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O Besouro na Caixa de Skinner* * Artigo proveniente da dissertação de mestrado da primeira autora, sob supervisão do segundo autor, em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina ,** ** Apoio: CAPES - Código de Financiamento 001.

The Beetle in Skinner’s Box

Resumo

A literatura tem indicado algumas aproximações entre as propostas de Skinner e Wittgenstein, como, por exemplo, a crítica às concepções tradicionais de linguagem psicológica. Wittgenstein assenta essa crítica na impossibilidade de uma linguagem privada, enquanto Skinner a faz por meio do conceito de eventos privados. Contudo, esse conceito parece não ser consistente com a proposta de Wittgenstein. Partindo dessa hipótese, este artigo pretende reavaliar o papel do conceito de eventos privados no comportamentalismo skinneriano à luz das discussões críticas de Wittgenstein. Para isso, é feita uma comparação entre as propostas de Wittgenstein e de Skinner, evidenciando que o conceito de eventos privados é suscetível às críticas de Wittgenstein às concepções tradicionais da linguagem psicológica.

Palavras-chaves:
eventos privados; linguagem psicológica; jogos de linguagem; Skinner; Wittgenstein

Abstract

The literature has indicated some approximations between Skinner’s and Wittgenstein’s proposals, such as a critical standpoint on traditional psychological language conceptions. For Wittgenstein, the critique refers to the impossibility of a private language. On the other hand, Skinner’s critique culminates in defense of the concept of private events. However, this concept seems inconsistent with Wittgenstein’s proposal. Based on this assumption, this paper aims to reevaluate the role of the concept of ‘private events’ in Skinnerian behaviorism in the light of Wittgenstein’s critical discussions. For this, Wittgenstein’s and Skinner’s proposals were systematically compared. It is concluded that the concept of private events is not to escape Wittgenstein’s criticisms of the traditional psychological language.

Keywords:
private events; psychological language; language games; Skinner; Wittgenstein

Introdução

Tanto na psicologia quanto na filosofia, as aproximações entre o comportamentalismo radical de Skinner e a filosofia da linguagem de Wittgenstein já foram indicadas e, eventualmente, discutidas (Abib, 1999Abib, J. A. D. (1999). Behaviorismo radical e discurso pós-moderno. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15(3), 237-247. http://doi.org/10.1590/S0102-37721999000300007
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; Catania, 2003Catania, A. C. (2003). B. F. Skinner's Science and Human Behavior: Its antecedents and its consequences. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 80(3), 313-320. https://doi.org/10.1901/jeab.2003.80-313
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; Day, 1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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; Gier, 1982Gier, N. F. (1982). Wittgenstein, intentionality, and behaviorism. Metaphilosophy, 13(1), 46-64. http://doi.org/10.1111/j.1467-9973.1982.tb00290.x
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; Magalhães, 2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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; Schonenberger, 1991Schonenberger, T. (1991). Verbal understanding: Integrating the conceptual analyses of Skinner, Ryle, and Wittgenstein. The Analysis of Verbal Behavior, 9, 145-151. https://doi.org/10.1007/BF03392868
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; Tourinho, 2007Tourinho, E. Z. (2007). Conceitos científicos e eventos privados como resposta verbal. Interação, 11, 1-9. http://doi.org/10.5380/psi.v11i1.6491
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; Waller, 1977Waller, B. (1977). Chomsky, Wittgenstein, and the behaviorist perspective on language. Behaviorism, 5, 43-59. https://www.jstor.org/stable/27758883
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; Zuriff, 2003Zuriff, G. E. (2003). Science and human behavior, dualism, and conceptual modification. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 80(3), 345-352. https://doi.org/10.1901/jeab.2003.80-345
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).

Nesse contexto, Day (1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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) tornou-se uma referência clássica na literatura comportamentalista, indicando vários pontos de aproximação entre Skinner e Wittgenstein. Em primeiro lugar, ambos convergiriam na medida em que apresentam um viés antimentalista, criticando “A prática de reificar termos geralmente usados para se referir a processos psicológicos ou comportamentais” (Day, 1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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, p. 501). Além disso, os dois autores partilhariam de uma nova concepção de linguagem que tem “como ponto de partida objeções à crença comum de que a principal função das palavras é nomear ou se referir a objetos” (Day, 1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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, p. 496). Consequentemente, tanto Wittgenstein quanto Skinner passariam a compreender a natureza da linguagem como comportamental. Nas palavras de Day: “deve ser notado que, em ambas as perspectivas, a linguagem é vista como algo natural, com ênfase nos efeitos do comportamento verbal e na situação na qual cada comportamento verbal ocorre” (p. 496).

Ainda em relação às características da linguagem, Day (1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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) pontua que tanto o comportamentalismo skinneriano quanto a filosofia wittgensteiniana partilham da compreensão de que a significação da linguagem encontra-se no uso: “para ambos, uma busca por significado pode levar apenas ao estudo do uso da palavra, à análise do comportamento verbal como ele é realmente visto ocorrendo. Para ambos, o significado é o uso” (p. 498).

Outro ponto de aproximação seria que ambos os autores negariam a existência de uma linguagem puramente privada (Day, 1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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). Skinner marcaria esse posicionamento em seu artigo de 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, The operational analysis of psychological terms, no qual não apenas afirma que não é possível uma linguagem surgir sem o apoio da comunidade verbal, mas também apresenta quatro maneiras pelas quais a comunidade verbal poderia reforçar as respostas verbais relacionadas a eventos privados. Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ), por sua vez, dedica boa parte de sua obra à crítica ao que seria uma linguagem privada, chegando a afirmar que a noção de privacidade impede que ela se caracterize de fato como linguagem.

Em publicação recente, Magalhães (2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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) retomou, de maneira crítica, as aproximações examinadas por Day (1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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), indicando que também haveria dissimilaridades relevantes entre Skinner e Wittgenstein. Magalhães concorda com algumas das similaridades apontadas por Day como o antimentalismo, a crítica ao viés referencialista de linguagem e a consequente concepção de significado como uso. Contudo, o autor se opõe a Day no que concerne à problemática da linguagem privada e dos eventos privados. Magalhães (2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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) resume seu argumento crítico concluindo que, para Skinner, existem eventos privados, enquanto para Wittgenstein simplesmente não faria sentido falar sobre eles. Skinner defenderia a impossibilidade de uma linguagem privada, no sentido de uma linguagem de origem privada, devido à necessidade de contingências sociais para haver aprendizado da linguagem. Entretanto, sua proposta mantém a possibilidade de uma linguagem privada no sentido de uma linguagem sobre eventos privados. Já Wittgenstein pontua que, independentemente da questão da aprendizagem, “linguagem privada” é uma expressão incoerente e vazia.

