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Percepção de pacientes com diabetes mellitus tipo 1 sobre o transplante de células-tronco hematopoéticas

Type1 diabetes mellitus patients' perception of hematopoietic stem cell transplantation

Resumos

O objetivo deste estudo foi investigar a percepção de pacientes com diabetes mellitus tipo 1 acerca do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). Participaram do estudo 12 pacientes, com idades entre 16 e 24 anos. Foi aplicado um roteiro de entrevista semiestruturada antes e um ano após o TCTH. Os relatos foram submetidos à análise de conteúdo temática e agrupados em três categorias: impacto do adoecimento, vivência do TCTH e retomada do cotidiano. Os resultados evidenciaram que os participantes foram capazes de identificar ganhos e refletir sobre as perdas advindas dessa situação-limite. Puderam perceber possibilidades de se beneficiarem do TCTH e vislumbraram no transplante uma oportunidade para além das inevitáveis dificuldades e limitações impostas pela terapêutica.

Transplante de medula óssea; impacto psicossocial; pacientes; diabetes mellitus tipo 1; células-tronco hematopoéticas


This study aimed to investigate how type 1 diabetes mellitus patients perceive hematopoietic stem cell transplantation (HSCT). Twelve patients participated, ranging in age from 16 to 24 years. Semi-structured interviews were held before and one year after the HSCT. Three categories emerged from the thematic content analysis: impact of the disease, experience of HSCT and reassuming daily life. The results evidenced that, although it is a highly invasive and threatening procedure, the participants were able to identify gains and to reflect on the losses deriving from this borderline situation. They realized there were possibilities to benefit from HSCT and saw it as an opportunity beyond the inevitable difficulties and limitations the treatment imposed.

Bone marrow transplantation; psychosocial impact; patients; type 1 diabetes mellitus; hematopoietic stem cells


Percepção de Pacientes com Diabetes Mellitus Tipo 1 Sobre o Transplante de Células-tronco Hematopoéticas1 1 Apoio: FAPESP e CNPq.

Type1 Diabetes Mellitus Patients' Perception of Hematopoietic Stem Cell Transplantation

Manoel Antônio dos Santos; Letícia Aparecida da Silva Marques; Érika Arantes de Oliveira-Cardoso; Ana Paula Mastropietro; Carla Regina de Souza Teixeira; Maria Lúcia Zanetti

Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia. Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP. CEP: 14040 901. E-mail: masantos@ffclrp.usp.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar a percepção de pacientes com diabetes mellitus tipo 1 acerca do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). Participaram do estudo 12 pacientes, com idades entre 16 e 24 anos. Foi aplicado um roteiro de entrevista semiestruturada antes e um ano após o TCTH. Os relatos foram submetidos à análise de conteúdo temática e agrupados em três categorias: impacto do adoecimento, vivência do TCTH e retomada do cotidiano. Os resultados evidenciaram que os participantes foram capazes de identificar ganhos e refletir sobre as perdas advindas dessa situação-limite. Puderam perceber possibilidades de se beneficiarem do TCTH e vislumbraram no transplante uma oportunidade para além das inevitáveis dificuldades e limitações impostas pela terapêutica.

Palavras-chave: Transplante de medula óssea, impacto psicossocial, pacientes, diabetes mellitus tipo 1, células-tronco hematopoéticas.

ABSTRACT

This study aimed to investigate how type 1 diabetes mellitus patients perceive hematopoietic stem cell transplantation (HSCT). Twelve patients participated, ranging in age from 16 to 24 years. Semi-structured interviews were held before and one year after the HSCT. Three categories emerged from the thematic content analysis: impact of the disease, experience of HSCT and reassuming daily life. The results evidenced that, although it is a highly invasive and threatening procedure, the participants were able to identify gains and to reflect on the losses deriving from this borderline situation. They realized there were possibilities to benefit from HSCT and saw it as an opportunity beyond the inevitable difficulties and limitations the treatment imposed.

Keywords: Bone marrow transplantation, psychosocial impact, patients, type 1 diabetes mellitus, hematopoietic stem cells.

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica de etiologia autoimune (DAI) causada por fatores genéticos e ambientais que, quando associados à obesidade, infecções ou traumas emocionais, pode acometer o indivíduo em uma etapa mais precoce do ciclo vital. Os sinais e sintomas que acompanham o quadro clínico compreendem: polidipsia, poliúria, polifagia, emagrecimento rápido e níveis elevados de hiperglicemia ou glicosúria em exames de sangue de rotina. As complicações mais frequentes apresentadas pelo paciente são: hipoglicemia, cetoacidose diabética, proteinúria, neuropatia periférica, retinopatia, nefropatia, entre outras (American Diabetes Association, 2011).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima em 143 milhões o número de pessoas com diabetes mellitus (DM) em todo o mundo e a projeção é de que a doença atinja 300 milhões de pessoas em 2025. No Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde, existem aproximadamente cinco milhões de pessoas com DM, 90% das quais do tipo 2 e de 5 a 10% do tipo 1 (Lojudice & Sogayar, 2008).

