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O Desempenho de idosos quanto a tomada de decisão em duas variações do Iowa Gambling Test

Performance of older adults in two versions of the Iowa Gambling Task

Resumos

O Iowa Gambling Test é utilizado na avaliação da tomada de decisão. O objetivo do presente estudo foi investigar se alterações nos procedimentos de aplicação do instrumento interferem na tarefa. Foi realizado um estudo transversal comparando dois grupos de idosos saudáveis em duas variações do instrumento. Vinte e sete participantes executaram a tarefa sem pista de reforço visual, enquanto 17 participantes foram submetidos à tarefa com pista. Os dados foram analisados por meio dos testes t de Student para amostras independentes e ANOVA para medidas repetidas. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à aversão ao risco. Os resultados indicam que uma pista de reforço visual permite a alocação de recursos atencionais e de memória de trabalho, possibilitando decisões menos arriscadas.

Iowa Gambling Test; envelhecimento cognitivo; funções executivas; tomada de decisão


The Iowa Gambling Test is used in decision making assessment. The aim of this study was to investigate if changes in the instrument application procedures interfere in the task execution.Across sectional study was carried out comparing two groups of healthy elderly in two variations of the instrument. Twenty seven participants executed the task without visual reinforcement clues, while 17 participants were submitted to the task with clues. Statistically significant difference was found between the two groups in relation to risk aversion. Results indicate that a clue of visual reinforcement permits the allocation of attention resources and working memory, allowing less risky decisions.

Iowa Gambling Task; cognitive aging; executive functions; decision making


O Desempenho de idosos quanto a tomada de decisão em duas variações do Iowa Gambling Test1 1 Estudo derivado da Dissertação de Mestrado da autora principal, sob orientação da segunda autora. Agência apoiadora: CAPES.

Performance of older adults in two versions of the Iowa Gambling Task

Gabriela Peretti Wagner2 2 Endereço para correspondência: Rua Com. Rodolfo Gomes, 513/303. Bairro Menino Deus. Porto Alegre, RS. CEP 90150-101. E-mail: gabrielapwagner@gmail.com ; Maria Alice de Mattos Pimenta Parente

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

O Iowa Gambling Test é utilizado na avaliação da tomada de decisão. O objetivo do presente estudo foi investigar se alterações nos procedimentos de aplicação do instrumento interferem na tarefa. Foi realizado um estudo transversal comparando dois grupos de idosos saudáveis em duas variações do instrumento. Vinte e sete participantes executaram a tarefa sem pista de reforço visual, enquanto 17 participantes foram submetidos à tarefa com pista. Os dados foram analisados por meio dos testes t de Student para amostras independentes e ANOVA para medidas repetidas. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à aversão ao risco. Os resultados indicam que uma pista de reforço visual permite a alocação de recursos atencionais e de memória de trabalho, possibilitando decisões menos arriscadas.

Palavras-chave: Iowa Gambling Test; envelhecimento cognitivo; funções executivas; tomada de decisão.

ABSTRACT

The Iowa Gambling Test is used in decision making assessment. The aim of this study was to investigate if changes in the instrument application procedures interfere in the task execution.Across sectional study was carried out comparing two groups of healthy elderly in two variations of the instrument. Twenty seven participants executed the task without visual reinforcement clues, while 17 participants were submitted to the task with clues. Statistically significant difference was found between the two groups in relation to risk aversion. Results indicate that a clue of visual reinforcement permits the allocation of attention resources and working memory, allowing less risky decisions.

Keywords: Iowa Gambling Task; cognitive aging; executive functions; decision making.

Recentemente, a Neuropsicologia tem dado ênfase a funções complexas como a seleção de objetivos, planejamento, monitoramento, sequenciamento e outros processos de supervisão que permitem ao indivíduo impor organização e estrutura sobre o seu ambiente (Foster, Black, Buck & Bronskill, 1997). Esse conjunto de funções é também conhecido por funções executivas (Fuster, 1997; Logan, 2000; Rabbitt & Lowe, 2000; Stuss & Alexander, 2000; Stuss & Levine, 2002). Os processos executivos são responsáveis por controlar as emoções, a cognição e a ação, e dependem, em termos anatômicos, das áreas frontais. Muitos pesquisadores concordam que o processamento executivo constitui um ingrediente essencial para a compreensão das relações entre mente, cérebro e comportamento. Contudo, o conhecimento existente acerca das funções executivas ainda é restrito, principalmente em função dos métodos de investigação existentes. Logan (2000), por exemplo, afirma que as funções executivas permanecem um enigma. Um dos principais fatores que contribui para isso é o fato de que, para acessar as funções executivas, utilizam-se testes e tarefas que mensuram mais de um construto (Stuss &Alexander, 2000). Outra razão consiste no fato de que o processamento executivo controla outras funções inter-relacionadas e complementares, o que requer aprimoramento teórico em termos de percepção, cognição e ação (Fuster, 1997; Logan, 2000).

