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Leontiev sobre Matéria e Consciência: Sua Crítica a Vigotski nos Anos 1930s

Resumo

Completando um ciclo de seis artigos, este texto apresenta análise descritiva da carreira de Leontiev entre 1936-7, no contexto das profundas transformações causadas pelo Decreto contra a Pedologia de 1936 e subsequente campanha pública contra o legado vigotskiano. Procura delinear o sentido dessa campanha na sinistra conjuntura dos Grandes Expurgos stalinistas e situar o principal texto de crítica de Leontiev a Vigotski. Trata de mudanças teóricas nas obras dos autores em relação com a imposição de um “puro e genuíno” marxismo-leninismo às ciências. Defendo que Leontiev confundiu o problema ontológico e epistemológico sobre a relação consciência-matéria, repercutindo as cisões stalinistas entre ambas. Ao afastar-se do legado de Vigotski, realizou uma inflexão dualista, objetivista e mecanicista no materialismo psicológico vigotskiano.

PALAVRAS-CHAVE:
teoria da atividade; Leontiev; Vigotski; psicologia histórico-cultural; União Soviética

Abstract

Closing out a set of six articles, this text presents a descriptive analysis of Leontiev’s career between 1936-7 in the context of the profound changes caused by the Decree against Pedology and subsequent public campaign against the Vygotskian legacy. This paper seeks to outline the meaning of this campaign within the sinister context of the Soviet Great Purge and place Leontiev’s main critical text of Vygotsky in the context of the enforcement of a “pure and genuine” Marxism-Leninism on the sciences. We claim that Leontiev confused the ontological and epistemological problem of the relationship of consciousness to matter, reflecting the Stalinist divisions between them. When Leontiev moved away from Vygotsky’s legacy, he pursued a dualist, objectivist, and mechanistic inflection of Vygotsky’s psychological materialism.

KEYWORDS:
activity theory; Leontiev; Vygotsky; CHAT; Soviet Union

RÉQUIEM

1935-1940

Não, não foi sob um céu estrangeiro,

nem ao abrigo de asas estrangeiras -

eu estava bem no meio de meu povo,

lá onde meu povo infelizmente estava.

(Anna Akhmatova, 1961, p.89)

Relatando minha pesquisa de pós-doutorado dedicado ao campo conceitual da síntese psíquica na psicologia de Leontiev, o presente artigo compõe uma série de quatro trabalhos publicados em periódicos/livro brasileiros e dois em periódico russo, com versão em português (na sequência lógica de problematização: Toassa, 2015aToassa, G. (2015a). Há um Materialismo Vygotskyano? Preocupações ontológicas e epistemológicas para uma psicologia marxista contemporânea (Parte I). Dubna Psychological Journal, 1, 58-68., 2015bToassa, G. (2015b). Há um Materialismo Vygotskyano? Preocupações ontológicas e epistemológicas para uma psicologia marxista contemporânea (Parte II). Dubna Psychological Journal, 3, 66-80., 2017Toassa, G. (2017). Criando uma psicologia materialista - Fontes e influência de Espinosa nos trabalhos de Vigotski. In A. A. S. de Oliveira (Ed.), Psicologia sócio-histórica e o contexto de desigualdade psicossocial: teorias, método e pesquisas (pp. 13-26). Maceió, AL: EDUFAL., 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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, 2016bToassa, G. (2016b). Nem tudo que reluz é Marx: Críticas stalinistas a Vigotski no âmbito da ciência soviética. Psicologia USP, 27(3), 553-563. https://doi.org/10.1590/0103-656420140138
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). Fechando o arco desses primeiros trabalhos, este continua análise das pontuações críticas de Alexis Nikolaievitch Leontiev (1903-1979, doravante A.N.), pesquisador dos círculos vigotskianos, a Vigotski.

Conhecida no Brasil aproximadamente desde a segunda metade dos anos 1970 (ver Freitas, 1994) a popularidade da obra de Leontiev só faz crescer nas últimas décadas, especialmente com o impulso que lhe deram as produções do pedagogo Newton Duarte (1996Duarte, N. (1996). A escola de Vigotski e a educação escolar: Algumas hipóteses para uma leitura pedagógica da psicologia histórico-cultural. Psicologia USP, 7(1-2), 17-50. doi: 10.1590/S1678-51771996000100002
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, 2001Duarte, N. (2001).Vigotski e o" aprender a aprender": Crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados.), defendendo uma leitura marxista de Vigotski a partir da aproximação com Leontiev e outros autores soviéticos. Essa leitura de Duarte depende da chamada “narrativa hagiográfica” que foi articulada pelo filho de Leontiev, Aleksei Alekseievitch (doravante, A.A.), em 1983 (ver Yasnitsky, 2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.). Baseada particularmente em relatos orais obtidos nos anos 1970 - década de morte de Luria e Leontiev, com muitas homenagens aos autores - um de seus elementos centrais é a noção de que a psicologia histórico-cultural foi elaborada pela troika Vigotski-Luria-Leontiev. Assim, a teoria da atividade de Leontiev representaria uma evolução da teorização inicial de Vigotski e Luria.

Entretanto, vivenciamos no Brasil importante descompasso para com as publicações das últimas décadas em inglês e russo, que integram a memória oral à pesquisa nos arquivos da ex-URSS. Isso se aplicaria também às instituições nas quais os vigotskianos trabalharam, estando em curso uma revisão radical da história da psicologia dos vigotskianos (ver Yasnitsky, 2012Yasnitsky, A. (2012). Revisionist revolution in Vygotskian science: Toward Cultural-Historical Gestalt Psychology.Journal of Russian and East European Psychology,50(4), 3-15. doi: 10.2753/RPO1061-0405500400
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). Infelizmente, em português temos acesso limitado a esses trabalhos, assim como a importantes textos e comentários do próprio A.N., tanto sobre o contexto no qual viveu quanto sobre conceitos de Vigotski. À exceção dos trabalhos de Martins (2013aMartins, J. B. (2013a). Apontamentos sobre a relação Vigotski e Leontiev: A troika, ela existiu? PsyAnima, Dubna Psychological Journal, 1, 71-83., b), não temos produções na psicologia crítica brasileira sobre essa revisão histórica vital.

No caso da URSS, o paradigma de uma “historiografia ingênua”, das ideias, se mostra deficiente ao extremo; nela, afirma-se com particular vigor o imperativo marxiano pela necessidade de a ciência ir da aparência à essência dos fatos. Buscando uma análise totalizante da relação história-teoria, o presente artigo centraliza-se no conteúdo do texto: “Study of the Environment in the Pedological Works of LS Vygotsky” (193?/2005c). Outros materiais da década de 1940 também são utilizados - particularmente, no que toca à noção de consciência, matéria e suas relações com a linguagem. Em uma conjuntura marcada pelos anos mais terríveis da ditadura stalinista, procuro mostrar como, ao criticar Vigotski, Leontiev desloca-se rumo à doutrina “marxista-leninista” de Stálin (Netto, 1982Netto, J. P. (1982). Introdução. In J. V. Stálin, Stálin: Política (pp. 9-36). São Paulo: Ática.). O contexto em que este último desenvolve sua produção é o da extinção da pedologia pelo Decreto “Sobre as deturpações pedológicas no sistema dos Narcompros” (1936), e seu possível impacto sobre a carreira de Leontiev em 1936-7.

