Acessibilidade / Reportar erro

A Violência Mora ao Lado? Violência Familiar e Comunitária entre Adolescentes

Does the Violence Live Next Door? Family and Community Violence Amongst Adolescents

Resumo

Para descrever a ocorrência de situações de violência contra adolescentes na família e na comunidade, foi conduzido estudo transversal em escolas públicas de municípios do Brasil. O Questionário da Juventude Brasileira Versão Fase II foi utilizado. Participaram 2.860 adolescentes, sendo 58,5% do sexo feminino. Cerca de um terço dos participantes sofreram violência física na família. Na comunidade, 32,7% dos adolescentes reportaram ter sofrido situações de violência psicológica. Situações de violência física ocorreram mais entre meninos, em participantes de 15 a 19 anos e nos que experimentaram álcool ou drogas ilícitas. Considera-se como importante que ações preventivas contra violência de naturezas distintas sejam contínuas e abrangentes, incluam diferentes subgrupos e garantam o suporte necessário.

Palavras-chave:
violência; vitimização; família; comunidade

Abstract

Describing the occurrence of violence situations against adolescents, in the family and community, was conducted a cross-sectional study in public schools of municipalities in Brazil. Brazilian Youth Questionnaire Phase II Version was used. Participated 2860 adolescents, being 58.5% female. About a third have already suffered some form of physical violence in the family. In the community, 32.7% of the adolescents reported have already suffered some form of psychological violence. Situations of physical violence were more common amongst boys, 15 to 19 years old participants, and who have already tried alcohol or illegal drugs. It is important that preventive actions against violence of different natures are continuous and comprehensive, including different subgroups and providing the necessary support.

Keywords:
violence; victimization; family; community

No Brasil, no ano de 2010, cerca de 34 milhões de pessoas tinham entre 10 e 19 anos de idade, considerando moradores de áreas rurais e urbanas de ambos os sexos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência.). É nessa faixa etária, caracterizada pela adolescência (Organização Mundial da Saúde [OMS], 1986Organização Mundial da Saúde. (1986). Young people’s health-a challenge for society: Report of a WHO study group on young people and "Health for All by the Year 2000" [encontro em Genebra de 4 a 8 de junho, 1984].), que ocorrem mudanças biológicas consideradas universais, mas que estão fortemente atreladas ao contexto social, histórico e cultural, especialmente no que se refere ao que é ser adolescente no contexto brasileiro (Cerqueira-Santos et al., 2014Cerqueira-Santos, E., Melo Neto, O. C., & Koller, S. H. (2014). Adolescentes e adolescências. In L. F. Habigzang, E. Diniz, & S. H. Koller (Orgs.), Trabalhando com adolescentes: Teoria e intervenção psicológica (pp. 17-27). Artmed.). Nesse cenário, é possível identificar diversas formas de vivenciar a adolescência, que podem variar de acordo com o grupo social, o gênero e a geração (Schoen-Ferreira et al., 2010Schoen-Ferreira, T. H., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. de M. (2010). Adolescência através dos séculos. Psicologia: Teoria e Pesquisa,26(2), 227-234. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000200004
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
). As características dos diferentes contextos de desenvolvimento podem deixar os adolescentes vulneráveis a desenlaces que irão de encontro ao desenvolvimento das potencialidades individuais. A exposição à violência é um exemplo.

A violência aparece como uma das principais causas de mortalidade na população de jovens, em particular do sexo masculino (Cerqueira et al., 2018Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, O. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., & Marques, D. (2018). Atlas da Violência 2018. IPEA e FBSP.). Em 2012, as causas externas (acidentes e violências) corresponderam a 71,1% do total de óbitos entre pessoas de 15 a 29 anos (Waiselfisz, 2014Waiselfisz, J. J. . (2014). Mapa da Violência 2014 - Os Jovens do Brasil. Retirado de https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.i...
). Além disso, o Atlas da Violência, publicado no ano de 2018, indica que a vitimização entre adolescentes e jovens é uma realidade que permanece (Cerqueira et al., 2018Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, O. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., & Marques, D. (2018). Atlas da Violência 2018. IPEA e FBSP.). Isso reafirma a importância de abordar o tema com a devida seriedade, tendo em vista que esse é um problema com potenciais consequências individuais, interpessoais e sociais. A violência está relacionada a uma série de morbidades que, muitas vezes, necessitam de internação hospitalar urgente, como traumas ou lesões graves resultantes de situações de violência de natureza física, ou de atendimento de longo prazo devido aos agravos à saúde mental (da Silva Franzin et al., 2014da Silva Franzin, L. C., Olandovski, M., Vettorazzi, M. L. T., Werneck, R. I., Moysés, S. J., Kusma, S. Z., & Moysés, S. T. (2014). Child and adolescent abuse and neglect in the city of Curitiba, Brazil. Child Abuse and Neglect, 38(10), 1706-1714. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02.003
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02...
; OMS, 2002Organização Mundial de Saúde. (2002). Relatório mundial sobre violência e saúde.; Reichenheim et al., 2011Reichenheim, M. E., De Souza, E. R., Moraes, C. L., De Mello Jorge, M. H. P., Da Silva, C. M. F. P., & de Souza Minayo, M. C. (2011). Violence and injuries in Brazil: The effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet, 6736(11), 75-89. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60...
).

A literatura aponta a existência de diferentes tipos de violência, tais como a violência autodirigida (indivíduo causa danos contra si mesmo), a violência coletiva (realizada por grupos) e a violência interpessoal, que ocorre entre pessoas que podem ou não ter proximidade (OMS, 2014Organização Mundial da Saúde. (2014). Global status report on violence prevention 2014. https://apps.who.int/iris/handle/10665/145086
https://apps.who.int/iris/handle/10665/1...
). Somado a isso, podem ocorrer atos violentos de naturezas distintas, entre os quais estão aqueles de natureza física, psicológica e sexual, entre outros (Dahlberg & Krug, 2006Dahlberg, L. L., & Krug, E. G. (2006). Violência: Um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, 11, 1163-1178. https://doi.org/10.1590/s1413-81232006000500007
https://doi.org/10.1590/s1413-8123200600...
). Cada ato violento é constituído por uma dinâmica própria, o que resulta em diferentes implicações.