Entre as diversas funções executivas, a tomada de decisão é uma das que recentemente se tornou foco de estudo entre os pesquisadores na área das neurociências. A tomada de decisão constitui uma função complexa que compreende um julgamento e uma escolha entre diversas alternativas (Plous, 1993), isto é, a decisão consiste em uma "escolha entre vários programas alternativos elegíveis para a execução de uma etapa, baseada num prognóstico quanto às suas consequências respectivas" (Costermans, 2001, p. 38). Entretanto, essa função complexa vem sendo investigada há alguns anos por estudiosos das mais diversas áreas, como a economia, história, filosofia, sociologia, estatística, ciência política, além da psicologia (para maiores detalhes ver Matlin, 2004).

Uma das explicações para os processos de tomada de decisão, de cunho neurobiológico, idealizada pelo grupo de Damasio (1994/2001), é denominada Hipótese do Marcador Somático. Essa hipótese propõe que estados corporais são evocados pela experiência de recompensa ou punição, e que essas experiências induzem à decisão. Em outras palavras, um número determinado de estruturas e de processos é necessário para a tomada de decisão. As emoções são também expressadas através de "estados corporais". Por essas razões, as modificações emocionais são também designadas por "estados somáticos". A expressão somático faz referência ao estado interno e visceral do corpo, ao invés de apenas músculo-esquelético. Os sinais somáticos podem ser baseados em estruturas que representam o corpo e seus estados, ou seja, os sinais somáticos podem ser gerados intracerebralmente por estruturas do tronco cerebral e do hipotálamo ao córtex cerebral (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara, Tranel & Damasio, 2000; Damasio, 1994/2001). Quando, por exemplo, surge um resultado negativo associado a uma resposta, este vem acompanhado de uma sensação somática desagradável. Esse "marcador somático" faz com que a atenção seja focalizada no resultado desagradável ou negativo. Em vista do surgimento desse "alerta", o indivíduo pode rejeitar uma dada ação percebida como negativa e redirecionar a decisão com base em outras alternativas (Schneider, 2004). Esses sinais são os responsáveis por guiar o comportamento de uma forma que seja vantajosa para o organismo (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara, Damasio, Damasio & Anderson, 1994; Bechara, Damasio, Tranel & Damasio, 1997; Bechara, Tranel & Damasio, 2000; Damasio, 1994/2001).

O instrumento que deu origem à Hipótese do Marcador Somático, teoria que explica os processos decisórios, é o Iowa Gambling Test -IGT (Bechara & cols., 1994). Esse instrumento foi idealizado pelo grupo do pesquisadorAntonio Damasio e tem sido utilizado em muitos estudos desde então (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara, Damasio, Tranel & Anderson, 1998; Bechara & cols., 1997; Bechara, Tranel & Damasio, 2000; Denburg, Tranel & Bechara, 2005; Evans, Kemish & Turnbull, 2004; Fellows & Farah, 2003; Franken & Muris, 2005; Lamar & Resnick, 2004; MacPherson, Phillips & Della Sala, 2002; Tranel, Bechara & Denburg, 2002; Wood, Busemeyer, Koling, Cox & Davis, 2005).

O IGT (Bechara & cols., 1994; Schneider, 2004; Schneider & Parente, 2006) avalia funções relacionadas às áreas ventromediais do córtex pré-frontal por meio da simulação de uma situação real.A tarefa requer que o indivíduo retire, uma a uma, cartas de quatro baralhos. Os baralhos são iguais em aparência e tamanho. A cada carta retirada, ocorrem ganhos monetários (recompensas), mas algumas vezes podem ocorrer perdas. No estudo clássico de Bechara e cols. (1994), os valores eram distribuídos da seguinte maneira: em termos de ganhos, ao retirar cartas dos baralhosAou B, os participantes recebiam $100; ao escolher cartas dos baralhos C ou D, o valor adquirido era de $50. Portanto, ao final de 10 jogadas, o participante podia ganhar $1000 ao selecionar cartas dos baralhos A e B, mas apenas $500 ao escolher cartas dos baralhos C e D. Em relação às perdas, nos baralhos A e B elas também eram maiores do que nos baralhos C e D. Contudo, o valor limite (total) para perdas nos baralhos A e B era de $1250, enquanto nos baralhos C e D era de $250. Além da questão dos valores, outro aspecto é importante. As perdas eram mais frequentes nos baralhos B e D, quando comparados aos outros dois. Em uma única jogada no baralho B, o participante podia perder $1250, enquanto no baralho A, este valor era distribuído em cinco punições de $250 (totalizando $1250). Em relação ao baralho C, as perdas eram distribuídas em cinco de $100 (totalizando $500), enquanto no baralho D, uma única perda equivalia a $500. Com base nesses valores, dois baralhos são considerados desvantajosos (A e B), pois apesar dos ganhos imediatos serem maiores, eles também totalizam perdas maiores. Outros dois são tidos como vantajosos (C e D), uma vez que ao final da tarefa, o participante fica com um valor total maior, apesar dos ganhos imediatos serem menores. Um dos baralhos desvantajosos e um dos vantajosos fornecem perdas frequentes (A e C), enquanto as perdas nos outros dois (B e D) são ocasionais.