Ao explicar esse processo, apresentarei laços conceituais diretos e/ou indiretos de textos de A.N. com o Decreto contra a pedologia, além de trechos de Stálin que tratam do materialismo. Nesse zeitgeist, traços do lamarckismo soviético também podem ser identificados no “Study of the Environment...” bem como em outros textos leontievianos da mesma época.

Esses aspectos procuram desenvolver elementos inseridos no segundo artigo da série em português, focado na carreira de Leontiev e algumas de suas pontuações críticas a Vigotski. Naquele texto, concluo que, a partir da crítica ao “palavrocentrismo” do próprio mestre e dos membros do Círculo de Kharkov, Leontiev criou um marxismo que busca na ideia de “atividade” a própria “realidade objetiva”, suprimindo mediações das ideias teóricas sobre consciência elaboradas por Vigotski, à moda stalinista (ver Toassa, 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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, bToassa, G. (2016b). Nem tudo que reluz é Marx: Críticas stalinistas a Vigotski no âmbito da ciência soviética. Psicologia USP, 27(3), 553-563. https://doi.org/10.1590/0103-656420140138
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).

Com esse texto, procuro também encerrar a discussão sobre os efeitos das críticas stalinistas a Vigotski utilizando a obra de seu antigo discípulo. Meu empenho em concretizar essa análise nasceu do compromisso na busca de uma psicologia vigotskiana latino-americana, embebida em uma ética socialista, disposta a servir à criação de novas sínteses teóricas implicadas na emancipação integral das nossas populações oprimidas.

Em Busca de um Marxismo “Puro e Genuíno”

Ao incentivar a competição pelo “genuíno marxismo”, o raciocínio monolítico de Stálin e seus burocratas seguia uma lógica de divisão-e-conquista, acompanhando as atividades dos diferentes grupos dentro da psicologia - quase todos em busca de viabilizar-se como portadores da “verdadeira” psicologia marxista - para então decidir em favor de um deles (ver Yasnitsky & Ferrari, 2008bYasnitsky, A., & Ferrari, M. (2008b). Rethinking the early history of post-Vygotskian psychology: The case of the Kharkov school. History of Psychology,11(2), 101-121. doi: 10.1037/1093-4510.11.2.101
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, p. 114). Isso era corriqueiro na produção científica no stalinismo (1929-1953), como percebemos em Krementsov (1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.).

Uma das feições mais autoritárias do autoritarismo stalinista consistiu na promoção de doutrinas oficiais em todos os campos da cultura, nos quais “o que não se enquadra [...] é expelido em nome da ‘pureza’” (Netto, 1982Netto, J. P. (1982). Introdução. In J. V. Stálin, Stálin: Política (pp. 9-36). São Paulo: Ática., p. 31). Para Bauer (1952Bauer, R. A. (1952). The new man in soviet psychology. Boston: Harvard University Press. , p. 128) a publicação da segunda edição dos “Fundamentos de Psicologia Geral” por Rubinshtein em 1940, agraciado com o Prêmio Stálin em 1942, marcou a definição da nova linha teórica que evoluiu do decreto de 1936. Joravsky (1989Joravsky, D. (1989). Russian psychology: A critical history. New Jersey: Blackwell. , p. 372) sustenta que, durante os anos 1930 e 1940, Rubinshtein era quem mais se adequava à linha correta para a psicologia - o que lhe valeu a pecha de stalinista, em alguma medida graças à antipatia dos ex-pupilos de Vigotski e à autoimagem deles como de legítimos herdeiros da liderança da psicologia soviética. O artigo publicado por ele em 1934 (ver Rubinštejn, 1987Rubinštejn, S. L. (1987). Problems of psychology in the works of Karl Marx. Studies in Soviet Thought, 33(2), 111-130 (Original de 1934) doi: 10.1007/BF01151778
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) foi um divisor de águas que marcou a promoção da categoria atividade ao plano central da ciência psicológica, como reconhece o próprio A.N. Leontiev (1978aLeontiev, A. (1978a). Actividad, consciencia y personalidad. Buenos Aires: Ciencias del Hombre., bLeontiev, A. N. (1978b). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário. ).

A data de elaboração de Leontiev (193?/2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ) não pôde ser estabelecida com segurança. Leontiev, Leontiev & Sokolova (2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ) indicam-no como tendo sido escrito aproximadamente em 1937; Yasnitsky (2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.), em algum momento entre 1936-7. Se escrito em 1936, ele sucederia o Decreto contra a pedologia, mas antecederia a campanha oficial de crítica a Vigotski.

Possivelmente, o texto serviu como base para uma apresentação oral de Leontiev. Segundo YasnitskyYasnitsky, A., & Ferrari, M. (2008a). From Vygotsky to Vygotskian psychology: Introduction to the history of the Kharkov school.Journal of the History of the Behavioral Sciences,44(2), 119-145. doi: 10.1002/jhbs.20303.
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, foi encontrado nos arquivos do Instituto de Psicologia (de Moscou), não tendo sido arrolado por A.N. Leontiev em sua própria bibliografia (ver Leontiev et al., 2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ). Sua autoria, contudo, foi reconhecida e comentada pela família do autor.

Dadas as circunstâncias que cercaram a redação do texto, penso que muitos leitores podem se sentir compelidos a descartá-lo como cumprimento de um ritual político, destituído de valor teórico. Entretanto, no que se refere ao autoritarismo soviético, parece-nos ter se tornado óbvia a esterilidade dessa linha de interpretação histórica (ver Toassa, 2016Toassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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), tanto mais que o texto não é vazio de ressonâncias na obra de Leontiev. Nele, diferenças importantes com relação a Vigotski se expõem com particular clareza.

Não obstante, a crítica de A.N. mostra traços do chamado discurso doublespeak identificado por Yasnitsky (2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.) em materiais da mesma época: discurso com a inversão proposital das afirmações do criticado, visando agradar à censura ao mesmo tempo em que faziam compreender suas reais ideias a uma plateia de iniciados. Ciente deste aspecto, deixarei em segundo plano os erros conceituais presentes em Leontiev (193?/2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. c) ao comentar Vigotski.

A Pedologia e sua Extinção

O significado do termo “pedologia” vem se tornando cada vez mais familiar no Brasil (ver Vigotski, 2010Vigotski, L.S. (2010). Quarta aula: A questão do meio na pedologia.Psicologia USP,21(4), 681-701. (Original de 1935), e textos de comentário no “Dossiê Vigotski” publicado nesse mesmo volume da Psicologia USP), embora seja nula a discussão sobre as relações de Leontiev com essa ciência ou sua eliminação. Vigotski (segundo van der Veer & Valsiner, 2001) enxergava na pedologia uma síntese das várias disciplinas de estudo da criança - unificando o estudo da educação e desenvolvimento infantil, enquanto as patologias e a educação especial ficavam sob encargo da defectologia. Vigotski era um dos seus principais pedólogos, junto de Basov, Blonsky e Nechayev.