Além de levar em conta a natureza do ato, é importante considerar o contexto em que ocorre a violência, bem como as relações que se estabelecem. A violência pode ocorrer em contextos como a família, a escola e a comunidade de forma ampla (Honorato et al., 2018Honorato, L. G. F., Souza, A. C. de, Santos, T. S. R. dos, & Zukowsky-Tavares, C. (2018). Violência na infância e adolescência: Perfil notificado na mesorregião do baixo Amazonas.Arquivos Brasileiros de Psicologia, 70(2), 266-284.; Poletto et al., 2013Poletto, M., Souza, A. P. L. d., & Koller, S. H. (2013). Direitos humanos, prevenção à violência contra crianças e adolescentes e mediação de conflitos: Manual de capacitação para educadores. IDEOGRAF.; Zappe & Dell’Aglio, 2016Zappe, J. G., & Dell’Aglio, D. D. (2016). Adolescência em diferentes contextos de desenvolvimento: risco e proteção em uma perspectiva longitudinal. Psico,47(2), 99-110. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.21494
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016....
). Malta et al. (2017Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Pugedo, F. S. F., Lima, C. M., Mascarenhas, M. D. M., Jorge, A. de O., & de Melo, E. M. (2017). Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência e Saúde Coletiva,22(9), 2899-2908. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
) investigaram as violências praticadas contra adolescentes a partir de 815 registros da Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA) e encontraram que: as adolescentes sofrem mais violência no domicílio; adolescentes do sexo masculino mais jovens, com idades entre 10 e 14 anos, sofrem violência na escola; e os mais velhos, com idades entre 15 e 19 anos, estão mais expostos às violações praticadas em vias públicas. As relações estabelecidas com o perpetrador da violência em diferentes contextos podem até mesmo dificultar ou impedir que o adolescente se sinta seguro para revelar a ocorrência de determinadas violações de direitos. Por vezes, o adolescente pode sentir culpa (Habigzang et al., 2006Habigzang, L. F., Azevedo, G. A., Koller, S. H., & Machado, P. X. (2006). Fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(3), 379-386. https://doi.org/10.1590/s0102-79722006000300006
https://doi.org/10.1590/s0102-7972200600...
) pelos acontecimentos e acabar não os revelando, o que impede que ações sejam realizadas no sentido de romper com o ciclo de violações, especialmente nos casos de violência sexual que ocorrem dentro da própria família (Coutinho & Morais, 2018Coutinho, M. M. L., & Morais, N. A. de. (2018). O processo de revelação do abuso sexual intrafamiliar na percepção do grupo familiar. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(1), 93-113. https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111
https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111...
). No que tange à violência interpessoal, que é o foco deste estudo, é sabido que pode ocorrer em contextos como a família e a comunidade (Dahlberg & Krug, 2006Dahlberg, L. L., & Krug, E. G. (2006). Violência: Um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, 11, 1163-1178. https://doi.org/10.1590/s1413-81232006000500007
https://doi.org/10.1590/s1413-8123200600...
; Malta et al., 2017Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Pugedo, F. S. F., Lima, C. M., Mascarenhas, M. D. M., Jorge, A. de O., & de Melo, E. M. (2017). Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência e Saúde Coletiva,22(9), 2899-2908. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
).

Pesquisa realizada com estudantes de escolas públicas de 14 a 24 anos de idade encontrou que violência física foi mais frequente na família, enquanto ameaça ou humilhação foram mais comuns na comunidade (Maranhão et al., 2014Maranhão, J. H., Colaço, V. de F. R., Santos, W. S. dos, Lopes, G. S., & Coêlho, J. P. L. (2014). Violência, risco e proteção em estudantes de escola pública. Fractal : Revista de Psicologia, 26(2), 429-444. https://doi.org/10.1590/1984-0292/853
https://doi.org/10.1590/1984-0292/853...
). Dos casos de violência contra crianças e adolescentes notificados em Curitiba (2004-2009), 7,9% foram de violência física, 4,7% relacionados à violência sexual e 3,4% referentes à violência psicológica, tendo a maioria ocorrido no contexto familiar (da Silva Franzin et al., 2014da Silva Franzin, L. C., Olandovski, M., Vettorazzi, M. L. T., Werneck, R. I., Moysés, S. J., Kusma, S. Z., & Moysés, S. T. (2014). Child and adolescent abuse and neglect in the city of Curitiba, Brazil. Child Abuse and Neglect, 38(10), 1706-1714. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02.003
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02...
). No Brasil, existe um serviço telefônico pelo qual os casos de violência podem ser notificados, denominado “Disque 100”, além de outros meios para a notificação. No ano de 2015, o balanço da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostrou que 59% (80.437 em termos absolutos) das violações registradas envolviam a população de crianças e adolescentes, das quais 38,0% foram referentes à negligência, 23,9% à violência de natureza psicológica, 22,2% à violência de natureza física e 11,4% à violações de natureza sexual, seguido de outras violações (4,5%) (Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, 2016Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. (2016). Balanço Anual da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos 2015. Retirado de https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/disque-100/balanco-anual-disque-100-2013-2015.pdf
https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de...
). Embora ainda muitos desafios necessitem ser enfrentados em relação a essa temática, ocorreram melhorias quanto à notificação de casos de violência no decorrer do tempo e, em 2013, de 188.624 notificações analisadas (Viva Contínuo/ Sinan), 50.634 eram referentes a pessoas entre 10 a 19 anos de idade (Ministério da Saúde, 2017Ministério da Saúde. (2017). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2013 e 2014. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_2013_2014.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Os dados apontam a importância de mostrar evidências acerca da violência contra adolescentes, sendo um tema complexo e que pode proporcionar bastante sofrimento.

Nesse sentido, têm sido identificados diversos problemas para pessoas que passaram por situações de violência. Determinadas vítimas de violência de natureza física, psicológica ou negligência na infância podem vir a apresentar problemas como depressão, comportamentos sexuais que os coloquem em risco para infecções sexualmente transmissíveis e até mesmo chegarem, em algum momento, ao ponto de tentar acabar com a própria vida (Diaz et al., 2020Diaz, A., Shankar, V., Nucci-Sack, A., Linares, L. O., Salandy, A., Strickler, H. D., Burk, R. D., & Schlecht, N. F. (2020). Effect of child abuse and neglect on risk behaviors in inner-city minority female adolescents and young adults. Child Abuse and Neglect,101, 104347. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.104347
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.10...
; Norman et al., 2012Norman, R. E., Byambaa, M., De, R., Butchart, A., Scott, J., & Vos, T. (2012). The long-term health consequences of child physical abuse, emotional abuse, and neglect: A systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, 9(11), e1001349. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001349
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.100...
; OMS, 2002Organização Mundial de Saúde. (2002). Relatório mundial sobre violência e saúde.). Além disso, pessoas que passaram por situações de violência sexual, por vezes, podem apresentar uma série de consequências, inclusive relacionadas ao isolamento, ansiedade, dificuldade para dormir, entre outros (Diaz et al., 2020Diaz, A., Shankar, V., Nucci-Sack, A., Linares, L. O., Salandy, A., Strickler, H. D., Burk, R. D., & Schlecht, N. F. (2020). Effect of child abuse and neglect on risk behaviors in inner-city minority female adolescents and young adults. Child Abuse and Neglect,101, 104347. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.104347
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.10...
; Poletto et al., 2013Poletto, M., Souza, A. P. L. d., & Koller, S. H. (2013). Direitos humanos, prevenção à violência contra crianças e adolescentes e mediação de conflitos: Manual de capacitação para educadores. IDEOGRAF.). Uma parcela da violência tem se mostrado relacionada ao consumo de álcool e drogas ilícitas (Minayo & Deslandes, 1998Minayo, M. C. de S., & Deslandes, S. F. (1998). A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência. Cadernos de Saúde Pública, 14(1), 35-42. https://doi.org/10.1590/s0102-311x1998000100011
https://doi.org/10.1590/s0102-311x199800...
; Norman et al., 2012Norman, R. E., Byambaa, M., De, R., Butchart, A., Scott, J., & Vos, T. (2012). The long-term health consequences of child physical abuse, emotional abuse, and neglect: A systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, 9(11), e1001349. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001349
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.100...
; Reichenheim et al., 2011Reichenheim, M. E., De Souza, E. R., Moraes, C. L., De Mello Jorge, M. H. P., Da Silva, C. M. F. P., & de Souza Minayo, M. C. (2011). Violence and injuries in Brazil: The effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet, 6736(11), 75-89. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60...
). Estudo de revisão sistemática evidencia relação entre formas de violência ocorridas em diferentes contextos e problemas para a saúde mental, como os relacionados ao desajuste psicossocial, transtornos internalizantes e externalizantes, entre outros (Patias et al., 2016Patias, N. D., Da Silva, D. G., & Dell’Aglio, D. D. (2016). Exposição de adolescentes à violência em diferentes contextos: Relações com a saúde mental. Temas em Psicologia, 24(1), 205-218. https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14
https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14...
). Diante disso, é fundamental que a rede forneça o suporte necessário para adolescentes cujos direitos foram violados, contribuindo para a minimização das consequências da violência, além de ampla proteção dos adolescentes.