O tratamento do DM1 é bastante exigente, pois impõe ao paciente uma reorganização dos hábitos de vida e rigorosa observância da terapêutica preconizada. Os cuidados necessários baseiam-se no tripé: alimentação balanceada, exercícios físicos e insulinoterapia (American Diabetes Association, 2011; Grupo de Estudos em Endocrinologia e Diabetes, 2001; Sociedade Brasileira de Diabetes, 2011).

Desse modo, é necessário implementar algumas adaptações e alterações na rotina de vida das pessoas acometidas, o que, na maioria das vezes, pode constituir-se em uma tarefa extremamente penosa. Além disso, aspectos psicológicos, tais como ansiedade, depressão e estresse, podem exercer um efeito potencializador sobre a evolução da enfermidade e contribuir para deteriorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes (Guimarães, 1999) e dificultar a adesão ao tratamento (Gimenes, Zanetti, & Haas, 2009). Nesse contexto, a educação em saúde é reconhecida como uma estratégia efetiva para incrementar a competência de pacientes para a realização do autocuidado (Funnel & Anderson, 2004; Landim, Zanetti, Santos, Andrade, & Teixeira, 2011; Torres, Franco, Stradioto, Hortale, & Schall, 2009).

Frente às características do tratamento, o DM é caracterizado como uma das mais exigentes doenças crônicas, tanto no nível físico quanto psicológico (Apóstolo, Viveiros, Nunes, & Domingues, 2007; Funnel & Anderson, 2004; Péres, Franco, & Santos, 2006, 2008; Péres, Franco, Santos, & Zanetti, 2008; Péres, Santos, Zanetti, & Ferronato, 2007; Zanetti, Biaggi, Santos, Peres, & Teixeira, 2008; Zanetti et al., 2006, 2007a, 2007b). Em se tratando de adolescentes, ser acometido por DM torna-se ainda mais desafiador, uma vez que a doença pode acarretar limitações nos relacionamentos grupais, fundamentais à continuidade do desenvolvimento psicológico saudável nessa faixa etária (Imoniana, 2006).

Na adolescência o controle metabólico tende a deteriorar com o declínio da produção de insulina, que ocorre devido às mudanças hormonais próprias da faixa etária, associadas à resistência insulínica, maior risco de hipoglicemia e dificuldade em seguir o tratamento recomendado pelos profissionais de saúde (Damião & Pinto, 2007). O controle do DM1 na adolescência torna-se, frequentemente, um desafio para o manejo da doença, pois as restrições necessárias nos hábitos de vida se contrapõem à busca da independência e autonomia, à tendência grupal, aos sentimentos de invulnerabilidade e ilusão de indestrutibilidade que favorecem a exposição aos comportamentos de risco, entre outras características comportamentais típicas desse período do desenvolvimento (Mattosinho & Silva, 2007).

Em pesquisa realizada com pacientes adolescentes com DM1, Whittemore et al. (2002) identificaram que a incidência de sintomas depressivos é maior entre adolescentes com DM1, quando comparados com outros que não apresentavam essa condição crônica. Esse achado permite concluir que, entre os adolescentes, a vulnerabilidade a transtornos psiquiátricos, em especial a depressão, aumenta na presença da doença.

Os jovens acometidos, via de regra, querem fazer aquilo que desejam e não necessariamente o que deveriam fazer para manter os níveis glicêmicos sob controle. Por outro lado, a convivência precoce com uma condição limitante, como o DM1, traz uma vantagem em relação à aquisição tardia da doença, uma vez que os hábitos de vida ainda estão se estruturando na criança e no adolescente, sendo, em princípio, mais moldáveis e menos resistentes à mudança (Marcelino & Carvalho, 2005).

A literatura sugere a existência de íntima relação entre a organização emocional e o DM1, tanto na etiologia como no enfrentamento das consequências da enfermidade (Ribas, Santos, & Zanetti, 2011). O modo como o paciente vai enfrentar e lidar com os sentimentos que o diagnóstico suscita dependerá, além dos recursos internos e da personalidade de cada um, da forma como lhe foi comunicado o diagnóstico e do modo como a família e os amigos reagiram frente à notícia (Marcelino & Carvalho, 2005).

O manejo do DM1 impulsionou, ao longo do tempo, a exploração de estratégias educativas (Grossi, Cianciarullo, & Della Manna, 2002) e a descoberta de muitas inovações relacionadas às modalidades de tratamento. Nesse cenário em transição têm emergido novas possibilidades que ampliam o rol de tratamentos disponíveis. O transplante de medula óssea (TMO), atualmente referido como transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH), despontou recentemente como um recurso promissor e arrojado, que vem sendo testado nos últimos anos como uma alternativa à terapêutica convencional (Couri, Foss, & Voltarelli, 2006).

A Unidade de Transplante de Medula Óssea (UTMO) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) é um centro de referência pioneiro no mundo em TCTH aplicado ao DM1 (Couri & Voltarelli, 2008; Couri et al., 2006; Santos, Ferraz, Oliveira-Cardoso, Mastropietro, & Voltarelli, 2011; Voltarelli et al., 2007).