Quando se publicou o Decreto “Sobre as deturpações pedológicas no sistema dos Narcompros” no jornal Pravda em 4 de julho de 1936, muitos dos ex-colaboradores de Vigotski (não Leontiev) continuavam na prática pedológica (ver Toassa, 2016bToassa, G. (2016b). Nem tudo que reluz é Marx: Críticas stalinistas a Vigotski no âmbito da ciência soviética. Psicologia USP, 27(3), 553-563. https://doi.org/10.1590/0103-656420140138
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). Resumindo-se a quatro páginas, o Decreto compõe-se por um preâmbulo com algumas considerações de crítica à pedologia, concluindo que

Os métodos dos pedólogos tinham por objetivo provar, do ponto de vista “científico” e “biossocial” da pedologia contemporânea, a condicionalidade hereditária e social do mau aproveitamento do estudante ou de alguns defeitos em seu comportamento, como também, encontrar o máximo de influências negativas e de transtornos patológicos no próprio estudante, sua família, parentes, antecedentes e meio social e, com isso, encontrar motivos para a expulsão de estudantes do coletivo escolar normal. (Comitê Central do PCR(b), 1936/2011Comitê Central do Partido Comunista da Rússia (PCRb). (2011). Sobre as deturpações pedológicas no sistema dos Narcompros. Decreto de 4 de julho de 1936. In Z. R. Prestes (Ed.), Quando não é a mesma coisa: Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: Repercussões no campo educacional (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil., p.206)

Esse preâmbulo complementa-se por oito disposições obrigatórias que decidem, entre outras medidas, pelo fim da presença dos pedólogos nas escolas e confisco dos livros de pedologia. Em linguagem bolchevizante, própria dos anos 1930, acusa as escolas especiais de serem responsáveis por maus hábitos e inclinações das crianças nelas matriculadas, transformando-as em crianças “dificilmente corrigíveis” (Comitê Central do PCR(b), 1936/2011Comitê Central do Partido Comunista da Rússia (PCRb). (2011). Sobre as deturpações pedológicas no sistema dos Narcompros. Decreto de 4 de julho de 1936. In Z. R. Prestes (Ed.), Quando não é a mesma coisa: Análise de traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: Repercussões no campo educacional (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil., p.207).

Promulgado no primeiro ano do período de Grandes Expurgos stalinianos (1936-1939), compôs uma atmosfera de pânico e confusão. Seguindo Ellenstein, Netto (1982Netto, J. P. (1982). Introdução. In J. V. Stálin, Stálin: Política (pp. 9-36). São Paulo: Ática.) observa que toda a velha guarda do Partido foi eliminada. Calcula-se que a polícia política tenha prendido “mais de 5 milhões de pessoas e executado a décima parte desse total” (Netto, 1982Netto, J. P. (1982). Introdução. In J. V. Stálin, Stálin: Política (pp. 9-36). São Paulo: Ática., p. 18). Desencadeava-se (mais) um movimento de radical reconfiguração institucional que encorajava o oportunismo dos grupos de cientistas-burocratas vinculados ao Partido (Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.), bem como exemplos comoventes de auxílio mútuo entre os cientistas, residentes ou não na União Soviética (caso de Leon Orbeli, Nikolai Vavilov, ou Theodosius Dobzhansky, segundo Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.). Foi um período de crescimento das críticas destinadas à condenação de cientistas rivais, com a busca por postos de trabalho às custas da demissão, prisão ou mesmo morte destes, por vezes irremediável, mesmo após a autocrítica e apelo dos atacados aos decision-makers do Partido. A essa altura, já ocorria o primeiro momento de perseguição cerrada dos geneticistas por Lyssenko e seu asseclas, culminando com o encarceramento (e posterior morte na prisão) do renomado Nikolai Vavilov, sob a acusação de traição (Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press., pp. 78-79).

E Leontiev? O que Fazia entre 1936-7?

Uma campanha pública pela crítica a Vigotski iniciou-se com a impressão, em milhares de cópias, do infame panfleto de Rudneva (1937/2005Stetsenko, A. P. (1995). The role of the principle of object-relatedness in the theory of activity.Journal of Russian and East European Psychology,33(6), 54-69.) cujo teor analisei anteriormente (Toassa, 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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).

A situação laboral de Leontiev entre 1936 e 1937 é difícil de determinar. Localizei três versões: a primeira, de Golder (2004Golder, M. (2004). Leontiev e a psicologia histórico-cultural: Um homem em seu tempo. São Paulo: Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica/Xamã. ), relata que A.N. teria se tornado professor de psicologia da Universidade de Moscou em 1936, simultaneamente compartilhando com Elkonin a cátedra de psicologia no Instituto Pedagógico de Leningrado. Entretanto, este último relatou a Vygodskaya (Vygodskaya & Lifanova, 1999Vygodskaya, G. L., & Lifanova, T. M. (1999). Through a daughter´s eyes (Cont.). Journal of Russian and East European Psychology, 37(5), 3-27. ) ter sido demitido após o Decreto contra a pedologia, enfrentando o desemprego durante alguns anos por ter se recusado a autocriticar-se, defendendo, assim, o legado vigotskiano.

Uma segunda versão é a da família Leontiev (Leontiev et al., 2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. , p. 18) que menciona o fechamento do Alto Instituto Comunista de Educação (VKIP) em Moscou (1937), onde ele pesquisava. Alexis Nikolaievitch relatou a transferência do laboratório para o Instituto de Métodos de Ensino (A.A. Leontiev, 2005Leontiev, A. A. (2005). The Life and Creative Path of A.N. Leontiev. Journal of Russian and East European Psychology, 43(3), 8-69. doi: 10.1080/10610405.2005.11059249
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), havendo ainda algum registro de vínculo em sua folha de serviço. Admitindo que ele não foi pessoalmente atacado, informam: A.N. teria estado sem trabalho até o outono de 1937, quando K.N. Kornilov voltou ao posto de diretor do antigo Instituto de Psicologia, contratando-o para pesquisa em temas estritamente aplicados (Leontiev et al., 2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ). Ao mesmo tempo, ele começou a dar palestras e a estudar a percepção artística no Instituto de Cinematografia de Toda a União e no Instituto Estadual de Arte Teatral (A.A. Leontiev, 2005Leontiev, A. A. (2005). The Life and Creative Path of A.N. Leontiev. Journal of Russian and East European Psychology, 43(3), 8-69. doi: 10.1080/10610405.2005.11059249
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). Mesmo ao procurar explicar a crítica a Vigotski como necessidade de sobrevivência, a família acaba por afirmar que Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) apresenta “discrepâncias já estabelecidas teoricamente entre Vigotski e o grupo de Kharkov” (Leontiev et al., 2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. , p. 19), fato que confirmamos no anterior artigo dessa série (Toassa, 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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).

A terceira versão, de Yasnitsky (2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.) observa, a partir de registros arquivísticos, que Leontiev continuou viajando ocasionalmente para Kharkov, sendo formalmente empregado pelo Instituto de Psiconeurologia até dezembro de 1936, e pelo Instituto Pedagógico Estadual de Kharkov até dezembro de 1937. Na segunda metade dos anos 1930, ele teria começado a comutar entre Kharkov, Moscou e Leningrado, completando sua tese de doutorado em 1939, defendida nesta última cidade em 1940 (Yasnitsky & Ferrari, 2008bYasnitsky, A. (2012). Revisionist revolution in Vygotskian science: Toward Cultural-Historical Gestalt Psychology.Journal of Russian and East European Psychology,50(4), 3-15. doi: 10.2753/RPO1061-0405500400
https://doi.org/10.2753/RPO1061-04055004...
). Yasnitsky (2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.) dá como certa a inclusão de Leontiev nos quadros do Instituto Pedagógico Herzen apenas em 1939.