A população de adolescentes vivencia uma série de transformações importantes para o desenvolvimento. Indivíduos que experienciam violência passam por situações que colidem com as características comuns e previstas para essa etapa da vida. No entanto, quando a violência se faz presente, é importante considerar as peculiaridades da população, o contexto social no qual os indivíduos estão inseridos e a ocorrência de situações de violência de naturezas distintas. Monitorar continuamente a ocorrência de violência é importante para proporcionar evidências a respeito do tema que possam contribuir para o planejamento de ações voltadas à prevenção, à notificação e ao tratamento. A escola, contexto em que boa parte dos adolescentes se encontram, pode contribuir muito nessa questão. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa é descrever a ocorrência de situações de violência de natureza física, psicológica e sexual, na família e na comunidade, em adolescentes de escolas públicas de diferentes municípios brasileiros.

Método

Este é um estudo quantitativo, em que o delineamento transversal foi utilizado. Contempla dados de 2.860 adolescentes de 11 a 19 anos de idade, considerando a definição de adolescência da OMS (1986Organização Mundial da Saúde. (1986). Young people’s health-a challenge for society: Report of a WHO study group on young people and "Health for All by the Year 2000" [encontro em Genebra de 4 a 8 de junho, 1984].), estudantes de escolas da rede pública de municípios localizados em diferentes regiões do país. Os dados investigados compõem o banco da “Pesquisa Nacional de Fatores de Risco e Proteção da Juventude Brasileira”, construído pelo Grupo de Trabalho da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia), intitulado “Juventude, Resiliência e Vulnerabilidade”.

A coleta de dados ocorreu entre janeiro de 2009 e junho de 2012. Descrever e divulgar achados de um banco de dados desse porte, além de ser um compromisso ético assumido por pesquisadores em relação aos participantes do estudo e à comunidade científica de modo geral, pode contribuir para que estudiosos das mais diferentes áreas possam realizar comparações e traçar um paralelo entre dados coletados em diferentes pontos do tempo.

A seguir, são apresentados os municípios, o número de participantes e a proporção de dados analisados neste estudo para cada cidade. De Fortaleza, Ceará, participaram 1.037 (36,2%) adolescentes; 324 (11,4%) de Vitória e região metropolitana, Espírito Santo; 576 (20,1%) de Belém, Pará; 678 (23,7%) de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS); 51 (1,8%) de Hidrolândia, Goiás; e 194 (6,8%) de Rio Grande, RS. Houve sorteio de escolas públicas pertencentes a cada região selecionada, bem como de turmas correspondentes a cada nível. No entanto, a amostragem foi por conveniência em Rio Grande e Hidrolândia.

Instrumento e Definição Operacional das Variáveis

Em todos os municípios, foi utilizado o mesmo instrumento para a coleta de dados: o Questionário da Juventude Brasileira Versão Fase II (Dell’Aglio et al., 2011Dell’Aglio, D., Koller, S., Cerqueira-Santos, E., & Colaço, V. (2011). Revisando o Questionário da Juventude Brasileira: Uma nova proposta. In D. D. Dell’Aglio & S. H. Koller (Orgs.), Adolescência e juventude: Vulnerabilidade e contextos de proteção (pp. 259-270). Casa do Psicólogo.). Esse questionário contém 77 questões de múltipla escolha, sendo empregado no formato autoaplicável. Para este estudo, foram selecionadas questões sobre violência. As diferentes formas de violência foram medidas por perguntas fechadas, com opções de resposta do tipo “não”/“sim” (questões 31 e 62). Violência física foi medida como ter vivido situações de “soco ou surra” ou “agressão com objeto (madeira, cinto, fio, cigarro, etc.)” dentro ou fora de casa. Violência psicológica foi descrita como “ameaça ou humilhação” dentro ou fora de casa. E para violência sexual, foram consideradas respostas afirmativas às perguntas sobre “mexeu no meu corpo contra a minha vontade” e “relação sexual forçada” com algum membro da família ou de fora dela. As demais variáveis incluídas na investigação foram: sexo (masculino/ feminino), idade em anos (11 a 14/ 15 a 19), uso de álcool e de drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack ou ecstasy) na vida pelo adolescente, ambos medidos de forma dicotômica (não/sim).

Procedimentos e Aspectos Éticos

Em um primeiro momento, ocorreu o treinamento da equipe de aplicadores. Como foi pesquisado um tema delicado e que poderia promover mobilizações nos participantes, como as emocionais, por exemplo, o treinamento da equipe englobou também esses aspectos, havendo apoio de pesquisadores e auxiliares capacitados para casos em que isso ocorresse. Após o treinamento, houve contato com a direção das escolas para apresentar a pesquisa e solicitar a assinatura do Termo de Concordância para a realização do estudo. A equipe de aplicadores esclareceu que a participação na pesquisa era voluntária, bem como sobre o sigilo garantido e a possibilidade de desistência de participação. Para indivíduos menores de 18 anos, foi solicitado que os pais ou responsáveis assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No caso de pessoas com 18 anos ou mais, as mesmas assinaram o termo. O instrumento foi aplicado nas salas de aula das escolas, com duração de aproximadamente 60 minutos. O banco foi reunido no ano de 2014.

Neste estudo, foram realizadas análises estatísticas descritivas (frequências absolutas e relativas). Análise entre ter sofrido violência física, psicológica ou sexual na família ou na comunidade, e as variáveis sexo, idade, uso na vida de álcool e drogas ilícitas (maconha, cocaína, crack ou ecstasy) pelo adolescente também foi empregada. Para isso, foram utilizados os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher, considerando significância de 5%. Todas as análises foram efetuadas no programa estatístico Stata 13.1.

Os aspectos éticos que garantem a integridade dos participantes foram assegurados, tendo como base a Resolução No 466, de 12 de dezembro de 2012 (2013Resolução No 466, de 12 de dezembro de 2012. (2013). Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Retirado de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das universidades responsáveis pela realização do estudo.

Resultados

Neste estudo, foram analisados dados de 2.860 adolescentes de escolas da rede pública de ensino fundamental e médio e/ou de institutos de apoio, de quatro capitais (Porto Alegre, Fortaleza, Vitória, Belém) e de seis cidades brasileiras (Serra, Vila Velha, Cariacica, Viana, Hidrolândia, Rio Grande). A maior parte dos adolescentes era do sexo feminino (58,5%), com idades de 15 a 19 anos (78,8%) e cor da pele parda (47,2%). O uso de álcool e de drogas ilícitas na vida foi relatado por 66,3% e 6,5% dos adolescentes, respectivamente. A Tabela 1 apresenta a descrição da amostra.

Tabela 1.
Características dos Participantes

Situações de violência de natureza física foram mais comuns na família. Cerca de um terço dos participantes relataram já ter sofrido alguma situação de violação de natureza física (“soco ou surra” ou “agressão com objeto”) na família. Ainda quanto à natureza da violência na família, 25,3% relataram ter sofrido violência psíquica (“ameaça ou humilhação”) e 5,3% reportaram violência sexual (“mexer no corpo do adolescente contra a vontade dele” e “relação sexual forçada”). Quanto à presença de violência na comunidade, 19,1% dos participantes relataram ter sofrido violência física, 32,7% violência psicológica e 4,4% violência sexual (Tabela 1).

Os meninos apresentaram proporção de 39,9% para situações de violência física intrafamiliar e de 29,2% para situações de violência física na comunidade, sendo maior em comparação às meninas em ambos os contextos (Tabelas 2 e 3). Somado a isso, ocorreu diferença significativa entre sexo e violência psicológica na comunidade, mais uma vez sendo a prevalência maior entre os meninos (36,7% entre meninos e 29,7% entre meninas).

