Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo identificar os aspectos psicológicos da experiência de mães e pais em relação à retinopatia da prematuridade (ROP) de seus filhos através de entrevista psicológica. As entrevistas foram transcritas e analisadas segundo a técnica de análise de conteúdo. O impacto do diagnóstico variou de acordo com a expectativa dos pais e a compreensão sobre a doença, sendo amenizado pelo suporte familiar e profissional. As dificuldades foram sentidas em relação ao posicionamento social da criança e suas limitações. Mães e pais adiaram projetos, apresentaram insegurança e receio de sequelas futuras. A assistência psicológica pode ocorrer desde o momento do diagnóstico, levando em consideração os significados compartilhados, promovendo a adequação de expectativas e priorizando a qualidade de vida da família.
Palavras-chave: retinopatia da prematuridade; deficiência visual; relações pais-filho
Abstract
This research aims to identify the psychological aspects of how parents experience their child’s retinopathy of prematurity (ROP), through a psychological interview. The interviews were transcribed and analyzed according to the content analysis method. The impact of the diagnosis varied according to the expectations of parents and their understanding of the disease, being softened by family and professional support. The difficulties were felt regarding the social positioning of the children and their limitations. Parents postponed projects, presented insecurity and fear of future sequels. Psychological assistance can occur since the time of diagnosis, considering the shared meanings, promoting the adequacy of expectations and prioritizing the family’s quality of life.
Keywords: retinopathy of prematurity; visual impairment; parent-child relations
Os avanços tecnológicos e o treinamento de pessoal nos berçários para os cuidados do neonato são responsáveis pelo aumento da sobrevida de recém-nascidos prematuros e de baixo peso. As crianças prematuras sobrevivem, mas podem apresentar sequelas sensoriais em diversos níveis que podem atingir a anatomia ocular e o funcionamento visual (Asproudis et al., 2002; Cardoso-Demartini, Bagatin, Silva, & Boguszwski, 2011).
A prematuridade é constituída por uma série de episódios críticos e marcantes, com progressos e retrocessos da saúde do bebê. As consequências psicológicas são vividas pelos pais e impactam a sua vida profissional, bem como o clima socioafetivo familiar, em meio a situações inesperadas e de desespero (Tronchin & Tsunechiro, 2005; Viana, Guimarães, Maia, Ramos, & Mendes, 2005).
A imaturidade da retina dos prematuros pode comprometer o desenvolvimento visual em algumas fases do crescimento, tornando as crianças prematuras suscetíveis à retinopatia, variações de refração, ambliopia, estrabismo e baixa visão. A avaliação visual no primeiro trimestre de vida e o posterior acompanhamento permitem a detecção precoce de alterações visuais básicas (Souza et al., 2011). As alterações podem ser transitórias e decorrentes da própria imaturidade, necessitando de um acompanhamento recorrente para verificá-las (López-Amaral & Fuentes-Torres, 2011).
A retinopatia da prematuridade é uma doença vasoproliferativa da retina, de etiologia multifatorial, que acomete recém-nascidos prematuros como consequência dessa condição de imaturidade e da sobrevivência dos mesmos, entre outros fatores de risco (Graziano & Leone, 2005). A vasculogênese normal da retina é interrompida e a retina imatura sofre proliferação celular patológica (Cryotherapy for Retinopathy of Prematurity Cooperative Group, 1988; Graziano & Leone, 2005).
A doença é referida com a sigla ROP, abreviação das iniciais de retinopathy of prematurity e é considerada uma das principais causas de cegueira prevenível da infância, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento (Gilbert, 2008).
O estadiamento da doença determina a gravidade do quadro e varia de 1 (leve) a 5 (mais grave), além de manifestações mais severas, com rápida progressão (ROP posterior agressiva ou doença pré-limiar). A ROP tem diversos desfechos, dependendo do estágio em que ocorre, podendo apresentar baixa visão e cegueira como sequelas.
Durante a gestação, as mães criam expectativas de desenvolvimento saudável para o seu bebê, acompanhadas de um crescente processo de idealizações. Quando se deparam com a situação inesperada da prematuridade e com as consequentes sequelas, problemas e sentimentos se intensificam, exigindo uma reorganização de projetos. As expectativas se frustram quando a realidade impõe uma condição diferente; nem a mãe, nem os familiares estão prontos para as mudanças no planejamento familiar, principalmente com a separação do bebê durante a hospitalização (Ferrari, Zaher, & Gonçalves, 2010; Tronchin & Tsunechiro, 2005; Vasconcelos, Leite, & Scochi, 2006).
O estresse vivido pelos pais e cuidadores pode ser intensificado pela gravidade da doença da criança. Estudos apontam o impacto negativo ocasionado pela doença ocular na qualidade de vida das famílias de bebês prematuros com ROP. Quanto mais grave a doença, pior a qualidade de vida (Birch, Cheng, & Felius, 2007; Messa, Mattos, Areco, & Sallum, 2015).
