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Relações Interpessoais de Adolescentes em Medida Socioeducativa de Internação* * Apoio: Capes e CNPq. ,** ** Trabalho derivado da dissertação de mestrado do primeiro autor, orientado pela terceira e quarta autora.

Resumo

O objetivo desta pesquisa é caracterizar as relações interpessoais estabelecidas por adolescentes em medida socioeducativa de internação, a partir da perspectiva dos adolescentes. Trata-se de um estudo de múltiplos casos conduzido por meio de quatro grupos focais com 25 adolescentes, entre 15 e 19 anos, internos em unidades socioeducativas de dois estados brasileiros. Os participantes caracterizaram as relações com os funcionários como hostis e distantes. As relações com os pares parecem mediadas por valores que perpetuam a conduta infracional. Os adolescentes relataram aproximação com a família, por se constituírem como fonte de apoio social frente à situação de adversidade. A internação se constitui, assim, como um período de intenso sofrimento e pouco efetivo na função de promover o desenvolvimento.

Palavras-chave:
adolescente; adolescente em conflito com a lei; adolescente institucionalizado; medidas socioeducativas; relações interpessoais

Abstract

This research characterized interpersonal relationships established by juvenile offenders at treatment facilities, from the juvenile offenders’ perspective. It is a multiple case study conducted through four focus groups with 25 juvenile offenders, aged from 15 to 19 years old, inmate in treatment facilities of two Brazilian States. Participants characterized relationships with the treatment facilities’ workers as hostile and distant. Relationships with peers were mediated by values that perpetuate offending behavior. Adolescents related an approach with their families, as they were a source of social support during the moment of adversity. The period in treatment facilities thus constitutes a time of intense suffering and ineffective in its function of promoting development.

Keywords:
adolescent; institutionalized; juvenile delinquency; interpersonal relationships

O objetivo desta pesquisa é caracterizar as relações interpessoais estabelecidas por adolescentes em medida socioeducativa (MSE) de internação, a partir da perspectiva dos próprios adolescentes. O ponto de partida teórico foi o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que ordena as MSEs - medidas judiciais delegadas a adolescentes autores de atos infracionais no Brasil. O SINASE tornou-se lei federal em 2012 (Brasil, 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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), subsidiada por uma resolução técnico-operacional de 2006 (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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). Ambos os manuscritos, resolução e lei, traçaram diretrizes para que as MSEs sejam executadas por meio de uma ótica restaurativa. A partir dessa perspectiva, as relações interpessoais estabelecidas nesse contexto devem catalisar processos de mudanças positivas e saudáveis.

O SINASE propõe um tipo de gestão participativa cujo “objetivo superior a ser alcançado é a comunidade socioeducativa” (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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, p. 41), composta por adolescentes e funcionários dos programas de atendimento. A comunidade socioeducativa deve operar de modo solidário, possibilitando o desenvolvimento do senso comunitário entre seus membros. As ações devem garantir a participação de todos, de forma horizontal, democrática e transparente, o que favorece a efetividade do programa e seu caráter socioeducativo. Os programas de atendimento socioeducativo devem garantir também a participação da família, o que, na MSE de internação, é manifesto minimamente por meio das visitas familiares.

A composição do quadro pessoal dos programas de MSE de internação prevê a colocação de funcionários ocupando funções gerenciais, técnicas e socioeducadoras. Os gestores devem se ocupar de ações administrativas, ao passo que os demais dirigem a MSE a partir do contato cotidiano com os adolescentes. A equipe técnica deve ser multidisciplinar e detém a função de acolher e acompanhar os adolescentes e seus familiares. Sua atuação deve ter como base o conhecimento específico de determinada área de atuação profissional, tais como psicologia, serviço social, pedagogia, etc. Os agentes socioeducativos detêm a função simultânea de preservar a integridade física dos adolescentes e dos funcionários, bem como desenvolver atividades de cunho pedagógico, até mesmo profissionalizantes. O desempenho desta função não exige a certificação de ensino superior (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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, 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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).

Diretrizes pedagógicas para o atendimento socioeducativo são delimitadas pelo SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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), como forma de guiar as ações dos funcionários que atuam com os adolescentes. Enquanto autoridades competentes, os funcionários devem dirigir suas ações a partir de uma perspectiva democrática que garanta a participação ativa dos adolescentes. As atividades devem ser planejadas com vias a promover exigências aos adolescentes, como forma de desenvolver suas capacidades e habilidades potenciais, mas sem perder de vista a compreensão de suas limitações. Ressalta-se ainda a presença construtiva, solidária, favorável e criativa dos funcionários, que devem educar a partir do exemplo pessoal.

Uma revisão sistemática da literatura (Coscioni, Costa, et al., 2017Coscioni, V., Costa, L. L. A., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2017). O cumprimento da medida socioeducativa de internação no Brasil: Uma revisão sistemática da literatura. Psico, 48(3), 231-242. https://doi.org/10.15448//1980-8623.2017.3.24920
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) caracterizou o cumprimento da MSE de internação no Brasil a partir da análise de 30 pesquisas conduzidas em unidades socioeducativas. As principais conclusões da revisão sobre os aspectos interpessoais relatados foram: (a) o clima interpessoal das unidades é marcado pela hostilidade entre adolescentes e adolescentes e funcionários; (b) há relações interpessoais amistosas entre adolescentes e funcionários, ainda que em menor frequência e consideradas como exceções; (c) a convivência entre os adolescentes gera uma cultura endogrupal, característica de adolescentes em MSE; (d) os adolescentes dão importância à família e estreitam o vínculo com seus familiares durante a internação; (e) as visitas familiares ocorrem com precariedade devido a problemas logísticos nas unidades e a maus tratos de funcionários.

No que se refere às relações com os agentes socioeducativos, as pesquisas revelaram um padrão de relação autoritária. Adolescentes entrevistados em estudos em Pernambuco (Monte & Sampaio, 2012Monte, F. F. C., & Sampaio, L. R. (2012). Práticas pedagógicas e moralidade em unidade de internamento de adolescentes autores de atos infracionais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(2), 368-377. https://doi.org/10.1590/S0102-79722012000200019
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) e Rio de Janeiro (Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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) identificaram que os agentes os tratavam com abuso de poder, punições expiatórias e até mesmo violência física. Um estudo de múltiplos casos comparou duas unidades socieoducativas em Minas Gerais (Menicucci & Carneiro, 2011Menicucci, C. G., & Carneiro, C. B. L. (2011). Entre monstros e vítimas: A coerção e a socialização no sistema socioeducativo de Minas Gerais. Serviço Social & Sociedade, (107), 535-536. https://doi.org/10.1590/S0101-66282011000300009
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) e identificou o uso indiscriminado de sanções pelos agentes de ambas as instituições. A pesquisa indicou que, muito embora os locais possuíssem um regulamento interno, o seguimento das normas diante de imprevistos ocorria a partir de interpretações e convicções dos funcionários. Em um estudo em São Paulo (Lazaretti-da-Conceição & Cammarosano-Onofre, 2013Lazaretti-da-Conceição, W., & Cammarosano-Onofre, E. M. (2013). Adolescentes em privação de liberdade: As práticas de lazer e seus processos educativos. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 11(2), 573-585. https://doi.org/10.11600/1692715x.1128120912
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), os adolescentes entrevistados também relataram o uso excessivo de práticas de isolamento pelos agentes. Foram encontrados elementos de relações positivas em um estudo de caso no Rio de Janeiro (Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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), cujo participante relatou uma relação diferenciada de apoio social e intimidade com um agente do local. O participante acrescentou, contudo, que o agente foi advertido por sua chefia a não estreitar vínculos, por se considerar que esta não era sua função enquanto funcionário. Adolescentes entrevistados em Porto Alegre (Branco & Wagner, 2009Branco, B. M., & Wagner, A. (2009). Os adolescentes infratores e o empobrecimento da rede social quando do retorno à comunidade. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2), 557-566. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200024
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) identificaram os agentes socioeducativos como ocupando a função de conselheiro, regulação social e apoio emocional.

