. Cambridge: Cambridge University Press.). A iconicidade está profundamente ligada ao conceito de signo, isto é, aquilo que faz a mediação entre um objeto e o efeito que produz na mente da pessoa, denominado interpretante (Jappy, 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury., p. 4). Os tipos de signos podem ser classificados quanto a seus objetos em três categorias1 1 Por limites de espaço, as outras tricotomias não serão aprofundadas aqui. Elas classificam os signos quanto a si mesmos e quanto a seus interpretantes. Quanto a si, eles podem ser: legi-signos (lei, lógica), sin-signos (existente, singular), quali-signos (qualidade). Quanto aos interpretantes, podem ser rema (qualidade, mônada), dicentes (reação, díade) e argumentos (raciocínio, tríade). (Peirce, 1989Peirce, C. (1989). Writings of Charles Peirce: A chronological edition. Indianapolis: Indiana University Press.): ícones ( de onde se origina o termo iconicidade (, que são signos que representam, por similitude qualitativa, seu objeto, como as imagens e desenhos; índices, que são signos que representam seus objetos por um laço físico concreto, como as marcas de pegadas no chão, uma ordem, um chamado; símbolos, que são signos que representam seus objetos por conta de uma lei geral, espécie ou convenção, como é o caso da linguagem e das leis científicas. É importante ressaltar que tais categorias são gerais e que, num processo concreto de comunicação, os diferentes signos se articulam em formas ou configurações semióticas mais amplas (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.). Integrando a primeira ordem lógica entre os signos, os ícones estão na base das operações dos índices e dos símbolos de maneira que, em todo processo comunicativo entre pessoas, há algo de iconicidade que acompanha a ecologia semiótica desse processo (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP., p. 141), que, contudo, é variável em função das formas em que tais signos se articulam.

Vale destacar ainda que tais signos correspondem, de algum modo, a três categorias gerais da experiência humana, ou seja, de como a mente capta aquilo que lhe chega do mundo. Segundo (Peirce 1989Peirce, C. (1989). Writings of Charles Peirce: A chronological edition. Indianapolis: Indiana University Press.), são elas: primeiridade, experiência da possibilidade, do qualitativo, dos sentimentos, do eterno presente; secundidade, a reação, o conflito, a interação, os fenômenos concretos, existentes e singulares; terceiridade, o pensar, a mediação, o geral, o plano simbólico. Os signos remetem, portanto, a esses universos lógicos da experiência humana, estabelecendo laços importantes de pesquisa entre o objeto que representam e aquilo que produzem na mente de quem lhes sofre a influência.

Nesse sentido, Peirce (citado em Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins., p. 19) asseverava que os ícones puros são imaginários, ao passo que os hipoícones consistem em signos materializados em alguma forma semiótica visual, auditiva ou linguística. Eles podem ser as imagens, que se assemelham às qualidades de seus objetos (primeira-primeiridade), os diagramas, que reproduzem a estrutura de relações dos objetos (segunda-primeiridade), e as metáforas, que propõem, no mesmo signo, uma justaposição entre diferentes campos (terceira-primeiridade). Nesse sentido, possuem a capacidade de acessar, além do controle consciente, disposições fundamentais, qualitativas e sentimentais da experiência humana (primeiridade). Tais disposições, anteriores, em termos históricos e vividos, à construção do eu (daí a noção daquilo que vem primeiro), constituem-se como núcleos de autorreferência da subjetividade (identidade), dos modos de relação, e perpassam importantes temáticas da construção de sentidos do sujeito (Schore, 2016Schore, A. (2016). Affect regulation and the origin of the self. New York: Routledge.).

Já a hipnose será aqui concebida sob uma perspectiva complexa (Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.; 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ; 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), o que inclui a articulação de diferentes dimensões, processos e saberes que compõem uma realidade, compondo-se um todo, sem diluir a especificidade de seus componentes (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.). No caso específico da hipnose, há a integração de dois processos altamente relacionados, mas geralmente separados em diferentes tradições de pesquisa (Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.): a comunicação, a ser discutida como foco deste trabalho, e a experiência de transe. Esta última caracteriza-se por uma série de alterações das referências eu-mundo típicos da consciência ordinária (tempo, espaço, matéria, causa, outro) seguida pela emergência de processos inconscientes heterogêneos e polifônicos (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ). Assim, ao mesmo tempo que o sujeito, durante o transe, pode se encontrar simultaneamente em dois lugares e tempos distintos, ele pode também interagir com um conjunto de instâncias que compõem seu mundo sociocultural e biológico, como o encontro com alguém importante de suas relações (tu), a negociação com um ser que remete a seu pertencimento cultural, tal como um santo, espírito, orixá (nós) ou ainda o desencadeamento de processos como anestesias e analgesias que remetem a uma herança filogenética (isso).

Nesse sentido, o sujeito, como qualidade emergente, ativa e criativa do complexo sistema de experiência humana (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), apresenta um papel de grande importância. Identificando-se com o eu da consciência ordinária, embora não se restringindo a ela, o sujeito pode se manter mais ou menos ativo durante o transe, estabelecendo diferentes tipos de relações com tais instâncias que vão desde a negociação e o diálogo ao conflito típico das possessões. Embora, em certas situações, pareça ser temporariamente eclipsado durante o processo (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.; Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.), ele acaba por possuir um papel terapêutico importante de mediador entre instâncias que representam os dilemas entre diferentes mundos socioculturais da vida de uma pessoa, como os conflitos entre os legados familiares e as necessidades individuais ou entre as missões espirituais e as obrigações terrenas (Neubern, 2013aNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ; Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.).

A experiência de transe articula diferentes registros, como cultura, sociedade, economia, espiritualidade, política, etnia e classe social, que são integrados na experiência do sujeito por meio de complexos sistemas - as configurações. Sendo sistemas (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), as configurações são autônomas e dependentes do mundo, tendo a capacidade de se autocriarem a partir de suas leis e da relação com o mundo, de maneira que criam sentidos simbólicos e emocionais (Gonzalez Rey, 2011Gonzalez Rey, F. (2011). Subjetividade e saúde. São Paulo: Cortez.), mas também processos vitais, imaginários e sensórios (Merleau-Ponty, 2008Merleau-Ponty, M. (2008). Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard. (Original publicado em 1945).). Implicam, assim, o princípio do holograma (Morin, 2001Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ), no qual o todo, como os processos culturais e biológicos, pode estar numa simples parte sem dissolvê-la ou eliminá-la. Elas também articulam influências de diferentes pares opostos nas escolas de psicologia (Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), como individual ( social, individual ( coletivo, interno ( externo, determinismo ( liberdade, essência ( existência e singular ( universal.