A proporção de situações de violência de natureza física na família foi significativamente mais alta entre adolescentes de 15 a 19 anos de idade (38,6%) em comparação aos de 11 a 14 anos (31,1%). Isso também ocorreu para situações de violência de natureza psicológica na família (26,3% entre adolescentes “mais velhos” e 21,5% para os de 11 a 14 anos de idade) (Tabela 2).

Tabela 2.
Ocorrência de Violência na Família

Na família, adolescentes que já experimentaram álcool ou drogas ilícitas apresentaram mais alta ocorrência de situações de violência de natureza física ou psicológica (Tabela 2), o que também foi identificado na comunidade (Tabela 3). Somado a isso, adolescentes que já usaram álcool na vida apresentaram mais alta ocorrência de violência sexual na comunidade (5,4%) do que os que não utilizaram (2,3%).

Tabela 3.
Ocorrência de Violência na Comunidade

Discussão

O tema da violência é complexo, diz respeito ao indivíduo e também à sociedade de forma ampla (da Silva Franzin et al., 2014da Silva Franzin, L. C., Olandovski, M., Vettorazzi, M. L. T., Werneck, R. I., Moysés, S. J., Kusma, S. Z., & Moysés, S. T. (2014). Child and adolescent abuse and neglect in the city of Curitiba, Brazil. Child Abuse and Neglect, 38(10), 1706-1714. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02.003
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02...
; Reichenheim et al., 2011Reichenheim, M. E., De Souza, E. R., Moraes, C. L., De Mello Jorge, M. H. P., Da Silva, C. M. F. P., & de Souza Minayo, M. C. (2011). Violence and injuries in Brazil: The effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet, 6736(11), 75-89. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60...
). Quando a violência ocorre contra crianças e adolescentes, isso se torna ainda mais alarmante, uma vez que atos de violência podem constituir obstáculos para o desenvolvimento saudável e pleno do indivíduo (Malta et al., 2017Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Pugedo, F. S. F., Lima, C. M., Mascarenhas, M. D. M., Jorge, A. de O., & de Melo, E. M. (2017). Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência e Saúde Coletiva,22(9), 2899-2908. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
). Schoen-Ferreira et al. (2010Schoen-Ferreira, T. H., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. de M. (2010). Adolescência através dos séculos. Psicologia: Teoria e Pesquisa,26(2), 227-234. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000200004
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
) destacam que a adolescência por si só é uma época de grandes transformações, mas que depende da inserção histórica, cultural e social. Portanto, os contextos de risco podem marcar trajetórias de vida, bem como podem aumentar a vulnerabilidade do adolescente (Zappe & Dell’Aglio, 2016Zappe, J. G., & Dell’Aglio, D. D. (2016). Adolescência em diferentes contextos de desenvolvimento: risco e proteção em uma perspectiva longitudinal. Psico,47(2), 99-110. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.21494
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016....
). A família, seja nuclear, extensa ou responsáveis legais, precisa assumir as responsabilidades pelos cuidados dessas pessoas em desenvolvimento. É importante que adolescentes possam viver em um ambiente acolhedor e que proporcione meios adequados para o desenvolvimento das potencialidades, porém nem sempre isso acontece.

Adolescentes têm sido expostos a uma série de violências. Em estudo documental de ocorrências registradas no período de 2012 a 2015 no Programa PPI (Pro Paz Integrado) Baixo Amazonas, Honorato et al. (2018Honorato, L. G. F., Souza, A. C. de, Santos, T. S. R. dos, & Zukowsky-Tavares, C. (2018). Violência na infância e adolescência: Perfil notificado na mesorregião do baixo Amazonas.Arquivos Brasileiros de Psicologia, 70(2), 266-284.) demonstraram que a maior parte das 2.078 notificações de violência investigadas envolvia adolescentes, tendo as situações ocorrido em diferentes contextos. Vivenciar a violência não é uma exclusividade dos adolescentes que vivem no norte do país: Malta et al. (2017Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Pugedo, F. S. F., Lima, C. M., Mascarenhas, M. D. M., Jorge, A. de O., & de Melo, E. M. (2017). Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência e Saúde Coletiva,22(9), 2899-2908. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232017229...
) analisaram dados do inquérito VIVA, que continha dados de indivíduos atendidos nos serviços de várias capitais brasileiras, à exceção de Florianópolis e Cuiabá, e encontram que os homens com idades entre 15 e 19 anos estão mais vulneráveis a ocorrências nas vias públicas, enquanto aqueles meninos com idades entre 10 e 14 anos sofrem mais violências nas escolas.

É importante considerar o contexto da violência para planejar ações de prevenção e intervenção. No presente estudo, o fato de a violência física ter sido mais comum na família se mostra semelhante ao apontado em pesquisa com adolescentes e jovens de 14 a 24 anos de escolas da rede pública de Fortaleza (Maranhão et al., 2014Maranhão, J. H., Colaço, V. de F. R., Santos, W. S. dos, Lopes, G. S., & Coêlho, J. P. L. (2014). Violência, risco e proteção em estudantes de escola pública. Fractal : Revista de Psicologia, 26(2), 429-444. https://doi.org/10.1590/1984-0292/853
https://doi.org/10.1590/1984-0292/853...
). Esse dado revela que nem sempre a casa é o local mais seguro. Por vezes, as relações familiares podem ser permeadas por rigidez e os pais podem não possuir as habilidades necessárias (Habigzang & Koller, 2012Habigzang, L. F., & Koller, S. H. (2012). Violência contra crianças e adolescentes: Teoria, pesquisa e prática. Artmed.) para lidar de forma adequada com as situações que emergem. Quando cerca de um terço dos participantes sofreu alguma situação de violação de natureza física na família, alguns alertas são disparados. O primeiro deles refere-se à identificação da violência física que, embora muitas vezes deixa marcas visíveis e seja mais facilmente reconhecida, podem haver casos em que os adolescentes tentem disfarçar a sua ocorrência. Um exemplo disso pode ser o uso de roupas que escondam os ferimentos ou, até mesmo, o uso de algumas justificativas “estranhas” para as lesões. O segundo alerta envolve a escolha das possibilidades de intervenção. Saber que a família pode ser responsável pela lesão sugere a construção de estratégias que se distanciem do chamamento único e exclusivo da família para o atendimento da demanda e planejamento de ações.

A violência intrafamiliar deixa o adolescente desprotegido justamente em um importante contexto que deveria ser responsável por fornecer apoio e cuidado. Hoje existem medidas cabíveis a serem adotadas que não devem ser ignoradas, seja dentro da família ou fora dela. Interromper o ciclo da violência passa pela tomada de decisões adequadas no momento em que se sabe de casos de violação. No Brasil, a Lei Nº 13.010, de 26 de junho de 2014, popularmente conhecida como “Lei Menino Bernardo”, ressalta a proibição do uso de violência física e psicológica contra crianças e adolescentes (Lei Nº 13.010, 2014Lei 13.010, de 26 de junho de 2014. (2014). Altera a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Presidência da República. Retirado de https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30057416/do1-2014-06-27-lei-n-13-010-de-26-de-junho-de-2014-30057411
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
). Essa lei vem justamente para reafirmar a necessidade de proteção para pessoas nessa faixa etária. Os limites a serem respeitados pelas pessoas responsáveis por cuidar e educar a criança também são esclarecidos. Embora de extrema importância, Souto et al. (2018Souto, D., Zanin, L., Bovi Ambrosano, G. M., & Martão Flório, F. (2018). Violence against children and adolescents: Profile and tendencies resulting from Law 13.010. Revista Brasileira de Enfermagem,71, 1237-1246. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0048
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
) não identificaram alterações significativas na frequência de notificações de maus-tratos ao avaliar os efeitos iniciais da Lei Nº 13.010 (2014Lei 13.010, de 26 de junho de 2014. (2014). Altera a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Presidência da República. Retirado de https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30057416/do1-2014-06-27-lei-n-13-010-de-26-de-junho-de-2014-30057411
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_pu...
) a partir dos registros feitos 12 meses antes e 12 meses depois de sua promulgação. As pesquisadoras ainda identificaram o contexto familiar como aquele em que as violações acontecem com maior frequência. Tal dado aponta novamente para o perigo que está dentro de casa. Contudo, as situações de violência física não estão restritas ao contexto familiar e à residência, também podem ocorrer na comunidade.