O nascimento prematuro com sequelas oculares apresenta desafios que incluem a aceitação e adaptação da família para os tratamentos. Os conteúdos emocionais da vivência de mães e pais são diversos e influenciados pela instabilidade do período perinatal de seus filhos.
A investigação de tais conteúdos pode auxiliar na elaboração de medidas eficazes de intervenção, pois indicam as necessidades específicas dessas famílias. As condutas devem promover a qualidade de vida, prevenção de dificuldades, acompanhamento em etapas de desenvolvimento da criança e reabilitação. O objetivo desta pesquisa foi identificar aspectos psicológicos da experiência de mães e pais em relação à doença ocular (ROP) de seus filhos prematuros.
Método
Este estudo transversal prospectivo observacional foi realizado com a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (CEP 0374/10), seguindo os princípios da Declaração de Helsinque. Os participantes tomaram ciência dos dados da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi assinado, atestando sua participação voluntária.
A coleta de dados ocorreu no período de julho/2010 a abril/2012. A amostra foi constituída por 43 indivíduos (mães e pais de crianças, até três anos, com diagnóstico de ROP e ausência de outras patologias associadas) recrutados no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e convidados a participar da pesquisa. O programa SPSS foi utilizado nos cálculos de descrição da amostra.
O instrumento de pesquisa utilizado foi a entrevista psicológica semiestruturada, norteada por um roteiro elaborado pela pesquisadora exclusivamente para este estudo, combinando perguntas fechadas e abertas, que permitiram ao entrevistado um discurso livre. A entrevista psicológica semiestruturada constitui-se como instrumento fundamental de investigação científica em Psicologia, permitindo que o entrevistado configure o campo da entrevista segundo sua estrutura psicológica e variáveis de personalidade (Bleger, 2003).
Hipóteses foram levantadas e conduziram à criação de categorias para a entrevista: impacto do diagnóstico; compreensão sobre a doença; experiência e adaptação à ROP; dificuldades no convívio com o filho com ROP; aspectos positivos e ganhos; mudanças; expectativas da gestação; expectativas sobre o futuro.
As entrevistas tiveram duração média de 30 minutos e foram registradas em gravador digital. Posteriormente, foram transferidas para o computador e os conteúdos foram transcritos integralmente, mantendo-se a expressão verbal dos participantes. O material transcrito foi organizado em eixos temáticos que indicaram os tópicos a serem discutidos. Trechos dos discursos foram extraídos das entrevistas para exemplificar os eixos temáticos elencados. Do total de 43 entrevistas, houve a perda de duas por problemas no gravador digital, totalizando 41 que foram transcritas e analisadas.
Para a interpretação das entrevistas, utilizou-se a análise de conteúdo, que segundo Bardin (2011) é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. A codificação dos dados implica em transformar os dados brutos do texto em representações do conteúdo ou de sua expressão, esclarecendo as características do texto.
A técnica da análise de conteúdo se organizou em três fases (Bardin, 2011):
1) pré-análise: fase de organização e sistematização de ideias iniciais, organização dos relatos que foram submetidos à análise, formulação de hipóteses e elaboração de eixos temáticos que fundamentaram a interpretação final. Nessa fase, as entrevistas foram transcritas, sem interpretação do discurso.
2) exploração do material: fase mais longa, aplicação sistemática das decisões tomadas para codificação do discurso, decomposição e enumeração em função das definições prévias. Com as categorias definidas, os discursos foram analisados e decompostos, identificando-se as ideias fundamentais e conteúdos que descreviam os sentimentos e comportamentos do tópico em questão.
3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação: nessa fase, os resultados se tornaram significativos e válidos, com a proposição de interpretações relacionadas aos objetivos previstos ou que se referiram a descobertas inesperadas. Os eixos temáticos criados foram mantidos, respeitando-se a ocorrência de elementos novos nos discursos que mobilizassem a criação de novos eixos e categorias. A enumeração dos conteúdos de cada eixo temático (1° passo) permitiu a identificação de elementos comuns para o agrupamento em categorias (2° passo).
Com relação aos participantes, houve predomínio de mães (94%), com idade na faixa de 21-30 anos (48,8%) e escolaridade de segundo grau nas faixas de ensino médio, completo ou incompleto (55,9%).
Quanto às crianças, a maioria era do sexo masculino (53%) e idade média de nove meses aproximadamente (DP=7,3). Houve maior concentração de casos com ROP 3 (32,6%), seguido de ROP 5 (25,6%) e ROP 1 (14%). Os grupos ROP 2, ROP 4 e ROP Posterior Agressivo apresentaram a mesma distribuição (quatro crianças em cada grupo).
Resultados
Os nomes citados durante a entrevista foram substituídos por nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados. Os discursos foram mantidos de acordo com a concordância da forma falada.