O ponto crítico nessa assimetria entre as aproximações apresentadas por Day (1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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) e criticadas por Magalhães (2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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) seria, portanto, a questão dos eventos privados. Isso tem especial importância porque na literatura da área esse conceito é, por vezes, considerado a forma de explicação dos fenômenos subjetivos característica do comportamentalismo radical (e.g., Carrara, 2005Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica. (2a ed. Rev. atual.). UNESP.; Moore, 2009Moore, J. (2009). Why the radical behaviorist conception of private events is interesting, relevant and important. Behavior and Philosophy, 37, 21-37. https://www.jstor.org/stable/41472420
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; Tourinho, 2004Tourinho, E. Z. (2004). Behaviorism, interbehaviorism and the boundaries of a science of behavior. European Journal of Behavior Analysis, 5(1), 15-27. https://doi.org/10.1080/15021149.2004.11434228
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). Contudo, nos últimos anos, alguns autores têm participado de um debate crítico acerca do conceito de eventos privados, que inclui tanto indicações da necessidade de correção do conceito (e.g., Borba & Tourinho, 2010Borba, A., & Tourinho, E. Z. (2010). Instrumentalidade e coerência do conceito de eventos privados. Acta Comportamentalia, 18(2), 279-196. http://revistas.unam.mx/index.php/acom/article/download/27998/25883
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; Moore, 2009Moore, J. (2009). Why the radical behaviorist conception of private events is interesting, relevant and important. Behavior and Philosophy, 37, 21-37. https://www.jstor.org/stable/41472420
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; Zilio & Dittrich, 2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia, 22(4), 483-496. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/download/48988/44053
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, 2015Zilio, D., & Dittrich, A. (2015). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte II: A invasão da privacidade. Acta Comportamentalia, 23(2), 213-227. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/download/50109/45044
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) quanto propostas de seu abandono (e.g., Baum, 2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200. https://doi.org/10.1007/bf03392249
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; Hayes & Fryling, 2009Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009). Overcoming the pseudoproblem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57. http://www.behavior.org/resources/363.pdf
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; Hocutt, 2009Hocutt, M. (2009). Private events. Behavior and Philosophy, 37, 105-117. http://store.behavior.org/resources/366.pdf
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).

Zilio e Dittrich (2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia, 22(4), 483-496. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/download/48988/44053
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, 2015Zilio, D., & Dittrich, A. (2015). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte II: A invasão da privacidade. Acta Comportamentalia, 23(2), 213-227. http://www.revistas.unam.mx/index.php/acom/article/download/50109/45044
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), por exemplo, lançam luz ao fato de que, justamente devido à popularidade do conceito de eventos privados entre os comportamentalistas radicais, há uma dificuldade de delimitação e definição do que seriam os eventos privados. Essa dificuldade justificar-se-ia, em grande parte, pela complexidade do conceito. De acordo com os autores, seria responsabilidade de analistas do comportamento contemporâneos comprometerem-se com uma investigação mais sistemática do conceito de eventos privados.

Baum (2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200. https://doi.org/10.1007/bf03392249
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), por sua vez, assume um posicionamento mais contundente em relação ao tema, questionando a necessidade e utilidade do conceito de eventos privados. Para o autor, como os eventos privados não podem ser mensuráveis, eles seriam inúteis para uma ciência do comportamento:

de um ponto de vista pragmático, a razão para excluir eventos [privados] não mensuráveis é que eles não fornecem avanços úteis para melhorar nosso entendimento do comportamento; ao invés disso, eles oferecem toda uma gama de oportunidades para ofuscação e confusão (p. 237).

Além disso, Baum (2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200. https://doi.org/10.1007/bf03392249
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) direciona críticas à própria noção de privacidade, questionando a tese skinneriana de que eventos públicos e privados compartilhariam das mesmas características: “A razão pela qual isso não faz sentido é que nós nunca podemos saber se eles são como os eventos públicos, [justamente] porque eles são privados. Eles serem privados é todo o problema” (p. 239).

Hocutt (2009Hocutt, M. (2009). Private events. Behavior and Philosophy, 37, 105-117. http://store.behavior.org/resources/366.pdf
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), assim como Baum (2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200. https://doi.org/10.1007/bf03392249
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), questiona a privacidade ou o caráter não observável dos eventos privados na proposta skinneriana:

O caráter observável [observability] não é uma propriedade intrínseca de eventos; ele não pertence a eles como sua forma, independentemente de potenciais observadores. Que alguns eventos podem ser observados significa apenas que alguém está em uma posição que permite observá-los, e às vezes existe somente uma pessoa que está nessa posição... É isso que alguns psicólogos têm em mente quando falam de eventos privados? Aparentemente não (p. 105).

Hayes e Fryling (2009Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009). Overcoming the pseudoproblem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57. http://www.behavior.org/resources/363.pdf
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) argumentam que o conceito de eventos privados proposto por Skinner é contraditório com sua própria concepção do que deveria ser o objeto de estudo de uma ciência do comportamento:

Skinner argumentou que o objeto de estudo da ciência do comportamento era a ação de todo o organismo em relação com o mundo exterior, não as ações de suas partes consideradas separadamente. O conceito de eventos privados de Skinner implica que as ações de partes do organismo, localizadas dentro da pele do organismo, caem na categoria de eventos legitimamente estudados pelos cientistas do comportamento (p. 41).

Além disso, Hayes e Fryling (2009Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009). Overcoming the pseudoproblem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57. http://www.behavior.org/resources/363.pdf
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) destacam que a substituição da mente pela matéria orgânica, na defesa dos eventos privados, não faz com que Skinner afaste-se dos problemas de uma concepção dualista, pois ainda seria mantida a mesma dualidade público-privado: “Além de substituir a mente imaterial por um órgão material como o lócus hipotético de tais eventos [privados], há pouco para distinguir a perspectiva comportamental sobre este assunto da perspectiva dos dualistas convencionais” (p. 41).

Em suma, apesar de tradicionalmente associado ao comportamentalismo radical, o conceito de eventos privados vem sendo criticado por alguns comportamentalistas. Além disso, como indicado por Magalhães (2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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), a temática dos eventos privados parece ser justamente o que afastaria as propostas de Skinner e Wittgenstein. Por conseguinte, uma retomada de aproximações entre o comportamentalismo skinneriano e a filosofia da linguagem wittgensteiniana poderia auxiliar na reavaliação do conceito de eventos privados. Considerando esses pontos, o objetivo deste artigo é discutir o conceito skinneriano de eventos privados à luz das críticas de Wittgenstein à linguagem privada. Mais especificamente, o que se busca é uma comparação sistemática entre as propostas de Wittgenstein e Skinner no que diz respeito à linguagem relativa a fenômenos psicológicos. Esse recorte se justifica porque é nesse contexto que Wittgenstein elabora suas principais críticas à psicologia tradicional, bem como Skinner apresenta sua teoria de eventos privados.

Para alcançar esse objetivo, o trabalho percorrerá o seguinte itinerário: em primeiro lugar, serão apresentadas as discussões de Wittgenstein sobre a linguagem psicológica tradicional, com destaque para a indicação de uma confusão linguística compartilhada pela maioria das teorias psicológicas, elucidada por meio da metáfora do besouro na caixa; em seguida, será apresentado o encaminhamento skinneriano para a compreensão da linguagem psicológica, destacando o lugar dos eventos privados nessa discussão; por fim, será feita uma comparação entre as duas propostas mostrando que, quando emprega o conceito de eventos privados para tratar da linguagem psicológica, Skinner parece incorrer em um erro linguístico indicado previamente por Wittgenstein.

Wittgenstein e a Linguagem Psicológica

Ludwig Wittgenstein (1889-1951) é conhecido como um dos protagonistas da virada linguística, um movimento da filosofia contemporânea que deslocou a discussão de questões filosóficas para o campo da linguagem (Bernstein, 2010Bernstein, R. (2010). The pragmatic turn. Polity Press. ). Essa “virada” não foi uma mera mudança de interesse ou assunto, mas a constituição de uma nova concepção de mundo ou de uma “revolução filosófica”, que difundiu “a visão de que os problemas filosóficos são problemas que podem ser resolvidos (ou dissolvidos) ou pela reforma da linguagem, ou por uma maior compreensão da linguagem que usamos atualmente” (Rorty, 1967Rorty, R. (1967). Introduction: Metaphilosophical difficulties of linguistic philosophy. In R. Rorty (Ed.), The linguistic turn: Essays in philosophical method (pp. 1-39). University of Chicago Press., p. 3). Desse modo, a filosofia de Wittgenstein opera uma espécie de “revolução copernicana”, na qual a realidade deixa de ser o ponto de ancoragem de investigações humanas para tornar-se o produto da linguagem humana.