No DM1 é utilizado o transplante autólogo de células-tronco hematopoéticas (CTH). No TCTH autólogo o doador é o próprio paciente, que tem sua medula retirada durante o processo de remissão da doença e em seguida preservada para posterior infusão (Couri & Voltarelli, 2008). Evidências sugerem que, no DM1, a imunossupressão em altas doses, associada à infusão de CTH, tem o potencial de impedir a destruição total das células pancreáticas, produtoras de insulina, promovendo sua preservação; desse modo, as células beta-pancreáticas voltariam a produzir insulina eficientemente (Couri et al., 2006).

São elegíveis para o TCTH pacientes com, no máximo, seis semanas de diagnóstico de DM1 (Voltarelli et al., 2007). O procedimento prevê algumas etapas que os pacientes têm de atravessar: pré-TCTH, pós-TCTH imediato, pós-TCTH intermediário e pós-TCTH tardio (Santos et al., 2011). A fase pré-TCTH é definida pelo período pré-admissional, na qual são realizadas avaliações pela equipe multiprofissional, é feita a admissão hospitalar do paciente e a internação para a realização do procedimento e regime de condicionamento. Durante o TCTH propriamente dito, com o paciente na enfermaria, é realizada a aspiração da medula óssea do doador; a medula retirada é processada e é feito o preparo para sua posterior infusão no paciente. O procedimento de infusão de medula é realizado na própria Unidade de Transplante e assemelha-se a uma transfusão sanguínea. Após a infusão, aguarda-se o enxertamento ou "pega" da medula óssea. A fase pós-TCTH é o período caracterizado pela alta hospitalar, quando o enxertamento é considerado bem-sucedido e não se observam complicações decorrentes do transplante (Riul & Aguillar, 1997).

Estudos evidenciam as diversas repercussões psicológicas do TCTH (Kettmann & Altmaier, 2008; Matias, Oliveira-Cardoso, Mastropietro, Voltarelli, & Santos, 2011; Oliveira-Cardoso, Santos, Mastropietro & Voltarelli, 2009a, 2009b). As dificuldades iniciais aparecem já no momento da tomada de decisão de realização do procedimento, que pode ser visto como uma promessa e uma ameaça, configurando uma experiência paradoxal. Isso porque é percebido como uma possibilidade de resgate da saúde e, ao mesmo tempo, como risco de perda da integridade física e, acima de tudo, da própria vida (Mastropietro, Oliveira-Cardoso, Santos & Voltarelli, 2009; Oliveira-Cardoso et al., 2009a). O apoio de amigos e familiares, os recursos adaptativos prévios e as estratégias de enfrentamento adotadas pelo paciente frente à doença e o tratamento são considerados importantes preditores psicossociais da reabilitação pós-TCTH (Oliveira-Cardoso, Mastropietro, Voltarelli, & Santos, 2010; Oliveira-Cardoso et al., 2009a, 2009b).

Com a alta da enfermaria, o paciente deixa o isolamento protetor e inicia a etapa de acompanhamento ambulatorial. Por aproximadamente três meses terá retornos diários. Trata-se do pós-TCTH imediato, período que compreende até 100 dias após a infusão da medula óssea (Matias et al., 2009a). Nessa fase do tratamento, o paciente vivencia várias condições decorrentes dos rigores do procedimento, como ingestão exclusiva de alimentos cozidos, beber no mínimo três litros de água fervida por dia, usar constantemente a máscara de proteção devido à condição de imunossupressão, evitar contato com aglomeração de pessoas ou com aquelas que possam estar com algum quadro infeccioso, não se aproximar de animais domésticos, manter-se distante de crianças recém-vacinadas, não manter relacionamento sexual desprotegido, dentre outras prescrições restritivas (Oliveira-Cardoso et al., 2009a).

Após completar o período de 100 dias, a maioria dos pacientes pode voltar para casa e passa a ser seguida em retornos com intervalos maiores, em média de dois em dois meses (pós-TCTH intermediário). Com o alcance da melhora gradual da condição orgânica do paciente e o restabelecimento do sistema imunológico, esses retornos ambulatoriais tornam-se ainda mais espaçados, em geral, uma vez por ano no pós-TCTH tardio (Mastropietro, Santos, & Oliveira, 2007).

Como se pode deduzir, considerando-se a alta complexidade do procedimento, a etapa pós-TCTH representa um longo e árduo período de recuperação, atravessado por incertezas quanto à consistência e estabilidade dos resultados alcançados e o temor da recorrência da doença de base, que motivara a realização do transplante. A transição psicossocial inicial é particularmente difícil, uma vez que os pacientes são forçados a abdicar do estado de extrema dependência em que se encontravam durante o período de isolamento protetor, devido aos cuidados intensivos que recebiam da equipe hospitalar. Esse é um momento crítico e especialmente delicado, permeado por inúmeros estressores e manifestações emocionais e, em alguns casos, acompanhado por complicações clínicas. Aliado a isso, os pacientes precisam enfrentar as limitações e alterações físicas, emocionais e psicossociais inerentes ao pós-transplante e à nova condição de vida como indivíduo transplantado (Mastropietro, Oliveira-Cardoso, Simões, Voltarelli, & Santos, 2010a; 2010b).