Os trechos das entrevistas estão identificados com informações simplificadas sobre o entrevistado, a criança e a doença, que seguem a seguinte legenda:
M: mãe
Fa: filha
Fo: filho
a: anos
m: meses
ROP: retinopatia da prematuridade
1, 2, 3, 4 e 5: estágios da doença
ROP Post Agre: ROP Posterior Agressivo
(...): recorte do discurso, exclusão de pausas longas ou falas sem importância para o contexto
Impacto do diagnóstico de ROP
A maioria dos entrevistados relatou reações iniciais de choque e desespero frente ao diagnóstico, que também foi compreendido como castigo de Deus em alguns casos. Em comparação dos seus filhos com outras crianças, mães e pais relataram dor e impotência por perceberem diferença no desempenho entre os pares:
Ah, eu fiquei triste, né. (...) pelo fato que eu já fiz aborto, eu senti... eu senti como se Deus tivesse me castigado, né. (M31a/Fo5m/ROP 4)
Nossa, foi uma bomba. Não esperava, eu estava preocupada na verdade com o ouvido dela, que lá no hospital não tinha dado um sinal. Aí, eu descobri que era a visão. Foi um choque, porque a médica disse, logo de cara assim, que era muito difícil que ela fosse enxergar. (M23a/Fa2a3m/ROP 5)
Principalmente quando eu vejo outra criança. Tenho uma sobrinha de oito meses. Então ela convive bastante com a Daniela. Você vê que ela presta atenção nas coisas, ela olha, sabe, ela faz gracinha, olha pra televisão. Coisa que a Daniela não faz, né. Então isso te dá uma certa dor, um aperto no peito, às vezes. (M30a/Fa2a11m/ROP 4)
A satisfação pela sobrevivência da criança pode minimizar o impacto do diagnóstico de ROP, conforme relatado por um terço da amostra, aproximadamente. Além disso, para alguns participantes, o diagnóstico foi percebido como consequência natural da prematuridade, evidenciando a compreensão de mães e pais de que o nascimento prematuro gera implicações ao desenvolvimento da criança. “(...) eu pedi tanto pra Deus pra manter ele vivo que agora se tem a visão ou se tem problema na cabeça, se tem alguma coisa tem que correr atrás pra tentar ajudar ele” (M28a/Fo5m/ROP 5); “(...) quando o médico vem falar alguma coisa pra mim, eu já tento tá preparada pra ouvir o que ele tem pra falar, porque eu sei que é consequência que ela nasceu prematura” (M29a/Fa6m/ROP 2).
Compreensão sobre a Doença
Os entrevistados foram questionados quanto ao conhecimento que tinham sobre as características da doença, causas e possíveis consequências, tratamentos e cuidados. A maioria dos relatos indicou pobre compreensão ou explicações incoerentes sobre tais fatores: “Eu devo ter entendido porque geralmente eles falam lá. Mas você tá tão perturbada... (...) você quer que a criança saia. Você até escuta, mas ali você não guarda” (M31a/Fa7m/ROP3); “Aí a moça lá do Hospital (...) falou, tava explicando que como a criança tá se formando, que tem o caninho, tem dois caninhos que tem que fechar antes da criança nascer, que o problema dele foi que não fechou direito” (M31a/Fo5m/ROP4).
Em alguns casos, as mães e os pais não buscavam informações sobre a doença ocular da criança, como forma de evitar situações dolorosas e traumáticas. Em outros, não foram informados ou não entendiam o que era transmitido pelo uso da linguagem técnica do profissional ou pelo impacto emocional que dificultou a escuta:
Eu não queria me envolver muito, saber muito, sabe assim, porque senão a gente fica pensando... ai, ai meu Deus do céu, tão pequeno com isso, ai meu Deus do céu e agora? Então eu procurava não saber mesmo. (M34a/Fo6m/ROP3)
Eu não entendo nada, se eu te falar (...) Não me explicaram nada... só falaram que aconteceu isso daí e tudo, por ele ser prematuro, é normal. (...) Aí, deu esse problema, e dá muito pra quem é prematuro. (M36a/Fo4m/ROP4)
Eu devo não ter entendido porque geralmente eles falam lá. Mas você tá tão perturbada (...) Você até escuta, mas ali você não guarda. (...) Mas a retina descolou por quê? Na hora que tiraram da barriga? Ou foi porque... entendeu? (...) Eu não entendo, tá vendo (...) falaram que tinha que colar a retina” (M31a/Fa7m/ROP3)
Para alguns entrevistados, a busca por informações sobre a acuidade visual da criança e as características da doença pareceu atenuar o impacto emocional, situando-os diante do prognóstico e tratamentos possíveis. As informações foram coletadas com os médicos ou em pesquisas na internet feita pelas mães, pais ou parentes próximos:
Que dá em prematuro, né, por causa do oxigênio, porque ficou muito tempo entubado. (...) Aí faz descolar a retina e eu li que quando descola assim é perda total da visão, né (...) isso eu li, que a doutora falou só que ela estava com ROP 5, que ela vê só luz e se tivesse que fazer a cirurgia pra gente ver, analisar se compensa ou não. Porque o máximo que pode é ela ver vulto. (M27a/Fa7m/ROP5)
Cerca de um terço da amostra demonstrou compreensão sobre a doença, ou então explicações mais coerentes sobre as características principais do quadro ocular da criança.