As discussões de Wittgenstein acerca da linguagem sofreram profundas mudanças no decorrer de sua obra, o que tem sido alvo de muito debate no campo filosófico (Rorty, 1967Rorty, R. (1967). Introduction: Metaphilosophical difficulties of linguistic philosophy. In R. Rorty (Ed.), The linguistic turn: Essays in philosophical method (pp. 1-39). University of Chicago Press., 1982/1994aRorty, R. (1994a). Introduction: Pragmatism and philosophy. In Consequences of pragmatism: Essays, 1972-1980 (6ª ed., pp. xiii- xvii). University of Minnesota Press. (Trabalho original publicado em 1982), 1976/1994bRorty, R. (1994b). Keeping philosophy pure: An essay on Wittgenstein. In Consequences of pragmatism: Essays, 1972-1980 (6ª ed., pp. 19-36). University of Minnesota Press. (Trabalho original publicado em 1976)). No entanto, neste artigo, a concepção de linguagem explorada será aquela apresentada tardiamente, no que se convencionou denominar “segundo Wittgenstein” e que se encontra formalizada no livro Investigações Filosóficas (Wittgenstein, 1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ).

Nesse momento de sua obra, Wittgenstein descreve a linguagem como um conjunto aberto de “jogos” que resistem a uma definição unívoca e que podem ser agrupados apenas por apresentarem uma “semelhança de família” (Wittgenstein, 1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. , p. 32). Trata-se de uma concepção propositalmente imprecisa, pois a imprecisão é justamente uma das características da linguagem, entendida como uma atividade humana regulada por regras até certo ponto:

Mas então o emprego da palavra não está regulamentado; o ‘jogo’ que jogamos com ela não está regulamentado. Ele não está inteiramente limitado por regras; mas tampouco há alguma regra no tênis que prescreva até que altura é permitido lançar a bola nem com quanta força; mas o tênis é um jogo e também tem regras (Wittgenstein, 1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. , p. 33).

Isso quer dizer que todos os limites da linguagem ou de um jogo de linguagem não estão dados a priori e, por isso, sempre é possível criar jogos ou mudar jogos anteriormente criados. Assim, a linguagem como jogo não é um objeto ou coisa esperando para ser descoberto, nem mesmo possui uma estrutura fixa e universal subjacente (como a lógica, a gramática ou qualquer outro conjunto de regras fixas e supostamente universais); a linguagem como um conjunto de jogos é ação ou simplesmente comportamento (Rorty, 1982/1994aRorty, R. (1994a). Introduction: Pragmatism and philosophy. In Consequences of pragmatism: Essays, 1972-1980 (6ª ed., pp. xiii- xvii). University of Minnesota Press. (Trabalho original publicado em 1982)).

Outra característica da linguagem entendida como conjunto de jogos é seu caráter social. Como todo jogo, a linguagem é aprendida na interação com outras pessoas, no envolvimento em uma “partida”. Trata-se, portanto, do produto de uma prática social1 1 A necessidade da proveniência social da linguagem não é consenso entre os estudiosos de Wittgenstein. Esse debate se polariza, em linhas gerais, entre defensores de uma posição contextualista (ou comunitarista) e defensores de uma concepção individualista (ou não comunitarista). Williams (1999) e Bloor (1997) defendem a interpretação contextualista, pontuando que a teoria do significado de Wittgenstein possui necessariamente um caráter social e/ou ambiental, e como aprendemos e como somos treinados a usar a linguagem também faria parte de seu significado. Já Baker e Hacker (1992) e Magalhães (2017a) opõem-se a essa interpretação, argumentando que Wittgenstein defende que um jogo de linguagem deve ser compartilhável, o que não quer dizer que seja sempre compartilhado - estaria preservada, então, a possibilidade do indivíduo criar jogos solitários sem pontos de apoio social, desde que isso ainda pudesse ser socialmente comunicado. Neste artigo, tendemos a uma interpretação comunitarista da linguagem, argumentando que a tese de que a linguagem tem sempre uma gênese social não elimina a possibilidade de uma generalização da linguagem socialmente aprendida para outros contextos. Isso permitiria entender os jogos solitários como extensões de jogos que foram socialmente aprendidos. . Nesse sentido, o ensino-aprendizado da linguagem pode ocorrer tanto em interações arranjadas para este propósito, como também em situações em que a participação no jogo os promove de modo incidental. Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) exemplifica esse ponto ao tratar do início, ainda “primitivo”, do uso da linguagem por crianças, afirmando que: “Uma criança usa tal forma primitiva de linguagem quando está aprendendo a falar. Aqui o ensino da linguagem não é uma explicação, mas treinamento” (p. 4); e, ainda, que “aprende-se o jogo observando como os outros o jogam” (p. 27).

A concepção de jogos de linguagem também enfatiza o caráter imanente e plural do significado. Em outras palavras, a significação não pode ser vista como algo captado pela linguagem, algo extralinguístico ao qual a linguagem se refere ou se liga. A noção de jogo de linguagem insere o significado no jogo, de modo que o significado de frases ou palavras deve ser buscado nos seus respectivos usos em um jogo específico. Consequentemente, palavras ou frases usadas em diferentes jogos ganham significados diferentes e, por vezes, incomensuráveis. É nesse contexto que se torna possível compreender a afirmação comum de que para Wittgenstein o significado está no uso (Abib, 1999Abib, J. A. D. (1999). Behaviorismo radical e discurso pós-moderno. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15(3), 237-247. http://doi.org/10.1590/S0102-37721999000300007
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; Day, 1969Day, W. F. (1969). On certain similarities between the Philosophical Investigations of Ludwig Wittgenstein and the operationism of B. F. Skinner. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 12, 489-506. https://doi.org/10.1901/jeab.1969.12-489
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; Gier, 1982Gier, N. F. (1982). Wittgenstein, intentionality, and behaviorism. Metaphilosophy, 13(1), 46-64. http://doi.org/10.1111/j.1467-9973.1982.tb00290.x
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; Magalhães, 2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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). Na medida em que na linguagem os usos são múltiplos e irredutíveis a uma forma universal, o significado tem um caráter irremediavelmente plural.

Por fim, os jogos de linguagem são orientados por uma finalidade ou função. Novamente, isso não deveria conduzir a uma investigação da função ou finalidade da linguagem como um todo, pois cada jogo tem um objetivo próprio. Por exemplo, a função de um jogo descritivo é dar nomes ou designar coisas, mas esse é apenas um jogo dentre outros:

quantos tipos de sentenças existem? Afirmação, pergunta e comando? - Há incontáveis tipos: incontáveis tipos diferentes de uso daquilo que chamamos ‘signo’, ‘palavras’, ‘sentenças’. E essa pluralidade não é alguma coisa fixada, dada de uma vez por todas; novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, passam a existir e outros tornam-se obsoletos e são esquecidos (Wittgenstein, 1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. , p. 11).

Essa concepção pluralista e funcional de linguagem poderia, em princípio, dar conta de todas as formas de linguagem. Contudo, Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) pontua que a linguagem psicológica - ou, mais especificamente, a linguagem tradicionalmente adotada na psicologia - parece impor alguns desafios que exigem uma análise mais detalhada. A argumentação de Wittgenstein consiste, basicamente, em demonstrar que a tese de que a linguagem psicológica é uma descrição de coisas privadas e, portanto, inacessíveis às demais pessoas, seria impossível em sua concepção de linguagem.