Com o objetivo de avaliar a tomada de decisão segundo a Hipótese do Marcador Somático, Bechara e cols. (1994) investigaram dois grupos de participantes. O grupo com lesão frontal ventromedial foi formado por quatro homens e duas mulheres, com idades entre 43 e 84 anos. Fizeram parte do grupo controle 44 participantes saudáveis, sendo 21 mulheres e 23 homens, com idades, entre 20 e 79 anos. Os resultados mostraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Os participantes do grupo controle escolheram mais cartas dos baralhos vantajosos e evitaram os desvantajosos. Em contrapartida, os participantes do grupo com lesão cerebral escolheram mais cartas dos baralhos desvantajosos e evitaram os vantajosos.

Bechara e cols. (1994) constataram que pacientes com lesões nas áreas ventromediais desenvolveram déficits de desempenho quanto à tomada de decisão em situações similares às da vida real, apresentando inabilidade para aprender com seus próprios erros e insensibilidade às consequências futuras de seus atos. Em termos operacionais, os participantes com lesão não manifestaram aversão ao risco. Ou seja, não percebiam que, ao preferir os baralhos desvantajosos, apesar de um maior ganho imediato, com o passar do tempo perdiam mais. Portanto, o grupo com lesão concentrava-se nos ganhos e perdas momentâneos, sem conseguir processar cognitivamente um futuro hipotético (ver também Bechara & cols., 1997).

Bechara, Tranel e Damasio (2000), em um estudo posterior, repetiram o experimento de Bechara e cols. (1994), mas com variações. A primeira tarefa consistiu em uma replicação da tarefa original, já descrita (baralhosA, B, C e D), ou seja, com recompensas frequentes e perdas ocasionais.Asegunda tarefa era uma variante em que, ao contrário, as perdas eram mais frequentes e as recompensas eram ocasionais. Os baralhos referentes a essa variação foram chamados de E, F, G e H. O arranjo dessa tarefa foi exatamente o mesmo da tarefa anterior (ABCD), exceto pela ordem das cartas e do esquema de ganhos e perdas. Ao selecionar cartas dos baralhos E e G, os participantes perdiam $100. Ao escolher cartas dos baralhos F e H, os indivíduos perdiam $50. Em termos de perdas, nos baralhos E e G, estas eram mais frequentes do que nos baralhos F e H.Além da versão com cartas (ABCD e EFGH), os autores utilizaram também uma versão computadorizada (A'B'C'D' e E'F'G'H').As tarefasABCD eA'B'C'D'eram idênticas, com exceção de a primeira ser manual e a segunda ser computadorizada (o mesmo ocorreu com as tarefas EFGH e E'F'G'H'). Com base nos achados do estudo, foi possível concluir que os déficits quanto à tomada de decisão em pacientes com lesões ventromediais não podem ser melhorados por meio do aumento da severidade das consequências futuras. Portanto, indivíduos com lesões nessas áreas não têm consciência de seu respectivo futuro e são guiados predominantemente por perspectivas imediatas, o que reforça os achados do estudo anterior (Bechara & cols., 1994).

O grupo de Antonio Damasio privilegiou o estudo da tomada de decisão em indivíduos com lesões cerebrais (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara & cols., 1994; Bechara & cols., 1997; Bechara, Tranel & Damasio, 2000; Damasio, 1994/2001; Tranel & cols., 2002) e em dependentes químicos (Bechara, 2003; Bechara & cols., 2001). Todavia, o estudo das habilidades decisórias durante o processo de envelhecimento vinha sendo ignorado por esse grupo de pesquisadores. Esse fato chama a atenção uma vez que a hipótese do envelhecimento do lobo frontal (West, 1996), apesar de ainda não ter sido comprovada, é bastante pesquisada por outros grupos (Amieva, Phillips & Della Sala, 2003; Band, Ridderinfhoff & Segalowitz, 2002; Lamar & Resnick, 2004; MacPherson, Phillips & Della Sala, 2002; Parkin, 1997; Phillips & Della Sala, 1998; Rabbitt & Lowe, 1999; West, 1996; Woodruff-Pak, 1997).

Em função da atualidade do tema e da carência de estudos envolvendo tomada de decisão no envelhecimento, Denburg e cols. (2005) realizaram uma pesquisa a fim de avaliar funções executivas, mais precisamente, as habilidades decisórias de idosos, por meio do IGT (protocolo padrão versão ABCD). Participaram do estudo 80 adultos jovens e maduros. O grupo de adultos jovens apresentou uma faixa etária entre 26 e 55 anos, enquanto no grupo de adultos maduros a faixa etária foi de 56 a 85 anos. O grupo de adultos maduros apresentou variações nos resultados, motivo pelo qual foi dividido em três subgrupos pelos autores, de acordo com o desempenho ao longo da tarefa e com os escores obtidos (com déficit, limítrofe e sem déficit). O grupo sem déficit teve escores acima de zero, o grupo limítrofe apresentou escores que não diferiram significativamente de zero, e o grupo com déficits teve escores significativamente mais baixos de zero. Tais resultados sugerem, segundo os autores, a possibilidade de que idosos normais podem apresentar efeitos desproporcionais do envelhecimento nos córtices pré-frontais ventromediais, uma vez que o grupo de participantes, apesar de homogêneo em relação à idade, pode ser dividido em três sub-grupos, de acordo com o desempenho no IGT.