Se as informações de Yasnitsky e Golder não parecem incompatíveis - já que era comum a manutenção de vários postos de trabalho simultâneos - as de Leontiev, Leontiev e Sokolova (2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ) divergem das demais ao afirmar que Leontiev estava sem trabalho em parte do ano de 1937. Teriam sido apenas formais os registros de vínculo institucionais que ele manteve?

Temos, portanto, apenas ideias vagas sobre o impacto da conjuntura política mais geral nas determinações institucionais particulares nas quais se deu a redação de sua crítica a Vigotski. Entretanto, especialmente após a publicação da crítica de Rudneva (1937, que cita Leontiev entre os ex-discípulos) e a discussão pública de condenação a Vigotski, sua situação laboral pode ter ficado mais difícil. Sanções graves - como ameaça de prisão, trabalhos forçados ou morte - parecem improváveis, pois se aplicavam aos cientistas com fartas conexões estrangeiras (caso de N. Vavilov), trotskistas em geral, indivíduos filiados ao Partido, ou pessoas que, como o poeta Ossip Mandelshtam, fizessem aberta crítica a Stálin (Fraser & Yasnitsky, 2015Fraser, J., & Yasnitsky, A. (2015). Deconstructing Vygotsky’s victimization narrative: A re-examination of the “Stalinist suppression”of Vygotskian theory. History of the Human Sciences, 28(2), 128-153.; Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.).

Embora não saibamos qual era a exata situação laboral de Leontiev entre 1936-7, Yasnitsky (2009Yasnitsky, A. (2009) Vygotsky Circle during the decade of 1931-1941: Toward an integrative science of mind, brain, and education (Tese de doutorado). University of Toronto, Toronto, Canada.) comenta que, em 1939, Leontiev e Luria receberam postos de chefia em instituições de pesquisa e educação de Moscou. Esse informe não contradiz o dos demais biógrafos. Para Yasnitsky, nesse ano, eles já teriam estabelecido novas conexões no interior do Partido, sem as quais era impossível prosperar na ciência.

As Políticas Soviéticas Criticam o Determinismo “Ambiental”

A discussão sobre o ambiente e a maneira pela qual o socialismo o reconfigurava era tão delicada naquele ponto que a visão dos pedólogos sobre a interação hereditariedade X ambiente foi objeto de crítica no próprio Decreto “Sobre as deturpações pedológicas no sistema dos Narcompros”. Como vemos a seguir:

O CC do PCR(b) considera que a teoria e a prática da assim denominada pedologia baseiam-se em postulados cientificamente falsos e antimarxistas. A esses postulados está relacionada, antes de qualquer coisa, a principal “lei” da pedologia contemporânea - a “lei” de condicionalidade fatalística dos destinos das crianças pelos fatores biológicos e sociais, pela influência da hereditariedade e da imutabilidade do meio em que vivem. Essa “lei” profundamente reacionária encontra-se numa contradição gritante com o marxismo e com toda a prática da construção socialista, que com êxito reeducou as pessoas no espirito do socialismo e liquidou as ideias pré-concebidas do capitalismo na economia e na consciência das pessoas. (Comitê Central do PCR(b), 2010, pp. 207-208, grifo nosso)

Repercutindo o texto do Decreto, Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) reproduz a crítica à ideia de determinismo fatalista ao começar sua crítica a Vigotski (no contexto maior de crítica à pedologia). Entre diversos outros aspectos, o Decreto contra a pedologia foi a ponta do iceberg que sinalizou nova conjuntura: o darwinismo - e, no interior dele, a controvérsia genética X ambiente - já não era questão científica, mas sim política.

O processo de simplificação e transformação das ideias darwinianas em parte da ideologia oficial do Estado sob encargo dos filósofos do Partido levou ao abandono da busca pela viva significação de Darwin no âmbito do marxismo dos anos 1920 (ver Joravsky, 1961Joravsky, D. (1961). Soviet Marxism and Natural Science: 1917-1932. Abingdon: Routledge. ). Esse monopólio possibilitou que o “Darwin” stalinista se fantasiasse de Lamarck: de acordo com Krementsov (1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.), anotações de Stálin datadas de 1906 já demonstravam simpatia pelo lamarckismo (ver também Joravsky, 1959).

É oportuno lembrarmo-nos que o próprio Engels teve ideias lamarckistas. Stálin apenas foi responsável pela seleção de seus aspectos mais engessados e simplificados, infiéis ao próprio Lamarck.

Décadas após as polêmicas soviéticas, Levins e Lewontin (1985Levins, R., & Lewontin, R. (1985).The dialectical biologist. Harvard University Press.), biólogos marxistas, fizeram a crítica ao “Papel do Trabalho na Transição do Antropóide ao Homem” (rascunho de Engels, 1876). Para eles, Engels enfatizou a atividade do organismo em relação com seus efeitos no ambiente, mas adotando uma visão lamarckista de herança direta de caracteres adquiridos. Os autores argumentam pela necessária substituição daquela causalidade direta pela ação da seleção natural, sendo imprescindível enfatizar a interação recíproca homem-natureza ao invés dos deslizes lamarckistas de Engels. Minha pesquisa em Stálin (1938/1976Stalin, J. (1976). Dialectical and historical materialism. In Problems of Leninism(pp. 835-873). Pequim: Foreign Languages Press.) mostra o ditador fazendo o contrário: cita Engels, mas sacrificando a interação em benefício de uma dialética puramente “progressista”.

Em meio à revolução cultural de 1923-30, a pedologia soviética de fato acreditava que o ambiente poderia mudar a biologia de uma pessoa (Minkova, 2012Minkova, E. (2012). Pedology as a complex science devoted to the study of children in russia: The history of its origin and elimination.Psychological Thought, 5(2), 83-98., p. 90). Isso persistiu até a eliminação da pedologia e além, alcançando seu pico com a trágica michurinização da biologia soviética por Lyssenko e seu grupo, entre 1948 e 1958 (Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press.).

A crítica ao “fatalismo” biológico e social tinha como pano-de-fundo tanto as discussões sobre as desvantagens sociais do educando de classe proletária, quanto o crescente mal-estar acerca do determinismo biológico pregado pela eugenia, banida da URSS em 1930 (Krementsov, 2011Krementsov, N. (2011). From ‘Beastly Philosophy’to Medical Genetics: Eugenics in Russia and the Soviet Union.Annals of Science,68(1), 61-92., p. 62). Mais e mais, os eugenistas eram associados ao racismo do Estado nazista conforme crescia a ameaça da Segunda Guerra Mundial, que começou efetivamente para a Rússia com o ataque alemão em 22 de junho de 1941 (Deutscher, 1970Deutscher, I. (1970). Stálin: A história de uma tirania (Vol. 2). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. ). De fato, o draconiano Código Civil, a Lei Antiaborto e a Constituição de Stálin, todos de 1936, despejaram sobre os próprios indivíduos e grupos sociais (particularmente, famílias) a responsabilidade pela colaboração com a construção do socialismo. Com esse estranho individualismo, afastava-se dos “determinismos fatalistas” da biologia ou sociedade, balizando uma vigilância social própria de regimes autoritários.