A violência comunitária é aquela que acontece entre pessoas sem relações de parentesco, inclusive abrange atos realizados em serviços responsáveis pela atenção à saúde, escolas, condomínios, entre outras instituições (Ministério da Saúde, 2010Ministério da Saúde. (2010). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: Orientação para gestores e profissionais de saúde.). Ao analisar os dados encontrados, é possível identificar a violência perpetrada pela própria comunidade, sendo que 19,1% dos adolescentes foram atingidos pela violência física, 32,7% pela psicológica e 4,4% por atos envolvendo a sexualidade. Situação semelhante já havia sido identificada em um estudo realizado com crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, o qual identificou que a maior parcela dos participantes já teve contato com situações de violência na comunidade (Pinto & Assis, 2013Pinto, L. W., & Assis, S. G. de. (2013). Violência familiar e comunitária em escolares do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia,16, 288-300. https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200006
https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X201...
). Somado a isso, as autoras chamam a atenção para a possibilidade de crianças e adolescentes serem vitimizados em mais de um contexto e sofrerem violações de naturezas distintas. Situações desse tipo têm sido identificadas como polivitimizações. Turner et al. (2017Turner, H. A., Shattuck, A., Finkelhor, D., & Hamby, S. (2017). Effects of poly-victimization on adolescent social support, self-concept, and psychological distress. Journal of Interpersonal Violence,30(10):01-26. https://doi.org/10.1177/0886260515586376
https://doi.org/10.1177/0886260515586376...
) sugerem que, quando um indivíduo é submetido a mais de um tipo de violência por um determinado tempo, as consequências podem ser ainda mais traumáticas do que experimentar um único tipo de vitimização, mesmo que esse seja repetido. Nesse sentido, é possível concluir que os adolescentes aqui representados são um grupo com alto grau de vulnerabilidade à violência, à vitimização e à polivitimização. É preciso refletir sobre como os aspectos sociais, econômicos e culturais do cenário brasileiro se associam e até mesmo validam as práticas de violência.

A polivitimização pode gerar vários danos (Turner et al., 2017Turner, H. A., Shattuck, A., Finkelhor, D., & Hamby, S. (2017). Effects of poly-victimization on adolescent social support, self-concept, and psychological distress. Journal of Interpersonal Violence,30(10):01-26. https://doi.org/10.1177/0886260515586376
https://doi.org/10.1177/0886260515586376...
), contudo, pouco se sabe sobre o impacto de várias violências no desenvolvimento do adolescente brasileiro. A literatura sobre o tema ainda é escassa. Por outro lado, já existem vários estudos que evidenciam os danos dos diferentes tipos de violência. A violência psicológica, por exemplo, mesmo por vezes sendo de difícil detecção, pode trazer uma série de prejuízos para as pessoas que dela sofrem, dentre os quais estão problemas relativos ao processo de socialização e de desenvolvimento (de Abranches & de Assis, 2011de Abranches, C. D., & de Assis, S. G. (2011). A (in)visibilidade da violência psicológica na infância e adolescência no contexto familiar. Cadernos de Saúde Pública,27, 843-854. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000500003
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100...
). Eventos desse tipo ocorrem de diversas formas, algumas das quais podem passar despercebidas por quem sofre e até mesmo por quem pratica, por estarem incorporadas no cotidiano das pessoas e identificadas como “naturais”. No entanto, há sinais e sintomas que podem se manifestar e fazer com que as vítimas busquem auxílio, sendo importante que os profissionais estejam aptos a identificar e a notificar os casos ocorrentes (Ministério da Saúde, 2010Ministério da Saúde. (2010). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: Orientação para gestores e profissionais de saúde.). No primeiro semestre de 2015, cerca de 23,9% das violações contra crianças e adolescentes registradas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos foram de natureza psicológica (Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, 2016Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. (2016). Balanço Anual da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos 2015. Retirado de https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/disque-100/balanco-anual-disque-100-2013-2015.pdf
https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de...
). Estudo realizado com adolescentes de 11 a 19 anos, de escolas públicas e particulares de um município do Rio de Janeiro, encontrou ocorrência de 48% de violência psicológica perpetrada por pessoas consideradas significativas (Assis et al., 2004Assis, S. G., Avanci, J. Q., Santos, N. C., Malaquias, J. V., & Oliveira, R. V. C. (2004). Violência e representação social na adolescência no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica,16, 43-51. https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000700006
https://doi.org/10.1590/s1020-4989200400...
).

Um passo importante em relação à violência psicológica e para situações de violência de outras naturezas é contribuir para que os adolescentes e a sociedade como um todo saibam reconhecer o que é violência. Por mais que isso pareça “comum”, os conceitos devem ser trabalhados a fim de que o próprio indivíduo saiba identificar quando está sofrendo uma situação de violação de direitos. Iniciativas no sentido de promover/divulgar informações embasadas cientificamente são sempre bem-vindas, tanto no ambiente escolar, em que os adolescentes estão (ou deveriam estar), quanto para a comunidade em geral, sendo a atenção primária uma importante aliada.

Em relação à violência sexual, a literatura demonstra que sua definição é ampla e a sua ocorrência pode proporcionar sérios problemas, inclusive para o desenvolvimento (Poletto et al., 2013Poletto, M., Souza, A. P. L. d., & Koller, S. H. (2013). Direitos humanos, prevenção à violência contra crianças e adolescentes e mediação de conflitos: Manual de capacitação para educadores. IDEOGRAF.). É possível que pessoas que sofreram violência sexual tenham dificuldade de revelá-la por medo ou culpa, entre outras questões envolvidas na dinâmica da violência e da própria família para garantir a manutenção do segredo (Coutinho & Morais, 2018Coutinho, M. M. L., & Morais, N. A. de. (2018). O processo de revelação do abuso sexual intrafamiliar na percepção do grupo familiar. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(1), 93-113. https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111
https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111...
). Pesquisa com adolescentes de escolas estaduais de Porto Alegre apontou que 2,3% dos participantes já sofreram violações de natureza sexual (Polanczyk et al., 2003Polanczyk, G., Zavaschi, M. L., Benetti, S., Zenker, R., & Gammerman, P. W. (2003). Violência sexual e sua prevalência em adolescentes de Porto Alegre [Brasil Sexual violence and its prevalence among adolescents, Brazil]. Revista de Saúde Pública,37, 8-14. https://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000100004
https://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910200...
). Outro estudo com uma amostra de adolescentes de escolas públicas e particulares de São Gonçalo, Rio de Janeiro, mostrou que a frequência de envolvimento ou testemunho de violência sexual na família foi de 11,8% (Assis et al., 2004Assis, S. G., Avanci, J. Q., Santos, N. C., Malaquias, J. V., & Oliveira, R. V. C. (2004). Violência e representação social na adolescência no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica,16, 43-51. https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000700006
https://doi.org/10.1590/s1020-4989200400...
). Estudos mais recentes continuam apontando a incidência de violência sexual em adolescentes. Sena et al. (2018Sena, C. A. de, Silva, M. A. da, & Falbo Neto, G. H. (2018). Incidência de violência sexual em crianças e adolescentes em Recife/Pernambuco no biênio 2012-2013. Ciência & Saúde Coletiva 23(5), 1591-1599. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.18662016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018235...
) analisaram dados de 328 registros de exames médico-legais que confirmaram a ocorrência de violência sexual contra pessoas com até 18 anos de idade em Recife e encontraram que 92,1% das vítimas era do sexo feminino e estava na faixa etária de 10 a 14 anos. Importante salientar que as pesquisas citadas empregaram instrumentos diferentes do que foi utilizado neste estudo, o que dificulta a comparação dos achados. No entanto, a proporção de situações de violência sexual identificada no presente estudo, tanto na família quanto na comunidade, mostra que esse tema precisa continuar sendo abordado e que há adolescentes que passam por esse tipo de situação.