Schneider (2004) realizou um estudo comparando o desempenho de indivíduos jovens e idosos normais no IGT (adaptação computadorizada da tarefa de Bechara & cols., 1994). Participaram do estudo 27 homens e 55 mulheres no total. O grupo de idosos foi composto por 13 homens e 27 mulheres. A idade média dos jovens foi de 24 anos e a dos idosos foi de 68 anos. Não houve diferença estatisticamente significativa ao comparar as médias de cartas retiradas de cada baralho, entre o grupo de jovens e o de idosos. Os participantes de ambos os grupos preferiram cartas dos baralhos com perdas ocasionais e ganhos frequentes (B e D) e rejeitaram cartas dos baralhos com perdas frequentes e ganhos ocasionais (A e C). Não houve, portanto, aversão ao risco.

O estudo de Schneider (2004), o primeiro a utilizar o IGT na população brasileira, continua sendo um dos poucos a investigar essa população, uma das razões pelas quais se faz necessária a realização de novos estudos. Além disso, é necessário o estabelecimento de normas adequadas à população brasileira. Isso se dá porque variações socioculturais entre populações distintas interferem em quase todas as provas neuropsicológicas. Ressalta-se que a versão utilizada no estudo de Schneider foi criada a partir do experimento de Bechara e cols. (1994), ou seja, sem um reforço visual. No presente estudo, além de ser utilizada a versão do IGT adotada previamente por Schneider (2004), buscou-se comparar a mesma com uma nova versão, a qual se diferenciava da primeira por incluir pistas de reforço visual (para maiores detalhes sobre o uso da pista de reforço visual, ver a seção Método).Ainclusão dessas pistas foi realizada com o objetivo de verificar se o seu uso facilitaria a alocação de recursos atencionais e de memória de trabalho e, consequentemente, melhoraria o desempenho no IGT.

Há controvérsias acerca da presença ou não de prejuízos nas habilidades decisórias de indivíduos com mais de 60 anos (Denburg & cols., 2005; Lamar & Resnick, 2004; MacPherson & cols., 2002; Phillips & Della Sala, 1998; Wood & cols., 2005). Em vista desses fatos, um dos objetivos deste estudo foi investigar a tomada de decisão em pessoas idosas. Além disso, buscou-se estudar melhor o IGT, em razão da complexidade de processamento cognitivo das funções executivas e, mais precisamente, da tomada de decisão. Sabe-se que as funções do lobo frontal habitualmente são mensuradas por meio de tarefas que avaliam mais de um construto (Stuss & Alexander, 2000), bem como coordenam funções relacionadas e dependentes (Fuster, 1997; Logan, 2000; Rabitt & Lowe, 2000). No caso da tomada de decisão, a interferência da memória de trabalho foi observada por Bechara e cols. (1998) na execução do IGT.Além disso, funções como a atenção e controle de interferências afetam praticamente todos os processos cognitivos (Fuster, 1997). Por fim, os resultados dos estudos de Schneider (2004) e Schneider e Parente (2006) sugerem que os déficits nos processos decisórios dos idosos podem ser resultado das dificuldades de memória e atenção desses participantes. Dessa forma, na presente pesquisa, a tarefa com pistas visuais foi utilizada no intuito de reduzir a demanda da memória de trabalho desses indivíduos, pela diminuição da quantidade de informação a ser processada pelo referido sistema. A hipótese foi a de que, ao introduzir essas pistas, os indivíduos passariam a tomar decisões menos arriscadas, uma vez que, com o uso de uma pista concreta, as dificuldades de memória de trabalho e atencionais comuns a idosos seriam minimizadas.

Método

Participantes

Participaram do estudo 44 idosos, residentes na comunidade, divididos em dois grupos. O primeiro grupo (sem reforço visual) foi composto por 27 participantes (24 do sexo feminino), submetidos à versão do IGT utilizada e adaptada por Schneider (2004). O segundo grupo (com reforço visual), composto por 17 participantes (todos do sexo feminino), foi exposto à uma versão modificada do IGT, na qual perdas e ganhos eram assinaladas pelo experimentador, por meio de fichas coloridas entregues manualmente.

Para a participação na pesquisa, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: idade mínima de 60 anos, escolaridade a partir de quatro anos, ausência de alterações nas atividades de vida diária e ausência de transtornos neurológicos e psiquiátricos. A amostra foi coletada por conveniência. Os dois grupos não diferiram estatisticamente em relação à idade, escolaridade, hábitos de leitura e de escrita. As médias desses índices encontram-se na Tabela 1.

A todos os participantes foram garantidos os respectivos direitos, segundo as normas do Conselho Federal de Psicologia no que concerne à realização de pesquisas com seres humanos (CFP nº 016/2000; Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde). Todos foram informados acerca dos objetivos do estudo e consentiram em participar voluntariamente, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumentos

Para a caracterização da amostra. Primeiramente, buscou-se obter informações a respeito dos participantes por meio do uso de uma ficha de dados sócio-demográficos e culturais. Esse instrumento objetivou obter informações acerca das características demográficas dos participantes (como sexo, idade, escolaridade e nível sócio-econômico), hábitos de leitura e escrita, condições gerais de saúde (atuais e pregressas). Os dados sociodemográficos foram obtidos mediante perguntas diretas. As perguntas sobre condições gerais de saúde serviram como critérios de exclusão de transtornos neurológicos ou psiquiátricos.