As intensas restrições impostas pelo tratamento impactam a qualidade de vida dos pacientes, que experimentam limitações físicas, dores, desconforto emocional e exposição prolongada a condições estressoras (Mastropietro et al., 2007). Com o passar do tempo pós-TCTH, os pacientes mudam o foco de suas preocupações e retomam, gradativamente, os investimentos em seus projetos de vida, que até então permaneciam em suspenso, à espera do resultado do transplante. Nessa fase pós-TCTH, geralmente aparece o desejo de reorganizar a vida profissional, o que pode ser entendido como expressão da vontade de operar modificações na vida em geral. É um dado já bem documentado que a reinserção profissional é fator importante para a preservação do bem-estar e da qualidade de vida desses pacientes. No entanto, estudo evidenciou que 30,7% não retomaram sua atividade laboral. Pacientes desempregados pontuaram escores significativamente mais elevados para dor, ansiedade, distúrbios do sono, depressão, deficiência no funcionamento social, problemas nos relacionamentos interpessoais e dificuldades de adaptação à vida social (Doro, Pasquini & Lorh 2003; Gruber, Fegg, Buchmann, Kolb & Hiddemann, 2003).

As limitações vivenciadas pelos pacientes tendem a diminuir gradativamente, quando a evolução é favorável e algumas das funções perdidas são readquiridas com o decorrer do tempo (Guimarães, Oliveira, & Santos, 2008; Guimarães, Oliveira-Cardoso, Mastropietro, Voltarelli, & Santos, 2010; Mastropietro et al., 2007). Em relação especificamente aos pacientes com DM1, não é conhecido como eles se comportam, dada a inexistência de estudos específicos com essa população no contexto do TCTH. Acredita-se que o conhecimento da percepção dos pacientes sobre esse procedimento pode ser utilizado como insumo para elaborar estratégias psicológicas e incrementar abordagens educativas, que podem ser valiosas para reduzir o impacto do estresse e da ansiedade gerada pelas incertezas decorrentes de um procedimento médico que ainda se encontra em estágio experimental.

Nessa vertente, este estudo teve por objetivo investigar a percepção de pacientes com DM1 acerca do TCTH.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo, exploratório, do tipo longitudinal prospectivo. O presente trabalho pode ser caracterizado como uma pesquisa clínica, uma vez que o problema investigado emerge da experiência prática do pesquisador (Brewer & Hunter, 1989) e os resultados a serem obtidos podem ser revertidos para o aprimoramento das ações de saúde.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Na condução da pesquisa foram seguidas as diretrizes preconizadas pelo Conselho Nacional de Saúde (1996) e pelo Conselho Federal de Psicologia (2000). Os participantes, ou seus responsáveis legais, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participantes

A amostra foi composta por 12 pacientes com DM1, de ambos os sexos, com idade entre 16 e 24 anos, submetidos ao TCTH autólogo na UTMO da instituição hospitalar, no período de setembro de 2006 a outubro de 2007. Os critérios de seleção dos participantes foram: ter diagnóstico de DM1; estar em atendimento na enfermaria e ambulatório da UTMO no período delimitado para coleta de dados; apresentar condições clínicas e psicológicas para participar da entrevista; ter disponibilidade para colaborar voluntariamente com a pesquisa.

Instrumento

O instrumento utilizado foi um roteiro de entrevista semiestruturada. A entrevista é um dos principais meios de que dispõe o pesquisador para a coleta de dados, uma vez que valoriza a presença consciente e atuante do investigador e oferece a possibilidade do informante alcançar liberdade e espontaneidade em suas respostas (Triviños, 1992).

Na etapa pré-TCTH o roteiro de entrevista visava a coletar dados sobre a percepção acerca do adoecimento e do transplante, motivação e expectativas em relação ao TCTH, antecedentes pessoais, história familiar, condição de vida atual e planos futuros. No pós-TCTH, a entrevista teve o propósito de investigar a percepção dos pacientes acerca da experiência do transplante, de modo a apreender seu impacto sobre a vida cotidiana. Para tanto, foram explorados os momentos marcantes da experiência, as lembranças, facilidades e dificuldades vivenciadas durante o percurso do tratamento, a alta hospitalar, o retorno para casa, a reinserção social e os planos futuros.

Procedimento

A coleta de dados foi dividida em dois momentos: antes e um ano após o TCTH. As entrevistas foram realizadas em ambiente preservado e gravadas em áudio, mediante o consentimento prévio dos participantes. Seguiu-se um roteiro previamente estabelecido, porém flexível, aplicado individualmente. A duração média das entrevistas foi de uma hora.

Análise dos Dados

As entrevistas audiogravadas foram transcritas na íntegra e literalmente. O corpus de análise foi constituído por 24 entrevistas, considerando os dois momentos da investigação, pré e pós-TCTH. Em seguida foi realizada uma leitura exaustiva das respostas obtidas pela totalidade dos participantes. Os relatos foram categorizados por meio da análise de conteúdo temática (Triviños, 1992), que seguiu os seguintes passos: (1) pré-análise: essa etapa compreendeu leituras exaustivas para a organização do material, levando à extração e sistematização das idéias principais contidas nos relatos; (2) descrição analítica: nessa fase foi feita a categorização dos relatos verbais, com categorias elaboradas a partir dos núcleos de significado derivados das falas; e (3) interpretação referencial: compreendeu o tratamento e interpretação dos dados. Posteriormente, foram selecionados segmentos de falas para ilustrar as categorias construídas. Os nomes dos participantes utilizados neste estudo são fictícios, de modo a preservar o anonimato e a confidencialidade das informações colhidas.