Os problemas dessa concepção tradicional da linguagem psicológica são sistematizados por Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) na noção de linguagem privada. De acordo com o filósofo, uma linguagem privada seria composta por palavras que designam “coisas internas” que, como tais, seriam desde o início inacessíveis a outras pessoas. A inacessibilidade desse mundo privado, ao qual se referem os conceitos psicológicos, conduziria à conclusão de que apenas o próprio indivíduo poderia determinar as condições de verdade ou falsidade dessa linguagem (Faustino, 1995Faustino, S. (1995). Wittgenstein: O eu e sua gramática. Editora Ática.; Johnston, 1993Johnston, P. (1993). Wittgenstein: Rethinking the inner. Routledge. ).

O problema da linguagem privada não está em ser um jogo de um único participante. Afinal, ninguém nega a possibilidade de falarmos com nós mesmos, de um monólogo ou de um solilóquio. Esses jogos solitários, em grande medida, aproximam-se e usam elementos e regras semelhantes ao do diálogo. A linguagem privada também não se identifica com um jogo de linguagem cujas regras foram criadas pelo próprio indivíduo. Partindo de uma aprendizagem social anterior, uma pessoa pode criar um jogo, adaptando regras, excluindo partes e inventando outras. A única exigência é que as regras dessa nova linguagem possam ser, em algum momento, publicamente explicitadas, distinguindo o que é permitido e o que é proibido naquele jogo. Por exemplo, alguém poderia jogar sozinho um jogo parecido com squash, rebatendo a bola na parede e respeitando um conjunto de regras específico. A pessoa que inventou esse jogo pode explicar para a outra as regras do “squash solitário”, de modo que esse espectador poderia assumir a função de árbitro, dizendo quando a pessoa que está jogando transgride ou não as regras. Seguindo as regras, mesmo sozinha, a pessoa pode jogar e saber precisamente quando faz movimentos permitidos ou não. Do mesmo modo, uma pessoa pode dizer algo aparentemente sem sentido, como “vou apagar a lousa com o camelo”, e, na sequência, explicar que não se trata de esfregar um animal na lousa, mas que ela decidiu usar a palavra “camelo” por conta da semelhança física entre o pelo desse animal e o feltro que compõe o apagador. Mesmo que seja pouco usual, trata-se de um jogo possível, na medida em que tem uma regra especificável que delimita o uso das palavras naquele contexto.

O argumento crítico de Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) consiste em mostrar que a noção de linguagem privada, que subjaz à concepção tradicional de linguagem psicológica, seria um jogo com regras impossíveis de serem comunicadas a ou partilhadas com outras pessoas. Isso fica mais evidente quando se tenta investigar os critérios ou regras adotados em uma linguagem psicológica que, supostamente, designa coisas privadas: o que distingue privadamente angústia de ansiedade, ou medo de receio, que permitiria saber perfeitamente que se trata de um ou outro ao designá-los? O que há de privadamente comum em diferentes “dores”, que autorizaria o uso da mesma palavra para designá-las como tal? Tentativas de responder a essas questões, provavelmente, utilizarão outros termos psicológicos, que, por sua vez, designariam outras coisas privadas, criando uma “cadeia privada infinita” que, ao invés de resolver, agrava o problema.

A proposta de Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) não é resolver esse problema por meio de novas respostas a essas perguntas, mas mostrar que as próprias perguntas são improcedentes, na medida em que estão assentadas em uma confusão. O indivíduo é incapaz de especificar os critérios que empregou em uma designação privada porque, na verdade, a linguagem psicológica não deveria ser considerada uma forma de designar coisas privadas. Consequentemente, a noção de linguagem privada, que sustentaria essa interpretação psicológica, é nonsense.

A origem do problema repousaria em uma confusão entre dois tipos diferentes de jogos de linguagem: os jogos de descrições e os jogos de exibições2 2 A distinção entre esses dois tipos de jogos não deve ser entendida nem como absoluta, nem como exaustiva. Isso quer dizer que podem haver jogos “mistos” que combinam exibições e descrições, bem como outros tipos de jogos além desses. No entanto, seguindo a estratégia de Wittgenstein, os dois tipos de jogos serão apresentados por contraste, enfatizando suas diferenças como um modo de explicitar os problemas da linguagem psicológica tradicional. . O primeiro deles, o de descrições, segue o modelo objeto-designação. A função dos jogos de descrições é tanto nomear coisas quanto criar conceitos. No primeiro caso, as palavras designam objetos particulares (“este é o meu copo”, “esta é a minha garrafa”, “eles estão na minha casa”); no segundo caso, elas descrevem classes que permitem o agrupamento de objetos que compartilham características específicas (“isto é um copo”, “isto é uma garrafa”, “isto é uma casa”). A descrição ou designação funciona por meio da aplicação de um critério previamente especificado, que permite usar a palavra para descrever ou nomear o(s) objeto(s) designado(s). A única exigência aqui é a possibilidade de verificação pública da aplicação do critério, avaliando se a designação está correta ou não. Por exemplo, diante de múltiplos exemplares de meios de transporte, o indivíduo pode ser ensinado a nomear aqueles que andam sobre trilhos, como “trens”. Essa designação pode ser ensinada tanto explicitamente, por meio de uma regra que especifica o critério (ou o conceito) “todos os meios de transporte que andam sobre trilhos são trens”, quanto mais implicitamente, apontando para diferentes meios de transporte e indicando quais são trens e quais não são, ou respondendo à pergunta do aprendiz “Isto é um trem?” de acordo com o critério especificado. A acessibilidade ao objeto que está sendo designado é fundamental nos jogos de descrições, na medida em que dela depende a correção e o estabelecimento do “conceito” que está sendo ensinado. Isso torna, novamente, explícita a impossibilidade de uma linguagem privada: se o objeto designado é privado, nunca seria possível avaliar a designação.

Já os jogos de exibições são compostos de palavras ou expressões que indicam uma experiência sensorial do indivíduo. Em organismos não verbais essa experiência sensorial se expressa em mudanças no seu comportamento. Por exemplo, um cachorro pisa em um espinho e contrai a pata, “grita”, manca etc. No caso do ser humano, é possível aprender expressões verbais dessa experiência, que podem acompanhar ou, em alguns casos, substituir as expressões naturais (Snowdon, 2012Snowdon, P. (2012). Private experience and sense data. In O. Kuusela & M. McGinn (Eds.), The Oxford handbook of Wittgenstein. Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199287505.003.0019
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). Como explica Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ): “palavras são conectadas com expressões primitivas, naturais, de sensações e usadas em seu lugar. Uma criança se machuca e chora; e, então, adultos falam com ela e ensinam a ela exclamações e, depois, sentenças. Eles ensinam a criança um novo comportamento-dor [pain-behaviour]” (p. 89). As palavras e expressões dos jogos de exibições não são descrições de coisas privadas denominadas sensações ou sentimentos; tampouco são descrições de comportamentos observáveis; elas não são descrições. Consequentemente, a questão da acessibilidade não se coloca em jogos de exibições, uma vez que eles não têm a função de descrever, nomear ou designar algo.