Iconicidade e Comunicação Hipnótica

Em termos hipnóticos, o gesto, a mímica e o papel relacional, assim como as analogias, metáforas, jogos de palavras e contos, possuem essa capacidade subliminar de transmitir a semelhança entre objetos, atingindo tais dimensões da primeiridade. A citação abaixo, referente a uma indução hipnótica realizada por Erickson (Erickson & Rossi, 1977Erickson, M. & Rossi, E. (1977). Hypnotic realities. New York: Irvington.) com uma estudante interessada em estudar hipnose, é muito ilustrativa nesse sentido:

Quando você foi ao jardim de infância, a tarefa de aprender letras e números parecia ser impossível... reconhecer a letra A, fazer a diferença entre um Q e um O, era muito, muito difícil. Mas você aprendeu a fazer imagens mentais de algum tipo. Você não sabia como na época, mas havia uma permanente imagem mental. E mais tarde na escola, você desenvolveu outras imagens mentais de palavras ou imagens de sentenças. Você desenvolveu mais e mais imagens mentais sem saber que desenvolvia imagens mentais... e você pode recobrar todas essas imagens. (pp. 6 - 7).

Nessa sequência, traduzida pelo autor, podem-se constatar duas grandes formas de hipoícones verbais: os diagramas e as metáforas (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.). Os primeiros repetem a estrutura de relação entre seus objetos, como se os representasse por um esquema visual ou ilustração. É o caso de boa parte das proposições descritivas acima citadas, como “Quando você foi ao jardim de infância, a tarefa de aprender letras e números parecia ser impossível...”. Essa descrição do passado, contudo, não é tão precisa como nos diagramas técnicos, que incluem coordenadas muitos específicas, como números, sinais e escalas, que os tornam mais próximos aos índices (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.), posto que incluem vagamente apenas alguns elementos do objeto. A sequência temporal também consiste em elemento qualitativo pertinente, uma vez que intenta espelhar acontecimentos possíveis da vida da estudante dentro de uma lógica temporal que, de certa maneira, é revivida por ela.

Por outro lado, tais sugestões, se contextualizadas naquele cenário, também podem ser concebidas como metáforas, uma vez que envolvem uma comparação implícita entre objetos de diferentes domínios (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.). No caso específico, a estudante está ali para aprender hipnose, em que, certamente, pode encontrar muitas dificuldades por se tratar de um assunto que pouco conhece. Assim, Erickson se refere a ela quando criança também num contexto de aprendizado (a escola) face a tarefas que ela ainda não conhecia (aprender letras e números). A solução proposta na metáfora - a de que, sem o saber, a criança desenvolveu imagens mentais que lhe ajudaram a conseguir ler e escrever com o tempo - remete a uma condição provável para o aprendizado atual pretendido pela estudante (aprender hipnose). A ligação, contudo, entre um cenário e outro não é explícita por Erickson, de maneira que a indução pode ser concebida como um simples conto, aparentemente sem relação com o contexto atual de aprendizado da estudante.

É importante ressaltar que a iconicidade também está presente em processos não verbais que compõem um importante momento da comunicação hipnótica. Embora não haja muitos elementos na citação aqui discutida, por se tratar de um registro escrito, é possível considerar que o modo de relação assumido pelo terapeuta face a seu sujeito (professor) consiste num importante modo de comunicação hipnótica perpassado pela iconicidade, pois parece espelhar algo ou alguém do mundo do sujeito. O terapeuta pode assumir um papel dramático face ao sujeito, um papel que é construído em função da singularidade deste e de suas demandas clínicas (Neubern, 2012Neubern, M. (2012). Drama como proposta de compreensão da clínica de Milton Erickson. Interação em Psicologia, 16 (2), 307 - 315. ). Tal papel, que não é explicado, mas mostrado ao sujeito, é atuado dentro de formas de relação que lhe acessam profundamente, tocando em processos emocionais e inconscientes significativos para sua terapia. Embora mantenha um tom de naturalidade, o terapeuta traz, em sua corporalidade, gestos, expressões, modos de falar e atitudes com relação ao sujeito, aquele papel que se assemelha a alguma figura ou modo de relação importante de seu mundo subjetivo, seja ele concreto ou imaginário, com quem o sujeito pode se relacionar a fim de criar novas alternativas terapêuticas.

O terapeuta pode, sem perder de vista as implicações éticas e técnicas do papel de terapeuta, tornar-se um professor para alguém que precisa ser aluno ou orientado, um competidor para alguém que necessita do desafio, uma mãe para alguém que precisa de maternagem e acolhimento ou ainda um tirano para alguém que necessite ser subjugado ou se rebelar (Neubern, 2012Neubern, M. (2012). Drama como proposta de compreensão da clínica de Milton Erickson. Interação em Psicologia, 16 (2), 307 - 315. ). Tais papéis funcionam como poderosas metáforas (Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.) terapêuticas, posto que: a) reúnem na figura do terapeuta dois campos distintos, o do terapeuta profissional (explícito ( no caso acima, Erickson, professor de hipnose) e o da figura que representa na subjetividade do sujeito (implícito ( no caso, a professora do jardim de infância); b) faz uma referência necessária aos interpretantes (o terceiro elemento do signo) do sujeito que, em algum nível, precisa associar tais objetos. A proposta de tais modos de relação não é a de revelar ao sujeito uma eventual influência oculta em sua subjetividade (o que poderia se constituir como uma tradução artificial ao simbólico), mas a de mobilizar processos emocionais profundos configurados em ações, modos de relação, formas de conceber o mundo, sintomas e defesas ligadas a limitações e núcleos geradores de sofrimento do sujeito.