Minimizando o valor das comparações fundadas em dados empíricos sobre a vida da criança entre os momentos (ou ambientes) pré e pós-revolucionário (então, impopulares junto ao Partido), em seu “Study of the Environment...”, Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?), p. 9) desqualifica um esquema investigativo dos mais interessantes, desenhado pela ex-Academia de Educação Comunista (na qual ele trabalhara até 1931). Segundo ele, o esquema previa questões sobre a economia do distrito onde vivia a criança, as empresas da reconstrução socialista, as características educacionais dos trabalhadores de certo distrito, bem como da própria escola e suas perspectivas de futuro, dispondo, pois, a criança em um ambiente representado por uma teia de relações econômicas, institucionais, culturais e políticas. Em minha leitura, tal esquema parece se afinar com a construção do socialismo a partir das bases populares/comunitárias, pelo qual Stálin e sua facção não tinham o menor interesse. No Decreto, o Comitê Central também antecipa a declaração de Stálin no 18º Congresso do PCUS, em 1939 (Krementsov, 1997Krementsov, N. (1997). Stalinist science. Princeton, NJ: Princeton University Press., p. 64) anunciando que a base do socialismo havia sido, finalmente, atingida: assim também podemos constatar na citação que abriu o presente tópico.

Um Contraste com o Materialismo Psicológico Vigotskiano

Alguns autores identificam - acertadamente - mecanicismo e objetivismo em Leontiev, embora a partir de pontos-de-vista distintos (sobre o tema do sentido pessoal, ver González-Rey, 2007González-Rey, F. (2007). As categorias de sentido, sentido pessoal e sentido subjetivo: Sua evolução e diferenciação na teoria histórico-cultural.Psicologia da Educação, 24, 155-179.). Em minha análise, ao debater o tema da natureza da consciência e sua relação com a realidade material, Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) estabelece uma constante em sua obra: a confusão entre os problemas ontológico e epistemológico, configurando um retrocesso ao dualismo matéria-consciência (mente, espírito, psique) se comparado a Vigotski. Isto se desdobra em um “escalonamento”, ou hierarquização, de conceitos - a realização de cisões conceituais entre matéria e consciência com talhe mecanicista e objetivista que exercem impactos estruturais em sua teoria.

Conforme elucidei em outros trabalhos dedicados à análise do materialismo psicológico presente no “Significado Histórico da Crise na Psicologia” de Vigotski (Toassa, 2015aToassa, G. (2015a). Há um Materialismo Vygotskyano? Preocupações ontológicas e epistemológicas para uma psicologia marxista contemporânea (Parte I). Dubna Psychological Journal, 1, 58-68., bToassa, G. (2015b). Há um Materialismo Vygotskyano? Preocupações ontológicas e epistemológicas para uma psicologia marxista contemporânea (Parte II). Dubna Psychological Journal, 3, 66-80., 2017Toassa, G. (2017). Criando uma psicologia materialista - Fontes e influência de Espinosa nos trabalhos de Vigotski. In A. A. S. de Oliveira (Ed.), Psicologia sócio-histórica e o contexto de desigualdade psicossocial: teorias, método e pesquisas (pp. 13-26). Maceió, AL: EDUFAL.), o naturalismo marxista deste último assemelha-se ao monismo espinosista, para o qual realidade, natureza e substância são o mesmo, identificando-se os conceitos de realismo, naturalismo e materialismo (Vygotsky, 1991Vygotski, L.S. (1991) El significado histórico de la crisis de la psicología. Una investigación metodológica. In Obras escogidas (Vol. 1, pp. 259-407). Madrid: Visor.). Para o autor, o materialismo se ocupa de tudo o que existe, abrangendo, também, a vida consciente - grosso modo, a consciência de si, dos demais sujeitos e do mundo físico elaborada nos umbrais das sensações e da seleção de extratos das sensações na forma de um fluxo mental. Em genial (embora não-ortodoxa) interpretação de Lênin, ele notava na psicologia a confusão entre o tratamento da consciência como problema

  1. Ontológico: real e natural como relação entre dois processos objetivos, baseados em uma interconexão matéria/energia efetivada entre corpo e cérebro, partes e produtos da Natureza;

  2. Epistemológico: matéria é o que existe independentemente da consciência e é refletida por ela, incluindo o próprio pensamento, bem como processos que ocorrem no corpo.

Uma das consequências dessa distinção defendida por Vigotski está em acolher a consciência (empírica, a “Consciência-eu”, ou a “mente”) como objeto de estudo real em sua ontologia, abordando o estudo da consciência pela própria consciência a partir de uma posição epistemológica subjetiva. Mas também a objetividade desse estudo é possível, se estudarmos os produtos objetivados da consciência. Vigotski diagnostica parte da crise dualista da psicologia como decorrente da confusão entre os dois problemas; raiz do erro de se considerar o subjetivo como não-material, desqualificando a consciência como genuíno objeto científico - e a psicologia, como ciência possível.

Não sei se Leontiev conhecia Vigotski (1927/1991Vygotski, L.S. (1991) El significado histórico de la crisis de la psicología. Una investigación metodológica. In Obras escogidas (Vol. 1, pp. 259-407). Madrid: Visor.) ao redigir seu texto de crítica, mas a confusão criticada nesse soberbo texto vigotskiano apresenta-se na escrita tanto do “Study of the Environment...” (Leontiev, 193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) quanto da primeira parte do “Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo” (1940/1978cLeontiev, A. N. (1978c). O desenvolvimento do psiquismo animal. In O desenvolvimento do psiquismo (pp. 19-68). Lisboa: Horizonte Universitário . (Original de 1940)). Aí se desidratou a possibilidade de abordagem epistemológica da consciência a partir de suas especificidades ontológicas por meio de cisão entre a consciência (mente, espírito) e matéria. A adoção da atividade - e não consciência ou personalidade - como objeto da psicologia é uma consequência dessa inflexão abstratamente objetivista feita por Leontiev (Toassa, 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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).

Ao acusar Vigotski de não promover solução adequada para a relação sujeito-objeto, cindindo-a, Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) cobra a solução de um problema que ele mesmo criou com seu retrocesso na direção ao dualismo. É o que pode ser observado quando ele aponta em Vigotski uma falha da pedologia:

Esse erro é, por um lado, uma falha em entender que algo tomado em abstrato não é um objeto da ciência, que “de corpos removidos do movimento, removidos de qualquer relação com outros, nada pode ser afirmado” (F. Engels [...]), que as propriedades das coisas são descobertas apenas através de suas interrelações essenciais [...] desde o início, a pedologia, do ponto de partida de suas investigações, retirou a verdadeira unidade: a unidade de sujeito e objeto, a personalidade de uma pessoa e sua realidade humana. Através de abstração, a criança foi removida do processo real da vida, da interação que é real existência dela. (Leontiev, 193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?), pp. 10-11)

Leontiev et al. (2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ) acertam ao observar que a crítica de A.N. apresenta ideias já bem estabelecidas pelo grupo de Kharkov. Toassa (2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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) descreve que Vigotski era criticado ao responder que atrás da consciência está a “vida”, ou seja, os afetos. Em oposição a isso, A.N. e os kharkovitas desejavam, por trás da consciência, dispor a “atividade” - como representante direto da materialidade. Não identifiquei ideia semelhante entre os críticos stalinistas de Vigotski, embora a demanda deles para uma crítica “materialista” deste último fosse conhecida por Leontiev.