A fim de explicar as consequências das confusões entre esses diferentes tipos de jogos, Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) apresenta a metáfora do besouro na caixa:

Ora, alguém me diz que ele sabe, apenas a partir de seu próprio caso, o que é dor! - Suponhamos que cada um tivesse uma caixa com algo dentro: nós o chamamos de “besouro”. Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro; e cada um diz que sabe o que é um besouro por olhar seu besouro. - Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa. Poderíamos até imaginar que tal coisa se modificasse continuamente. - Mas e se a palavra besouro tivesse um uso na linguagem destas pessoas? - Neste caso, não seria o da designação de uma coisa. A coisa na caixa não desempenha papel algum no jogo de linguagem, nem mesmo como um algo: pois a caixa poderia também estar vazia. - Por meio desta coisa na caixa, não se pode ‘abreviar’; seja o que for, é suprimido. Isto quer dizer: quando se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de ‘objeto e designação’, então o objeto cai fora de consideração, como irrelevante (p. 100).

Com essa metáfora, é possível entender melhor a crítica de Wittgenstein à linguagem psicológica tradicional. O ponto central da crítica é que o vocabulário psicológico, como uma linguagem de expressão de sensações, não deveria ser entendido como um conjunto de conceitos que designam coisas privadas acessíveis apenas ao próprio indivíduo. “Sentir” não deveria ser descrito como algo que está por detrás das exibições. Tampouco pode ser descrito como uma ação observável causada por sensações (Johnston, 1993Johnston, P. (1993). Wittgenstein: Rethinking the inner. Routledge. ). Isso porque sentir não admite um jogo descritivo e, por isso, não pode ser descrito. O erro fundamental da linguagem psicológica tradicional seria, portanto, tentar aplicar uma lógica da descrição em um assunto que segue uma lógica da exibição.

O cerne do argumento de Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) consiste, portanto, em uma crítica à noção de “sensações privadas”:

Em que sentido minhas sensações são privadas? - Bem, apenas eu posso saber se eu realmente estou com dor; outra pessoa pode apenas supô-lo... Se estamos usando a palavra “saber” como normalmente ela é usada (e de que outra forma deveríamos usá-la?), então outras pessoas, muito frequentemente, sabem quando eu estou com dor. - Sim, mas, mesmo assim, não com a certeza com que eu sei de mim mesmo [responderia o interlocutor]. Não, nunca se pode dizer (exceto talvez como uma piada) que eu sei que eu tenho dor (p. 89).

Invertendo completamente a concepção tradicional, Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) mostra nesse diálogo que, observando as expressões de um indivíduo (ações, reações, interjeições, frases), outras pessoas são capazes de saber se ele está ou não com dor; mas ele mesmo só pode sentir. A conclusão é que quando uma pessoa diz que sente algo, ela não está descrevendo nada, ela está apenas exibindo uma sensação de modo linguístico. Logo, perguntas sobre sensações formuladas em uma lógica descritiva (“O que é…?”, “Como é…?”) não fazem sentido na linguagem psicológica, muito menos as tentativas de respondê-las por meio de teorias psicológicas.

Skinner e a Linguagem Psicológica

Skinner é comumente apresentado em manuais de psicologia como expoente da tradição comportamentalista, cujo objetivo é fazer da psicologia uma ciência do comportamento, calcada em princípios e leis estabelecidas em bases experimentais sólidas (e.g., Schultz & Schultz, 2008Schultz, D. P., & Schultz, S. E. (2008). A history of modern psychology (9ª ed.). Thompson Wadsworth.). Em sua extensa obra, Skinner analisou e discutiu diversos temas relativos a fenômenos psicológicos, interpretados com base nos princípios do condicionamento respondente e, principalmente, do condicionamento operante. É de acordo com esses princípios que o autor encaminha uma proposta de compreensão para a linguagem, entendida como comportamento verbal. Tal proposta foi sistematizada e apresentada detalhadamente no livro Verbal Behavior, publicado em 1957, embora algumas discussões sobre o assunto já figurassem em trabalhos anteriores (e.g., Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company.).

Na concepção skinneriana, comportamento verbal é um comportamento operante com topografia variável (vocal, escrita ou gestual), de natureza e origem social. Isso porque, “o comportamento verbal sempre envolve reforçamento social e deriva suas propriedades características desse fato” (Skinner, 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company., p. 327); ou seja, é por meio do reforçamento social que as diferentes topografias de respostas verbais (ou um misto delas) são ensinadas e mantidas. Sendo assim, o comportamento verbal modifica o ambiente por meio de outra pessoa, de forma mediada e indireta (Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.).

Sumarizando essas características, Abib (1994Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo do comportamento verbal: A teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 473-487.) apresenta a definição de comportamento verbal como: “comportamento de falantes individuais, que é modelado e mantido por consequências mediadas por ouvintes ou por representantes da comunidade verbal, conforme as práticas de reforçamento dessa comunidade” (p. 476). Entender que o comportamento verbal é mediado pelas consequências fornecidas pela comunidade verbal implica na compreensão de que a forma como a resposta se apresenta está diretamente relacionada a práticas verbais da comunidade em que o indivíduo está inserido. Assim, em princípio, o comportamento verbal não se explica por algo no interior do indivíduo ou mesmo por algo que já estava no mundo a espera de ser descoberto, como é usualmente entendido em teorias tradicionais da linguagem (Abib, 1994Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo do comportamento verbal: A teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 473-487.; Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.).

A crítica a teses mentalistas, no contexto da linguagem, fica explícita por meio da oposição de Skinner (1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.) à teoria do significado como expressão de ideias. Para essa teoria, “palavras significam coisas indiretamente por meio de ideias” (Abib, 1994Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo do comportamento verbal: A teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 473-487., p. 479). Nesse sentido, a explicação de qualquer comportamento verbal deveria ser atribuída a eventos que estão dentro do falante e o significado do discurso seria, então, explicado pela expressão desses eventos internos (as ideias) (Abib, 1994Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo do comportamento verbal: A teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 473-487.; Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.). Aqui parece haver uma separação entre ideias e realidade, decorrente da dicotomia mente e corpo. Assim, o significado estaria dentro do falante e seria uma cópia do mundo.

De uma perspectiva skinneriana, haveria dificuldades em levar adiante esse raciocínio, já que as ideias das quais as palavras supostamente “derivam” não podem ser observadas por elas mesmas (Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.). Com isso, a teoria do significado como expressão de ideias parece recorrer a um argumento circular: ela parte do comportamento verbal para falar de ideias, mas, na sequência, essas ideias passam a explicar o próprio comportamento que foi ponto de partida. Nesse processo, as ideias seriam construídas conforme o comportamento que queremos explicar, ajustando-se perfeitamente a ele. Evidentemente, essa não poderia ser considerada uma explicação adequada para o comportamento verbal (Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.).

Até esse ponto, as discussões de Skinner sobre comportamento verbal são bastante similares à concepção wittgensteiniana de linguagem, mostrando o potencial da teoria skinneriana para evitar os problemas tradicionais da linguagem apontados por Wittgenstein. Contudo, essa relação torna-se menos harmônica quando o que está em pauta é a compreensão da linguagem psicológica.

Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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) discute a linguagem psicológica e suas dificuldades em um dos textos inaugurais de seu comportamentalismo radical, no qual, segundo alguns comentadores (e.g., Abib, 1994Abib, J. A. D. (1994). O contextualismo do comportamento verbal: A teoria skinneriana do significado e sua crítica ao conceito de referência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 10, 473-487.), já estava indicada uma compreensão contextualista do comportamento verbal. Isso permitiria entender os termos subjetivos (ou a linguagem psicológica) como respostas verbais que, como tais, deveriam ser explicadas por contingências sociais de reforçamento e punição e não por suas propriedades topográficas. Entretanto, nesse mesmo texto, Skinner introduz o conceito de eventos privados, defendendo que eventos ambientais (estímulos antecedentes e consequentes) e comportamentais (respostas) poderiam ser públicos ou privados.