Com relação à equipe técnica, pesquisas identificaram elementos institucionais que dificultavam a vinculação com os adolescentes. Em uma pesquisa no Rio de Janeiro (Oliveira & Assis, 1999Oliveira, M. B., & Assis, S. G. (1999). Os adolescentes infratores do Rio de Janeiro e as instituições que os “ressocializam” - A perpetuação do descaso. Cadernos de Saúde Pública, 15(4), 831-844. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400017
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), técnicos alegaram que, devido ao excesso de trabalho, tinham de redigir relatórios com base em poucos atendimentos. Somado à precariedade dos investimentos em recursos humanos e materiais, o excesso de trabalho prejudicava a qualidade de ambas as funções: os atendimentos técnicos e a avaliação. Adolescentes entrevistado em Porto Alegre (Coscioni, Farias, et al., 2018Coscioni, V., Farias, B. G., Garcia, A., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2018). O covívio de adolescentes em medida socioeducativa de internação com a equipe técnica. Psico, 49(2), 137-147. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2018.2.27890
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) identificaram que a principal função da equipe técnica era redigir os relatórios para o Poder Judiciário, o que interferia diretamente em suas relações interpessoais. Em um estudo no Distrito Federal (Souza & Costa, 2012Souza, L. A., & Costa, L. F. (2012). Aspectos institucionais na execução da medida socioeducativa de internação. Revista Psicologia Política, 12(24), 231-245. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000200011
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), a pesquisadora observou tentativas de a equipe técnica conduzir suas funções em conformidade com o SINASE, o que era dificultado pela precariedade dos recursos humanos e materiais.

Entre os estudos relacionados ao convívio entre adolescentes em MSE, prevalecem os estudos de caráter etnográfico que investigam suas regras de socialização e valores (Almeida, 2013Almeida, B. G. M. (2013). Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, 25(1), 149-167. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
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; Aragão et al., 2012Aragão, E. M. A., Margotto, L. R., & Batista, R. (2012). Uma cidade-internação e suas multipli(cidades): Encontros com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. EPOS, 3(2), 1-21. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2012000200006
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; Mallart, 2014Mallart, F. (2014). Cadeias dominadas: A Fundação CASA, suas dinâmicas e as trajetórias de jovens internos. Terceiro Nome.; Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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). Esses estudos encontraram uma espécie de pacto de coletividade que regulava as relações interpessoais como forma de garantir a ordem no local. Dois desses estudos (Mallart, 2014Mallart, F. (2014). Cadeias dominadas: A Fundação CASA, suas dinâmicas e as trajetórias de jovens internos. Terceiro Nome.; Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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) se ativeram sobretudo na investigação do poder das facções criminosas, tendo identificado o domínio desses grupos nos locais. Em um estudo de caso no Rio de Janeiro (Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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), o participante revelou ter sofrido violência sexual por outros internos, que não aceitavam o fato de ele ter cometido estupro. Em outra pesquisa (Silva & Ristum, 2010Silva, J. O., & Ristum, M. (2010). A violência escolar no contexto de privação de liberdade. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(2), 232-247. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000200002
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), professores do sistema socioeducativo revelaram que os adolescentes apresentavam uma postura de intimidação, a partir da qual ocorria uma espécie de disputa pelo poder no local.

Sobre as relações com familiares, as pesquisas convergiram no sentido de identificar uma valorização da família durante o período de internação. Em um estudo em Minas Gerais (Souza & Menezes-Santos, 2010Souza, M. M. S., & Menezes-Santos, J. A. (2010). O processo de desvinculação de um adolescente com a prática infracional, a partir do cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 5(2), 216-226. https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/...n2/Souza_e_Menezes-Santos.doc
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), os adolescentes participantes consideraram as visitas familiares como os melhores momentos vivenciados durante a privação de liberdade. Familiares entrevistados no Rio Grande do Sul (Dias et al., 2011Dias, A. C. G., Arpini, D. M., & Simon, B. R. (2011). Um olhar sobre a família de jovens que cumprem medidas socioeducativas. Psicologia & Sociedade, 23(3), 526-535. https://doi.org/10.1590/S0102-71822011000300010
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) e Distrito Federal (Souza & Costa, 2013Souza, L. A. D., & Costa, L. F. (2013). A significação das medidas socioeducativas para as famílias de adolescentes privados de liberdade. Psico-USF, 18(2), 277-287. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000200011
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) reconheceram que o período de privação de liberdade favoreceu a (re)aproximação com seus filhos. Um outro estudo no Rio Grande do Sul (Branco & Wagner, 2009Branco, B. M., & Wagner, A. (2009). Os adolescentes infratores e o empobrecimento da rede social quando do retorno à comunidade. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2), 557-566. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200024
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) verificou que as redes sociais dos cinco participantes incluíam quase que integralmente membros da família. Em uma pesquisa realizada com familiares no Rio Grande do Norte (Medeiros & Paiva, 2015Medeiros, F. C., & de Paiva, I. L. (2015). A convivência familiar no processo socioeducativo de adolescentes em privação de liberdade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 568-586. https://doi.org/10.12957/epp.2015.17659
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), foi identificado um contexto de violação dos direitos das visitas familiares, o que dificultava o cumprimento do direito de convivência familiar.

Diferentes dos estudos apresentados, a presente pesquisa pretende dar um protagonismo maior aos adolescentes no relato das relações interpessoais vivenciadas com diferentes grupos de pessoas dentro das unidades socioeducativas. Seu objetivo, nesse sentido, é caracterizar as relações interpessoais estabelecidas por adolescentes em MSE de internação, a partir da perspectiva dos próprios adolescentes.

Método

Trata-se de um estudo de múltiplos casos (Stake, 2006Stake, R. E. (2006). Multiple Case Study Analysis. Guilford Press.), considerando grupos focais conduzidos com adolescentes em MSE de internação como unidades de caso.

Participantes

Participaram do estudo 25 adolescentes internos em quatro unidades socioeducativas em Cariacica, Espírito Santo (ES) e Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS). A escolha das instituições participantes levou em consideração a idade dos adolescentes atendidos, tendo em vista que, em cada cidade, deveriam ser realizados um grupo com faixa etária entre 15 e 17 anos e outro entre 18 e 20 anos. Os participantes foram recrutados com o auxílio de funcionários, considerando os critérios de inclusão: (a) cumprimento da MSE superior a seis meses (tempo razoável para vinculação com outras pessoas); e (b) recebimento de visitas familiares (a pesquisa investigava relações familiares). Não foram recrutados adolescentes que possuíam histórico de conflitos interpessoais. Os adolescentes que aceitaram participar se autointitularam predominantemente de cor parda (seis participantes em cada região), havendo mais adolescentes de cor preta no ES (três no ES e um no RS) e de cor branca no RS (seis no RS e três no ES). A maioria cursava o ensino fundamental (21 no ES e 20 no RS). A nomeação fictícia foi sugerida pelos participantes ou embasada em características observadas.

Instrumentos

A pesquisa foi conduzida a partir de grupos focais, embasados em um roteiro de atividades semiestruturado que previa duas sessões. Na primeira sessão, os participantes e a equipe de pesquisa produziram crachás e se apresentaram. Em um segundo momento, foram discutidos os projetos de vida dos participantes. A segunda sessão iniciou-se com o debate acerca das relações interpessoais estabelecidas, durante a internação, com a equipe técnica, os agentes socioeducativos, a família e os pares. Investigaram-se então as contribuições dessas relações sobre a elaboração de projetos de vida. O enfoque do artigo é no conteúdo inicial da segunda sessão e os demais conteúdos foram analisados em outros manuscritos (Coscioni, Marques, et al., 2018Coscioni, V., Marques, M. P., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2018). Projetos de vida de adolescentes em medida socioeducativa de internação. Ciencias Psicológicas, 12(1), 109-120. https://doi.org/10.22235/cp.v12i1.1601
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; Coscioni, Nascimento, et al., 2018Coscioni, V., Nascimento, D. B., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2018). Pressupostos teórico-metodológicos da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano: Uma pesquisa com adolescentes em medida socioeducativa. Psicologia USP, 29(3), 363-373. https://doi.org/10.1590/0103-656420170115
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).