Eles me explicaram que quando a criança nasce o olhinho não tá formado completamente. Falta chegar as veinhas no lugar certo e principalmente no caso dela, que nasceu com os dois olhos colados, não era nem aberto. Aí o oxigênio estimula essas veinhas a crescerem de forma desordenada o que causa descolamento de retina. Então o laser é a cauterização das veinhas que estão desordenadas. (M30a/Fa8m/ROP3)
Além da preocupação em compreender a doença, alguns pais referiram dúvidas quanto ao potencial visual da criança e o quanto a visão foi afetada pela ROP. “Se agora ela tem visão, ou não tem. Eu em casa vejo que ela presta atenção, ela olha, ela dá risada, mas eu não sei quantos por cento ela tem de visão, quanto ela não tem” (M29a/Fa6m/ROP2).
Experiência e Adaptação à ROP
Neste tópico, as mães e os pais foram questionados quanto à experiência cotidiana com a doença ocular da criança, buscando-se a compreensão dos significados dessa vivência e estratégias de adaptação utilizadas.
Cerca de um terço da amostra relatou aspectos negativos associados aos momentos de tristeza e isolamento vividos em algumas etapas da doença e do tratamento. Os entrevistados mencionaram não só o diagnóstico e cuidados da ROP, como também aspectos gerais da prematuridade, principalmente nos casos em que a criança era mais nova e a hospitalização mais recente:
É bem difícil, né, mas a gente supera. Fiquei com um pouco de depressão, tive depressão depois que ele chegou em casa. Fiquei... melhorei tem poucos dias da depressão. O momento que ele estava internado, acho que devido à agonia de ficar indo pro hospital, aquela agonia, aquela coisa. Eu sentia, mas não dava pra perceber muito. Só depois que ele chegou em casa, que estava tudo normal, que eu tava com ele em casa. Eu tinha medo... tinha medo de ficar sozinha. Chorava do nada assim, estava sentada assim e começava a chorar, sentia uma angústia muito grande. E, tipo assim, até hoje não tô 100% ainda boa, sabe, mas tô bem melhor do que eu estava. (M35a/Fo3m/ROP1)
Aproximadamente metade dos entrevistados relatou que apesar do sofrimento, iniciaram um processo de adaptação ao convívio com a criança. Relataram sentimentos de tranquilidade e aceitação, conforme percebiam as evoluções da criança em situações cotidianas. “Então... antes eu ficava desesperada, agora não, porque eu vejo como ela tá, o desenvolvimento dela, agora eu não fico mais com medo” (M32a/Fa7m/ROP Post Agre).
Apesar do impacto vivido com o diagnóstico de ROP e/ou baixa visão, a maioria dos participantes descreveu positivamente o vínculo com o filho, evidenciando o desejo de zelar pela criança e transmitir bons exemplos.
Minha filha é tudo pra mim, ela é a razão pra eu continuar e estar no meu trabalho e batalhar cada vez mais pra estar melhor. (...) eu quero muito que minha filha tenha orgulho de mim e que eu possa dar tudo que ela precisa. (...) E hoje eu tenho uma profissão, sou formada, tenho minha filha. Então eu quero que ela conheça minha história pra ela poder pegar os pontos positivos. E o que for negativo a gente conversar pra ela entender que não é muito bom. Mas ela é a razão de tudo pra mim, minha alegria. (M39a/Fa1a9m/ROP3)
Dificuldades no Convívio com o Filho com ROP
As mães e os pais foram questionados sobre as dificuldades relacionadas à experiência em criar um filho com ROP e dificuldades visuais. A maioria dos entrevistados relatou sentir compaixão pela criança, por suas limitações visuais e dificuldades no desempenho de atividades cotidianas. “Ah, é ela não poder olhar pras coisas. Você querer ver, quando passa um bichinho, essas coisas, você fala: olha filha! E não poder enxergar aquilo, entendeu. Isso é o mais difícil” (M20a/Fa1a6m/ROP3).
Frequentemente, mães e pais têm dificuldade de explicar sobre a doença para parentes e pessoas próximas. Em alguns casos, esta dificuldade decorre do desconhecimento sobre a ROP e por desconforto emocional: “Ah, eu acho que foi isso mesmo, de todo mundo ficar perguntando, da preocupação. Já basta a preocupação que a gente tem que ter, aí todo mundo fica perguntando o que, que é, e aí o grau dele é muito alto?” (M24a/Fo2a5m/ROP3).
Aspectos Positivos e Ganhos
O nascimento de um bebê prematuro com sequelas visuais provoca momentos de crise na família. No entanto, apesar das dificuldades, houve amadurecimento, impulso na revisão de posturas e ganhos secundários.