Com isso, Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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) explica os termos subjetivos (respostas verbais a eventos privados) por meio de uma comparação explícita com termos objetivos (respostas verbais a eventos públicos). No caso de respostas verbais a estímulos públicos, como na designação de objetos, tanto o falante quanto a comunidade verbal teriam acesso ao estímulo controlador. Assim, tornar-se-ia mais simples explicar, nesses casos, como a contingência foi criada e mantida, de modo que a resposta verbal fique sob controle desse estímulo. No caso do comportamento verbal relacionado a eventos privados (linguagem psicológica), ex hypothesi, as respostas verbais também poderiam estar predominantemente sob controle de estímulos antecedentes, a saber, os próprios estímulos privados. Nesse contexto, surgem questões suplementares, pois diferentemente do estímulo público que pode afetar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, o estímulo privado afetaria somente o próprio indivíduo (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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). Como, então, a comunidade verbal poderia estabelecer uma contingência discriminativa se não tem acesso aos estímulos controladores das respostas verbais?

Tentando responder a essa questão, Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company., 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.) apresenta quatro estratégias empregadas pela comunidade verbal para ensinar o uso de termos psicológicos. Essas estratégias tentariam alcançar algum grau de correspondência (ou de acurácia) entre as expressões subjetivas e os eventos privados aos quais elas se referem.

A primeira e a segunda estratégias de ensino de respostas verbais controladas por eventos privados se dariam de maneira similar: a comunidade verbal ensinaria o uso da resposta verbal relacionada a um estímulo privado (“estou com dor de dente”, por exemplo) com base na observação de um estímulo público (um dente careado, o rosto inchado) ou de uma resposta pública colateral (o choro, a mão no rosto) (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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).

Na terceira estratégia, a resposta verbal ao estímulo privado seria descritiva do próprio comportamento (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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). Para que isso seja possível, a comunidade verbal ensinaria, inicialmente, o indivíduo a descrever o seu próprio comportamento, observando o que ele faz (estímulos e respostas públicas). Ao ficar sob controle dos estímulos discriminados pela comunidade verbal, o indivíduo passa a ser capaz de emitir uma resposta verbal apropriada ao seu próprio comportamento. Contudo, ao se submeter a esse aprendizado instrucional, o indivíduo, ao mesmo tempo, estaria em contato com seu próprio corpo, sentindo os estímulos que estão ocorrendo enquanto ele age de forma “ansiosa”, por exemplo. Portanto, a resposta verbal “estou ansioso” pode, com o tempo, passar a ser controlada não apenas pelos estímulos públicos, mas também por estímulos privados. Ao final desse processo de mudança de controle de estímulos, o indivíduo poderia ser capaz de relatar que está ansioso mesmo na ausência de estímulos públicos conspícuos, por exemplo, quando ele diz que “está se esforçando para não deixar transparecer sua ansiedade”.

A quarta forma de reforçamento se dá pelo princípio de indução ou transferência de estímulo (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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). Nesse caso, uma resposta verbal, que é mantida originalmente em relação com estímulos públicos, pode, por meio de indução, passar a ser emitida sob controle de um evento privado. Aqui “a transferência não se deve a estímulos idênticos... mas a propriedades coincidentes” (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, p. 274). Sendo assim, características comuns entre um estímulo público e um estímulo privado permitiriam que um termo inicialmente usado para falar do estímulo público passe a ser utilizado para falar de um estímulo privado. Nessa forma de reforçamento as respostas verbais ao estímulo privado apareceriam como metáforas ou metonímias (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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).

Por meio dessas quatro estratégias, Skinner situaria sua discussão acerca dos eventos privados no comportamento verbal. Contudo, mesmo no âmbito do comportamento verbal, a teoria de eventos privados parece afastar Skinner da perspectiva crítica de Wittgenstein (Magalhães, 2017bMagalhães, T. O. (2017b). Sobre certas dissimilaridades entre Wittgenstein e Skinner. Princípios: Revista de Filosofia, 24(43), 175-225. https://doi.org/10.21680/1983-2109.2017v24n43ID10297
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).

O Besouro de Wittgenstein na Caixa de Skinner

Como dito anteriormente, a metáfora do besouro de Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) serve como elucidação da origem dos problemas da linguagem psicológica tradicional. Nessa direção, uma análise ponto a ponto do aforismo será utilizada como recurso para: (a) facilitar a compreensão dos pontos críticos levantados por Wittgenstein; e (b) contrapor esses pontos com as implicações da teoria de eventos privados, na tentativa de explicar o funcionamento da linguagem psicológica. A partir do desenvolvimento desses dois aspectos, será retomada a discussão a respeito do distanciamento promovido pela adoção da teoria de eventos privados entre as propostas para compreensão da linguagem de Skinner e Wittgenstein.

Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) introduz o referido aforismo da seguinte forma: “Ora, alguém me diz que ele sabe, apenas a partir de seu próprio caso, o que sejam dores! - Suponhamos que cada um tivesse uma caixa com algo dentro: nós o chamamos de ‘besouro’” (p. 100). A caixa, para Wittgenstein, seria a mente, e o besouro, sentimentos, pensamentos, ou seja, coisas privadas que seriam referentes de uma linguagem psicológica. No caso de Skinner, pode-se pensar que a caixa seria o organismo, o corpo do indivíduo, pois é dentro dele, no “mundo debaixo da pele” (Skinner, 1974Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. Random House., p. 10), que se encontram os eventos privados, correspondendo ao besouro de Wittgenstein.

“Ninguém pode olhar dentro da caixa do outro”, continua Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. , p. 100). A afirmação parece ser corroborada na apresentação e defesa da teoria de eventos privados por Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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), em diferentes momentos, como, por exemplo: “cada falante possui um pequeno, mas importante, mundo privado de estímulo” (p. 4); ou “não há nada errado em uma explicação interior, como tal, mas os eventos, que se localizam no interior de um sistema, tendem a ser difíceis de observar” (Skinner, 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company., p. 28). Ou seja, somente o próprio indivíduo teria acesso ao que estaria dentro da caixa, portanto os seus eventos privados3 3 No caso de Skinner (e.g. 1945, 1953, 1989) há alguns pontos suplementares na discussão da “caixa” que poderiam sugerir que ele não comete o erro indicado por Wittgenstein. Por exemplo, Skinner parece identificar, em alguns momentos, “eventos privados” com condições fisiológicas e, mais especificamente, com estímulos interoceptivos e proprioceptivos. Nesse caso, uma “invasão instrumental” parece resolver o problema da privacidade (Skinner, 1945). No entanto, a identificação de estímulos e/ou condições fisiológicas que participam do sentir não soluciona o problema indicado por Wittgenstein (1953). Isso porque sentir não se identifica com o que é sentido (como o próprio Skinner (1989) sugere em outros momentos). Não faz sentido dizer que, quando eu digo que “tenho” dor, estou dizendo o mesmo que um dentista que olha meu dente e afirma que ele está careado, ou um médico que vê meu estômago e diz que tenho uma úlcera. Eles descrevem o que estão vendo, eu apenas falo que sinto (e se tento descrever o que sinto, automaticamente, incorro em confusão). O problema colocado por Wittgenstein é que dor não é uma “coisa”, logo, não faria sentido identificá-la com um estímulo. “Dor” é uma palavra que pertence a um jogo de exibição. Em suma, sentir é um modo de relação com o mundo e com o corpo que se expressa de diversas maneiras, algumas delas verbais e outras não. .