O impacto da violência ou da polivitimização requer atenção, portanto, o acesso dos adolescentes ao tratamento oferecido pelos serviços de proteção é importante para que se efetivem ações de cuidado e de defesa de direitos. Habigzang e Koller (2012Habigzang, L. F., & Koller, S. H. (2012). Violência contra crianças e adolescentes: Teoria, pesquisa e prática. Artmed.) consideram que capacitar os profissionais para atender as vítimas é fundamental. As autoras sugerem que os profissionais precisam conhecer a forma como ocorrem as práticas de violência, saber como identificar e notificar casos de violações e ter conhecimento e contato com a rede de apoio, podendo acessá-la quando necessário. Além disso, recomendam ter profissionais de diferentes áreas trabalhando em conjunto em locais específicos para o atendimento, a fim de proporcionar uma assistência abrangente que inclua a família e aqueles indivíduos que estão em risco de sofrer violações.

A frequência com que ocorrem determinadas situações de violência de natureza física, psicológica e sexual pode diferir de acordo com determinadas variáveis. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar evidenciaram que meninos sofrem mais situações de violação do que meninas (Malta et al., 2014Malta, D. C., Mascarenhas, M. D. M., Dias, A. R., do Prado, R. R., Lima, C. M., da Silva, M. M. A., & da Silva Júnior, J. B. (2014). Situações de violência vivenciadas por estudantes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2012). Revista Brasileira de Epidemiologia, 17, 158-171. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050013
https://doi.org/10.1590/1809-45032014000...
), assim como no presente estudo, no que diz respeito a situações de violência de natureza física na família e de natureza física e psicológica na comunidade. Homens e mulheres assumem diferentes papéis que, por vezes, influenciam na forma como lidam com as situações e até mesmo no modo como são tratados. As “normas” presentes na sociedade, no sentido de que o menino deve ser forte e suportar as mais diferentes adversidades, podem ter alguma contribuição na maior frequência de situações de violência de natureza física para o sexo masculino. Lutar para que homens e mulheres tenham direitos iguais e respeitados, além de modificar as condutas que apoiam a violência, são recomendações diante a essa questão (OMS, 2014Organização Mundial da Saúde. (2014). Global status report on violence prevention 2014. https://apps.who.int/iris/handle/10665/145086
https://apps.who.int/iris/handle/10665/1...
).

A amostra do presente estudo foi constituída em sua maior parte por adolescentes mais velhos (de 15 a 19 anos), faixa etária em que a vitimização por homicídios é apontada como alarmante (Cerqueira et al., 2018Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, O. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., & Marques, D. (2018). Atlas da Violência 2018. IPEA e FBSP.). Chama atenção que a proporção de violência física e psicológica na família seja significativamente maior entre adolescentes de 15 a 19 anos, em comparação ao grupo mais novo. Nessa mesma direção, outra pesquisa realizada com estudantes adolescentes apontou maior ocorrência de maus-tratos nessa faixa etária (Assis et al., 2004Assis, S. G., Avanci, J. Q., Santos, N. C., Malaquias, J. V., & Oliveira, R. V. C. (2004). Violência e representação social na adolescência no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica,16, 43-51. https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000700006
https://doi.org/10.1590/s1020-4989200400...
).

Sobre a relação entre uso de álcool e outras drogas e a ocorrência de violência, diferentes enfoques têm sido utilizados para abordar essa questão. São investigados problemas para a saúde física, para a saúde mental (como transtornos de ansiedade, por exemplo) e até mesmo implicações para as relações entre as pessoas (Zaleski & Silva, 2011Zaleski, M., & Silva, G. L. (2011). Violência e uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas. In A. Diehl, C. C. Cordeiro , & R. Laranjeira (Eds.), Dependência química: Prevenção, tratamento e políticas públicas (pp. 279-287). Artmed.). Cada enfoque traz contribuições importantes para a temática, as quais devem ser consideradas ao se trabalhar com populações envolvidas nessas situações. Violência e uso de álcool e outras drogas expõem os adolescentes a riscos os quais, como já mencionado, podem ser evitados. Fazer uso de álcool e ser menina surgiram como variáveis de risco para a violência sexual na família e na comunidade (Paludo & Schirò, 2012Paludo, S. dos S., & Schirò, E. D. B. (2012). Um estudo sobre os fatores de risco e proteção associados à violência sexual cometida contra adolescentes e jovens adultos. Estudos de Psicologia (Natal),17(3), 397-404. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2012000300007
https://doi.org/10.1590/S1413-294X201200...
). Especificamente sobre o uso de álcool e outras drogas na vida, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar mostrou prevalência de 71,4% e 8,7%, respectivamente (Malta et al., 2011Malta, D. C ., Mascarenhas, M. D. M ., Porto, D. L., Duarte, E. A., Sardinha, L. M., Barreto, S. M., & de Morais Neto, O. L. (2011). Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: Análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Revista Brasileira de Epidemiologia, 14, 136-146. https://doi.org/10.1590/s1415-790x2011000500014
https://doi.org/10.1590/s1415-790x201100...
). Esse resultado foi próximo aos 66,3% de uso de álcool na vida e aos 6,5% de uso de drogas ilícitas encontrados na amostra.

Os resultados do estudo mostram que o perigo mora ao lado e, até mesmo, dentro de casa. Adolescentes participantes estiveram expostos a violências de naturezas distintas em algum momento das suas vidas. É possível concluir que os adolescentes se encontram vulneráveis para múltiplas vitimizações, sugerindo que os estudos futuros possam incluir informações que ajudem a identificar episódios de vitimização, revitimização e ainda polivitimização de forma detalhada. É importante monitorar a presença de situações de violação a fim de que se possa ter a dimensão do problema. Foram identificadas poucas pesquisas abrangendo violência de naturezas distintas em diferentes municípios e contextos em um mesmo estudo. A utilização do mesmo instrumento e procedimentos de aplicação buscou padronização. A manutenção de dados nacionais com medidas padronizadas que mostrem a ocorrência de violência contra adolescentes, além de outros temas relacionados à saúde e à proteção dessa população, pode contribuir para o desenvolvimento de ações focalizadas nas necessidades dos mesmos.

Esta pesquisa possui algumas limitações, as quais devem ser consideradas ao se interpretar os achados. As situações de violação podem ter ocorrido nos mais diferentes momentos da vida do indivíduo, inclusive na infância. Contudo, ter sofrido violência é um evento marcante. Sendo assim, é provável que mesmo pessoas que sofreram situações de violação na infância lembrem disso na adolescência, por exemplo. Embora em dois dos municípios a amostra tenha sido selecionada por conveniência, o que limita o potencial de generalização dos resultados, ainda assim os dados descritivos evidenciam a relevância do tema.