Há, no entanto, outra dimensão dos processos não verbais das sugestões que remete a um conjunto de formas, em larga medida, não intencionais do terapeuta que parecem remeter mesmo a sua própria experiência de transe (Neubern, 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ). São processos mais ou menos perceptíveis de alterações do ritmo respiratório, pequenos espasmos musculares, tom de voz suave e alongado, lentidão dos gestos, lentidão e pausas de fala, relaxamento corporal e facial e olhar pouco responsivo ao meio, dentre outros. De um ponto de vista semiótico, mesmo sendo isoladamente índices, funcionam em conjunto como imagens na medida em que nada fazem a não ser apresentar ao sujeito uma série de qualidades de um objeto (Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.). Dito de outro modo, tais signos remetem, por semelhança, a experiências de sono e inconsciente (Jouvet, 2016Jouvet, M. (2016). Le sommeil, la conscience et l’éveil. Paris: Odile Jacob.), e também a processos arcaicos da constituição subjetiva anteriores à constituição do eu, quando o bebê, ainda em larga medida indiferenciado da mãe, parece viver mergulhado numa amálgama de sensações e afetos2 2 As comparações jocosas de alguns sujeitos entre tais signos e as canções de ninar não são despropositadas, particularmente em razão do apelo regressivo que comportam. Tal semelhança promovida pelas imagens não deve, contudo, supor uma regressão cronológica ao passado, pois nem as formas que abrigam as diversas sugestões limitam-se apenas à primeiridade das imagens, nem pelo fato de que não seria possível desfazer-se dos demais campos que também constituem a experiência (secundidade e terceiridade). (Cyrulnik, 2000Cyrulnik, B. (2000). Les nourritures affectives. Paris: Odile Jacob.).

Heterogeneidade semiótica

Tal discussão traz à tona a importância de se conceber que a comunicação hipnótica se dá por meio de formas complexas de signos de diferentes lógicas que se entrelaçam no processo relacional, formando um tecido semiótico bastante heterogêneo. Grosso modo, é possível conceber no exemplo acima que o teor emocional evocado pela iconicidade está presente em imagens, diagramas e metáforas, compondo uma malha semiótica diversificada que faz apelo a diferentes dimensões da experiência humana. Essa perspectiva é particularmente importante para a superação de uma polarização muito comum no campo psicoterápico ligado à hipnose (Michaux, 2002Michaux, D. (2002). Hypnose, langage et communication. Paris: Imago.), na qual alguns terapeutas tendem a considerar a sugestão como processo eminentemente simbólico (meaning) e outros tendem a concebê-la como padrão de comportamentos ou informações (patterns).

A noção de signo peirceana, por sua vez, contrapõe-se à semelhante oposição na medida em que permite o estabelecimento de um contínuo entre ambos, no qual padrões e significados são compostos dos mesmos elementos semióticos, diferindo apenas a dominância lógica da forma pela qual se constituem. Os padrões podem conter símbolos e ícones, embora sua dominância de secundidade lhes aproxime mais de índices, dicentes e diagramas. No que diz respeito à linguagem hipnótica (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.), seria aqui também o lugar de alguns truísmos e das descrições. Ao mesmo tempo, os significados contêm índices e ícones, embora sua dominância de terceiridade lhes situe como símbolos, legi-signos e metáforas, sendo, em termos hipnóticos (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.), o lugar das metáforas e contos.

As formas semióticas favorecem um trânsito muito mais suave e proveitoso entre as noções de padrões e significados, de modo a favorecer não apenas um intercâmbio entre elas, mas também uma discussão sobre a pertinência teórica e clínica que possuem em termos da capacidade de se endereçar a uma dimensão de secundidade ou terceiridade num processo terapêutico. As necessidades clínicas urgentes de uma pessoa que grita, no corredor de um hospital, por conta de uma fratura na perna, talvez se voltem mais para uma dimensão de secundidade, por meio de técnicas que desencadeiam analgesias e anestesias, ao passo que o choro de luto de uma pessoa que acaba de ficar viúva talvez se volte mais para uma dimensão de terceiridade, em que seria fundamental a reconstrução simbólica.

Tanto na dominância da secundidade quanto na da terceiridade, contudo, a iconicidade é marcante e favorece o acesso a processos inconscientes, principalmente no que se refere aos sentimentos. Como na citação acima, a sequência de diagramas, intercalada com pausas e as variações sonoras da fala e das imagens do terapeuta, assemelha-se a determinados padrões de funcionamento inconsciente, nos quais associações mais ou menos desconexas de percepções, ideias e sensações marcam o início do sonho (Jouvet, 2016Jouvet, M. (2016). Le sommeil, la conscience et l’éveil. Paris: Odile Jacob.) ou do transe (Jamieson, 2007Jamieson, G. (2007). Hypnosis and conscious states. London: Oxford University Press.). Os diagramas contêm símbolos, mas o que domina suas expressões, no caso, é a sequência expressa, trazendo-se aqui a lógica dos padrões. Caso a ilustração seja tomada em seu todo, a metáfora em que se constitui assemelha, contudo, o contexto atual a um contexto geral vivido na infância da estudante. É curioso observar que essa dimensão de experiência se encontra também num nível inconsciente marcado pela terceiridade, em que a produção simbólica é dominante.

Tanto nas metáforas como nos diagramas a semelhança que propõem também é atravessada por pequenas diferenças com o intuito de favorecer a mudança terapêutica. No caso dos diagramas há a inclusão de um elemento que modifica a ordem das dificuldades, ou seja, a criação de imagens mentais que a levaram a superar os obstáculos. No caso da metáfora, essa mudança implica um conjunto de significados ou mensagens principais que permitem modificações substanciais da narrativa contada pelo sujeito. Em ambos os casos, tais diferenças evocam experiências da própria estudante, altamente perpassadas por processos emocionais (primeiridade) que estão na base de suas configurações sobre o tema ali trabalhado.

Nesse sentido, considerando-se também a hipnose clínica como modo de pesquisa, as formas semióticas possuem uma grande relevância por conta da materialidade dos signos (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.; Short, 2007Short, T. (2007). Peirce’s theory of signs. Cambridge: Cambridge University Press.), isto é, o substrato (palavra, imagem, som) na qual o hipoícone se materializa. Assim, mesmo sem qualquer garantia de que os elementos que compõem o signo sejam sempre encontrados durante a pesquisa, o terapeuta depara com a necessidade de investigar os caminhos que os momentos empíricos lhe oferecem, prevenindo-se, em certa medida, das categorias autoevidentes e autoexplicativas que, não raro, bloqueiam a potencialidade dos diálogos com os campos pesquisados (Gonzalez Rey, 2011Gonzalez Rey, F. (2011). Subjetividade e saúde. São Paulo: Cortez.). Tais formas não são dados em si mesmos, mas sistemas a serem pesquisados a partir de suas próprias lógicas e não pelos pensamentos prévios do terapeuta que, por vezes, impõem-se à pesquisa confirmando seus próprios pressupostos e abafando o diálogo com o empírico.