Em relação aos hábitos de leitura e escrita, atribuiu-se um escore para a frequência de cada um desses hábitos. A pontuação máxima possível para os hábitos de escrita era 12, e para os de leitura, 16. Assim como o nível de escolaridade, os hábitos de leitura e escrita devem ser observados e considerados em estudos acerca de funções cognitivas, uma vez que se sabe que interferem nessas capacidades. Quanto maior a frequência de leitura e escrita, a tendência é a de que haja melhor desempenho cognitivo em tarefas de avaliação e tarefas cotidianas (Joanette, Goulet & Hannequin, 1996).

Os participantes foram questionados em relação aos hábitos de jogos (cartas, xadrez, damas etc.). Quanto ao hábito de jogar cartas, todos mencionaram jogar "eventualmente", mas nunca com apostas monetárias. No grupo sem reforço visual, cinco idosas mencionaram jogar bingo "eventualmente", sendo que os prêmios eram sempre brindes.

Para exclusão de transtornos neurológicos e psiquiátricos. Uma vez que esses transtornos poderiam intervir nas habilidades cognitivas dos idosos, foram utilizados os seguintes instrumentos:

(1) Entrevista neuropsiquiátrica internacional (MINI): consiste em um conjunto de escalas que avalia a possível existência dos principais transtornos psiquiátricos. Foi idealizada por Sheehan e cols. (1997, 1998) e adaptada para a população brasileira por Amorin (2000). Utilizou-se uma versão reduzida do instrumento a fim de excluir os transtornos mais prevalentes em idosos, sem as escalas de Risco de Suicídio e Transtorno de Personalidade Anti-Social.

(2) Escala de depressão geriátrica (GDS): consiste em um instrumento composto por 30 perguntas que avaliam a existência de sintomas depressivos. Foi idealizado por Ye-savage, Brink, Rose e Lurn (1983). Idosos deprimidos (com 11 pontos ou mais) foram excluídos do estudo.

(3) Questionário de percepção subjetiva de perda de memória (MAC-Q): foi idealizado por Crook, Feher e Larrabee (1992). É composto por um roteiro de seis perguntas acerca da percepção subjetiva de perda de memória. O participante responde com base em uma escala de cinco pontos do tipo Likert, que varia de muito melhor agora (1) a muito pior agora (5). Quanto maior o escore, maior a percepção subjetiva de perda de memória. Esse questionário foi utilizado a fim de excluir idosos portadores de Declínio Cognitivo Leve (DCL), segundo o primeiro critério de Petersen e cols. (1997, 1999, 2001) e Petersen (2003).

(4) Avaliação das atividades de vida diária: esse instrumento visou a excluir idosos com prejuízo social e ocupacional, características tidas como necessárias para o diagnóstico de demência segundo o DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2003). Utilizou-se duas escalas, a ADL (avaliação das atividades da vida diária; Katz e cols., 1963) e a IADL (avaliação das atividades instrumentais da vida diária; Lawton & Brody, 1969).

(5) Mini-exame do estado mental (MEEM): trata-se de uma avaliação que contempla orientação temporal e espacial, memória imediata e recente, atenção, cálculo, linguagem e praxias, utilizadas com o objetivo de triar déficits cognitivos. Foi idealizado por Folstein, Folstein e McHugh (1975). A pontuação varia entre 0 e 30 pontos. Quanto mais alto o escore, melhores as funções cognitivas do paciente. A adaptação utilizada foi a de Chaves e Izquierdo (1992) para a população porto-alegrense, cujo ponto de corte para quadros demenciais é de 24.

(6) Critérios de positividade para déficit cognitivo: consiste numa triagem para disfunções cognitivas. Essa triagem é composta por um conjunto de subtestes que avaliam atenção, memória visual (espacial e reconhecimento de faces) e verbal (recordação imediata e recente de histórias e lista de palavras) e cálculo. Foi idealizado por Chaves e Izquierdo (1992) e Ferreira (1997). O instrumento avalia também praxias, porém esses resultados não foram considerados, uma vez que Guérin, Ska e Belleville (1999) comprovaram que idosos normais apresentam prejuízos de desempenho, especialmente déficits de praxias construtivas.

Instrumentos experimentais. Foram utilizadas duas variações do IGT (Bechara & cols., 1994), com base na adaptação realizada por Schneider (2004), ambas computadorizadas, que são descritas a seguir.

(1) IGT sem reforço visual. O IGT (Bechara & cols., 1994; Schneider, 2004; Schneider & Parente, 2006) consiste em um instrumento que permite classificar o comportamento do indivíduo em termos de busca ou aversão pelo risco, por meio de escolhas monetárias. De acordo com Schneider (2004), "propõe-se a avaliar a capacidade do sujeito de ponderar entre recompensas e perdas imediatas e consequências positivas e negativas de longo prazo, na presença de um contexto complexo de contingências de recompensas e perdas diversas" (p. 34). É composto de quatro baralhos (A, B, C e D) e 100 jogadas no total, sendo o número máximo de até 40 jogadas para cada baralho.