Uma ficha de identificação, um protocolo de observação e um diário de campo foram utilizados como instrumentos complementares. A ficha de identificação continha dados biossociodemográficos e socioeducativos. O protocolo de observação era sistematizado e delimitava um conjunto de comportamentos apresentados pelos participantes durante as atividades: entonação de voz, interações, mudanças de opiniões e insights. O diário de campo era também sistematizado (Coscioni, 2017Coscioni, V. (2017). Systematization of recording in field diary: A case of a research in Brazilian juvenile detention centers. In Dell’Aglio, D. D. & Koller, S. H. (Eds.), Vulnerable children and youth in Brazil (pp. 261-274). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-65033-3_17
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) e referia-se a aspectos infra-estruturais e institucionais, bem como aspectos interpessoais observados durante a estadia em campo.

Procedimentos de Coleta de Dados

Os grupos focais foram conduzidos entre março e abril de 2016 e cada uma de suas sessões durou aproximadamente duas horas. As atividades ocorreram em cômodos nas unidades socioeducativas, variando conforme o local: refeitório, biblioteca, espaço pedagógico e sala de aula. Todos os espaços estavam livres da presença de funcionários e outros adolescentes. Cada grupo ocorreu com seis participantes - com a exceção de um no RS, conduzido com sete. Os grupos foram realizados com um mediador, um comediador e dois observadores - um preenchia o protocolo de observação; enquanto o outro registrava a sequência de fala dos participantes. O papel de mediador foi desempenhado pela mesma pessoa, mas o restante da equipe foi diferente em cada uma das regiões. O mediador tinha 26 anos e era mestrando em psicologia. Os comediadores eram doutorandos em psicologia, tinham entre 30 e 35 anos, sendo do gênero feminino no ES e gênero masculino no RS. Os observadores tinham idades variando entre 22 e 32 anos e eram de ambos os gêneros. Nenhum membro da equipe de pesquisa conhecia os participantes antes da coleta de dados.

Os adolescentes foram acessados individualmente após a realização dos grupos, sendo-lhes oferecida a possibilidade de trazer conteúdos que não haviam sido expressos coletivamente. Os adolescentes foram contatados também após à análise parcial dos dados, entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017. Nesse sentido, foram entrevistados apenas os adolescentes que ainda residiam nas unidades socioeducativas, tendo-se por objetivo acessar a opinião dos adolescentes sobre os resultados parciais. Esses encontros individuais foram também realizados pelo mediador do grupo focal em cômodos nas unidades socioeducativas.

Procedimentos de Análise dos Dados

Os grupos focais e entrevistas foram transcritos e seu conteúdo foi tratado, juntamente com os diários de campo, por meio de uma Análise Temática (Braun & Clark, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Pshychology, 3, 77-101. https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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). Com o auxílio do software NVivo 11, os trechos relevantes ao objetivo proposto foram codificados e agrupados por similaridade semântica. A partir desses agrupamentos, foram criados temas e subtemas a posteriori, mediante abordagem êmica, isto é, conforme a perspectiva dos próprios participantes (Olive, 2014Olive, J. L. (2014). Reflecting on the tensions between emic and etic perspectives in life history research: lessons learned. Forum: Qualitative Social Research, 15(2), 1-9. http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/2072/3656
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). Essas unidades temáticas foram revisadas até o ponto que todos os códigos foram inseridos em categorias mutuamente exclusivas. Os temas foram nomeados, descritos e apresentados a um segundo juiz, que acessou os dados e codificou os trechos que julgou relevantes em categorias a priori, isto é, os temas criados pelo primeiro juiz. As diferenças foram tratadas pelo consenso. Ambos os juízes participaram da coleta de dados e apresentavam experiência profissional e de pesquisa com adolescentes em MSE. O primeiro juiz foi o mediador de todos os grupos; enquanto o segundo foi comediador dos grupos no ES.

Procedimentos sistemáticos embasados em Stake (2006Stake, R. E. (2006). Multiple Case Study Analysis. Guilford Press.) foram utilizados como forma de identificar semelhanças e diferenças entre os casos. Para tanto, foram criados protocolos a partir dos quais se identificava as diferentes manifestações semânticas das unidades temáticas em cada grupo. Essas diferentes manifestações semânticas foram comparadas entre os grupos e suas semelhanças e diferenças foram articuladas aos conteúdos registrados nos diários de campo e protocolos de observação. Os dois juízes trabalharam conjuntamente nesta etapa, sendo as diferenças tratadas também pelo consenso. O enfoque da análise foi mais o ente que os casos, o que interferiu diretamente na apresentação dos resultados. Nesse sentido, enfatizou-se mais a forma como o ente apresentava-se nos casos que a descrição dos casos particularmente (Stake, 2006Stake, R. E. (2006). Multiple Case Study Analysis. Guilford Press.). Por fim, o SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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, 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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) e achados de pesquisas anteriores foram utilizados para elucidar os resultados.

Procedimentos Éticos

A pesquisa foi apreciada por um comitê de ética em pesquisa e embasada na Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2012aBrazil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. (2012a). Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Diário Oficinal da União. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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), vigente na época. Seus objetivos, justificativa, procedimentos e critérios éticos foram apresentados às presidências dos sistemas socioeducativos e às equipes técnicas e gerenciais dos locais. Os adolescentes estiveram individualmente com a equipe de pesquisa antes da coleta de dados, a fim de que recebessem informações para a garantia do consentimento livre e esclarecido (Coscioni, Dias, et al., 2017Coscioni, V., Dias, A. C. G., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2017). Autonomia e voluntariedade na pesquisa com adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista da SPAGESP, 18(2), 74-85. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702017000200007
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). Ao concordar voluntariamente em participar, os adolescentes assinaram um termo de assentimento (ou consentimento, a depender da idade). Os gerentes dos locais assinaram o termo para adolescentes com menos de 18 anos.

Resultados e Discussão

A análise gerou 10 temas, descritos na Tabela 1. Os temas serão discutidos integradamente em subseções que refletem sobre as relações interpessoais estabelecidas com cada grupo investigado (agentes socioeducativos, equipe técnica, pares e família).

Tabela 1
Descrição sumarizada dos temas gerados na análise de dados

Agentes Socioeducativos

Os participantes criticaram o modo como os agentes socioeducativos trabalhavam, observando o desinteresse pela execução das atividades rotineiras, bem como parcialidade no exercício de suas funções. Afirmaram que os agentes reclamavam sobre o trabalho, por vezes deixando de cumprir com suas funções: “Quando eles tão lá em cima, eles têm que fazer um monte de correria, mas eles não querem trabalhar. Eles querem ficar sentados ali na sombra deles, tomando um café” (Questionador, 18 anos). Revelaram que suas opiniões eram pouco consideradas no convívio cotidiano: “Na real, que nem eles falam pra nós, a nossa palavra aqui dentro pra eles não vale de nada” (Honesto, 18 anos). Queixaram-se ainda com relação à forma indiscriminada como eram submetidas as sanções disciplinares:

Esses dias, o moleque só pegou o controle, botou na outra mesa. A mulher pediu o controle, a outra agente. Ele falou para esperar que ele ia mudar de canal. Aí ela já botou ele na tranca, cautelou ele dois dias. Isso não é motivo de cautelamento, só porque ele estava trocando de canal. (Estressado, 16 anos)

O uso indiscriminado de sanções disciplinares se configura como uma violação de direito e uma prática desfavorecedora do desenvolvimento saudável. O SINASE (Brasil, 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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, Art. n. 71) declara que as entidades de atendimento socioeducativo devem sistematizar um regime disciplinar, discriminando e tipificando as infrações passíveis de sanções. Ao adolescente é garantido ainda o direito de ampla defesa e contraditório, além de estar vedada a submissão de sanção antes não discriminada no regime disciplinar (Brasil, 2102bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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, Art. n 75). Tendo em vista os princípios pedagógicos expressos pelo SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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), pode-se pensar que outras formas de resolução de conflito devem ser estimuladas entre os agentes socioeducativos, baseadas no respeito mútuo e na “educação por exemplo”. Isolar adolescentes sem nenhuma prerrogativa legal ou pedagógica parece indicar a execução da MSE a partir de uma lógica coercitiva. Outros relatos dos participantes exemplificam ações dos agentes distantes de sua finalidade pedagógica, chegando até mesmo ao uso de procedimentos vexatórios:

Usuário (17 anos): Eles partem mesmo é para a porrada, algemam. Eles fazem assim, quer ver oh, segura sua nuca e faz assim, oh. [Abaixa a cabeça em direção ao chão] / Estressado (16 anos): Coloca o cara lá no chão. / Ansioso (17 anos): Vai te mandando assim. / Usuário: Até aonde ele quiser. Se ele quiser andar a unidade toda, você vai andar a unidade toda. / Estressado: Eh, quatro horas, cinco horas de procedimento. Ansioso: Sentado. / Estressado: Jogado para trás, olhando para o chão. / Mediador: Algemado para trás, olhando para o chão? / Usuário: Sem levantar a cabeça. / Estressado: Quando ele não topa de você ficar olhando para o chão deitado e as pernas para o alto. / Mediador: Cara no chão, deitado? / Estressado: Tipo, bota nós de peito no chão, olhando para o chão, algemado para trás e as pernas para o alto. Não pode abaixar as pernas. Se abaixar, ele vai te carregar de novo.

Os resultados sugerem que as relações com os agentes socioeducativos são hostis, marcadas pela violência física e psicológica e tratamento desumano. Outras pesquisas brasileiras observaram resultados semelhantes (Lazaretti-da-Conceição & Cammarosano-Onofre, 2013Lazaretti-da-Conceição, W., & Cammarosano-Onofre, E. M. (2013). Adolescentes em privação de liberdade: As práticas de lazer e seus processos educativos. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 11(2), 573-585. https://doi.org/10.11600/1692715x.1128120912
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; Menicucci & Carneiro, 2011Menicucci, C. G., & Carneiro, C. B. L. (2011). Entre monstros e vítimas: A coerção e a socialização no sistema socioeducativo de Minas Gerais. Serviço Social & Sociedade, (107), 535-536. https://doi.org/10.1590/S0101-66282011000300009
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; Monte & Sampaio, 2012Monte, F. F. C., & Sampaio, L. R. (2012). Práticas pedagógicas e moralidade em unidade de internamento de adolescentes autores de atos infracionais. Psicologia: Reflexão e Crítica, 25(2), 368-377. https://doi.org/10.1590/S0102-79722012000200019
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; Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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), de modo que tal hostilidade parece um elemento comum ao sistema socioeducativo. Essa realidade vai de encontro aos princípios do SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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), segundo os quais os funcionários devem educar pelo exemplo pessoal. Agredir, humilhar e isolar são métodos coercitivos distantes à proposta pedagógica da MSE. A socioeducação deve se iniciar entre os funcionários, que, assumindo um exemplo positivo, podem catalisar processos de mudanças.

As menções sobre violência foram mais frequentes no ES. Registros nos diários de campo observaram um forte enfoque sobre os procedimentos de segurança, o que pode se relacionar à autopercepção dos agentes socioeducativos enquanto profissionais da segurança. Oito meses após a execução do grupo, o adolescente Estressado (16 anos) revelou mudanças no tratamento dos agentes no local. Segundo o participante, após a instalação de câmeras, as agressões físicas ocorreram em menor frequência, dada a possibilidade de denúncia. O adolescente acreditava que tais mudanças relacionavam-se também a uma mudança de gestão.

Os relatos sobre agressões físicas foram ausentes entre os participantes de uma das unidades do RS, reconhecida por sua política de atendimento livre do uso da violência. Registros no diário de campo revelaram um clima interpessoal de maior amistosidade. Ademais, um dos chefes de turno informou a um membro da equipe de pesquisa que, por muito tempo, não acreditava na função pedagógica de seu trabalho, executando-o somente por motivação econômica. O funcionário complementou que, com o tempo, passou a se identificar mais com os princípios socioeducativos expressos por Lei, efetivando mudanças na forma de agir com os adolescentes. Acrescentou, todavia, que tal posicionamento era ainda raro entre seus colegas. Creditou o fato à ausência de capacitações entre os funcionários, que poderiam levar à compreensão dos princípios vigentes para o atendimento socioeducativo.

A forma como as lógicas coercitivas e socializadoras se articulam no contexto de execução da MSE, associa-se, dentre outros aspectos, à visão dos funcionários sobre a política de atendimento (Menicucci & Carneiro, 2011Menicucci, C. G., & Carneiro, C. B. L. (2011). Entre monstros e vítimas: A coerção e a socialização no sistema socioeducativo de Minas Gerais. Serviço Social & Sociedade, (107), 535-536. https://doi.org/10.1590/S0101-66282011000300009
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). A ênfase sobre a segurança parece conduzir os agentes socioeducativos a uma percepção de si enquanto funcionários da segurança. A educação permanente pode promover melhoras no clima organizacional e interpessoal, favorecendo, pois, um processo de novas inserções sociais aos adolescentes.

Os participantes declararam que desenvolviam maior afeição com alguns agentes, caracterizados como dispostos em ajudar e trabalhando de modo humanizado:

Franco (19 anos): Ele conversa com a gente, vê se tá tudo certo, pergunta se tem alguma coisa que a gente tá precisando. / Humilde (19 anos): Sabe conversar com você, né? Deixa você tranquilo, dá um conselho para você mudar de vida. / Franco: Fala que quer ver a gente quando sair daqui mudado. Não quer ver a gente mais aqui. / Questionador (18 anos): Faz o que precisa, fica buscando de outras formas, que é tudo isso que a gente tava falando aí. Então, se pede pra eles fazer uma correria, eles faz. Pode não fazer na hora, mas eles têm os motivos deles pra não fazerem naquela hora. / Humilde: Tem agente que deixa até de comer pra fazer um favor pra nós.

O tratamento humanizado desses agentes foi considerado pelos participantes como favorecedor do processo socioeducativo. Houve relatos de agentes que demonstravam preocupação, associada a uma cobrança positiva, que propiciava reflexões e mudanças: “Eles te levam bem, mas te cobram o dobro, entendeu? Eles querem te ver bem” (Zeus, 16 anos). Tal conduta é congruente com os princípios do SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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), segundo os quais os funcionários devem assumir uma postura de “cobrança e compreensão” que conduza o adolescente a um desenvolvimento saudável. Outras pesquisas brasileiras encontraram relatos de relações positivas com agentes, descritas como exceções em um clima de hostilidade (Branco & Wagner, 2009Branco, B. M., & Wagner, A. (2009). Os adolescentes infratores e o empobrecimento da rede social quando do retorno à comunidade. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2), 557-566. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200024
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; Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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). O bom tratamento dos agentes foi descrito mais frequentemente por adolescentes que referiam a si mesmos como mais educados:

Os monitores aqui dentro me tratam super bem. Eles falam que eu sou uma pessoa que tem educação. Eu sei conversar com as pessoas, sei pedir “por favor”, “sim, senhor”, “não, senhor”. Eu acho que por isso eu sou tratado diferente. (Honesto, 18 anos)

O menor repertório de habilidades sociais parecia, assim, se relacionar a uma forma de tratamento mais violenta. Tal diferenciação é inadequada ao princípio de equidade no tratamento (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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; 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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), uma vez que adolescentes com baixo repertório de habilidades sociais necessitam de atenção especial por sua condição de vulnerabilidade.

Os resultados sugerem que o tratamento humanizado de uma parte dos agentes é coerente aos princípios do SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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) e conduz a um desenvolvimento saudável. Esforços devem ser realizados no sentido de tornar este padrão de relação a norma e não a exceção. A prevalência das relações violentas parece refletir uma cultura de aprisionamento que acompanha as instituições penais desde sua origem (Foucault, 1975/2011Foucault, M. (2011). Vigiar e punir: Nascimento da prisão (R. Ramalhete, Trad.; 39ª Ed.). Vozes. (Original published in 1975)). É preciso romper com esta cultura e fornecer aos adolescentes um espaço em que sua integridade física seja garantida e as relações interpessoais favoreçam novas inserções sociais.