Individual e coletivo

Um segundo ponto a ser destacado é que a iconicidade relativiza, por meio de sua concepção de signo, as dimensões entre interno e externo, como entre individual e coletivo (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.), pontos que tradicionalmente se apresentam dicotomizados na hipnose (Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.). Dado que um hipoícone implica a primeiridade de seus participantes, ele se constitui como uma concepção que atravessa os limites rígidos de alteridade, por meio dos quais as pessoas concebem suas relações com o mundo. É nessa ótica que (Bergman 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.) preconiza uma concepção de comunicação em que há uma espécie de campo comum de interpretação entre duas mentes, isto é, um campo determinado não apenas pelas bases comuns de experiência, mas também pela partilha da capacidade de interpretação do que tratam no processo comunicacional.

No tocante à comunicação hipnótica, tal perspectiva favorece uma flexibilização dos rígidos limites socioculturais do eu, de modo a romper com a noção individualista dominante na hipnose (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.). As sugestões, como o transe, não são fenômenos puramente internos e individuais, como se fossem limitados a algo encerrado “dentro” do sujeito, e necessitam ser concebidos também no que diz respeito às trocas com o mundo social. Considerando-se que esse eu se desloca como centro da experiência durante o transe, essa comunicação se torna algo muito mais complexo e polifônico, já que envolve outras agências que emergem no processo (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.). A visualização de uma figura afetiva importante do passado (que pode representar um tu para o sujeito), de um santo ou orixá (que pode representar um nós cultural) podem ser concebidos como signos que se ligam, ao mesmo tempo, a esse momento relacional e a diferentes dimensões coletivas nas quais o sujeito toma parte. Essas vozes remetem a um processo de comunicação não linear e concebem o social como algo profundamente enraizado em sistemas afetivos e inconscientes da subjetividade do sujeito. Em suma, a experiência de transe, ao mesmo tempo que se pauta por autorreferências profundas (autos) é intimamente ligada ao jogo sociocultural que a precede (eco) (Morin, 2005Morin, E. (2005). L’Éthique. La méthode VI. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.).

Vale destacar também o papel de signo (médium) que o eu desempenha durante a comunicação hipnótica. Quando deslocado como pretenso centro de decisão e controle, esse eu, em termos semióticos, medeia as relações entre os saberes e influências coletivas e outros representantes da vida social, com quem o sujeito mantém relações pertinentes. Tais questões não se caracterizam apenas pelo teor vago, indeterminado e incerto da comunicação consigo mesmo da autorreflexão corriqueira do sujeito (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.), mas, sobretudo, pelo papel no qual esse eu é situado em semelhante processo - o de um mediador entre mundos.

O eu, em tais condições, situa-se como um mediador entre universos, em certa medida, opostos nas culturas ocidentais contemporâneas (Clément, 2011Clément, C. (2011). L’appel de la transe. Paris: Stok.; Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.), o que remete não apenas a múltiplas possibilidades de conflito e negociação (visível ( invisível, realidade ( noosfera, sagrado ( profano, normalidade ( loucura, material ( espiritual), mas também a uma visão altamente complexa na qual a experiência individual serve como palco para o encontro entre mundos tão distintos (Morin, 1991Morin, E. (1991). Les idées. La méthode IV. Paris: Seuil.; 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.) através do transe. Mesmo que esse eu não possa se colocar mais na ilusória condição de controle, é através de suas ações e escolhas que novas pontes podem ser estabelecidas entre tais universos, principalmente quando sua atitude é pautada como negociação (Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.; Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.). O eu, desse modo, saindo da condição reificada e terminal de entidade para a de uma forma, possui o desafio de superar o caminho truncado entre universos muitas vezes conflitantes, favorecendo a possibilidade do diálogo, da conversação e do significado.

Nesse sentido, a iconicidade possui considerável relevância para a compreensão desse eu que desenvolve a mediação entre mundos coletivos. No tocante ao sujeito, as visualizações, mensagens e expressões que emergem durante o transe, que podem se constituir como diferentes hipoícones (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.), costumam ser importantes formas semióticas na comunicação com tais mundos. Não raro nos casos de terapia, tais hipoícones consistem em importantes mensagens ao sujeito e seu núcleo de relações, que podem receber diferentes tratamentos hermenêuticos (Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.; Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.), como um problema familiar mal resolvido no passado, uma potencialidade significativa e não desenvolvida, um legado transgeracional que deveria ser abandonado ou uma missão ou obrigação espiritual que não pode ser negligenciada. Essas mensagens frequentemente dizem do lugar do sujeito no mundo quanto a si e aos outros e de suas perspectivas existenciais para a vida, principalmente por fazerem apelo a uma dimensão de primeiridade que é fundante na constituição subjetiva do sujeito.

Já no que diz respeito ao terapeuta, os legi-signos que constituem a técnica hipnótica remetem a uma perspectiva de que, em sua prática social, ele não está só, posto que é acompanhado pelas vozes das comunidades que precederam sua formação, mesmo que não as tenha conhecido diretamente. As técnicas são, desse modo, portadoras das vozes de seus mestres, de conceitos partilhados nos grupos, de cosmovisões e teorias transmitidos em rituais específicos de formação. Salvo nos casos em que são bastante díspares ou até contrárias3 3 Tal afirmação refere-se a pessoas que realizam a formação em uma escola terapêutica sem que haja uma identificação mais profunda com ela, fenômeno comum na época atual. Por vezes, a relação com o ensino é puramente técnica e motivada por interesses pouco ligados a disposições mais profundas, ou seja, interesses aprendidos socialmente, mas sem repercussão nenhuma quanto às disposições de primeiridade. a suas disposições de primeiridade, as técnicas se fazem, contudo, importantes ao terapeuta porque funcionam como hipoícones, dado ao profundo apelo emocional presente em sua formação, da qual comumente ele guarda cenas de convívio (imagens), histórias compartilhadas (metáforas) e esquemas de estudo (diagramas) que se integram emocionalmente a sua subjetividade. É isso que permite que, com o tempo, elas se tornem parte do próprio terapeuta (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.). A comunicação com o outro precisa, portanto, passar pela comunicação consigo mesmo.