Ao retirar cartas dos baralhos A e B, o participante ganha R$100,00 por carta. Já ao escolher cartas dos baralhos C e D, o idoso recebe R$50,00 por carta. Porém, algumas vezes ocorrem perdas quando o participante seleciona as cartas. Nos baralhos A e C, as perdas monetárias são frequentes, mas de baixa magnitude quando comparadas às dos baralhos B e D. Nos baralhos B e D, as perdas são pouco frequentes, mas de alta magnitude. Os baralhos A e B são considerados desvantajosos, uma vez que apesar dos ganhos serem de maior valor (R$100,00 por carta), as perdas também o são (totalizam R$1.250,00 por baralho). Já os baralhos C e D são vantajosos, já que a perda total é menor (R$250,00 por baralho), apesar das recompensas serem de menor valor (R$50,00 por carta).

O participante não é informado das características de cada baralho. Ele inicia o jogo sem dinheiro e recebe a instrução de acumular o máximo de dinheiro possível. Além disso, é instruído a selecionar apenas uma carta por vez de qualquer um dos quatro baralhos. A cada seleção, o indivíduo ganha algum dinheiro. Contudo, às vezes, perde uma quantia. A tarefa segue até que sejam efetuadas 100 jogadas. Durante a execução da mesma, o indivíduo apenas faz uma ideia do quanto obteve até então, sem saber exatamente o valor que possui. No final da mesma, o participante é informado de quanto dinheiro tem, seja o saldo positivo ou negativo.

(2) IGT com reforço visual. Esse instrumento foi apresentado aos participantes do segundo grupo. A tarefa era basicamente a mesma da versão anterior, com uma variação. Essa variação consistiu em, a cada seleção, além da mensagem de ganho ou perda de dinheiro na tela do computador, o participante ganhava ou perdia o equivalente em fichas coloridas, o que era controlado pela pesquisadora. Foram utilizadas três cores de fichas: amarelo, azul e rosa. As fichas amarelas valeram R$25,00.As fichas azuis correspondiam ao valor de R$50,00. Por fim, as fichas de cor rosa equivaliam a R$ 100,00 cada uma.

Os idosos não foram informados do quanto valia cada ficha, apenas que as mesmas representariam o dinheiro ganho por eles no decorrer do teste. Conforme executavam a tarefa, ou seja, de acordo com a ocorrência de perdas ou ganhos monetários, fichas no valor correspondente eram colocadas ou retiradas do campo visual de cada participante. Os idosos não foram instruídos a realizar cálculos exatos das perdas e ganhos. Portanto, cada participante fazia apenas estimativas do valor aproximado de seu saldo, diante do acúmulo ou perda de fichas coloridas.

Procedimento

Trata-se de um estudo transversal, quase-experimental, no qual o efeito da manipulação do tipo de tarefa (sem e com reforço visual) foi investigado. Os participantes do estudo, residentes na comunidade, foram avaliados em uma única entrevista, de aproximadamente duas horas.Após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foram submetidos a todos os instrumentos na seguinte ordem: ficha de dados sócio-demográficos e culturais, entrevista neuropsiquiátrica internacional, questionário de percepção subjetiva de perda de memória, escalas de avaliação das atividades de vida diária, mini-exame do estado mental, critérios de positividade para déficit cognitivo, IGT (versão sem reforço visual para um grupo e versão com reforço visual para o outro grupo) e escala geriátrica de depressão.

Análise de dados

Para este estudo, as medidas utilizadas foram o número de cartas retiradas de cada baralho (A, B, C e D) e o índice de aversão aos baralhos desvantajosos (ou aversão ao risco). O índice de aversão foi calculado através da operação [(C+D)-(A+B)], onde C e D são os baralhos vantajosos, e A e B, os desvantajosos. Os resultados são apresentados em termos de valores absolutos. Escores positivos indicam que houve aversão ao risco, enquanto escores negativos sugerem conduta arriscada quanto a decisões monetárias (Schneider, 2004; Schneider & Parente, 2006).

Além dessas medidas, com base no estudo de Schneider (2004), introduziu-se o cálculo de aversão à frequência, não utilizado pelo grupo que idealizou o IGT (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara & cols., 1994; 1997). As autoras optaram por considerar também esse escore porque os participantes do presente estudo demonstraram preferência pelos baralhos de perdas pouco frequentes, mas de maior valor ("B" e "D"). O cálculo de aversão à frequência foi feito através da operação [(B+D)-(A+C)]. Escores finais positivos sugerem que os participantes preferem perdas mais frequentes, enquanto escores negativos indicam opção por perdas menos frequentes (aversão à frequência de perdas).

Resultados

Utilizou-se estatística descritiva para os aspectos sócio-demográficos da amostra estudada (Tabela 1). As médias e desvios-padrão para idade, escolaridade e intensidade de sintomas depressivos são apresentados, bem como as frequências de ocorrência assinaladas pelos participantes.