Equipe Técnica

Os adolescentes compreendiam que a principal função da equipe técnica era redigir os relatórios que muniam as audiências de reavaliação da MSE, de modo que a finalidade dos atendimentos técnicos era coletar informações a serem transmitidas ao Poder Judiciário. Nesse contexto, os participantes disseram omitir informações, receosos de que significariam o aumento do tempo de internação: “O cara se sente até meio ameaçado por elas tá perguntando toda hora se o cara vai mudar ou não. Daí o cara se sente ameaçado em falar que não vai mudar. Daí o cara tem que mentir” (Baderneiro, 18 anos). Os adolescentes revelaram que chegavam a simular comportamentos, com o objetivo de convencer a equipe técnica de que deveriam receber uma progressão de MSE:

Honesto (18 anos): Que nem a gente fala entre nós: “Eu fui atendido pela técnica e eu entrei na mente dela”. O cara tem que envolver até a última pra... Não sei se elas fingem que acreditam, mas pelo menos parece. / Mediador: O que que seria entrar na mente dela? / Honesto: Entrar na mente... Tipo assim, se o cara falar que vai largar o crime e o cara estiver sereno, puxando a medida serena, é mais fácil de largar [fim da MSE]. Se o cara tiver de chorar no atendimento, falar que tá arrependido...

A função avaliativa creditada às equipes técnicas é incongruente com sua função pedagógica. O SINASE (Brasil, 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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, Art. n. 42, § 1º) estabelece que a audiência de reavaliação da MSE deve ser instruída por um relatório da equipe técnica do programa de atendimento. Este documento tem como função a descrição da evolução do Plano Individual de Atendimento, construído com o adolescente durante a MSE. Nesse sentido, devem ser relatadas as atividades desenvolvidas, com vias à compreensão de como o programa de atendimento tem dirigido seu processo pedagógico. O mal uso dos relatórios técnicos socioeducativos foi observado em outros estudos, cujos resultados revelaram relatos descontextualizados que individualizavam a conduta infracional dos adolescentes ou culpabilizavam seus familiares (Malvasi, 2014Malvasi, P. A., & Adorno, R. D. C. F. (2014). A vulnerabilidade e a mente: Conflitos simbólicos entre o diagnóstico institucional e a perspectiva de jovens em cumprimento de medida socioeducativa. Saúde e Sociedade, 23(1), 30-41. https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000100002
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; Medeiros & Paiva, 2015Medeiros, F. C., & de Paiva, I. L. (2015). A convivência familiar no processo socioeducativo de adolescentes em privação de liberdade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 568-586. https://doi.org/10.12957/epp.2015.17659
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; Scisleski et al., 2015Scisleski, A. C. C., Bruno, B. S., Galeano, G. B., Santos, S. N. D., & Silva, J. L. C. D. (2015). Medida socioeducativa de internação: Estratégia punitiva ou protetiva?. Psicologia & Sociedade, 27(3), 505-515. https://doi.org/10.1590/1807-03102015v27n3p505
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). Os participantes entendiam, assim, que as relações entre adolescentes e técnicos seriam diferentes, caso não houvesse a função avaliativa:

Mediador: Vamos supor que a equipe técnica não tivesse mais essa função de escrever o relatório de vocês. Como que vocês acham que seria a relação de vocês com os técnicos? / Franco (19 anos): Seria acho que mais verdadeira, né? Mais sincera, né? / Questionador (18 anos): A gente poderia falar com mais liberdade, que não nos comprometesse isso. Oh, você é psicólogo [referindo-se ao mediador], eu não posso falar com a psicóloga daqui da unidade o que eu falei com o senhor hoje ou ontem. Então é diferente, porque muitas das coisas que a gente fala, comprometem a gente.

A partir dos registros no diário de campo, foi possível observar que os funcionários discordavam da forma como desempenhavam a função de escrever os relatórios. Afirmavam que se sentiam pressionados pelo Poder Judiciário a se posicionar quanto à sentença em relação à MSE, o que prejudicava o estabelecimento de relações mais autênticas. A constante necessidade de escrever relatórios provocava a diminuição da frequência de atendimentos. O baixo contingente de funcionários e a superlotação agravavam a situação, tendo em vista que cada equipe técnica tornava-se responsável pelo acompanhamento de muitos adolescentes.

Os registros no diário de campo revelaram que a precarização da estrutura física interferia também na frequência com que adolescentes e técnicos se encontravam, faltando até mesmo espaço para a efetuação dos atendimentos. As unidades socioeducativas no RS encontravam-se em pior estado de sucateamento, havendo o relato de que os atendimentos ocorriam nos refeitórios e salas de aula. Isso pode se relacionar à maior frequência de relatos sobre a baixa frequência de atendimentos entre os adolescentes no RS. No ES, o adolescente Estressado (16 anos), entrevistado oito meses após os grupos focais, revelou que os atendimentos técnicos passaram a ocorrer em maior frequência. O adolescente associou tal mudança à redução da quantidade de adolescentes, bem como à mudança de gestão no local.

Os resultados sugerem que as relações com os técnicos pareciam sofrer a influência da precarização dos recursos humanos e materiais. O Poder Executivo parece cúmplice de tal lógica, uma vez que há a carência de investimentos nos programas socioeducativos - o que conduz à precarização do trabalho e da infraestrutura das entidades de atendimento. O Poder Judiciário também contribui para essa precarização, tendo em vista o acúmulo de demandas judiciais que dificultam o desempenho das atividades pedagógicas - seja pelo excesso de trabalho, seja por aspectos institucionais que creditam à equipe técnica a função de avaliar os adolescentes. Estado semelhante de precarização do trabalho foi encontrado em outras pesquisas brasileiras (Coscioni, Farias, et al., 2018Coscioni, V., Farias, B. G., Garcia, A., Rosa, E. M., & Koller, S. H. (2018). O covívio de adolescentes em medida socioeducativa de internação com a equipe técnica. Psico, 49(2), 137-147. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2018.2.27890
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; Oliveira & Assis, 1999Oliveira, M. B., & Assis, S. G. (1999). Os adolescentes infratores do Rio de Janeiro e as instituições que os “ressocializam” - A perpetuação do descaso. Cadernos de Saúde Pública, 15(4), 831-844. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400017
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; Souza & Costa, 2012Souza, L. A., & Costa, L. F. (2012). Aspectos institucionais na execução da medida socioeducativa de internação. Revista Psicologia Política, 12(24), 231-245. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000200011
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), o que leva ao entendimento de que esta é uma realidade nacional.

O contexto de empobrecimento das políticas públicas parece se relacionar aos relatos dos participantes de que alguns técnicos trabalhavam de modo parcial, assumindo uma postura de julgamento:

Ela chega e fala que ninguém tá pronto pra ir pra [fase] conclusiva. Aí olha e pergunta “E o meu caso, o meu relatório?". E aí ela "qual seu processo?", "homicídio". E ela "Para você três anos é pouco". Você acha que o adolescente vai se sentir como ouvindo isso? Vai querer mudar quando ela fala isso? (Franco, 19 anos)

A postura adotada pela funcionária no relato acima está em total desacordo com os princípios do SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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; 2012bBrazil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. (2012b). Lei federal n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficinal da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm
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), além de impactar negativamente a autoestima e a motivação do adolescente em seu processo socioeducativo. Ao assumir uma conduta de julgamento, a equipe técnica desfavorece sua vinculação com o adolescente e denuncia a influência de discursos penalistas de que a função da MSE é punir, ao invés de educar.

Ainda que prevalentemente distantes, os adolescentes descreveram relações positivas estabelecidas com os técnicos, caracterizadas pela confiança e apoio psicológico:

Pensador (16 anos): Elas se envolvem, coisa que não é o trabalho delas, mas elas acabam se envolvendo. / Mediador: Como assim se envolvendo? Você pode explicar melhor? / Pensador: Acaba se envolvendo, seguindo a família do cara, saber o que aconteceu, não sei o quê. Não é o trabalho delas. O trabalho delas só me ajudar a sair daqui. Não tem que se envolver, não tem que julgar, não tem que falar nada. É só escrever o relatório pro Juiz e ponto final.