A minha gestação e o nascimento da minha filha só me fez aprender muita coisa. Ela me mostrou muita coisa que tipo, até então antes eu não tinha prestado atenção (...) Só o fato de ela ser tão pequenininha e ela lutar tanto pela vida que nem ela lutou. Nossa, isso já é um aprendizado enorme. (M24a/Fa3m/ROP Post Agre)
Quase toda a amostra referiu receber suporte emocional de familiares e pessoas de confiança do seu convívio, formando uma rede de apoio própria para as tarefas cotidianas. Nos poucos casos em que a rede de suporte foi insatisfatória ou ausente, as mães e os pais sentiram-se fragilizados para lidar com a criança, com as doenças e complicações da prematuridade. “Ah, minhas cunhadas, meus pais, minha sogra, até amigos, né, me ajudam, conversam comigo” (M25a/Fa1a3m/ROP5); “É, a irmã dele sempre liga pra perguntar da nenê, mas ninguém assim chegou pra mim pra conversar, pra perguntar o que você tá sentindo, sabe, pra mim desabafar” (M27a/Fa7m/ROP5).
Apesar do difícil diagnóstico, a forma como ele foi transmitido fez diferença na experiência dessas famílias. Em um terço da amostra, a postura médica acolhedora e o suporte da equipe de saúde foram confortantes para os pais.
Eu acho que a forma que a Dra. Katia passou as informações pra mim. Eu acho que ela foi bem tranquila, me explicou, (...) Ela sentou do meu lado e explicou, desenhou e falou: Mãe, a gente tá com você, fica tranquila. Não precisa ficar preocupada. (...) Explicou direitinho. (...) Então eu acho que... a forma como o assunto foi passado pra mim, e a forma que eu absorvi isso tudo dentro da UTI neonatal. (M39a/Fa1a9m/ROP3)
Mudanças
Os participantes foram questionados sobre as mudanças ocorridas em suas vidas e na dinâmica familiar em função da ROP. A maioria que relatou mudanças indicou que houve reorganização financeira e de papéis familiares nos cuidados da criança. A intensa rotina de tratamentos exigiu persistência e dedicação permanente das mães e dos pais. A alta demanda de tratamentos da criança e o deslocamento para os atendimentos revelou uma rotina cansativa e onerosa.
Ela vai depender mais de mim... eu tô preocupada com meu trabalho porque a gente não tem aquela condição financeira boa (...) Ela ainda depende de medicamentos, né. Então tem uma preocupação assim, mais é o lado financeiro mesmo, né. (...) Meu trabalho, como que eu vou fazer? Porque ela vai depender de mim, né... (...) Eu fico imaginando, né, como é que vai ser, né. Ela não enxerga. Ela pode cair, se machucar, né. Então minha preocupação está aí. (M36a/Fa7m/ROP5)
Ah, que eu tenho sempre vindo pra cá pra ela. Que tenho sempre que estar em médico, essa é a mudança. Se ela fosse normal eu ficaria em casa o dia inteiro. Mas aí eu tenho que ficar saindo sempre, com ela é um pouco complicado, cansativo. (M23a/Fa2a3m/ROP5)
A minoria da amostra justificou as mudanças pela prematuridade ou pelo fato de ter a família ampliada com o nascimento do filho, e não por dificuldades visuais da criança. O problema ocular foi compreendido como uma questão de menor dimensão dentro do quadro de prematuridade: “Não, teve mudança assim, porque eu tive um filho, né, da vida de uma mulher que não tem filho muda totalmente, né. Tem mais preocupação. Mas eu não acho que mudou por causa do problema dela não. Mesmo porque não é um problema tão sério” (M24a/Fa1a3m/ROP4).
As mudanças na vida das mães envolvem renúncias e rompimentos. Na maioria dos casos, elas param de trabalhar, estudar, sair com amigos e entendem que seus projetos pessoais serão postergados por um longo período em função dos cuidados com a criança.
Aí eu tive que parar minha vida, porque o que eu mais gostava de fazer era trabalhar, estudar, aí eu não podia fazer mais isso, né, (...), agora que eu me vejo nessa situação, nem tão cedo porque minha filha vai fazer tratamento dois anos. E eu não tenho ninguém que cuide dela pra mim. (...) Que de repente você se vê fazendo uma coisa, de repente muda tudo. (M24a/Fa3m/ROP Post Agre).
Expectativas sobre o Futuro
Em relação ao futuro, a maioria dos participantes relatou otimismo sustentado por esperanças de melhora ou cura do problema visual, aproximando as expectativas de uma criança com visão normal.
Eu espero que ela melhore ao ponto de ter uma vida normal, de ela seguir a vida dela. Fazer o que ela quiser, desejar, ser feliz em tudo que ela escolher fazer. Isso eu sei que ela vai ser. Eu tenho certeza que ela vai caminhando, ela vai melhorar, e é isso. Vai dar tudo certo. (M30a/Fa8m/ROP3)
Um pequeno grupo referiu preocupação com relação à impossibilidade de fornecer os cuidados e recursos específicos que seus filhos necessitam. Entendem que a falta de tratamento adequado provocará comportamentos de dependência da criança.