Resultados

A casuística foi composta por pacientes majoritariamente do sexo masculino (67%), jovens (média de idade de 17,7 anos e desvio-padrão de 3,25), solteiros (100%), estudantes (75%), com renda familiar entre três e cinco salários mínimos e que se autodeclaravam praticantes de alguma religião (católicos, evangélicos e espíritas).

A partir da análise de conteúdo temática emergiram três categorias: (1) Impacto do adoecimento: essa categoria abrangeu sintomas iniciais, impacto do diagnóstico, crenças a respeito da etiologia do DM1 e mudanças percebidas no relacionamento familiar; (2) Vivência do TCTH: essa categoria abarcou a tomada de decisão pela realização do transplante, expectativas em relação ao TCTH, dificuldades advindas do tratamento; e (3) Retomada do cotidiano: essa categoria concerne as vivências da saída da enfermaria, mudanças na organização da vida diária pós-TCTH e planos futuros.

Impacto do adoecimento

As descrições relativas ao início do adoecimento foram convergentes. Os sintomas físicos que levaram à suspeita do DM1 foram, em geral, bastante semelhantes. Prevaleceu a percepção de que irromperam de modo abrupto, chamando a atenção dos participantes e de seus familiares. Foram mencionados com maior frequência: poliúria, polidipsia, emagrecimento rápido e, em alguns casos, turvamento da visão ou diminuição da acuidade visual: Eu tava muito cansada, mole, boca seca. Tomava mais água que o normal, ia mais ao banheiro. E como eu tenho minha irmã mais velha que tem diabetes faz seis anos, então minha mãe já desconfiou, eu já conhecia os sintomas (Isabel, 14 anos, solteira).

Odiagnóstico de DM1, na maioria dos casos (7/12), foi recebido como a confirmação de uma suspeita prévia, uma vez que muitos participantes relataram ter casos de DM na família, como pode ser constatado no relato anterior. Mesmo aqueles que não tiveram esse contato prévio com a doença (6/12) mostraram ter alguma informação anterior sobre os sintomas: E tinha muita sede, e eu associava ir muitas vezes ao banheiro a tomar muita água, mas depois eu comecei a ver que eu tomava água porque eu tinha sede mesmo, não era por mania, nada. Isso foi numa semana. No sábado eu fui acompanhar minha mãe, ela foi fazer compras, e me pesei. Tava pesando 51. Aí já tive certeza, né, falei: tô com diabetes (Richard, 17 anos, solteiro).

A princípio, a família emerge, no discurso dos participantes, como mais abalada do que os próprios doentes com a notícia: Quando descobriu o diabetes, eles ficaram muito abalados, né? Mais eles do que eu. Eu também, mas mais eles do que eu.. Então mudou muita coisa, mas depois voltou tudo ao normal (Vinicius, 16 anos, solteiro).

Por outro lado, o aparecimento de uma doença que requer a adoção de cuidados especiais estreitou os vínculos familiares: Assim, acho que eles se apegaram mais a mim, sabe. Deve ser pela doença que eu tenho, que precisa de alguns cuidados especiais (Mário, 16 anos, solteiro).

Em comparação aos familiares, o limiar de reação emocional dos pacientes parece ter sido mais lento. Uma vez definido o diagnóstico, só de forma gradual os pacientes puderam entrar em contato com a nova realidade e se conscientizarem das consequências de conviver com uma doença crônica a partir daquele momento: Nossa, cheguei em casa, todo mundo chorando. Eu nem achei que era também um problema tão grande, mas todo mundo chorando. Na hora também eu não tinha muita ideia... Mas aí foi passando, eu comecei a ler sobre a doença, agora eu sei (Carina, 16 anos, solteira).

Em relação às crenças acerca da origem do DM1, a maioria dos participantes relacionou o aparecimento da doença a algum acontecimento ou evento estressante que haviam vivenciado recentemente, enquanto outros atribuíram o surgimento do diabetes ao acaso: Estresse [quando é perguntado se o participante acredita que alguma coisa causou a doença]. Escola... É porque eu era muito assim, dois amigos meus brigavam, daí eu ficava no meio. Daí virava cabo de guerra comigo. Daí acabei até parando de conversar com algumas pessoas (René, 17 anos, solteiro).

Vivência do TCTH

Nove participantes tomaram conhecimento da possibilidade de fazer o TCTH por meio de profissionais da saúde, enquanto os outros ficaram sabendo dessa oportunidade graças à iniciativa de familiares que haviam se mobilizado em busca de soluções: A minha irmã recebe uma revista informativa... e tinha uma reportagem falando sobre células-tronco. Era uma entrevista com uma pesquisadora do Rio de Janeiro. E ela falava que aqui tinha esse experimento. Coisa de quatro linhas na revista (Richard, 17 anos, solteiro).

Na maioria dos casos a decisão pela realização do tratamento ficou sob a responsabilidade do próprio paciente (11/12), e apenas três contaram que se depararam com alguém (familiar, vizinho, amigo, médico) que se posicionou contra o procedimento: Sei que talvez eu não consiga parar de usar insulina. Mas acho que vale a pena. Fiquei até com um pouco de medo, mas achei que valia a pena (Carina, 16 anos, solteira).