Ethos e sentimento

Por conta de seu apelo às dimensões fundamentais da experiência, a iconicidade traz questões de grande valia no tocante à comunicação hipnótica. Primeiro, porque essa clínica do mostrar, ou seja, caracterizada pela iconicidade nas formas semióticas, apresenta uma radicalidade nada desprezível no que diz respeito ao acesso ao universo inconsciente do sujeito. De certo modo, imagens, diagramas e metáforas, organizados em complexas formas semióticas, comunicam algo a outras agências da experiência além do eu (Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), envolvendo-as em processos que estão na base da identidade, das defesas, dos modos de relação, da produção de sofrimento (inclusive de sintomas) e de possibilidades terapêuticas (Schore, 2016Schore, A. (2016). Affect regulation and the origin of the self. New York: Routledge.).

É como se esse mostrar presente, por exemplo, nas ações de um papel assumido pelo terapeuta, pudesse (re)inaugurar uma forma de comunicação e experiência conhecidas do sujeito, mas não num nível consciente, que permitisse implicá-lo, de outras maneiras, em experiências profundas da primeiridade. Tal processo pode promover mudanças nas temáticas de sua vida, que, pelas vias conscientes ordinárias, talvez jamais fossem possíveis. É como se, para se comunicar com esse universo inconsciente de seres espirituais (Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.), ideias, saberes, sonhos (Morin, 1991Morin, E. (1991). Les idées. La méthode IV. Paris: Seuil.), o terapeuta precisasse de um arsenal semiótico muito perpassado pela iconicidade na condição daquilo que é primeiro, anterior e fundamental.

Em segundo lugar, há a própria dimensão de sentimento do terapeuta que é implicada na construção dessa forma de comunicação. Para que haja algum nível de reconhecimento que proporcione isso a esse sujeito, que sai e entra em transe, numa vinculação terapêutica, a iconicidade não pode consistir num ato mecânico de produção técnica, mas num processo vívido, criativo e marcado também pelo que há de experiência primeira do terapeuta - seus próprios sentimentos. Mesmo que nem sempre as intenções do terapeuta sejam explícitas, é pela via do sentimento que a semelhança promovida pela iconicidade pode se estabelecer, ou seja, o que há de profundo e primeiro no terapeuta se dispõe a encontrar o há de profundo e primeiro no sujeito, num processo focado na potencialidade e na mudança.

Nesse sentido, a comunicação não pode ser restrita a uma transmissão computacional de informações, nem à intervenção técnica ou a uma troca subjetiva entre indivíduos. Na medida em que o terapeuta e o sujeito se remetem a suas próprias primeiridades, eles se buscam em seu próprios mundos de pertencimento ou ethos (Morin, 2005Morin, E. (2005). L’Éthique. La méthode VI. Paris: Seuil.), mundos que podem designar como seus e também a eles pertencer. Esse mundo pode ser potencializado no transe quando eles deparam não apenas com amigos, parentes e pessoas importantes, mas também com os seres espirituais de seu universo cultural invisível (Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.). A comunicação, desse modo, em sua forma mais profunda, é um processo em que os sujeitos são protagonistas, mas que também acontece necessariamente entre ethos distintos, num encontro entre mundos.

Iconicidade e Complexidade: Um Caminho Possível

Uma primeira aproximação entre iconicidade e complexidade em hipnose clínica é ainda uma tentativa problemática por várias razões. Se, por um lado, a iconicidade ainda é um assunto controverso entre linguistas e estudiosos da semiótica (Hiraga, 2005Hiraga, M. (2005). Metaphor and iconicity. New York: Palgrave.), por outro, os autores peirceanos pouco desenvolveram concepções sobre uma noção chave nesse sentido - a subjetividade -, dado que seus interesses parecem se voltar muito mais para temas como mente e cognição (Santaella, 2009Santaella, L. (2009). Matrizes da linguagem e do pensamento. São Paulo: Fapesp/Iluminuras.; Short, 2007Short, T. (2007). Peirce’s theory of signs. Cambridge: Cambridge University Press.). É possível que o teor de antipsicologismo da obra de Peirce, associado ao domínio cognitivista de seus seguidores, tenha legado as discussões sobre a subjetividade a uma condição marginal, a despeito de contribuições da mais alta relevância no assunto (Arino, 2007Arino, M. (2007). La subjectivité du chercheur en sciences humaines. Paris: Harmattan.; Colapietro, 1989Colapietro, V. (1989). Peirce’s approach to the self. New York: Suny.; Muller & Brent, 2000Muller, J. & Brent, J. (2000). Peirce, semiotics and psychoanalysis. Baltimore: John Hopkins University Press.). Além disso, o campo empírico e clínico da hipnose possui exigências que nem sempre estão no repertório dos autores peirceanos contemporâneos, como uma proposta de cuidado com o outro, qualificação da relação, vínculo e reflexividade (Erickson, 1992Erickson, M. (1992). Creative choice in hypnosis. New York, NY: Irvington.; Roustang, 2015Roustang, F. (2015). Jamais contre, d’abord. La présence d’un corps. Paris : Odile Jacob.).

Tal cenário favorece uma imprecisão conceitual nada desprezível nessa tentativa de aproximação, posto que é necessário existir maior aproximação e refinamento nas relações entre um corpo de pensamento e o campo empírico (Morin, 1991Morin, E. (1991). Les idées. La méthode IV. Paris: Seuil.). A própria iconicidade, constituinte de grande amplitude do processo comunicacional, pode facilmente promover essa imprecisão, tornando-se uma espécie de passe-partout conceitual que muito pouco ajudaria numa pesquisa clínica de hipnose. Semelhantes obstáculos não impedem, entretanto, que sejam traçados possíveis caminhos nos quais a iconicidade seja pensada em suas limitações e potencialidades quanto a uma compreensão complexa da comunicação em hipnose clínica.

Nesse sentido, a iconicidade não pode ser materializada e objetivada em conceitos lógicos e desvencilhada de toda uma constituição orgânica do tecido subjetivo onde ganha vida na comunicação hipnótica, como se fosse possível a referência a signos fora do contexto das trocas humanas do dia a dia. É assim que a subjetividade, como noção singular e complexa (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), torna-se um ponto chave para os propósitos aqui discutidos. Isso porque, além de uma concepção dialógica entre pares opostos, como o social - individual ou ainda sujeito - coletivo, ela encontra também no emocional sua condição primeira e fundante (Schore, 2016Schore, A. (2016). Affect regulation and the origin of the self. New York: Routledge.), o que permite traçarem-se paralelos consideráveis com os hipoícones. Grosso modo, ambas as noções relativizam a separação eu-outro e o quanto de herança e cultura coletiva cada sujeito traz das comunidades e universos nos quais se insere.