A gente fica preocupado, né, de acontecer alguma coisa com a gente e ele deixar de ter o que ele precisa. (...) Lógico se ele tiver o acompanhamento certo, correto, de tudo que ele precisar, lógico que ele vai ter uma independência própria. Mas no caso, se a gente não tiver condições de dar pra ele, então no caso, ele vai ser dependente da gente. (M19a/Fo7m/ROP5)
Em alguns casos, os entrevistados demonstraram insegurança quanto à inserção social e preconceitos que a criança possa sofrer. Manifestaram desejo de proteger seus filhos das dificuldades no contato social.
Não sei como que vai ser, não sei... Eu não queria que tipo assim, ela crescesse e as pessoas ficassem tipo olhando porque, sabe, as pessoas ficam olhando tipo com dó. Ou tratasse assim diferente por causa disso. Assim, porque eu sei que vai acontecer... Eu não queria que ela sofresse nunca. (M27a/Fa7m/ROP5)
Discussão
Os discursos dos participantes apresentaram informações sobre a experiência de hospitalização na UTI neonatal e preocupações com o desenvolvimento global da criança, além da questão visual.
O diagnóstico de ROP gerou impacto emocional em mães e pais, pois o nascimento prematuro ou o diagnóstico de alguma doença representam a perda das expectativas de um filho saudável. Os pais e as mães foram impactados pela falta de informações e desconhecimento sobre a doença (Lamas, Sampaio, & Rehder, 2010), já que não estão preparados para mudanças súbitas no planejamento familiar, separações durante a hospitalização e rotinas clínicas (Ferrari et al., 2010; Tronchin & Tsunechiro, 2005).
Quando a criança tem uma deficiência, a família vive uma situação inesperada, permeada por sentimentos profundos de negação, rejeição, culpa e superproteção que influenciam as relações familiares, principalmente a relação com o bebê. As famílias tiveram que lidar com estresse, sofrimento, decepções e desafios que as conduziram a um momento de crise em muitos casos (Kandel & Merrick, 2003; Lamas et al., 2010).
A ROP também foi compreendida como uma consequência natural da prematuridade. Entretanto, mesmo recebendo o diagnóstico dessa forma, mães e pais vivenciaram uma ruptura da rotina e dos projetos com as intercorrências e internações oriundas da vulnerabilidade do prematuro. O diagnóstico foi amenizado por ter sido transmitido em meio a outras notícias impactantes sobre a saúde do bebê.
A interação com a equipe médica foi influenciada por questões emocionais, já que a escuta de mães e pais é prejudicada pelo impacto psicológico a que estão submetidos. O estudo de Figueiredo, Paiva, Silva e Nobre (2009) corrobora os dados encontrados nessa pesquisa de que mães de crianças com baixa visão tendem a interpretar o diagnóstico médico de acordo com sua subjetividade e receptividade para acolher as informações, assimilando-o a partir de seu contexto sociocultural e educacional. Sendo assim, mães e pais podem não compreender com clareza um diagnóstico ocular por causa da intensa influência de valores e crenças pessoais.
A linguagem da equipe médica, permeada por termos técnicos, se tornou distante do repertório cultural das famílias, gerando pobre compreensão sobre a doença e conclusões não condizentes com a realidade. Nesse processo, devem-se considerar aspectos culturais e religiosos da família no entendimento das informações sobre a ROP e as consequências da prematuridade (Souza et al., 2010; Tavares, Mota, & Magro, 2006).
As mães e os pais relataram buscar informações sobre a acuidade visual da criança ou sobre os tratamentos necessários para compreender o diagnóstico de uma forma mais prática. Buscavam saber “o quanto a criança enxerga” ou “o que enxerga”, além dos tratamentos a que será submetida para o desenvolvimento da visão.
Uma das principais necessidades de famílias de crianças com deficiência visual durante o período crítico de diagnóstico é obter informações sobre os serviços sociais e educacionais adequados (Fiamenghi & Messa, 2007). As alterações visuais na infância podem provocar atrasos no desenvolvimento global da criança e comprometimento de sua qualidade de vida, com sérias consequências para a vida adulta, envolvendo aspectos sensoriais, psicológicos e motores. Quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de prevenir agravos na socialização, inserção escolar e outros núcleos.
Em alguns casos, mães e pais relataram não querer saber informações detalhadas sobre a doença e as condições de tratamento, evitando contato com a equipe médica. A negação pode ser um mecanismo psicológico de defesa utilizado por mães e pais como forma de minimizar ou encobrir a problemática da criança, no intuito de se reorganizarem emocionalmente. É uma atitude que evidencia a recusa da realidade e não aceitação da deficiência (Brunhara & Petean, 1999). Deve ser compreendida como uma atitude de preservação psíquica na medida em que protege mães e pais do impacto das situações estressoras. Torna-se um mecanismo disfuncional quando distancia a família dos tratamentos e da compreensão das reais condições da criança, prejudicando o processo de habilitação e reabilitação visual.