Decidir fazer o transplante não foi uma resolução fácil na quase totalidade dos casos (11/12), uma vez que, dado o pouco tempo de diagnóstico, não haviam se deparado com as reais limitações que o DM1 acarreta na organização do cotidiano. Porém, a necessidade de aplicação diária de insulina e a monitorização constante dos níveis glicêmicos foram os fatores que mais contribuíram para a decisão favorável ao transplante. As complicações futuras que o DM1 pode acarretar também foram apontadas como fator motivador no processo de decisão pelo TCTH: Ah, um monte de coisa. O discurso de posse do Serra. Ele disse que quatro coisas na vida não voltam: a palavra dita, a água que passa, a flecha disparada e a oportunidade perdida. Porque eu sabia que tinha que fazer o transplante até seis semanas de diagnóstico e eu tinha a oportunidade de perder a necessidade de usar insulina, daí ia ter uma vida quase normal, então... (René, 17 anos, solteiro).

Dos 12 participantes, oito identificaram nos efeitos colaterais da quimioterapia o maior desafio a que foram expostos durante a trajetória do tratamento. A implantação do cateter central foi referida como a pior provação por quatro participantes. Embora em menor frequência, outras complicações também repercutiram intensamente e representaram fontes de perturbação do equilíbrio emocional, como a perda do cabelo (alopecia) para um dos participantes e a infusão de plaquetas para outro.

A experiência do tratamento em si não surpreendeu a maioria dos participantes (8/12), que relataram que foram internados com todas as informações que julgavam necessárias para enfrentar o TCTH. Relataram que os maiores percalços esperados no percurso do tratamento (quimioterapia para destruição da medula óssea, implantação do cateter central) coincidiram com as atribulações que foram realmente vivenciadas: Ah, assim, quando a gente vê falar, assim a gente imagina outra coisa, porque eu li na Internet a respeito do transplante, daí eu vim pra cá... eu achei que era coisa, quando cheguei aqui é que esclareceu, só que falando é uma coisa e você vivendo é outra coisa, né? É complicado, é chatinho, dói, né? Por causa da quimio e tudo, mas também não é assim o fim do mundo, dá pra levar numa boa (Patrícia, 18 anos, solteira).

Retomada do cotidiano

Quatro pacientes referiram a saída do hospital como uma experiência positiva e vivenciada sem dificuldades. Foram atribuídos significados positivos a essa fase: Foi bom, a única coisa difícil de me acostumar foi com o colchão [risos]. Eu acostumei a ficar inclinado e em casa não dá. Estranhei nas primeiras noites (René, 17 anos, solteiro).

No que diz respeito às possíveis preocupações em relação ao futuro, os participantes mencionaram temores relacionados à situação profissional e financeira, além do medo de recorrência da doença. Entre os demais temas que emergiram nas falas, chamou atenção a ausência, possivelmente defensiva, de outras preocupações em relação ao futuro, como a incerteza quanto a poderem ou não ter filhos, considerando que a infertilidade é um dos possíveis efeitos colaterais do tratamento quimioterápico. Também não se notou preocupação relacionada à condição de saúde futura: Nunca tinha pensado nisso de qualidade de vida. Hoje eu penso, né. Não pode ter doença, preocupações, tudo o que é negativo prejudica, e eu tô muito bem (Ulisses, 20 anos, solteiro).

Em relação à definição de planos futuros, metade dos participantes (6/12) referiu que, no momento, pensava apenas nos autocuidados necessários para a consolidação do tratamento. As atividades de vida diária foram progressivamente retomadas após o transplante. Também expressaram ter planos em curto prazo, como retomar algum projeto ou atividade que precisaram interromper de forma abrupta, devido à eclosão da doença, logo seguida do TCTH. Porém, todos os participantes referiram fazer planos de vida em longo prazo, embora esses tenham sido esboçados genericamente, como "obter realização profissional" e "constituir família": Eu quero tá aqui estudando, porque eu prestei pra cá [referindo-se ao vestibular], né... eu quero tá aqui... quero tá sem insulina e eu quero, quando me formar, me especializar em diabetes... É isso (Patrícia, 18 anos, solteira).

Discussão

O DM1 é uma doença que atinge, predominantemente, indivíduos com menos de 18 anos (Thompson & Gustafson, 1996), o que foi corroborado no presente estudo, uma vez que oito dos 12 participantes entrevistados eram menores de 18 anos. Além disso, é o tipo mais grave de DM, uma vez que se trata de uma síndrome autoimune de etiologia múltipla, decorrente da falta de insulina e/ou da incapacidade desse hormônio produzir seus efeitos, caracterizando-se por hiperglicemia crônica com distúrbios do metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2011).

Por se tratar de uma doença para a qual não se tem prevenção e que apresenta um período mais ou menos longo de "latência" de pouca expressão clínica (Cesarini et al., 2003), receber o diagnóstico acarretou impacto acentuado nos participantes. Esse aspecto surpreendente do acometimento por uma doença grave, de curso crônico-degenerativo, gerou uma comoção inicial não só nos próprios indivíduos, em sua maioria jovens, como em seu entorno familiar, exigindo um reordenamento das relações e dos cuidados, conforme foi possível apreender nas entrevistas. Uma desorganização familiar inicial foi relatada em praticamente todos os casos, seguida de uma progressiva adaptação à nova realidade instaurada pelo acometimento por uma condição irreversível.