A intensa e incerta dinâmica dos processos subjetivos cotidianos, como é o caso da comunicação hipnótica, não permite, contudo, o tipo de pesquisa semiótica geralmente desenvolvida na análise de imagens (Jappy, 2010Jappy, T. (2010). Regards sur le poème muet. Perpignan: PUP.; Bordron, 2011Bordron, J.-F. (2011). L’Iconicité et ses images. Paris: Puf.) e nos textos literários (Hiraga, 2005Hiraga, M. (2005). Metaphor and iconicity. New York: Palgrave.; Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.). Diferentemente do que ocorre no contexto hipnótico, em tais casos os signos estão materialmente dados e o pesquisador pode seguir uma série de interpretações considerando seus objetos e interpretantes. Ele pode, assim, dedicar uma boa dose de tempo a um conjunto menor de signos a bem dizer fixos, verificando seus possíveis componentes, dado que a dinâmica do empírico comumente não lhe traz muitas variações além das já apresentadas.

Na hipnose, porém, um mesmo interpretante ligado aos hipoícones da comunicação com o terapeuta está configurado a outros processos do histórico e do próprio mundo vivido do sujeito, cujas formas possuem dinâmicas e organizações próprias (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; Neubern, 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ). A variação de referências que caracterizam o transe e a emergência de diferentes fenômenos hipnóticos envolvendo uma riqueza considerável da subjetividade fazem da comunicação hipnótica um terreno nada dócil para tal forma de pesquisa, na qual o signo material está ligado a uma variedade de formas da experiência do sujeito nem sempre acessíveis ao pensamento do pesquisador (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.). As formas semióticas são, portanto, sistemas com propriedades emergentes que não mantêm relações lineares entre si (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), o que permite aproximá-las de outras noções relevantes de configuração (Gonzalez Rey, 2011Gonzalez Rey, F. (2011). Subjetividade e saúde. São Paulo: Cortez.; Merleau-Ponty, 2008Merleau-Ponty, M. (2008). Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard. (Original publicado em 1945).). Sendo sistemas que se autocriam, elas levam à emergência de novos signos, cuja criação não mantém relação linear com seu aspecto material.

Tal perspectiva, embora não desenvolvida pelos autores peirceanos (Bergman, 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.; Colapietro, 1989Colapietro, V. (1989). Peirce’s approach to the self. New York: Suny.), pode ser corroborada até certo ponto por suas ideias, segundo as quais a pesquisa semiótica não deve se restringir ao mapeamento mecânico dos elementos dos signos, mas levar em conta uma realidade complexa e dinâmica. Ao mesmo tempo que as formas estão presentes no espaço intersubjetivo da comunicação, elas também compõem a experiência do sujeito, constituindo campos de interpretantes (Jappy, 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.), de onde seria possível conceber semelhantes processos de criação. Assim, a cena visualizada no transe pode ser concebida como um fenômeno (interpretante) que emerge como um ponto de intersecção de várias outras formas do mundo vivido do sujeito e do contexto em que se desenrola a comunicação hipnótica. Mesmo que os hipoícones expressos pelo terapeuta sejam determinantes para sua emergência, deve-se levar em conta, contudo, toda uma ecologia de formas prévias que constituem a experiência de mundo desse sujeito singular que possuem uma autonomia própria (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.).

A proposta semiótica aqui discutida aponta para caminhos pelos quais a noção de forma dos hipoícones transcende a dicotomia entre padrões e significados, destacando uma heterogeneidade semiótica muito maior do tecido comunicacional da hipnose do que o concebido nas pesquisas contemporâneas. Nesse sentido, a dominância da secundidade nos padrões e da terceiridade nos significados inclui a possibilidade de que ambas sejam constituídas por diferentes tipos de signos. O pensamento complexo aponta ainda, todavia, para um aspecto geralmente desprezado nessa discussão: o papel criativo das formas como sistemas (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), que propicia a emergência de novos processos semióticos no espaço intersubjetivo da comunicação. Esse espaço comum, também destacado por (Bergman 2009Bergman, M. (2009). Peirce’s philosophy of communication. New York: Continuum.), favorece considerável autonomia das formas quanto aos próprios sujeitos, pois ganham capacidade de criação e articulação além da intenção e do controle de seus protagonistas não apenas pelos novos signos que se lhes acrescentam na relação, mas pela dimensão autônoma que lhes caracteriza como sistemas e pela potencialidade que caracteriza a dimensão da primeiridade evocada pelos hipoícones.

As metáforas, como a sequência de truísmos ganham vida própria no espaço interativo, por criarem novas formas que fogem à intenção dos protagonistas e podem mesmo se voltar, em movimento recursivo (Morin, 1991Morin, E. (1991). Les idées. La méthode IV. Paris: Seuil.), sobre a subjetividade deles. Elas se tornam uma espécie de terceiro dada sua condição particular de mediadoras da relação entre eles, na construção do transe e da própria mudança terapêutica, algo decisivo para o andamento do processo.

A iconicidade e a complexidade possuem ainda um considerável campo de estudo no que diz respeito à evocação que se estabelece entre aquilo que o terapeuta mostra e o que é vivido pelo sujeito. Como pesquisa clínica, trata-se do problema segundo o qual não é possível se referir a um processo de comunicação sem que se considere a experiência individual dos sujeitos, experiência esta criativa e autônoma (Gonzalez Rey, 2011Gonzalez Rey, F. (2011). Subjetividade e saúde. São Paulo: Cortez.). Seria possível conceber que os hipoícones referem-se a diferentes momentos de construção da pesquisa que pode focar ora a experiência do outro (secundidade), ora o vivido do próprio terapeuta (primeiridade) ou o contexto relacional (terceiridade). Outra possibilidade viável seria a de se conceberem momentos que são de pura vivência (primeiridade), outros mais ligados à descrição e ao jogo interativo (secundidade) e outros ainda à construção teórica e à reflexividade sobre o contexto (terceiridade). Tais processos, todavia, podem parecer incompletos caso não se leve em conta a subjetividade do terapeuta que se constitui como momento fundamental da construção do transe (Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.). Seria contraditória uma pesquisa sobre os hipoícones que desconsiderasse esse complexo sistema (Arino, 2007Arino, M. (2007). La subjectivité du chercheur en sciences humaines. Paris: Harmattan.), principalmente por conta da dimensão de sentimentos que tais signos evocam na relação e na experiência dos sujeitos, inclusive do próprio terapeuta.