Na perspectiva da marxista Anna Stetsenko (1995Stetsenko, A. P. (1995). The role of the principle of object-relatedness in the theory of activity.Journal of Russian and East European Psychology,33(6), 54-69.), o estudo da conexão entre “consciência” e “atividade” por Leontiev manteve a crença na existência de duas realidades diferentes, que interpreto como elaboração de uma análise “mecânica” mais que “dialética”:

Isso é o que atualmente aconteceu: a unidade da consciência e atividade começou a ser considerada como unidade de diferentes entidades no sentido de unidade de origem e estrutura, e mesmo uma unidade na interdependência, mas não como unidade genuína, uma “unidade na diferença”. (Stetsenko, 1995Stetsenko, A. P. (1995). The role of the principle of object-relatedness in the theory of activity.Journal of Russian and East European Psychology,33(6), 54-69., pp. 62-63)

Enfatizando a importância das relações materiais, obrigatória após a Grande Quebra, Leontiev caminhou ao encontro do dualismo ontológico entre matéria e consciência, ou antes, entre atividade e consciência. Isso traz consequências epistemológicas - pois a noção de prioridade ontológica da atividade prática com relação à consciência “trava” a construção de seu entendimento sobre a multiplicidade das vivências e sua necessária imbricação em todo e qualquer fazer humano, à moda vigotskiana. Com isso, a noção de atividade adquiriu um papel teórico impreciso, servindo tanto à descrição quanto à explicação da realidade (Lazarev, 2004Lazarev, V. S. (2004). The crisis of" the activity approach" in psychology and possible ways to overcome it.Journal of Russian and East European Psychology,42(3), 35-58; Zinchenko, 2004Zinchenko, V. P. (2004). The Psychological Theory of Activity: "Remembrances of the Future". Journal of Russian and East European Psychology, 42(2), 30-68.), defeito que lhe é constitutivo, criando um pensamento circular, bastante deficitário enquanto teoria psicológica dialética. Ao invés de espirais, Leontiev descreve círculos.

O Escalonamento Conceitual e a Cisão entre Matéria e Consciência

O que denomino como “escalonamento de conceitos” é um desdobramento do dualismo de Leontiev: um ato de hierarquização teórica que promove, invariavelmente, as “relações materiais” entre sujeitos e coisas, bem como a atividade objetal, ao “primeiro lugar” da vida psíquica, ao plano causal do desenvolvimento do reflexo (bem como da consciência/personalidade). Danifica-se seriamente a compreensão da unidade mente-corpo e sua multideterminidade, conquanto também - em contradição discursiva própria do ideário stalinista - afirme-se a unidade entre pensamento e atividade.

Modelo de “escalonamento conceitual” para toda a sociedade, os trabalhos de Stálin disseminavam-se na ciência soviética com força de lei, em um estilo repetitivo marcado por uma afirmação não-dialética da primazia do material sobre o espiritual:

[...] o laço entre ciência e atividade prática, entre teoria e prática, sua unidade, deveria ser a estrela-guia do partido do proletariado.

Mais além, se a natureza, ou seja, o mundo material, é primária, e a consciência, o pensamento, é secundário, derivado; se o mundo material representa a realidade objetiva existindo independentemente da consciência dos homens, enquanto a consciência é um reflexo desta realidade objetiva, segue-se que a vida material da sociedade, seu ser, também é primário, e sua vida espiritual secundária, derivada. [...]

Portanto, a fonte da formação da vida espiritual da sociedade, a origem das ideias sociais, teorias sociais, perspectivas políticas e instituições políticas, não deve ser procurada nas ideias, teorias, perspectivas e instituições políticas por si mesmas, mas nas condições da vida material da sociedade, no ser social, do qual estas ideias, teorias, perspectivas, etc., são o reflexo. (Stálin, 1938/1976Stalin, J. (1976). Dialectical and historical materialism. In Problems of Leninism(pp. 835-873). Pequim: Foreign Languages Press., p. 849)

A força e vitalidade do marxismo-leninismo está no fato de que baseia sua atividade prática nas necessidades do desenvolvimento da atividade material da sociedade e nunca se divorcia da vida real da sociedade. (Stálin, 1938/1976Stalin, J. (1976). Dialectical and historical materialism. In Problems of Leninism(pp. 835-873). Pequim: Foreign Languages Press., p. 851)

Martelando-se a primazia da produção material “em última instância” ela torna-se praticamente a “única instância”, mercê do produtivismo soviético e do sufocamento da produção intelectual que nele se produziu. Esse escalonamento, embebido nas ardilosas práticas discursivas da época, pode se revelar extremamente confuso para o leitor latino-americano. Embora mantendo diversas palavras do vocabulário de Vigotski - muitas delas, comum à psicologia em língua russa na época - Leontiev constrói uma estrutura teórica que, por vezes, esvazia inteiramente o potencial descritivo e explicativo que elas haviam tido no quadro do materialismo psicológico de seu antigo líder.

É o caso dos conceitos de vivência e de significado, os quais ele considera terem sido introduzidos na psicologia soviética por Vigotski. Finalizando o “Study of the Environment”:

Esses conceitos devem ser introduzidos na psicologia, mas eles devem ser introduzidos de um modo absolutamente diferente do modo como fez Vigotski. Cada proposição concreta, cada fato sobre o qual se baseia, deve ser primeiro criticamente refinada e interpretada sob o ponto de vista de uma teoria psicológica materialista. (Leontiev, 193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?), p. 27)

Ao tratar da aplicação das palavras faladas a novos objetos, Leontiev (193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)) observa que o uso dela resultará da interação de dois fatores: (1) a relação real da criança com as coisas; (2) o significado, fenômeno puramente linguístico do movimento da palavra através de uma série de coisas/objetos. Em mais um ato de escalonamento conceitual, ele afirma: “o que é mais importante nesta interação é, é claro, o primeiro fato. Este é um princípio indisputável da psicologia que pode ser definitivamente provado experimentalmente” (p. 24).

Em notas pessoais datadas de 1934, o hábito de cindir “material e espiritual” de Leontiev é criticado pelo próprio Vigotski. Assim interpreto a partir das seguintes considerações de Vigotski, que, segundo Zavershneva, teria criticado o pensamento de Leontiev sustentando uma leitura monista da relação entre atividade (prática) e pensamento:

o papel do pensa[mento] na atividade consiste em introduzir novas possibilidades dinâm[icas] para a atividade. Dizer que o pensamento está prejudicado equivale a dizer que processos dinâm[icos] sutis e complexos na atividade estão danificados. (Vigotski, citado por Zavershneva, 2010Zavershneva, E. I. (2010). The Vygotsky family archive: New findings.Journal of Russian and East European Psychology,48(1), 34-60., p. 83)

Stálin ocupava-se em garantir a divisão social do trabalho em atividade prática e intelectual, contribuindo para a construção de uma ideologia de unidade entre trabalhadores de ambas as esferas na intenção de promover a dificílima cooperação de ambos com as duras metas dos Planos Quinquenais, iniciados em 1929. Entretanto, a paixão pelo taylorismo e a “revolução pelo alto” na indústria e agropecuária que marcaram esses tempos contribuíram para a constituição de um materialismo rudimentar, caracterizado pela primazia objetivista e autoritária da atividade prática.