Somado a isso, as questões do instrumento que foram utilizadas medem apenas algumas situações de violência de natureza física, psicológica e sexual, não todas as situações existentes, podendo a ocorrência de violência estar subestimada. Neste estudo, descrevemos a ocorrência de diferentes tipos de violência, porém, ao trabalhar com essa temática, inclusive para o atendimento a adolescentes que sofreram algum tipo de violação, é necessário que se faça uma análise mais detalhada sobre a frequência com que os atos violentos ocorreram, quem praticou a violência, o significado que a situação tem para o indivíduo que sofreu determinada violação, entre diversos outros fatores os quais não foram o objetivo desta pesquisa. Outro ponto a ser considerado é que nem todos os indivíduos responderam a todas as variáveis descritas. É possível que os adolescentes que não responderam difiram em algumas características em relação aos participantes (Gordis, 2014Gordis, L. (2014). Epidemiology (5a edição). Elsevier Saunders.).

A importância desse estudo consiste em trazer à tona a temática da violência contra adolescentes estudantes de escolas da rede pública de ensino. Como demonstrado, situações de violação de direitos ocorrem em diferentes contextos, entre eles na família e na comunidade. Na família, situações de violação de natureza física e sexual foram mais comuns. Por outro lado, na comunidade, a violência psicológica esteve mais presente. É preciso considerar que as relações familiares violentas podem potencializar a violência social e vice-versa. Adolescentes podem aprender a conviver com modelos violentos que conhecem na família e na comunidade. Pinto e Assis (2013Pinto, L. W., & Assis, S. G. de. (2013). Violência familiar e comunitária em escolares do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia,16, 288-300. https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200006
https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X201...
) destacam ainda que a vivência em contextos violentos pode facilitar a naturalização de práticas violentas, legitimando dessa forma a perpetração de vitimização. As autoras também chamam atenção para as articulações entre a violência familiar e comunitária, discutindo o papel que o adolescente acaba assumindo, ora sendo vítima direta ou indireta, ora sendo agressor. Nesse estudo, foi avaliada somente uma perspectiva focada na ocorrência de violência cometida contra adolescentes. Quando adolescentes aparecem entre as principais vítimas de violência (Cerqueira et al., 2018Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, O. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., & Marques, D. (2018). Atlas da Violência 2018. IPEA e FBSP.; Reichenheim et al., 2011Reichenheim, M. E., De Souza, E. R., Moraes, C. L., De Mello Jorge, M. H. P., Da Silva, C. M. F. P., & de Souza Minayo, M. C. (2011). Violence and injuries in Brazil: The effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet, 6736(11), 75-89. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60...
), alertas são disparados e demandas por cuidado emergem. Os achados sugerem alguns caminhos, contudo, ao interpretá-los, é preciso ter em vista que a realidade é dinâmica e a violência é um fenômeno multifacetado, que acaba por exigir uma atuação de diversos setores, não apenas a saúde (Minayo, 1994Minayo, M. C. de S. (1994). Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pública,10, S7-S18. https://doi.org/10.1590/s0102-311x1994000500002
https://doi.org/10.1590/s0102-311x199400...
; Minayo, 2007Minayo, M. C. de S. (2007). A inclusão da violência na agenda da saúde : Trajetória histórica [The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory]. Ciência & Saúde Coletiva, 11, 1259-1267. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000500015
https://dx.doi.org/10.1590/S1413-8123200...
).

Os dados apontam para a necessidade de investimento em ações preventivas relacionadas ao uso de drogas e situações de violência na população de adolescentes de escolas da rede pública. A escola, contexto em que os dados foram coletados, pode servir como um importante aliado para a difusão de informações sobre violência, inclusive sobre as formas de prevenir, notificar quando os casos já ocorreram e sobre quais são os locais de tratamento. Os adolescentes por vezes encontram-se em situação de desproteção em relação à violência, o que pode trazer consequências físicas, psicológicas e sexuais, as quais são evitáveis. Porém, nos casos em que já ocorreram violações, há que se adotar medidas a fim de fortalecer os recursos do indivíduo e da rede responsável por prezar pelos direitos e proteção dos mesmos. Para que o desenvolvimento do indivíduo ocorra de forma saudável, as ações devem ser de responsabilidade da família e, como evidenciado, da comunidade de forma ampla. Assim como as situações de violação ocorrem nos mais diferentes contextos, é evidente que as ações protetivas devem ser contínuas e ter a maior abrangência possível.