Além do fato de a maioria dos participantes não esperar se deparar com um diagnóstico tão ameaçador em plena juventude, de acordo com os relatos obtidos nas entrevistas a família também ficou emocionalmente abalada e incomodada com a confirmação do diagnóstico. Um dos fatores que, aparentemente, contribuíram para esse impacto inicial foi o fato de já terem convivido ou ainda conviverem com familiares com DM. Dessa forma, já haviam conhecido as dificuldades e complicações advindas de uma vida com a doença (Zanetti et al., 2008).

Nos jovens pacientes recém-diagnosticados, no entanto, a percepção da possibilidade de enfrentarem sérias complicações decorrentes da doença ainda não estava presente, possivelmente porque ainda se encontravam em uma etapa de adaptação inicial à nova realidade instaurada pelo conhecimento do diagnóstico. Assim, muitos ainda se encontravam em estado de choque emocional e tentavam metabolizar o impacto do diagnóstico, reagindo com perplexidade, o que sugere a necessidade de maior tempo e apoio psicossocial para que o paciente possa assimilar integralmente e de maneira mais completa todas as implicações do DM para o seu viver (Gimenes, Zanetti & Haas, 2009).

Isso explicaria o fato de esses participantes perceberem as reações familiares frente à constatação da doença como desproporcionalmente intensas, o que cria uma espécie de descompasso, pois enquanto o paciente ainda se encontra no estágio de aprender a assimilar o que sente, vivenciando, inclusive, momentos de negação e minimização da gravidade do DM1, a família está em fase de alarme e de intensa mobilização emocional (Zanetti et al., 2008). Desse modo, a família já estaria antecipando o trabalho de luto pela perda abrupta da condição de saúde de seu ente querido (Oliveira, Mastropietro, Santos, & Voltarelli, 2007; Oliveira-Cardoso, Voltarelli, Santos, & Mastropietro, 2005).

Optar pela realização do transplante não foi uma decisão simples, uma vez que os participantes naquele momento só estavam a par do diagnóstico do DM1 havia no máximo seis semanas, tempo máximo para a indicação do procedimento (Voltarelli et al., 2007). Desse modo, esses jovens pacientes ainda não estavam completamente expostos às dificuldades inerentes ao conviver com a doença, nem às complicações que sua evolução pode acarretar em pacientes com pobre controle metabólico. Por outro lado, os participantes não se encontravam ainda refeitos do choque provocado pela notícia do diagnóstico e já se viram pressionados a decidirem se realizariam ou não um procedimento tão delicado e de alto risco como o TCTH. A tomada de decisão, nessas circunstâncias, pode aumentar a vulnerabilidade da pessoa acometida pelo DM1.

Além desses agravantes, adiciona-se o fato de a maioria dos participantes estar passando pela adolescência, período do ciclo vital marcado por intensas mudanças físicas, psíquicas e sociais, que desencadeiam dúvidas, insegurança, oscilações de humor e instabilidade emocional. Nessa etapa evolutiva, preocupações e medos podem às vezes acarretar uma reação contrafóbica, de exposição irrefletida ao perigo (Marcelino & Carvalho, 2005). Esse modo de enfrentamento pode predispor os adolescentes a enfrentarem todo tipo de risco sem a devida reflexão crítica; por outro lado, ao mesmo tempo pode fornecer a dose de ousadia necessária para acolherem a oportunidade oferecida pelo transplante. Fica aqui a questão de até que ponto esses jovens, expostos a tal estresse em época tão precoce de seu desenvolvimento, teriam efetivas condições de aferirem os riscos potenciais a que estariam sujeitos ao se submeterem a um tratamento experimental extremamente invasivo.

Um dos fatores que impulsionaram a aceitação do transplante foi o conhecimento prévio de que o tratamento convencional para o DM1 não traria a perspectiva da cura, mas apenas a possibilidade de controle da doença. O tratamento para DM1 resume-se à mudança de hábitos e do estilo de vida, o que envolve alimentação rigorosamente controlada e regrada em relação à combinação de alimentos e horários, conjugada com exercícios físicos regulares, e o tratamento medicamentoso com uso diário de insulina. Mesmo seguindo corretamente esse esquema terapêutico, o paciente com DM não estará livre das complicações que podem cursar com a doença (Gimenes, Zanetti & Haas, 2009).

Esses fatores pareceram exercer uma forte influência sobre a decisão favorável de pacientes e familiares em relação à realização do TCTH. A decisão de enfrentar o transplante parece ter sido fortemente associada à promessa de um futuro livre das complicações decorrentes do DM1. Porém, tais complicações, na perspectiva dos participantes do presente estudo, fazem parte apenas de um campo teórico e abstrato, porquanto ainda não experienciado, de sua concepção da doença.