Foram calculados as médias e os desvios-padrão do número de cartas retiradas de cada baralho do instrumento, em ambas as versões. Para a comparação dessas médias, optouse pelo teste t de Student para amostras independentes. Os índices de aversão aos desvantajosos e aversão à frequência foram analisados por meio daAnálise de Variância (ANOVA) para Medidas Repetidas, considerando o número de cartas retiradas de cada baralho em cada um dos cinco blocos como medida repetida.

As médias do número de cartas retiradas de cada baralho encontram-se na Tabela 2. Observa-se que entre os baralhos desvantajosos (A e B), o baralho B foi o preferido por ambos os grupos de participantes. No entanto, o grupo sem reforço visual retirou, em média, mais cartas do baralho B, quando comparado ao grupo com reforço. O baralho B constitui o de perdas pouco frequentes, mas de grande valor. A cada 10 cartas retiradas deste baralho, o participante recebia uma punição. Em 10 jogadas, ele totalizava R$ 1.000,00 em ganhos, mas perdia R$ 1.250,00 na décima primeira jogada.

Em contrapartida, destaca-se que o grupo sem reforço visual escolheu menos cartas do baralho D, quando comparado ao grupo submetido à versão com pista. O baralho D também era um baralho de perdas poucos frequentes, e de maior valor. A cada 10 cartas retiradas, havia um ganho total de R$500,00, mas uma perda de R$250,00 na décima primeira jogada. Uma vez que os ganhos no baralho B eram maiores (R$100,00 por jogada), talvez isso o tenha tornado mais atrativo do que o baralho D (R$50,00 por jogada). Em relação aos baralhos A e C, o número de cartas retiradas de cada um parece mais equilibrado entre os grupos (médias similares). De qualquer forma, o teste t de Student para amostras independentes indicou que a diferença entre as médias dos grupos quanto ao número de cartas retiradas de cada baralho não foi estatisticamente significativa (p>0,05).

Para o estudo da conduta de busca e aversão pelo risco [(C+D)-(A+B)] realizou-se um cálculo de análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas. As 100 jogadas foram divididas em cinco blocos de 20 cada. Para cada um desses cinco blocos, calculou-se o número total de cartas retiradas de cada baralho. A seguir, a partir da equação [(C+D)-(A+B)], realizou-se o cálculo de aversão ao risco para cada um dos cinco blocos. Esses resultados constituem as medidas que foram repetidas e podem ser visualizados na Figura 1. Ambos os grupos escolheram mais frequentemente os baralhos desvantajosos do que os vantajosos ao longo dos blocos, ou seja, buscaram o risco. Entretanto, o grupo com reforço visual apresentou médias menores de escolhas dos baralhos desvantajosos (maior aversão ao risco), quando comparados ao grupo sem reforço visual, sendo essa diferença estatisticamente significativa [F(5,85)=1; p=0,02]. Além disso, ao comparar o comportamento de ambos os grupos durante a execução da tarefa, observou-se que o efeito de aprendizado (melhora do desempenho conforme o participante executa a tarefa) quanto à aversão aos desvantajosos foi mais nítido no grupo com reforço visual.


Em relação ao cálculo de aversão à frequência [(B+D)-(A+C)], não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p>0,05), de acordo com a ANOVA para medidas repetidas (as 100 jogadas foram dividias em cinco blocos de 20 cartas, similar ao cálculo de aversão ao risco). Conforme indicado na Figura 2, o grupo com reforço visual pareceu mudar assistematicamente suas estratégias cognitivas à medida que desempenhava a tarefa. Já o grupo sem reforço visual apresentou alteração das estratégias cognitivas entre o primeiro e o terceiro blocos, quando comparado ao intervalo entre os blocos três e cinco. Em outras palavras, a estratégia foi mantida entre o primeiro e o terceiro blocos, quando então mudou de maneira súbita e, a partir daí, manteve-se a mesma entre o terceiro e o quinto blocos. Portanto, este grupo buscou a frequência até o terceiro bloco, mas a abandonou entre os blocos três e cinco.


Portanto, os participantes que realizaram a tarefa sem o reforço visual não apresentaram melhora no comportamento, tanto em relação à aversão ao risco quanto em relação à aversão frequência. Esses participantes tomaram decisões arriscadas (optaram por baralhos desvantajosos) e foram insensíveis em relação a punições frequentes. Ao contrário, os participantes submetidos à tarefa com reforço visual demonstraram melhora nos comportamentos mencionados, manifestando conduta de aversão ao risco, bem como apresentaram escores positivos maiores em relação à frequência de punições.

Discussão

Em relação ao número de cartas retiradas de cada baralho, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos sem e com reforço visual. Os grupos sem reforço visual e com reforço visual fizeram escolhas aproximadas ao retirar as cartas de cada baralho, preferindo os baralhos desvantajosos ("A" e "B"). Isso significa que qualitativamente o desempenho entre os grupos foi similar, o que pode ser observado na Figura 1 (as curvas são graficamente similares em relação à forma). No entanto, foram observadas diferenças quantitativas (curvas da Figura 1 apresentam valores diferentes) no que se refere à conduta de busca ou aversão ao risco, conforme será discutido a seguir.