É fundamental que a equipe de saúde compreenda e acolha a família em sua singularidade, respeitando seu ritmo, e aos poucos, incentivando a aderência aos tratamentos, estabelecendo um eixo de mútua colaboração. Mães e pais de bebês prematuros apresentaram sentimentos de incompetência nos cuidados da criança, quando se compararam com os profissionais de saúde, durante a internação e após a alta hospitalar. De acordo com os estudos de Tavares et al. (2006), Lindberg e Öhrling, (2008), Souza et al. (2010), Marchetti e Moreira (2015), as mães sentem-se inseguras quanto à sua capacidade de cuidar de uma criança tão frágil, pois os longos tempos de internação e permanência na incubadora dificultam a compreensão das habilidades da função materna.
A insegurança gira em torno das possíveis sequelas da prematuridade, como doenças e deficiências (Lindberg & Öhrling, 2008). A preocupação de mães e pais se referiu também à inserção escolar, evidenciando o receio de que a criança não consiga acompanhar as exigências escolares ou sofra discriminação devido à deficiência. A preparação para os cuidados domésticos do bebê deve priorizar a redução da ansiedade, tornando as mães mais confiantes (Brett, Staniszewska, Newburn, Jones, & Taylor, 2011; Flacking et al., 2012; Lindberg & Öhrling, 2008; Melnyk, Crean, Feinstein, & Fairbanks, 2008; Souza et al., 2010).
É importante que a atenção dos profissionais também esteja voltada às necessidades emocionais de mães, pais e cuidadores, pois geralmente são eles que enfrentam diretamente a rotina da unidade neonatal e o cotidiano da criança com baixa visão. As informações sobre a questão visual, a prematuridade e suas sequelas, além de encaminhamentos para acompanhamentos posteriores à alta hospitalar devem ser transmitidos de forma clara e compreensível, promovendo empoderamento de pais e mães na transição para os cuidados em casa, junto com a família.
Os pais precisam compreender as peculiaridades do desenvolvimento da criança com deficiência visual, no que diz respeito às habilidades sociais e limitações na exploração do ambiente. A compreensão errônea sobre a deficiência visual e suas implicações pode proporcionar interações com baixos níveis de mediação materna (Medeiros & Salomão, 2012).
Mães e pais desempenham um importante papel na socialização da criança com problemas visuais, pois se torna a responsável por introduzi-la ao mundo. Portanto, devem receber o suporte necessário para que possa manter uma interação de qualidade com a criança, proporcionando trocas afetivas, oportunidades de aprendizado e desenvolvimento da autoestima.
Sintomas depressivos e isolamento podem surgir, conforme relatado pelos participantes. O estresse vivido com as intercorrências hospitalares permanece por um extenso período, até que os cuidadores se sintam seguros quanto ao estado de saúde de seus filhos. Tal dado indica a relação entre problemas de saúde mental em mães e pais (principalmente das mães) e dificuldades da criança na regulação dos sistemas físicos, sensoriais e emocionais (Treyvaud, 2010).
O convívio social passou a se expandir à medida que as mães se tornaram mais confiantes em prover os cuidados e perceber a diminuição da vulnerabilidade do bebê (Marchetti & Moreira, 2015). As mães mais experientes, que tem outros filhos, enfrentaram os desafios com mais confiança e habilidades, porém necessitaram inserir a criança à estrutura familiar e social existentes (Black, Holditch-Davis, & Miles, 2009). A superação de adversidades produz a retomada da energia e à medida que a situação vai se estabilizando, a atenção das mães é ampliada para outros pontos de interesse (Tavares et al., 2006).
Com a superação dos desafios, mães e pais encontraram prazer e gratificação no vínculo com o filho, em que o desejo de cuidar e zelar pela criança predominou. As dificuldades coexistem com a gratidão das mães e pais em poder exercer a parentalidade, cuidar do bebê, contribuindo para seu desenvolvimento físico e cognitivo, adaptando-se à rotina familiar (Black et al., 2009; Brett et al., 2011; Flacking et al., 2012; Souza et al., 2010; Tavares et al., 2006).
Mães e pais de bebês prematuros podem formar um vínculo adequado e afetuoso com o filho, baseado na função de protegê-lo, transitando para a aquisição de uma plena identidade de si mesmos como mãe e pai, apreciando o próprio desenvolvimento em resposta a essas experiências (Black et al., 2009; Marchetti & Moreira, 2015).
As limitações visuais da criança foram sentidas com tristeza; quanto mais a criança se afasta da condição de normalidade, ou seja, quanto mais grave a doença e suas sequelas, maiores as dificuldades de participação social e convívio familiar. Tal situação se relaciona aos dados de estudos que apontam o impacto da qualidade de vida com a gravidade da doença ocular (Birch, Cheng, & Felius, 2007; Messa, Mattos, Areco, & Sallum, 2015). De acordo com Holditch-Davis et al. (2009), a aparência do prematuro mobiliza os pais, que podem apresentar dificuldades em lidar com posicionamento social da criança e o estranhamento das pessoas (Souza et al., 2010).
Houve intensa angústia de mães e pais ao identificar os atrasos no desenvolvimento de seus filhos. Segundo Kandel e Marrick (2003), as etapas de desenvolvimento, eventos e outros ritos de passagem ressaltam o quanto a criança é diferente de seus pares.