Neste estudo, tais fatores motivaram os participantes a assumir os riscos e os impulsionaram em direção ao TCTH, apesar deste se configurar como uma alternativa absolutamente inovadora no tratamento da DM1. Como todo procedimento novo, ainda se encontra em estágio experimental e, portanto, traz uma perspectiva de resultados incertos. A possibilidade de modificar o futuro e assumir o domínio sobre um "destino" que, repentinamente, ameaçava fugir do controle constitui, certamente, o fator latente que motivou a maioria dos participantes, lembrando que se encontravam todos na condição de recém-diagnosticados.

Ainda assim, considerando a atmosfera densamente emocional que circunda essa opção, a decisão pelo tratamento foi tomada, na maioria dos casos, pelos próprios participantes, premidos pelas expectativas negativas que o conhecimento do diagnóstico acarretou e pelo temor das consequências futuras devido à progressividade da doença. Isso fez com que uma das principais dúvidas existentes nesse cenário – a questão da incerteza quanto ao prognóstico – fosse em grande parte negligenciada, dado o desconhecimento do impacto da terapêutica sobre a evolução do DM1. Por outro lado, os participantes declararam que estavam cientes de que haviam se engajado como voluntários de um protocolo arrojado de pesquisa e, em relação a isso, mostraram-se seguros quanto à decisão tomada.

Esse resultado corrobora o estudo de Prows e McCain (1997), que evidenciaram que a decisão pelo TCTH em pacientes com outras doenças é impulsionada pela esperança de cura. Nesse sentido, o TCTH tende a ser identificado pelo paciente como um tratamento salvador, que acena com a possibilidade de retomada da qualidade de vida, seriamente ameaçada pelas limitações que o DM1 acarreta no viver.

Além disso, segundo Marcelino e Carvalho (2005), um dos fatores que contribuem para o modo como o paciente vai encarar o DM1 é a forma como a família reage frente ao diagnóstico. Segundo os relatos obtidos na presente investigação, a família foi mencionada como mais abalada emocionalmente do que o próprio paciente, o que permite pensar que a opção pelo transplante pode ter sido percebida como uma solução possível para conter o intenso sofrimento familiar suscitado pela emergência aguda de uma doença que aparece de forma avassaladora, impactando pacientes e familiares.

A falta de uma explicação científica conclusiva sobre a etiologia da doença permitiu que alguns participantes atribuíssem sua causa ao estado emocional que apresentavam naquele período do ciclo vital em que o quadro foi diagnosticado, associando seu aparecimento a alguma situação estressante pela qual passavam (Oliveira-Cardoso et al., 2009a).

Alguns dos significados elaborados pelos participantes na tentativa de explicar o adoecimento também aparecem de forma recorrente no discurso de pacientes com câncer (Kovács, Andrade, & Sgorlon, 1998). A atribuição desses significados pode ser entendida como um modo de se familiarizar com o caráter desconhecido e ameaçador da doença crônico-degenerativa que, além de sua gravidade intrínseca, aparece envolvida em uma aura de significados culturais, preconceitos e crenças que favorecem o estigma social.

Por outro lado, dado que o TCTH consiste em um procedimento médico agressivo, o indivíduo que se propõe a realizá-lo é submetido a estressores físicos e psicológicos, como mudanças bruscas e rápidas em seu quadro de saúde, prolongada hospitalização, exposição a eventos estressores – como quimioterapia, implantação do cateter, espera da "pega" da medula e medo de contrair infecções decorrentes da imunossupressão, o que contribui para comprometer sobremaneira a qualidade de vida do transplantado (Mastropietro, Santos, & Oliveira, 2007; Mastropietro et al., 2009).

Por meio da análise das entrevistas ficou patente que a experiência de submeter-se ao transplante teve impacto intenso na vida de todos os entrevistados. As repercussões podem ser notadas desde o momento do conhecimento do diagnóstico do DM1 até um ano após a realização do TCTH. Entre os maiores desafios enfrentados pelos participantes na travessia do tratamento foram referidos os efeitos colaterais da quimioterapia e a implantação do cateter central.

A recordação das vivências do TCTH, transcorrido um ano da alta da enfermaria, no segundo momento investigado pelo estudo, mostrou significados positivos associados ao procedimento na maioria dos casos, a despeito das dificuldades que enfrentaram nesse percurso. Apesar das exigências de autocuidado e da existência de preocupações referentes ao estado de saúde, fortemente presentes nesse momento, os participantes manifestaram desejo de retomar as atividades cotidianas, interrompidas com o adoecimento, e apresentaram planos de vida a médio e longo prazo, em especial no tocante à realização profissional e no plano afetivo-familiar.

A partir dessas evidências, é possível afirmar que, apesar de se tratar de um procedimento altamente invasivo e ameaçador, os participantes do estudo foram capazes de identificar ganhos e também de refletir sobre as perdas inerentes à situação-limite que estavam enfrentando. Esse modo de vivenciar a situação permitiu-lhes vislumbrar possibilidades de se beneficiarem do TCTH e, assim, vislumbrarem um pouco mais além das inevitáveis dificuldades e limitações impostas pela nova condição de transplantados.

Recebido em 18.11.2009

Primeira decisão editorial em 15.09.2011

Versão final em 01.08.2012

Aceito em 02.08.2012

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    Apoio: FAPESP e CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2009
    • Aceito
      02 Ago 2012
    • Revisado
      15 Set 2011
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