O relato acima sugere que as funções pedagógicas da equipe técnica eram entendidas pelos adolescentes enquanto favores, prevalecendo o entendimento de que sua principal função era a de redigir os relatórios judiciais. Ademais, as relações de maior intimidade entre adolescentes e técnicos foram relatadas em maior frequência por adolescentes que se intitulavam mais educados e que demonstravam maior interesse pelas atividades. As equipes técnicas são preparadas para lidar com adolescentes com baixo repertório de habilidades sociais, bem como os que se sentem desmotivados em participar dos atendimentos.

O envolvimento afetivo apresentado por alguns técnicos estava relacionado a ganhos em habilidades sociais, amadurecimento e aspirações de futuro distantes da criminalidade. Esse tipo de relação, expresso em menor frequência, deveria se constituir como o padrão de relação usualmente estabelecido, pois está em consonância com o SINASE (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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) e favorece o desenvolvimento saudável. Para tanto, esforços devem ser promovidos no sentido de melhorar as condições de trabalho nas entidades socioeducativas.

Pares

Os participantes relataram um conjunto de normas que mediava as relações entre os internos. Essas normas prezavam pela coletividade, prevalecendo a ideia de respeito mútuo:

Todo lugar tem regra. As nossas regras é de respeitar um ao outro, na hora da visita, na hora do alojamento. Respeitar. Tem que respeitar o outro, porque se eu não respeito ele, eu estou dando espaço para ele não me respeitar, correto? Nossas regras é essas: um respeitando o outro para não dar confusão, porque se prejudicar um, vai prejudicar todo mundo. (Estressado, 16 anos)

Dentre as regras, havia a tentativa de evitar brigas, tendo em vista que suas ocorrências traziam consequências negativas, não apenas aos diretamente envolvidos, como aos demais internos. Aos diretamente envolvidos, a participação em conflitos poderia significar o aumento do tempo de internação, a partir de avaliação negativa pela equipe técnica. Aos demais, a intercorrência de conflitos poderia prejudicar a rotina no local. Isto porque se estabelecia um clima interpessoal hostil que dificultava a relação com os funcionários e, consequentemente, o processo de avaliação de todos. Os adolescentes convencionaram, assim, que problemas pessoais deveriam ser resolvidos após o cumprimento da MSE, de modo que adolescentes de facções criminosas rivais deveriam conviver durante a MSE:

Trem Bala (18 anos): O cara convive com os caras que são contra. / Honesto (18 anos): Mesmo sendo contra, os caras vão precisar do teu apoio pra fazer tudo, né, seu? / Sereno (18 anos): Fazer o que se eles são contra? / Honesto: Aqui o cara é obrigado a ficar junto, né, seu? O cara tem que aprender a conviver. / Trem Bala: Mesmo sendo contra, todo dia eu vou acordar e vou ter que olhar pra tua cara. / Mata Rindo (18 anos): Tá faltando um no futebol, “Ah, contra esse daí eu não vou jogar”. Não existe isso daí. / Honesto: O cara joga. / Trem Bala: O cara joga, o cara tem vários contra aqui. / Honesto: O cara pode ter uma discussão, um bagulho. Na hora, o cara tá de cabeça quente, mas o cara vê que, na real, o cara tá por ir embora. / Zé Pequeno (18 anos): Tem uns que é certo que se encontrar na rua vão se matar, né, seu? / Honesto: Bah, isso aí é certo, mas, no caso, aqui dentro os caras evitam.

Os achados diferenciam-se dos resultados trazidos por uma pesquisa etnográfica conduzida em duas unidades socioeducativas no Rio de Janeiro (Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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). Nas instituições cariocas, os adolescentes eram separados em alojamentos conforme a vinculação com facções criminosas. Os internos compreendiam que a convivência com os alemães (membros de facções criminosas) era inconcebível, podendo gerar conflitos.

Normas foram descritas pelos participantes, tendo como finalidade resguardar o respeito pelas figuras familiares. Não era permitido xingar pessoas da família de outros adolescentes, tampouco olhar diretamente para as visitas de outros internos. As vestimentas em dias de visita eram também regulamentadas: não se podia utilizar roupas curtas, que mostrassem os braços ou a cueca; e não se podia levantar a camisa ou outra parte da vestimenta, de modo a expor o corpo. Não era permitido se masturbar em dias de visita e, para alguns grupos, esta regra se estendia para um dia anterior e dois dias seguintes à sua realização. Os adolescentes afirmaram que a masturbação poderia estar associada à imagem de pessoas que compareceram às visitas, o que deveria ser evitado em sinal de respeito.

Os participantes revelaram outras normas internas. Havia regras com relação à higiene: tanto no que se refere à limpeza do espaço físico, quanto à higiene pessoal, evitando maus odores. Não era permitido falar a outras pessoas assuntos que eram de pertinência apenas aos adolescentes. Dentre tais assuntos, se encontravam: detalhes sobre as normas internas; punições delegadas a pessoas que violam normas; etc. Esse pacto de silêncio foi observado durante a coleta de dados em uma das unidades no ES, tendo em vista que os participantes se calavam e se entreolhavam quando assuntos polêmicos eram tratados. Somente em entrevista individual um adolescente se pronunciou sobre tais temas:

A regra existe entre nós mesmos. A gente que põe a regra, o que pode, o que não pode. Se tem visita no domingo, aí a pessoa chega e não pode ficar se masturbando, de domingo até na terça-feira. Aí o cara vai, chegou domingo, segunda-feira, vai e faz isso. Alguém pega aí, ele já é cobrado entre nós mesmos. Isso aí nenhum agente pode saber. Ou então também xingar a mãe um do outro. Isso não rola, que você é cobrado. Ficar conspirando um com o do outro também não rola. Briga também não rola. Sempre tem que estar um respeitando ao outro. Não é questão de medo, mas sempre estar respeitando, porque a gente está ali vivendo um e com outro. (Ansioso, 17 anos)

Os adolescentes informaram que a violação das normas implicava em punições, que variavam em diferentes níveis de severidade. Os adolescentes transgressores eram excluídos do convívio dos demais, devendo fazer as refeições separadamente. Todos os adolescentes deveriam evitar o contato com os transgressores, tendo em vista que um sinal de concordância com a violação significaria também uma transgressão. O descumprimento de algumas normas era punido com sanções mais brandas. Segundo os participantes de uma das unidades do RS, jogar uma casca de banana no chão, significava descumprir com a norma de limpeza. Isto geraria a exclusão do convívio com os demais por uma semana, além da necessidade de cuidar da limpeza durante este tempo. A transgressão de normas mais graves poderia significar punições mais severas. Na mesma unidade, os participantes descreveram a situação de um adolescente que se masturbou no dia de visita e que, por tal razão, encontrava-se excluído do convívio dos demais por tempo indeterminado. As regras sobre punição pareceram mais severas nesta unidade, o que pode se relacionar ao perfil do local, que comportava os casos mais complexos (autores de atos infracionais graves e/ou reincidentes).

Os participantes declararam que adolescentes que cometeram determinados atos infracionais também estavam sujeitos às mesmas punições. Dentre esses atos infracionais, estavam os análogos a crimes sexuais e roubo de trabalhadores. Resultados semelhantes foram encontrados na etnografia já mencionada (Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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), cujos participantes descreveram como mancões os adolescentes que delatavam outros internos, que eram homo ou bissexuais, que praticaram ato infracional análogo a estupro e/ou atos “contra seus próprios familiares, morador de sua comunidade, idoso, criança ou passageiro de ônibus” (Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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, p. 284). Os mancões também eram submetidos a punições, que envolviam o isolamento e agressões físicas.