As dificuldades do nascimento prematuro e da ROP podem também propiciar ganhos, como o desenvolvimento de estratégias para a superação dos desafios e mudanças de prioridades e valores, conforme relatado pelos participantes. Apesar dos sentimentos negativos, mães e pais expressaram vivências de aprendizado e fortalecimento afetivo (Tronchin & Tsunechiro, 2005).
Os entrevistados ressaltaram os suportes familiar e profissional como componentes acolhedores para enfrentar as dificuldades da prematuridade e a adaptação à baixa visão. Tais apoios foram fundamentais, tanto no contexto de internação, quanto no processo de reabilitação e convívio doméstico com a criança, suprindo as necessidades de suporte e orientação a mães e pais (Brett et al., 2011; Tavares et al., 2006).
O estudo de Melnyk et al. (2008) sobre os efeitos de um programa de suporte a mães de crianças prematuras corroborou o que foi relatado por mães e pais nesta pesquisa. As mães que receberam suporte demonstraram crenças mais fortalecidas sobre o que esperar dos comportamentos e características da criança prematura e sobre como desempenhar o papel de mãe (Marchetti & Moreira, 2015). Consequentemente apresentaram níveis mais baixos de estresse, ansiedade e depressão durante a hospitalização do bebê e no período pós-internação (Carvalho et al., 2009).
A organização financeira da família se alterou para lidar com a hospitalização e assistência ao lar, com outros filhos e parceiro. A longa permanência hospitalar do prematuro aumenta a distância da mãe com o restante da família, que pode não ter condições de fazer visitas frequentes (Lindberg & Öhrling, 2008; Tavares et al., 2006). O puerpério na prematuridade é vivido em meio aos deslocamentos para visitas ao bebê, encurtando o tempo de autocuidado da mãe. O bebê prematuro, percebido como frágil, suscita atitudes de superproteção (Souza et al., 2010; Tronchin & Tsunechiro, 2005).
As mudanças no cotidiano e na vida dos pais também se referiram à ampliação da família. A adição de uma criança ao sistema familiar provoca mudanças profundas na família nuclear ou ampliada. Os relacionamentos estabelecidos entre os familiares influenciam uns aos outros e as mudanças exercem influência em cada membro individualmente ou no sistema como um todo.
As mães e os pais entrevistados relataram ter adiado planos de formação universitária e atividade profissional para se dedicarem aos tratamentos de seus filhos. O adiamento natural de projetos que ocorre com o nascimento de um filho é intensificado quando a criança apresenta alguma sequela ou deficiência.
A alteração dos papéis familiares pode representar fonte de estresse para mães de crianças prematuras (Holditch-Davis et al., 2009). Segundo Kandel e Marrick (2003), as famílias de crianças com alguma deficiência alternam esperança e desespero, em um processo contínuo, relacionado a fatores pessoais. Cada novo tratamento pode ser acompanhado de otimismo e com o insucesso da tentativa, a reação de desespero pode se seguir e assim sucessivamente.
Por todo o estresse a que estão submetidas, as famílias de crianças com ROP constituem uma população de risco para problemas psicológicos e distúrbios nos vínculos familiares. O acompanhamento psicológico pode contribuir para o reequilíbrio da família, auxiliando-a na aderência aos tratamentos (Brett et al., 2011), promovendo uma assistência humanizada e individualizada (Marchetti & Moreira, 2015).
Conclusão
O impacto do diagnóstico de ROP variou de acordo com a expectativa dos pais, sendo amenizado pelo suporte familiar e profissional em um processo de adaptação único e específico de cada família. O psicólogo pode atuar com a família e com a criança, fornecendo o suporte nos momentos de crise e acompanhamento durante as diversas etapas evolutivas da criança. A assistência deve ocorrer desde a comunicação do diagnóstico até as fases posteriores, tanto em atendimentos individuais quanto grupais. O intuito é favorecer que os pais encontrem formas apropriadas de lidar com os desafios, administrando a ansiedade e fortalecendo os vínculos familiares.
A experiência transitou por momentos de crise e a satisfação de prover cuidados e afeto em um vínculo positivo com a criança. A compreensão da doença pode ser dificultada pelo uso de termos técnicos e pelo repertório sociocultural dos pais e suas condições emocionais.
As dificuldades de mães e pais foram sentidas frente ao posicionamento social da criança e suas limitações de desempenho nas atividades. Porém, apesar de penosa em muitos momentos, a vivência propiciou ganhos como transformações pessoais e reorganização de prioridades e valores.
As famílias se adaptam à ROP e seus tratamentos, em uma reorganização financeira, de papéis familiares e adiamento de projetos. Mães e pais oscilam entre otimismo e confiança no tratamento, e receio da piora da condição ocular e de não conseguirem oferecer os recursos necessários ao desenvolvimento da criança. A insegurança e receio de sequelas futuras são superadas à medida que se asseguram da estabilidade da criança e do desempenho de seus papéis nos cuidados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Out 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
06 Abr 2016 -
Revisado
03 Mar 2017 -
Aceito
04 Abr 2017