Por outro lado, como se dá na complexidade (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2014Neubern, M. (2014). Subjetividade e complexidade na clínica psicológica: superando dicotomias. Fractal, Revista de Psicologia, (26), 3, 835 - 852.), o sujeito semiótico (Colapietro, 1989Colapietro, V. (1989). Peirce’s approach to the self. New York: Suny.) não é monolítico e homogêneo, pois se encontra também como signo (médium) de diferentes comunidades e saberes nas quais se insere. Ele guarda, em termos complexos, contudo, uma proposta que inclui o espaço privado e incomunicável, como diria William James, sem perder de vista esses laços de pertencimento a comunidades de pertencimento, como diria Peirce (citado em Colapietro, 1989Colapietro, V. (1989). Peirce’s approach to the self. New York: Suny.). Considera-se que aqui a iconicidade possui grande relevância, na medida em que é por meio do campo primeiro - o dos sentimentos - que tais inserções se dão prioritariamente e não por aspectos secundários, como as imposições sociais que não repercutem nessa direção. Portanto, a ideia do holograma (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.), segundo a qual o sujeito contém em si uma coletividade, precisa ser considerada em termos da dimensão primeira que o constitui, do que pode ou não ser legítimo a ela.

É nesse sentido que talvez seja possível se referir às verdades do sujeito, ou seja, verdades construídas a partir dessa dimensão primeira que seja perpassada pelas inserções e trocas subjetivas que caracterizam seu ethos e sua identidade. Assim, as diferentes expressões que podem emergir de um processo terapêutico, as cenas e fenômenos hipnóticos, a aparição de seres, as teorias e técnicas do terapeuta remetem, de alguma forma, aos diferentes jogos subjetivos que se dão entre esse eu médium e as comunidades visíveis e invisíveis nas quais ele toma seu assento por meio da primeiridade. Em outras palavras, a questão quem sou? feita pelo sujeito equivale a com quem me comunico em meu mundo e a partir desse mundo?, considerando-se aqui esse comunicar como algo da ordem do sentir, que diz de seus vínculos básicos e fundantes, de sua identidade e de seu ethos.

Isso permitiria cogitar diferenças qualitativas significativas no tocante à legitimidade dada pelo sentimento ao papel desse eu-médium no transe quanto às comunidades que poderia, por suas verdades primeiras, representar e quanto a outras cujas filiações dissessem pouco ou nada de seu ethos. Ao mesmo tempo que esse eu-médium que representa uma comunidade pode aprender a se reconectar com suas raízes no ethos, sua condição de sujeito ativo, criativo e com capacidade de escolha e negociação (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ) também desempenha um papel de considerável importância no processo hipnótico, seja no tocante ao paciente, seja quanto ao terapeuta. Sob esse prisma, talvez se abram possibilidades explicativas quanto à discussão entre dissimulação e legitimidade no transe (Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.), como, no caso do terapeuta, na escolha de uma escola teórica, que pode ser feita próxima ou distante de suas referências primeiras.

Outro ponto referente à iconicidade é a contradição fortemente presente na comunicação hipnótica, como na própria comunicação humana. Aquilo que é mostrado para se assemelhar simbolicamente a algo (metáforas), aquilo que é, a bem dizer, desenhado para se fazer entender (diagramas), que parece ser óbvio pela semelhança qualitativa (imagens), é o que atinge o que há de mais profundo na experiência humana. Essa semelhança, por vezes repetitiva e aparentemente sem sentido na comunicação hipnótica, é o que parece favorecer as alterações de referência do eu que caracterizam a emergência do transe. O teor óbvio, simples e, de certa maneira, infantil dos hipoícones parece propiciar esse descentramento do eu, profundamente constituído e perpassado pela produção simbólica e racional, de modo a promover a emergência de processos nos quais a primeiridade possui um papel fundamental. É como se, parafraseando (Morin 2005Morin, E. (2005). L’Éthique. La méthode VI. Paris: Seuil.), a complexidade da subjetividade humana, inconsciente em sua maior parte, fosse acessada pela simplicidade por vezes infantil apresentada pelos hipoícones.

Desse modo, a iconicidade promove caminhos terapêuticos viáveis para o descompasso comum nas demandas clínicas entre o eu, em seus modos de pensar e ler o mundo, e os diversos processos inconscientes da experiência. A simplicidade nela presente consiste numa espécie de convite ao sujeito para que se desvencilhe da frágil condição de controle e imposição sobre si, para uma conexão, com seu próprio ethos pela via dos sentimentos. Não há, portanto, uma tradução de conteúdos inconscientes à lógica consciente do eu, mas uma conexão com esse ethos que diz das disposições do sujeito, de seus recursos, sofrimentos, vínculos, rupturas e possibilidades de construção/cumprimento do destino. É nesse sentido que talvez se possa conceber a concepção de uma sabedoria interior presente na hipnose (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.) e em outras tradições (Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.; Rambelli, 2013Rambelli, F. (2013). A buddhist theory of semiotics. London: Bloomsbury.).

Por fim, o mostrar como simplicidade que caracteriza os hipoícones permite o acesso ao universo complexo dos mundos do sujeito, na qual a experiência individual é habitada por seres e saberes coletivos (Morin, 1996Morin, E. (1996). A noção de sujeito. In D. Fried-Schnitman (org). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. (J. Rodrigues, Trad). (pp. 45 - 58). Porto Alegre: Artmed. ; 2001; Nathan, 2004Nathan, T. (2004). Du commerce avec les diables. Paris: Synthélabo.). Isso situa a comunicação hipnótica como um intercâmbio entre mundos, ou seja, um processo no qual os protagonistas interagem como sujeitos, mas também como médiuns das coletividades que representam. A primeiridade aí presente remete àquilo que está na base da subjetividade do terapeuta, ao que vem primeiro em sua constituição humana, que é anterior mesmo à construção de seu eu e à qual ele pertence, mas que também lhe pertence (ethos). E é desse mundo que o terapeuta extrai o material para se assemelhar ao que também é primeiro no outro, sem pretender controlá-lo ou manipulá-lo, mas apenas tocá-lo num gesto de profundo respeito a seu modo de ser ou, como diriam alguns (Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.), um toque entre comunidades de almas.