Essas são razões tanto para as cisões conceituais (e o objetivismo/mecanicismo que nelas se percebem) quanto para a sinuosidade discursiva do pobre Leontiev, que ele próprio admitia (Toassa, 2016aToassa, G. (2016a). “Atrás da consciência, está a vida”: O afastamento teórico Leontiev-Vigotski na dinâmica dos círculos vigotskianos. Educação & Sociedade, 37(135), 445-462. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302016144457
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). Em minha interpretação, ao buscar defender-se de futuras sanções vindas de mudanças bruscas da política, não foi raro o autor resvalar na vacuidade e autocontradição (traços também percebidos por Stetsenko, 1995Stetsenko, A. P. (1995). The role of the principle of object-relatedness in the theory of activity.Journal of Russian and East European Psychology,33(6), 54-69.). Analisemos trechos da primeira parte do “Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo” (datada de 1940 por Zaporozhets, 1981Zaporozhets, A. V. (1981). Notas [Primetchania]. In A.N. Leontiev. Problemi Razvitia Psikhiki (4 ed. pp. 558-564). Moscou: Editora da Universidade de Moscou.) - e que cotejei com o original russo, sem notar diferenças de sentido:

Vemos assim que o desenvolvimento do psiquismo é determinado pela necessidade para os animais de se adaptarem ao meio e que o reflexo psíquico é função dos órgãos correspondentes formados no decurso da adaptação. (Leontiev, 1940/1978cLeontiev, A. N. (1978c). O desenvolvimento do psiquismo animal. In O desenvolvimento do psiquismo (pp. 19-68). Lisboa: Horizonte Universitário . (Original de 1940), p. 59)

Em resposta à transformação das condições de existência, a actividade animal muda a sua estrutura, ou por outras palavras, a sua “anatomia”. [...]

Assim, o desenvolvimento das formas do reflexo psíquico parece colocado um grau abaixo em relação à estrutura da actividade do animal, de modo que jamais há correspondência entre eles. (Leontiev, 1940/1978cLeontiev, A. N. (1978c). O desenvolvimento do psiquismo animal. In O desenvolvimento do psiquismo (pp. 19-68). Lisboa: Horizonte Universitário . (Original de 1940), p. 60, grifos nossos)

Que os leitores imaginem como o reflexo psíquico pode ser função dos órgãos que lhe correspondem sem sê-lo da atividade que eles realizam. Essas afirmações prestam-se à defesa do poder absoluto das condições de existência (novamente, bem ao gosto do stalinismo) em certo objetivismo que não dá o devido espaço à importante noção engelsiana de interação. Nesse lamarckismo praticado por Leontiev, as condições de existência modificam a atividade, e essa, por sua vez, a anatomia animal. Como já afirmei, as interrelações que ocorrem no mundo natural (mercê do legado de Engels para a ciência soviética) não aparecem como um efetivo materialismo monista focado na unidade consciência-atividade na evolução da vida e mudanças da cultura.

As ideias do trecho transcrito apresentam-se semelhantes ao artigo Psikhika, escrito por Leontiev para a “Grande Enciclopédia Soviética”. Ali, também se apresenta a noção de “falta de correspondência entre reflexo e condições materiais” a partir de uma grosseira distinção entre forma e conteúdo, também presente ao longo de toda a primeira parte do “Ensaio sobre o desenvolvimento do psiquismo”. Vejamos sua provável fonte em texto do mesmo ano:

E na vida, primeiro começou a mudança das condições externas, materiais, e então do pensamento das pessoas, sua visão-de-mundo... de uma forma ou de outra, por causa de seu conteúdo, mas nunca corresponde totalmente a este conteúdo e, portanto, muitas vezes um novo conteúdo é temporariamente "forçado" a entrar na velha forma, e isso causa um conflito entre eles. (Stálin, no livro: Beria L., Sobre a História das organizações bolcheviques no Cáucaso, citado por Leontiev, 1940Leontiev, A. N. (1940). Psique [Psikhika]. In O. Y. Schmidt (Ed.), Bol'shaya sovetskaya entsiklopediya (Vol. 47, pp. 497-501). Moscow: Sovetskaya.entsiklopediya., grifo nosso)

Leontiev também considera que a personalidade era estudada como veículo de um conjunto de propriedades internas e instintos. Ao observar que a relação do sujeito com o objeto do ambiente passa pela atividade (de seu conteúdo e nível de desenvolvimento em certa estrutura social), ele desconstrói a noção vigotskiana de que a vivência representa a própria unidade da consciência/personalidade dotada de dois pólos, sujeito e objeto, na qual se dá a ontogênese (o desenvolvimento infantil) por meio da existência de outros sujeitos: “na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das particularidades da personalidade e das particularidades da situação representada na vivência” (Vigotski, 1935/2010Vigotski, L.S. (2010). Quarta aula: A questão do meio na pedologia.Psicologia USP,21(4), 681-701. (Original de 1935), p. 686, grifo no original).

A simultaneidade monista assinalada por Vigotski é cindida por Leontiev, o qual atribui precedência ao surgimento da produção sociomaterial mediada por pessoas com relação à linguagem e a capacidade de vivenciar o mundo. Em contraponto a isso, está perfeitamente claro que a pedologia de Vigotski considerava que vivenciamos o mundo desde o nascimento (Toassa, 2011Toassa, G. (2011) Emoções e vivências em Vigotski. Campinas, SP: Papirus.). Mas Leontiev defende que a criança começaria seu desenvolvimento com a atividade material em relação com a realidade material. Antes de estabelecer contato com os objetos de sua realidade em algum tipo de relação teórica “espiritual”, a criança deveria comer, respirar, e dirigir outras funções vitais, agindo como ser completamente material e prático. O exemplo a seguir poderia servir como ilustração negativa de uma ética kantiana fundada na conversão do outro sujeito em finalidade da própria ação - ou mesmo, da humanização da vida pelo socialismo:

Quando uma mãe dá a uma criança aquilo que ela pediu, neste ato subjaz uma relação essencialmente dual: a criança não apenas realiza uma ação em relação com um dado objeto através da mãe dela, mas a própria relação com a mãe agora ocorre por meio da relação com esse objeto. Colocando de outro modo, essa relação específica entre a criança e outra pessoa ocorre inicialmente somente na medida em que é uma pré-condição para realizar sua relação com um objeto que ela necessita. (Leontiev, 193?/ 2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?), p. 23, grifo nosso)

Ao preço da completa dessubjetivação da figura materna, Leontiev compra um materialismo caricato, plenamente afinado com a desconstrução da psicologia/pedologia clínica que ocorria na época; estas, efetivamente focadas na observação cuidadosa de interações entre adulto e criança. Com isso, afasta-se da mais simples prática cotidiana da criação dos bebês, cuja saúde física e mental demanda ternura, alimentação, higiene e interação com os cuidadores.