Referências

  • Assis, S. G., Avanci, J. Q., Santos, N. C., Malaquias, J. V., & Oliveira, R. V. C. (2004). Violência e representação social na adolescência no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica,16, 43-51. https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000700006
    » https://doi.org/10.1590/s1020-49892004000700006
  • Cerqueira-Santos, E., Melo Neto, O. C., & Koller, S. H. (2014). Adolescentes e adolescências. In L. F. Habigzang, E. Diniz, & S. H. Koller (Orgs.), Trabalhando com adolescentes: Teoria e intervenção psicológica (pp. 17-27). Artmed.
  • Cerqueira, D., Lima, R. S. de, Bueno, S., Neme, C., Ferreira, H., Coelho, D., Alves, O. P., Pinheiro, M., Astolfi, R., & Marques, D. (2018). Atlas da Violência 2018 IPEA e FBSP.
  • Coutinho, M. M. L., & Morais, N. A. de. (2018). O processo de revelação do abuso sexual intrafamiliar na percepção do grupo familiar. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(1), 93-113. https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111
    » https://doi.org/10.12957/epp.2018.38111
  • da Silva Franzin, L. C., Olandovski, M., Vettorazzi, M. L. T., Werneck, R. I., Moysés, S. J., Kusma, S. Z., & Moysés, S. T. (2014). Child and adolescent abuse and neglect in the city of Curitiba, Brazil. Child Abuse and Neglect, 38(10), 1706-1714. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02.003
    » https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2014.02.003
  • Dahlberg, L. L., & Krug, E. G. (2006). Violência: Um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, 11, 1163-1178. https://doi.org/10.1590/s1413-81232006000500007
    » https://doi.org/10.1590/s1413-81232006000500007
  • de Abranches, C. D., & de Assis, S. G. (2011). A (in)visibilidade da violência psicológica na infância e adolescência no contexto familiar. Cadernos de Saúde Pública,27, 843-854. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000500003
    » https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000500003
  • Dell’Aglio, D., Koller, S., Cerqueira-Santos, E., & Colaço, V. (2011). Revisando o Questionário da Juventude Brasileira: Uma nova proposta. In D. D. Dell’Aglio & S. H. Koller (Orgs.), Adolescência e juventude: Vulnerabilidade e contextos de proteção (pp. 259-270). Casa do Psicólogo.
  • Diaz, A., Shankar, V., Nucci-Sack, A., Linares, L. O., Salandy, A., Strickler, H. D., Burk, R. D., & Schlecht, N. F. (2020). Effect of child abuse and neglect on risk behaviors in inner-city minority female adolescents and young adults. Child Abuse and Neglect,101, 104347. https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.104347
    » https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2019.104347
  • Gordis, L. (2014). Epidemiology (5a edição). Elsevier Saunders.
  • Habigzang, L. F., & Koller, S. H. (2012). Violência contra crianças e adolescentes: Teoria, pesquisa e prática Artmed.
  • Habigzang, L. F., Azevedo, G. A., Koller, S. H., & Machado, P. X. (2006). Fatores de risco e de proteção na rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(3), 379-386. https://doi.org/10.1590/s0102-79722006000300006
    » https://doi.org/10.1590/s0102-79722006000300006
  • Honorato, L. G. F., Souza, A. C. de, Santos, T. S. R. dos, & Zukowsky-Tavares, C. (2018). Violência na infância e adolescência: Perfil notificado na mesorregião do baixo Amazonas.Arquivos Brasileiros de Psicologia, 70(2), 266-284.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censo demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência
  • Lei 13.010, de 26 de junho de 2014. (2014). Altera a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Presidência da República. Retirado de https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30057416/do1-2014-06-27-lei-n-13-010-de-26-de-junho-de-2014-30057411
    » https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30057416/do1-2014-06-27-lei-n-13-010-de-26-de-junho-de-2014-30057411
  • Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Pugedo, F. S. F., Lima, C. M., Mascarenhas, M. D. M., Jorge, A. de O., & de Melo, E. M. (2017). Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciência e Saúde Coletiva,22(9), 2899-2908. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
  • Malta, D. C., Mascarenhas, M. D. M., Dias, A. R., do Prado, R. R., Lima, C. M., da Silva, M. M. A., & da Silva Júnior, J. B. (2014). Situações de violência vivenciadas por estudantes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal: Resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2012). Revista Brasileira de Epidemiologia, 17, 158-171. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050013
    » https://doi.org/10.1590/1809-4503201400050013
  • Malta, D. C ., Mascarenhas, M. D. M ., Porto, D. L., Duarte, E. A., Sardinha, L. M., Barreto, S. M., & de Morais Neto, O. L. (2011). Prevalência do consumo de álcool e drogas entre adolescentes: Análise dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Revista Brasileira de Epidemiologia, 14, 136-146. https://doi.org/10.1590/s1415-790x2011000500014
    » https://doi.org/10.1590/s1415-790x2011000500014
  • Maranhão, J. H., Colaço, V. de F. R., Santos, W. S. dos, Lopes, G. S., & Coêlho, J. P. L. (2014). Violência, risco e proteção em estudantes de escola pública. Fractal : Revista de Psicologia, 26(2), 429-444. https://doi.org/10.1590/1984-0292/853
    » https://doi.org/10.1590/1984-0292/853
  • Minayo, M. C. de S. (1994). Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pública,10, S7-S18. https://doi.org/10.1590/s0102-311x1994000500002
    » https://doi.org/10.1590/s0102-311x1994000500002
  • Minayo, M. C. de S. (2007). A inclusão da violência na agenda da saúde : Trajetória histórica [The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory]. Ciência & Saúde Coletiva, 11, 1259-1267. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000500015
    » https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000500015
  • Minayo, M. C. de S., & Deslandes, S. F. (1998). A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência. Cadernos de Saúde Pública, 14(1), 35-42. https://doi.org/10.1590/s0102-311x1998000100011
    » https://doi.org/10.1590/s0102-311x1998000100011
  • Ministério da Saúde. (2010). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: Orientação para gestores e profissionais de saúde
  • Ministério da Saúde. (2017). Viva: vigilância de violências e acidentes, 2013 e 2014 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_2013_2014.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_2013_2014.pdf
  • Norman, R. E., Byambaa, M., De, R., Butchart, A., Scott, J., & Vos, T. (2012). The long-term health consequences of child physical abuse, emotional abuse, and neglect: A systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, 9(11), e1001349. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001349
    » https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1001349
  • Organização Mundial da Saúde. (1986). Young people’s health-a challenge for society: Report of a WHO study group on young people and "Health for All by the Year 2000" [encontro em Genebra de 4 a 8 de junho, 1984].
  • Organização Mundial de Saúde. (2002). Relatório mundial sobre violência e saúde
  • Organização Mundial da Saúde. (2014). Global status report on violence prevention 2014 https://apps.who.int/iris/handle/10665/145086
    » https://apps.who.int/iris/handle/10665/145086
  • Paludo, S. dos S., & Schirò, E. D. B. (2012). Um estudo sobre os fatores de risco e proteção associados à violência sexual cometida contra adolescentes e jovens adultos. Estudos de Psicologia (Natal),17(3), 397-404. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2012000300007
    » https://doi.org/10.1590/S1413-294X2012000300007
  • Patias, N. D., Da Silva, D. G., & Dell’Aglio, D. D. (2016). Exposição de adolescentes à violência em diferentes contextos: Relações com a saúde mental. Temas em Psicologia, 24(1), 205-218. https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14
    » https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14
  • Pinto, L. W., & Assis, S. G. de. (2013). Violência familiar e comunitária em escolares do município de São Gonçalo, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia,16, 288-300. https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200006
    » https://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2013000200006
  • Polanczyk, G., Zavaschi, M. L., Benetti, S., Zenker, R., & Gammerman, P. W. (2003). Violência sexual e sua prevalência em adolescentes de Porto Alegre [Brasil Sexual violence and its prevalence among adolescents, Brazil]. Revista de Saúde Pública,37, 8-14. https://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000100004
    » https://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000100004
  • Poletto, M., Souza, A. P. L. d., & Koller, S. H. (2013). Direitos humanos, prevenção à violência contra crianças e adolescentes e mediação de conflitos: Manual de capacitação para educadores IDEOGRAF.
  • Reichenheim, M. E., De Souza, E. R., Moraes, C. L., De Mello Jorge, M. H. P., Da Silva, C. M. F. P., & de Souza Minayo, M. C. (2011). Violence and injuries in Brazil: The effect, progress made, and challenges ahead. The Lancet, 6736(11), 75-89. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(11)60053-6
  • Resolução No 466, de 12 de dezembro de 2012. (2013). Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Retirado de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
  • Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. (2016). Balanço Anual da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos 2015 Retirado de https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/disque-100/balanco-anual-disque-100-2013-2015.pdf
    » https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/disque-100/balanco-anual-disque-100-2013-2015.pdf
  • Schoen-Ferreira, T. H., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. de M. (2010). Adolescência através dos séculos. Psicologia: Teoria e Pesquisa,26(2), 227-234. https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000200004
    » https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000200004
  • Sena, C. A. de, Silva, M. A. da, & Falbo Neto, G. H. (2018). Incidência de violência sexual em crianças e adolescentes em Recife/Pernambuco no biênio 2012-2013. Ciência & Saúde Coletiva 23(5), 1591-1599. https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.18662016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018235.18662016
  • Souto, D., Zanin, L., Bovi Ambrosano, G. M., & Martão Flório, F. (2018). Violence against children and adolescents: Profile and tendencies resulting from Law 13.010. Revista Brasileira de Enfermagem,71, 1237-1246. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0048
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0048
  • Turner, H. A., Shattuck, A., Finkelhor, D., & Hamby, S. (2017). Effects of poly-victimization on adolescent social support, self-concept, and psychological distress. Journal of Interpersonal Violence,30(10):01-26. https://doi.org/10.1177/0886260515586376
    » https://doi.org/10.1177/0886260515586376
  • Waiselfisz, J. J. . (2014). Mapa da Violência 2014 - Os Jovens do Brasil. Retirado de https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
    » https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
  • Zaleski, M., & Silva, G. L. (2011). Violência e uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas. In A. Diehl, C. C. Cordeiro , & R. Laranjeira (Eds.), Dependência química: Prevenção, tratamento e políticas públicas (pp. 279-287). Artmed.
  • Zappe, J. G., & Dell’Aglio, D. D. (2016). Adolescência em diferentes contextos de desenvolvimento: risco e proteção em uma perspectiva longitudinal. Psico,47(2), 99-110. https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.21494
    » https://doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.21494

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2019
  • Aceito
    15 Jun 2021
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, 70910-900 - Brasília - DF - Brazil, Tel./Fax: (061) 274-6455 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistaptp@gmail.com