Considerações finais

As considerações até aqui levantadas permitem uma analogia na qual a iconicidade, na comunicação hipnótica, seria como as cordas de um violino em ação que fazem vibrar outros instrumentos na mesma afinação, compondo harmonia e melodia nos processos de vida das pessoas. O que existe na vibração de um instrumento parece reverberar, por semelhança, na estrutura dos outros, que também criam, a partir de sua própria dinâmica, os sons que compõem a harmonia musical. Tal comparação parece servir com pertinência à radicalidade com que essa clínica do mostrar da hipnose de Erickson (Erickson & Rossi, 1979Erickson, M., & Rossi, E. (1979). Hypnotherapy: an exploratory casebook. New York: Irvington.) se faz a partir da ideia de iconicidade na qual o terapeuta evoca diferentes possibilidades de experiência durante o transe a partir de suas diferentes ações frente ao outro que, como o apreciador da música, mergulha em sua própria experiência e depara com seu ethos. Ela diz também de processos humanos de influência subliminar cotidiana que se referem à moral (ensinar pelo exemplo), à estética (contemplar o belo) e à aprendizagem humana e animal pela imitação, processos nos quais os sentimentos evocados pela iconicidade possuem um papel central.

Semelhante riqueza de fenômenos evoca a necessidade de articulação entre semiótica (Jappy, 2013Jappy, T. (2013). Introduction to peircean visual semiotics. New York: Bloomsbury.; Nöth, 2015Nöth, W. (2015). The paradigms of iconicity in language and literature. Em M. Hiraga (org). Iconicity: east meets west. Amsterdan: John Benjamins.) e complexidade (Morin, 2001Morin, E. (2001). L’identité humaine. La méthode V. Paris: Seuil.; Neubern, 2013aNeubern, M. (2013a). Psicoterapia e espiritualidade. Belo Horizonte: Diamante.) - duas linhas de pensamento capazes de uma profícua complementação na busca de uma compreensão mais ampla da comunicação hipnótica. Embora tais articulações impliquem muitos riscos, elas se tornam necessárias, pois as abordagens atuais ainda se encontram longe de uma compreensão mais pertinente, ampla e aprofundada sobre tal campo (Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.; Neubern, 2013bNeubern, M. (2013b). Hipnose, dores crônicas e técnicas de ancoragem. A terapia de dentro para fora. Psicologia: Teoria & Pesquisa, 29 (3), 297 - 304. ). Assim, a semiótica pode oferecer uma materialidade de grande relevância para a pesquisa clínica por meio da noção de signo que permite uma aproximação diferenciada com o empírico (superando uma grande lacuna do pensamento complexo), como a superação de dicotomias e a qualificação dos processos de sentimento. A complexidade, por sua vez, proporciona conceitos importantes para a compreensão desse processo, sobretudo no tocante à experiência dos protagonistas, através de noções como sistema, sujeito e subjetividade, temas nem sempre aprofundados na semiótica, mas de importância fundamental para a pesquisa da hipnose. Apesar das diversas potencialidades de tal encontro, contudo, mais estudos são necessários para que tal forma de compreensão avance em um campo tão complexo e instável como o da comunicação hipnótica (Midol, 2010Midol, N. (2010). Écologie des transes. Paris: Teraedre.).

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  • 1
    Apoio: Capes
  • 8
    Este trabalho é fruto do estágio pós-doutorado do autor (Estágio Sênior), financiado pela CAPES no período de 2015/2016. Tal estágio, com o projeto “Hipnose, complexidade e dores crônicas” ocorreu no Centre Edgar Morin (CEM), École des Hautes Études en Sciences Sociales” (EHESS), Paris, França
  • 1
    Por limites de espaço, as outras tricotomias não serão aprofundadas aqui. Elas classificam os signos quanto a si mesmos e quanto a seus interpretantes. Quanto a si, eles podem ser: legi-signos (lei, lógica), sin-signos (existente, singular), quali-signos (qualidade). Quanto aos interpretantes, podem ser rema (qualidade, mônada), dicentes (reação, díade) e argumentos (raciocínio, tríade).
  • 2
    As comparações jocosas de alguns sujeitos entre tais signos e as canções de ninar não são despropositadas, particularmente em razão do apelo regressivo que comportam. Tal semelhança promovida pelas imagens não deve, contudo, supor uma regressão cronológica ao passado, pois nem as formas que abrigam as diversas sugestões limitam-se apenas à primeiridade das imagens, nem pelo fato de que não seria possível desfazer-se dos demais campos que também constituem a experiência (secundidade e terceiridade).
  • 3
    Tal afirmação refere-se a pessoas que realizam a formação em uma escola terapêutica sem que haja uma identificação mais profunda com ela, fenômeno comum na época atual. Por vezes, a relação com o ensino é puramente técnica e motivada por interesses pouco ligados a disposições mais profundas, ou seja, interesses aprendidos socialmente, mas sem repercussão nenhuma quanto às disposições de primeiridade.
  • 4
    Due to space limitations, the other trichotomies will not be deeply analyzed herein. These classify signs regarding themselves and their interpretants. Regarding themselves they can be: legi-signs (law, logic), sin-signs (existent, singular), quali-signs (quality). Regarding interpretants, they may be rema (quality, monad), learners (reaction, dyad) and arguments (thinking, triad).
  • 5
    The jesting comparisons of some subjects between these signs and the lullabies are not pointless, notably because of the regressive appeal that they comprise. However, this similitude promoted by images should not assume a chronological regression to the past, since not even the forms that house the different suggestions are limited to the firstness of images, as well as because one could not break apart the remainder fields that also make up the experience (secondness and thirdness).
  • 6
    This affirmation refers to people trained in a therapeutic school with no further identification with it. This is a common phenomenon these days. Sometimes, the relation with education is nothing but technical and motivated by interests that little have to do with deeper dispositions, i.e., interests socially learned but empty of repercussions regarding the firstness dispositions.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2016
  • Aceito
    06 Nov 2016
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