Normas parecidas foram encontradas em pesquisas em outros Estados (Almeida, 2013Almeida, B. G. M. (2013). Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, 25(1), 149-167. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
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; Aragão et al., 2012Aragão, E. M. A., Margotto, L. R., & Batista, R. (2012). Uma cidade-internação e suas multipli(cidades): Encontros com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. EPOS, 3(2), 1-21. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2012000200006
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uplo...
; Oliveira, 2003Oliveira, E. R. (2003). Ensinando a não sonhar: A anti-pedagogia oficial destinada a adolescentes infratores no estado do Rio de Janeiro. Revista Katálysis, 6(1), 85-95. https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/7121
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), o que pode significar que esse código é um elemento comum nessas instituições. Segundo Almeida (2013Almeida, B. G. M. (2013). Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, 25(1), 149-167. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
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), essas normas existem como uma forma de conter a possibilidade de caos no convívio entre pessoas encarceradas. A autora analisou o relato de adolescentes em MSE e extraiu a ideia de que havia entre eles uma concepção dos outros enquanto pessoas essencialmente más, de modo que as normas evitavam conflitos que poderiam gerar consequências mais graves, como homicídios.

Para além das normas, os participantes mostraram certa ambuiguidade ao descrever o clima interpessoal entre os adolescentes. Parte das relações foram caracterizadas pela hostilidade e desconfiança, sendo relatadas desavenças motivadas pelo pertencimento a facções rivais e pelo desrespeito. Esse clima de tensão era semelhante às relações com os agentes socioeducativos e foi encontrado em pesquisas sediadas em diferentes Estados (Almeida, 2013Almeida, B. G. M. (2013). Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, 25(1), 149-167. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
https://doi.org/10.1590/S0103-2070201300...
; Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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; Silva & Ristum, 2010Silva, J. O., & Ristum, M. (2010). A violência escolar no contexto de privação de liberdade. Psicologia: Ciência e Profissão, 30(2), 232-247. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000200002
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). Um clima de intimidação parecia existir enquanto estratégia de sobrevivência: “É que, onde a gente tá, cada um sabe o que que pode fazer lá fora, então quase ninguém abaixa a cabeça pra ninguém” (Observador, 19 anos). Esse clima de intimidação gerava até mesmo agressões físicas em alguns momentos:

Tem uns que tão aqui conversando contigo, te dando um abraço pelas costas e uma facada pelo peito, tá entendendo? Querem o mal da gente. A gente não vai "Ah, não, a gente quer o bem daquele fulano". Como a gente vai querer o bem do cara se o cara quer nosso mal, tá entendendo? Por isso, muitas vezes, a gente sai no soco com ele e com outros aí. Ficam pegando o cara pra louco, ficam falando bagulho dele, daí o cara se estressa e já sai na mão. (Forasteiro, 17 anos)

Os participantes descreveram, por outro lado, um conjunto de relações caracterizadas pelo convívio pacífico e harmonioso. Foi descrito um clima de solidariedade, no qual os adolescentes se ajudavam com conselhos e apoio emocional: “São todos humildes, um com o outro, um ajudando o outro. Na dificuldade, está lá para dar conselho. Se você estiver precisando de um apoio, se o amigo puder te ajudar, te ajuda” (Estressado, 16 anos). A solidariedade se estendia a trocas de produtos de limpeza e comida que adentravam aos locais com as visitas familiares, o que foi encontrado em outros estudos (Almeida, 2013Almeida, B. G. M. (2013). Socialização e regras de conduta para adolescentes internados. Tempo Social, 25(1), 149-167. https://doi.org/10.1590/S0103-20702013000100008
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; Aragão et al., 2012Aragão, E. M. A., Margotto, L. R., & Batista, R. (2012). Uma cidade-internação e suas multipli(cidades): Encontros com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. EPOS, 3(2), 1-21. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178-700X2012000200006
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; Neri, 2011Neri, N. E. (2011) O “convívio” em uma “cadeia dimenor”: Um olhar sobre as relações entre adolescentes internados. Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 268-292. http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/Vol3no1_11.NERI_.pdf
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). Nesse sentido, adolescentes que não recebiam visitas, eram ajudados por outros internos que recebiam visitas. Este tipo de relação era mais comum entre adolescentes de mesma facção e alojamento, o que se assemelhava a uma relação de amizade:

Sempre tem o que você é mais próximo, o que você tem mais intimidade para conversar. Muita das vezes, toma a sua dor, ou quer te ajudar na sua dor. Se tiver passando por uma situação, te dá conselho, te ajuda e vice-versa. Então, não posso falar que a minha relação com ele é a mesma do que com ele, ou vice-versa também. Vai ter sempre um que você vai ser mais próximo, que você vai conversar certas coisas que você não vai conversar com todo mundo. (Questionador, 18 anos)

Essa relação de amizade foi mais mencionada entre os participantes da unidade do RS reconhecida pela política de atendimento livre do uso da violência. Isto pode se relacionar a efeitos menos visíveis da institucionalização, permitindo interações mais autênticas.

Mesmo com as normas para evitar o conflito entre os internos, o clima interpessoal entre os adolescentes parecia prevalentemente hostil. Essas relações estão em desacordo com os princípios da comunidade socioeducativa (Brasil, 2006Brazil. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. (2006). Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. CONANDA. http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/sinase.pdf
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), segundo os quais deve haver entre os internos o incentivo à solidariedade. A solidariedade foi mencionada pelos participantes, mas vinculada às associações com facções criminais. Os resultados sugerem, pois, que as relações entre os pares conduzem à internalização de ideais ligados ao mundo do crime, de modo que o período de internação parece contribuir mais para a manutenção desses ideais do que para a sua extinção. A MSE, nesse sentido, acaba por propiciar a perpetuação do envolvimento em atos infracionais, tornando-se o que popularmente é reconhecido como escola do crime.

Família

As visitas familiares foram descritas pelos participantes como os melhores momentos vivenciados durante a privação de liberdade, havendo expectativas por sua ocorrência:

Mediador: E como que é o momento das visitas? / Zé Pequeno (18 anos): É sagrado. / Trem Bala (18 anos): É sagrado, é sereno. / Honesto (18 anos): O cara pega a cadeira do cara ali e... / Tem Bala: É um momento que, tipo, o cara... / Mata Rindo (18 anos): O cara fica à vontade. / Trem Bala: Eh, e sai desse lugar aqui, que o cara sai... / Honesto: Daí o cara quer saber as notícias. / Trem Bala: É um momento que o cara sai desse lugar, o cara não fica só vivendo naquilo. Mas dura pouco, né?

Os momentos posteriores às visitas foram caracterizados com sentimentos negativos, como saudades e desejo de deixar a unidade socioeducativa em companhia dos familiares:

Inquieto (19 anos): A gente sobe e fica trancado lá e a família foi embora, só ficam os pensamentos mesmo. / Humilde (19 anos): Eh, e quando a visita vai embora e nós temos que subir. / Franco (19 anos): A gente sofre.

Os participantes revelaram também que se aproximaram de seus familiares no transcurso da MSE, criando uma relação de afetividade que não havia antes da internação:

Mata Rindo (18 anos): Era difícil o cara falar ali que o cara amava a coroa do cara pra ela. / Trem Bala (18 anos): Eh, o cara não sentava pra conversar uns bagulhos que o cara conversa aqui dentro. Aqui o cara conversa vários bagulhos que o cara nunca imaginou que o cara ia conversar. / Trem Bala: O cara fala até das cenas que o cara já fez, das coisas ruins. Fala tudo. / Mata Rindo: A coroa do cara nem sabe o que o cara fazia muito na rua e daí descobre aqui dentro. / Honesto: No caso, eu vou tentar sair e vou tentar ser do mesmo jeito, parar pra conversar.