Para ficar no próprio quadro teórico do autor, é legítimo reconhecer que, em sua defesa da “atividade prática”, sobra vacuidade e falta prática, não havendo expressão teórica da análise concreta da experiência dos cuidadores como forma de trabalho. A vagueza e falta de material empírico na teoria da atividade de Leontiev foram críticas frequentes que ele sofreu, antes e depois do fim da União Soviética (ver Bakhurst, 2009Bakhurst, D. (2009). Reflections on activity theory.Educational Review,61(2), 197-210. doi: 10.1080/00131910902846916
https://doi.org/10.1080/0013191090284691...
, Bozhovich citado por Yasnitsky & Ferrari, 2008bYasnitsky, A., & Ferrari, M. (2008b). Rethinking the early history of post-Vygotskian psychology: The case of the Kharkov school. History of Psychology,11(2), 101-121. doi: 10.1037/1093-4510.11.2.101
https://doi.org/10.1037/1093-4510.11.2.1...
; Lazarev, 2004Lazarev, V. S. (2004). The crisis of" the activity approach" in psychology and possible ways to overcome it.Journal of Russian and East European Psychology,42(3), 35-58; Zinchenko, 2004Zinchenko, V. P. (2004). The Psychological Theory of Activity: "Remembrances of the Future". Journal of Russian and East European Psychology, 42(2), 30-68.).

Deve-se acrescentar ainda a observação de Brushlinskii (2004Brushlinskii, A. V. (2004). The Activity Approach and Psychology. Journal of Russian and East European Psychology, 42(2), 69-81.), para quem a teoria da internalização de Leontiev e Galperin, dos 1950s em diante, tomava as causas externas (ao menos nas etapas iniciais da ontogênese) como determinação direta do desenvolvimento psíquico, e não “através de condições internas” (p. 73), ideia que marcava o objetivismo da teoria da atividade de Leontiev, em contraste com a de Rubinshtein. Na de Leontiev, ignoram-se mesmo as sensações corporais decorrentes das necessidades básicas do recém-nascido (como a alimentação, a mais básica de todas para manutenção da nossa existência material), uma das facetas inelimináveis da formação da consciência/personalidade para Vigotski.

No “Study of the Environment” (Leontiev, 193?/2005cLeontiev, A. N. (2005c). Study of the environment in the pedological works of LS Vygotsky: A critical study.Journal of Russian and East European Psychology, 43(4), 8-28. (Original de 193?)), a precedência ontológica das necessidades materiais e da atividade prática com relação às “espirituais” justifica, de igual modo, a precedência epistemológica delas na filo e na ontogênese. Isso integra o fenômeno que defini como “escalonamento conceitual” em sua teoria.

Politicamente, o ideário presente no texto em análise parece-me efetivo para concretizar o afastamento de Leontiev com relação à pedologia vigotskiana, sem que o autor retificasse essa posição a posteriori - antes ou depois do Degelo iniciado após a morte de Stálin, em 1956. Ademais,: Leontiev fora um psicólogo experimental infantil e um autor da psicologia geral, mas não tenho notícia de ter sido um pedólogo. Como sinal disso, o radical педолог- (pedolog-, comum ao substantivo pedologia e respectivos adjetivos) não aparece na lista de títulos de suas obras (compiladas por D.A. Leontiev, 2004Leontiev, D. A. (2004). Lista de trabalhos publicados de A. N. Leontiev [Spisok petchatnikh rabot A.N. Leontieva]. Recuperado de http://anleontiev.smysl.ru/sp_publ.htm.
http://anleontiev.smysl.ru/sp_publ.htm...
).

Considerações Finais

Dificilmente poderíamos encontrar um acadêmico que melhor representasse o impacto contraditório do autoritarismo stalinista na psicologia do que Leontiev. Não tendo participado ativamente da campanha para bolchevização dessa ciência nos anos 1930, é fato que não pode simplesmente ser considerado um “militante stalinista” - termo que adquire uma conotação pejorativa, focada apenas na análise biográfica simplista da relação do autor com uma ideologia de Estado. Minha série de artigos procurou transcender esse nível de problematização elucidando o funcionamento do sistema de produção científica stalinista e seus impactos na vida de um pesquisador que se mostrou particularmente hábil em dominar as práticas discursivas necessárias para sobreviver ao totalitarismo stalinista, no qual vigorava a busca por um marxismo único, “puro e genuíno”.

O preço pago nesse processo de adaptação de Leontiev ao totalitarismo stalinista foi - mais do que o avanço - o retrocesso com relação ao materialismo psicológico vigotskiano, além da construção de uma estrutura teórica vaga, objetivista, mecanicista e por vezes autocontraditória, dotada de significativas deficiências como base de uma psicologia (e educação) marxista contemporânea. Repercutindo escritos do próprio Stálin nos anos 1930, Leontiev criou a prática de cindir matéria (atividade) e consciência (mente, psique), retornando à confusão dualista criticada por Vigotski (1991Vygotski, L.S. (1991) El significado histórico de la crisis de la psicología. Una investigación metodológica. In Obras escogidas (Vol. 1, pp. 259-407). Madrid: Visor.). Isso ocorreu ao mesmo tempo em que se desenvolvia a teoria da atividade, que segundo Leontiev et al. (2005Leontiev, A. A., Leontiev, D. A., & Sokolova, E. E. (2005). Primeiros trabalhos de A.N. Leontiev e o caminho para a psicologia da atividade [Rannie raboti A.N. Leontieva i evo put k psikhologii deiatelnosti]. In A. N. Leontiev (Ed.), Stanovlenie psikhologuii deiatelnosti: Rannie raboti (pp. 8-27). Moscou: Smisl. ) já se estruturara em 1940 (ver também Leontiev, 1940/2005aLeontiev, A. N. (2005a). The fundamental processes of mental life.Journal of Russian and East European Psychology,43(4), 72-75. (Original de 1940), bLeontiev, A. N. (2005b). The genesis of activity.Journal of Russian and East European Psychology,43(4), 58-71. (Original de 1940)).

Essas limitações teóricas relacionam-se, também, ao fato de que Stálin e seus adeptos (1929-53) empreenderam uma abrupta inflexão objetivista na direção da atividade prática, enquanto condenavam todo tipo de efetiva análise pública da vida concreta das populações soviéticas. Grosso modo, isso pode ser percebido tanto na condenação da pedologia quanto das expedições de Luria no Uzbequistão pelo Partido-Estado. Com isso, o Secretário-geral e seus asseclas conseguiram a proeza de forjar - no interior de muitas ciências, entre as quais se situava a psicologia - um paradoxal “objetivismo antiempírico”, no qual, a golpes de caneta, as práticas clínicas despedaçaram-se (à exceção, talvez, da defectologia). As educacionais, muitas vezes, reproduziram as demandas do Partido e se esquivaram de trabalhar por um socialismo solidário, que fosse, efetivamente, elaborado e gerido pelas bases populares.

A redução do projeto de psicologia vigotskiano em sua riqueza, profundidade e amplitude foi dramática. Por esses motivos, penso que, se a tarefa fundamental de uma psicologia é contribuir com a emancipação do proletariado, será difícil fazê-lo por meio de associações demasiado estreitas de Leontiev com Vigotski - pois a maior parte da obra daquele produziu-se em um momento no qual, parafraseando Akhmatova, os soviéticos eram estrangeiros em sua própria terra.

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  • Apoio:

    CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Revisado
    03 Abr 2018
  • Aceito
    07 Ago 2018
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