E, se é apenas o próprio indivíduo que tem acesso à sua própria caixa, prossegue Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ), ele definiria sozinho com base nos seus próprios estímulos o que está sentindo: “cada um diz que sabe o que é um besouro por olhar seu besouro” (p. 100). Porém, assim sendo, “Poderia ser que cada um tivesse algo diferente em sua caixa. Poderíamos até imaginar que uma tal coisa se modificasse continuamente” (p. 100). Ou seja, se o besouro de cada pessoa fosse diferente, ou mesmo se o besouro de cada pessoa mudasse constantemente, nunca seria possível saber se essas mudanças poderiam ser consideradas “normais”, esperadas para todos os besouros, ou se estariam dentro das regras de um jogo de linguagem. O besouro pode assumir qualquer forma, seja de uma coisa, de um processo ou ainda de várias coisas que se sucedem. O argumento aqui se firma na impossibilidade de comparação e correção do que quer que esteja sendo denominado besouro por outras pessoas.

Poderíamos pensar que isso se resolve na teoria de eventos privados de Skinner pela vinculação de estímulos privados a eventos públicos, se o próprio Skinner não tivesse colocado sob suspeita, ou mesmo reconhecido uma inerente imprecisão nesse tipo de vinculação: “Nenhuma das condições que examinamos permite alcançar a precisão de referência que se alcança, no caso de estímulos públicos, por uma contingência precisa de reforçamento” (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, p. 274).

Continuando na metáfora: “Mas, e se a palavra ‘besouro’ tivesse um uso na linguagem destas pessoas?” (Wittgenstein, 1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. , p. 100). Ou seja, fazer parte de um jogo de linguagem. “Neste caso, não seria o da designação de uma coisa” (p. 100). Portanto, caso a palavra tenha um uso em um jogo de linguagem, ela não poderia seguir o modelo objeto-designação e, consequentemente, não seria um caso de jogo descritivo. Isso porque os outros jogadores, como comunidade verbal, não poderiam acessar o estímulo para ensinar a palavra que se refere a ele de maneira ostensiva. “A coisa na caixa não desempenha papel algum no jogo de linguagem nem mesmo como um algo: pois a caixa poderia também estar vazia” (p. 100). Não há maneira pela qual os outros jogadores ou a comunidade verbal possam verificar e corrigir o uso da expressão relacionada ao besouro, pois a comunidade não tem como saber de sua existência. “Por meio desta coisa na caixa, não se pode ‘abreviar’; seja o que for, é suprimido.” (p. 100). Por besouro, Wittgenstein quer dizer qualquer “coisa” que um indivíduo poderia sentir: dor, raiva, felicidade, impaciência, náusea, ciúmes etc. “Isto quer dizer: quando se constrói a gramática da expressão da sensação segundo o modelo de ‘objeto e designação’, então o objeto cai fora de consideração, como irrelevante” (p. 100). Nesse “jogo psicológico” seria adotado, de modo equivocado, um funcionamento de acordo com regras de jogos das descrições.

A tese levantada por meio da decomposição da metáfora do besouro é de que para explicar o funcionamento do reforçamento das respostas verbais relacionadas a eventos privados, Skinner adota o modelo do besouro na caixa. Ou seja, ele considera que os termos subjetivos ou a linguagem psicológica funcionaria como um jogo de descrições de “coisas” privadas, ao invés de um jogo de exibições, no qual não faz sentido falar de algo privado.

Um sinal de que Skinner estaria comprometendo sua teoria de eventos privados com os jogos das descrições surge quando o tema é discutido, em Verbal Behavior, no capítulo do tacto (Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.). Tacto é definido por Skinner como “um operante verbal, no qual uma resposta de certa forma é evocada por (ou pelo menos fortalecida diante de) um objeto particular ou um acontecimento ou propriedade do objeto ou acontecimento” (Skinner, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts., p. 81). Portanto, no tacto o falante descreve estímulos ou propriedades de estímulos. Ao se dedicar, em boa parte do capítulo do tacto, a explicar o funcionamento desse tipo de operante verbal descritivo, Skinner aproxima suas características às dos jogos das descrições. Quando, no caso do tacto, a comunidade verbal e o indivíduo ficam sob controle de um objeto público para ensinar e manter a resposta verbal, o ensino seria do tipo objeto-designação. Uma vez que “sob tal ótica, ensinar consistiria, em todos os casos, em mostrar quais coisas são designadas pelas palavras; e aprender consistiria, em todos os casos, em ver ou compreender quais coisas estão sendo por elas designadas” (Faustino, 1995Faustino, S. (1995). Wittgenstein: O eu e sua gramática. Editora Ática., p. 14).

Como consequência dessa aproximação entre eventos privados e jogos das descrições, Skinner compromete-se com o problema da acessibilidade. Segundo a visão wittgensteiniana, a linguagem psicológica ou os termos subjetivos não fariam referência a nada, nem externo e tampouco interno, já que obedeceriam às regras dos jogos de exibições e não de descrições. Portanto, a questão da acessibilidade não se colocaria.

Um jogo descritivo funciona com regras, a partir das quais o indivíduo, para falar sobre algo, toma como referência algum estímulo, designando-o com palavras aprendidas socialmente por meio do ensino ostensivo. Porém, no caso da teoria de eventos privados, esse estímulo seria interno, pois seria parte do “pequeno, mas importante, mundo privado de estímulos” (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, p. 4). Sendo assim, o indivíduo que sente esse estímulo interno teria informações privilegiadas acerca dele e poderia, em alguma medida, significá-lo por si só. Isso porque a comunidade verbal, em princípio, não teria acesso ao estímulo privado para ensinar ostensivamente o seu significado.

É necessário pontuar que Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) afirma que o ato ostensivo pode desempenhar um importante papel no treino e aprendizado da linguagem, como uma espécie de preparação para o uso das palavras. Contudo, ele nega que somente a presença do ato ostensivo no processo de ensino seja suficiente para que se compreender o uso geral de todas as palavras em uma linguagem (Faustino, 1995Faustino, S. (1995). Wittgenstein: O eu e sua gramática. Editora Ática.).

O problema, em Skinner, parece ser tomar o ensino ostensivo como a única possibilidade para a linguagem psicológica. Ao invocar as quatro formas, por meio das quais a comunidade verbal poderia reforçar as respostas verbais relacionadas a eventos privados,Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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, 1957Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Appleton-Century-Crofts.) apoia-se em uma concepção de ensino ostensivo para todas elas. Ou seja, ele parte da necessidade de haver um estímulo, nesse caso privado, ao qual o indivíduo faria referência e, assim, aprenderia a palavra que designa esse estímulo. Skinner parece, então, extrapolar os limites do uso do ensino ostensivo, ignorando a crítica de Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) de que esse tipo de ensino não poderia ser aplicado a todos os jogos, principalmente a jogos da linguagem psicológica.

Ao extrapolar esses limites, Skinner incorre no erro de aplicar as regras de um jogo de descrições a expressões que funcionariam de acordo com as regras dos jogos de exibições. No limite, o problema da confusão entre os jogos que tratam da linguagem psicológica é o da inacessibilidade ou privacidade dos estímulos. Essa visão parece ser explicitamente reiterada por Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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):

A resposta “Meu dente dói” está parcialmente sob controle de uma situação à qual apenas o falante é capaz de reagir, uma vez que ninguém mais pode estabelecer a conexão necessária com o dente em questão... Cada falante possui um pequeno, mas importante, mundo privado de estímulos... A primeira dificuldade [dos eventos privados] é que não podemos, como no caso dos estímulos públicos, explicar a resposta verbal apontando para um estímulo controlador... Mas o problema da privacidade não pode ser completamente solucionado por uma invasão instrumental. Não importa quão claramente tais eventos internos possam ser expostos no laboratório, permanece o fato de que, no episódio verbal normal, eles são basicamente privados (p. 4).