Os resultados são corroborados por pesquisas anteriores (Branco & Wagner, 2009Branco, B. M., & Wagner, A. (2009). Os adolescentes infratores e o empobrecimento da rede social quando do retorno à comunidade. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2), 557-566. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200024
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; Dias et al., 2011Dias, A. C. G., Arpini, D. M., & Simon, B. R. (2011). Um olhar sobre a família de jovens que cumprem medidas socioeducativas. Psicologia & Sociedade, 23(3), 526-535. https://doi.org/10.1590/S0102-71822011000300010
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; Souza & Costa, 2013Souza, L. A. D., & Costa, L. F. (2013). A significação das medidas socioeducativas para as famílias de adolescentes privados de liberdade. Psico-USF, 18(2), 277-287. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000200011
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; Souza & Menezes-Santos, 2010Souza, M. M. S., & Menezes-Santos, J. A. (2010). O processo de desvinculação de um adolescente com a prática infracional, a partir do cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 5(2), 216-226. https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/...n2/Souza_e_Menezes-Santos.doc
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), que convergem no sentido de identificar a valorização do contato com a família durante a internação. Parece que, em meio às adversidades, os adolescentes veem em seus familiares a fonte de apoio, o que motiva alguns a romper com a conduta infracional e rever seu futuro. A principal fonte de apoio segundo os participantes são suas mães, o que também foi destacado em outros estudos (Branco & Wagner, 2009Branco, B. M., & Wagner, A. (2009). Os adolescentes infratores e o empobrecimento da rede social quando do retorno à comunidade. Ciência & Saúde Coletiva, 14(2), 557-566. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200024
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; Medeiros & Paiva, 2015Medeiros, F. C., & de Paiva, I. L. (2015). A convivência familiar no processo socioeducativo de adolescentes em privação de liberdade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 568-586. https://doi.org/10.12957/epp.2015.17659
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). A presença de figuras familiares pode ser compreendida como um fator de proteção aos adolescentes. Corroboram esse entendimento, os relatos dos participantes de que os adolescentes que não recebiam visitas tendiam a se envolver em mais conflitos, o que se relacionava a uma revolta pela ausência da família:

A família que deixa de vir visitar o filho, uma mãe que deixa de visitar o filho, você acha que ele vai ficar tranquilo aqui? Vocês acham que ele vai se dar bem ouvindo ela falar “Agora você foi preso, você responde por você, não quero saber de você.”? Você acha que isso vai ajudar ele? Pode até ser que ajude, mas é bem difícil ele falar "Não, não quero mais passar por essa situação". Na maioria das vezes, deixa o preso revoltado, né? (Questionador, 18 anos)

Ainda que os participantes tenham destacado os efeitos positivos da presença de familiares durante a MSE, uma série de problemas são apontados como desfavorecedores do convívio familiar. No RS, os adolescentes queixaram-se de maus tratos por parte dos funcionários, bem como de procedimentos de revista vexatórios, de modo que alguns chegavam a solicitar a seus familiares para não frequentar o local. Segundo o relato de adolescentes internos no ES, grandes filas se formavam nos dias de visitas, o que atrasava a entrada dos familiares e consequentemente diminuía o tempo que passavam juntos. Os participantes de ambas as regiões revelaram que, por vezes, seus familiares não podiam frequentar as visitas familiares, seja por dificuldades financeiras, seja devido ao horário de trabalho. O fato de as visitas familiares assumirem a função (originalmente do Estado) de providenciar produtos de higiene pessoal e comida, tornava as visitas familiares um alto investimento financeiro. Esse desrespeito ao convívio familiar parece uma realidade no sistema socioeducativo brasileiro, tendo em vista que pesquisas realizadas em outros Estados (Medeiros & Paiva, 2015Medeiros, F. C., & de Paiva, I. L. (2015). A convivência familiar no processo socioeducativo de adolescentes em privação de liberdade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 568-586. https://doi.org/10.12957/epp.2015.17659
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; Souza & Costa, 2013Souza, L. A. D., & Costa, L. F. (2013). A significação das medidas socioeducativas para as famílias de adolescentes privados de liberdade. Psico-USF, 18(2), 277-287. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000200011
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) observaram resultados semelhantes.

O convívio familiar é resguardado pelo SINASE (Brasil, 2012b) enquanto direito do adolescente em MSE, devendo as unidades socioeducativas promover ações que possibilitem a realização das visitas familiares. A realidade relatada pelos participantes, contudo, revela uma situação distante do previsto por Lei, de modo a desfavorecer o convívio familiar. Um estado de mudança positivo foi relatado pelos participantes nas entrevistas conduzidas oito meses após a coleta de dados. No RS, seria implementado um procedimento mais humanizado de revista, no qual os familiares não precisariam ficar nus diante dos funcionários. No ES, a entrada dos familiares passou a ser mais bem efetivada, otimizando o tempo das visitas.

Considerações Finais

Os resultados contribuem para a compreensão das relações interpessoais estabelecidas por adolescentes em MSE de internação. Seu diferencial refere-se a seu caráter êmico e no enfoque sobre os processos decorrentes da MSE. Em estudos anteriores, as relações interpessoais foram mencionadas sobretudo enquanto achados dispersos, havendo poucas investigações cujo objetivo central era compreender os processos das interrelações com outras pessoas presentes durante a MSE. Pesquisas com funcionários e familiares podem contribuir para compreender as relações interpessoais a partir da perspectiva dos adultos. Estudos longitudinais podem elucidar como essas relações se estabelecem no transcurso da MSE.

A pesquisa trouxe achados semelhantes a outros estudos brasileiros, de modo a descrever um clima interpessoal hostil entre adolescentes e funcionários. Uma cultura de aprisionamento comum a instituições penais é perpetuada nesses contextos, favorecendo até mesmo a eclosão de episódios de violência. A precariedade dos recursos humanos e materiais parece contribuir para que os atendimentos técnicos ocorram aquém da previsão legal, desfavorecendo o desenvolvimento saudável. O excesso de demandas oriundas do Poder Judiciário exerce também um efeito negativo, tendo em vista o excesso de trabalho e as dificuldades de vinculação inerente à posição avaliativa que a equipe técnica passa a ocupar.

As relações com os pares e familiares parecem também sofrer a influências de aspectos institucionais semelhantes. A cultura de aprisionamento que desfavorece o vínculo com os funcionários produz um clima interpessoal igualmente hostil entre os pares, que reproduzem normas existentes nas unidades há gerações. Estimuladas entre os próprios adolescentes, essas normas trazem consigo elementos enraizados no mundo do crime, de modo a perpetuar a conduta infracional entre os adolescentes. No que se refere à família, tal cultura de aprisionamento parece influir na forma como são tratados os visitantes nesses espaços, o que desencoraja as idas às unidades ou interfere negativamente nos momentos vivenciados durantes as visitas. A própria organização da infraestrutura física deve ser repensada, de modo a comportar com dignidade o direito de convivência familiar.

Aspectos contextuais e institucionais relacionados à MSE precisam ser revistos, de modo que a internação venha a se constituir como um período que de fato promova o desenvolvimento. Os projetos arquitetônicos das unidades devem ser reformulados, de modo a se adequar às proposições legais. Intervenções devem ser pensadas com a finalidade de perpetuar uma nova política de atendimento, livre do uso da violência e coerente com os princípios de uma comunidade socioeducativa. A relação entre Poder Judiciário e sistema socioeducativo precisa ser explorada, de modo a se regularizar as demandas judiciais encaminhadas às equipes técnicas socioeducativas. As visitas familiares precisam também ser reguladas, no sentido de assegurar o direito de convivência familiar.

Ainda que elementos interpessoais estivessem presentes nos achados da pesquisa, eles se constituíram como exceções em um ambiente prevalentemente hostil. O estudo verificou que o período de internação propiciou a aproximação dos adolescentes com seus familiares, o que situa a presença da família na MSE como um fator de proteção. Essa aproximação parece ocorrer, contudo, como efeito da vivência de adversidades, de modo que a família é reconhecida como única fonte de apoio social. Os relatos dos participantes indicam, portanto, que a MSE é um período de intenso sofrimento, distante da lógica pedagógica de uma comunidade socioeducativa e favorecedora da perpetuação da conduta infracional no futuro.

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  • Stake, R. E. (2006). Multiple Case Study Analysis Guilford Press.
  • *
    Apoio: Capes e CNPq.
  • **
    Trabalho derivado da dissertação de mestrado do primeiro autor, orientado pela terceira e quarta autora.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2018
  • Revisado
    02 Jun 2018
  • Aceito
    17 Jul 2018
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