Diante dessa análise, é possível uma série de questionamentos. Por que importa quem tem acesso? Em última instância, quem tem acesso importa quando falamos da teoria de eventos privados, porque a concepção de privacidade é basilar para essa teoria. Ou seja, isso se torna relevante por conta da premissa assumida por Skinner (1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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) de que “cada falante possui um pequeno, mas importante, mundo privado de estímulos” (p. 4). Nesse sentido, somente quem tem acesso aos estímulos poderia falar com propriedade do que está sentindo e a comunidade verbal não teria acesso a esse estímulo para reforçar adequadamente as respostas verbais de nenhuma maneira. Para solucionar esse problema da privacidade é que Skinner propõe as quatro formas de reforçamento das respostas verbais controladas por eventos privados, que seriam as maneiras pelas quais o indivíduo aprenderia a falar sobre o que sente.

Também cabe aqui a indagação se haveria comunicação nesse tipo de relação “linguística”. A resposta é não, já que, tendo acesso privilegiado, o indivíduo seria capaz de significar o que sente (o besouro, na metáfora) para si e somente ele seria capaz de compreender realmente esse significado. Mesmo que a comunidade verbal participe desse processo, isso nunca superaria o caráter privado desses eventos, mantendo ainda a noção de um “contato privilegiado” ou de “um mundo privado”.

Por fim, seria possível questionar se essa significação assentada na privacidade caracterizaria um tipo de linguagem. Wittgenstein (1953Wittgenstein, L. (1953). Philosophical investigations (G. E. M. Anscombe, Trad.). Blackwell. ) afirma que não, uma vez que ainda haveria uma completa independência do contexto social (o indivíduo permanece como o único que realmente sabe sobre seus eventos privados), no sentido de que ninguém poderia corrigir ou mesmo entender essa “linguagem”.

Como já foi mencionado, na metáfora que Wittgenstein emprega para criticar a linguagem psicológica tradicional, a caixa seria a mente, que guarda um besouro inacessível aos outros. Ao estabelecer um paralelo com a teoria de eventos privados, é possível concluir que a argumentação skinneriana parece estar preocupada apenas com a “natureza da caixa”: em vez de ser a mente, a caixa é o organismo. Com essa mudança, Skinner escapa de uma possível filiação com o mentalismo, mas não resolve o problema. A crítica de Wittgenstein não pode ser enfrentada, defendendo que a caixa é fisiológica em vez de mental; ela exige a negação da existência da própria caixa. Na fisiologia, por sua vez, também não faz sentido postular a caixa, pois trata-se de uma descrição daquilo que o fisiologista está vendo, o que, em momento algum, confunde-se com sentir.

As análises de Wittgenstein acerca da linguagem psicológica indicam que não se trata de reformular a teoria de eventos privados, mas entender que suas inconsistências vêm de um problema anterior: uma confusão linguística presente em teorias psicológicas. Se é correto afirmar que a proposta skinneriana rompe com a tradição psicológica mentalista, a teoria de eventos privados surge como um “ruído” que coloca o comportamentalismo radical em franca continuidade com teorias psicológicas tradicionais, fazendo com que seja herdeiro dos mesmos problemas.

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  • *
    Artigo proveniente da dissertação de mestrado da primeira autora, sob supervisão do segundo autor, em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina
  • **
    Apoio: CAPES - Código de Financiamento 001.
  • 1
    A necessidade da proveniência social da linguagem não é consenso entre os estudiosos de Wittgenstein. Esse debate se polariza, em linhas gerais, entre defensores de uma posição contextualista (ou comunitarista) e defensores de uma concepção individualista (ou não comunitarista). Williams (1999Williams, M. (1999). Wittgenstein, mind and meaning: Towards a social conception of mind. Routledge.) e Bloor (1997Bloor, D. (1997). Wittgenstein, rules and institutions. Routledge.) defendem a interpretação contextualista, pontuando que a teoria do significado de Wittgenstein possui necessariamente um caráter social e/ou ambiental, e como aprendemos e como somos treinados a usar a linguagem também faria parte de seu significado. Já Baker e Hacker (1992Baker, G. P., & Hacker, P.M.S. (1992). Wittgenstein: Rules, grammar and necessity Volume 2 of an analytical commentary on the Philosophical Investigations. Wiley-Blackwell. ) e Magalhães (2017aMagalhães, T. O. (2017a). O que é seguir uma regra? Reflexões filosóficas sobre normatividade [Tese de doutorado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza]. Repositório Institucional UFC http://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/25588/1/2017_tese_tomagalh%C3%A3es.pdf
    http://repositorio.ufc.br/bitstream/riuf...
    ) opõem-se a essa interpretação, argumentando que Wittgenstein defende que um jogo de linguagem deve ser compartilhável, o que não quer dizer que seja sempre compartilhado - estaria preservada, então, a possibilidade do indivíduo criar jogos solitários sem pontos de apoio social, desde que isso ainda pudesse ser socialmente comunicado. Neste artigo, tendemos a uma interpretação comunitarista da linguagem, argumentando que a tese de que a linguagem tem sempre uma gênese social não elimina a possibilidade de uma generalização da linguagem socialmente aprendida para outros contextos. Isso permitiria entender os jogos solitários como extensões de jogos que foram socialmente aprendidos.
  • 2
    A distinção entre esses dois tipos de jogos não deve ser entendida nem como absoluta, nem como exaustiva. Isso quer dizer que podem haver jogos “mistos” que combinam exibições e descrições, bem como outros tipos de jogos além desses. No entanto, seguindo a estratégia de Wittgenstein, os dois tipos de jogos serão apresentados por contraste, enfatizando suas diferenças como um modo de explicitar os problemas da linguagem psicológica tradicional.
  • 3
    No caso de Skinner (e.g. 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
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    , 1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company., 1989Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Merrill Publishing Company. ) há alguns pontos suplementares na discussão da “caixa” que poderiam sugerir que ele não comete o erro indicado por Wittgenstein. Por exemplo, Skinner parece identificar, em alguns momentos, “eventos privados” com condições fisiológicas e, mais especificamente, com estímulos interoceptivos e proprioceptivos. Nesse caso, uma “invasão instrumental” parece resolver o problema da privacidade (Skinner, 1945Skinner, B. F. (1945). The operational analysis of psychological terms. Psychological Review, 52, 270-277. https://doi.org/10.1037/h0062535
    https://doi.org/10.1037/h0062535...
    ). No entanto, a identificação de estímulos e/ou condições fisiológicas que participam do sentir não soluciona o problema indicado por Wittgenstein (1953Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. The Macmillan Company.). Isso porque sentir não se identifica com o que é sentido (como o próprio Skinner (1989Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Merrill Publishing Company. ) sugere em outros momentos). Não faz sentido dizer que, quando eu digo que “tenho” dor, estou dizendo o mesmo que um dentista que olha meu dente e afirma que ele está careado, ou um médico que meu estômago e diz que tenho uma úlcera. Eles descrevem o que estão vendo, eu apenas falo que sinto (e se tento descrever o que sinto, automaticamente, incorro em confusão). O problema colocado por Wittgenstein é que dor não é uma “coisa”, logo, não faria sentido identificá-la com um estímulo. “Dor” é uma palavra que pertence a um jogo de exibição. Em suma, sentir é um modo de relação com o mundo e com o corpo que se expressa de diversas maneiras, algumas delas verbais e outras não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2019
  • Revisado
    02 Nov 2019
  • Aceito
    13 Jul 2020
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