Denburg e cols. (2005), em uma avaliação do desempenho de jovens e idosos, hipotetizaram que idosos deveriam manifestar déficits na tomada de decisão ao se submeter ao IGT, o que confirmaria os achados do estudo e MacPherson e cols. (2002), no qual os idosos optaram por decisões arriscadas. Porém, no estudo de Denburg e cols., um dos subgrupos apresentou um desempenho muito próximo de zero durante a tarefa, enquanto os outros dois subgrupos tiveram um comportamento significativamente diferente de zero (curvas de aprendizado). Esses últimos foram classificados como idosos com déficit (old-impaired) e idosos sem déficit (old-unimpaired), o que respectivamente significa que o primeiro apresentou escores predominantemente negativos, e o segundo, positivos. Tais resultados não foram observados no presente estudo. Neste, os dois grupos de idosos apresentaram escores negativos durante a maior parte do tempo, o que indica que ambos apresentaram comportamento de risco ao tomar decisões, conforme evidenciado na Figura 1. Porém, o grupo sem reforço visual arriscou mais do que o grupo com reforço visual.

Esses resultados, em vista de evidenciarem prejuízos no desempenho dos participantes durante a execução do instrumento (por sinalizarem decisões arriscadas), são favoráveis à hipótese do envelhecimento do lobo frontal (West, 1996), visto que o IGT investiga funções relacionadas às áreas ventromediais e orbitofrontais (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara & cols., 1994; 1997; Bechara, Tranel & Damasio, 2000).

Quanto à evolução do desempenho dos indivíduos em relação à conduta de busca ou aversão às perdas frequentes (Figura 2), o grupo sem reforço visual, aparentemente, iniciou usando uma determinada estratégia para a tomada de decisão, a qual foi modificada até o bloco três. Todavia, entre o terceiro e o quinto blocos (as jogadas restantes), os participantes retornaram gradualmente ao comportamento inicial. Já o grupo com reforço visual apresentou melhora de desempenho durante a execução do teste. Isto é, com o passar do tempo, os idosos desse grupo passaram a evitar os baralhos cujas perdas eram frequentes. Tal achado confirma os dados de Bechara e cols. (1998), que sugerem que a memória de trabalho influencia os resultados do IGT. No caso do presente estudo, uma vez inserido um recurso visual, este passou a facilitar a execução do teste, provavelmente por controlar a interferência de recursos atencionais e de memória de trabalho. Os participantes passaram a dispor de mais recursos cognitivos, já que não foram obrigados a usar as capacidades de atenção e memória para a execução do jogo. É importante ressaltar que o presente estudo foi realizado com idosos normais, e o de Bechara e cols., com indivíduos com lesões ventromediais, o que indica que idosos saudáveis podem ter um comportamento similar ao de lesados ventromediais no que tange aos processos decisórios. As manipulações experimentais utilizadas no presente estudo e em Bechara e cols. são diferentes, ou seja, o papel da memória de trabalho nos processos decisórios foi demonstrado, apesar das diferenças nos paradigmas utilizados. No que tange ao presente estudo, demonstrou-se que o uso de uma pista visual como facilitador atencional e mnêmico pode beneficiar os indivíduos.

Em suma, o presente estudo reforçou o fato de que, ao se mensurar funções executivas, é importante levar em consideração os processos cognitivos subordinados (como tomada de decisão e memória de trabalho), tornando-se difícil isolar uma única habilidade cognitiva. Conforme pode ser observado, uma alteração na tarefa, controlando a interferência de recursos atencionais e mnemônicos, produziu modificações no comportamento dos participantes, especialmente em relação à sensibilidade à frequência de perdas.

Considerações Finais

Os resultados do presente estudo fornecem evidências adicionais de que o IGT é um instrumento válido para a avaliação da aversão ao risco na tomada de decisão (Bechara, Damasio & Damasio, 2000; Bechara & cols., 1994, 1998, 1997; Bechara, Tranel & Damasio, 2000), apesar de os idosos normais terem apresentado escores baixos. O desempenho dos participantes durante a execução do teste foi similar aos dos idosos de Denburg e cols. (2005) e Schneider (2004).

Evidenciou-se que a introdução de uma manipulação experimental, isto é, uma pista de reforço visual, gerou melhora no desempenho dos idosos em relação à aversão à frequência de perdas, isto é, os participantes desenvolveram aversão à frequência de punições conforme progrediam na execução do instrumento. Tal fato reforça a importância da padronização nos procedimentos de aplicação a fim de se obter resultados confiáveis e válidos. Do ponto de vista cognitivo, verificou-se a interferência de funções atencionais e mnemônicas durante a execução do teste.

Recebido em 08.02.07

Primeira decisão editorial em 27.11.08

Versão final em 15.01.09

Aceito em 15.06.09

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  • 1
    Estudo derivado da Dissertação de Mestrado da autora principal, sob orientação da segunda autora. Agência apoiadora: CAPES.
  • 2
    Endereço para correspondência: Rua Com. Rodolfo Gomes, 513/303. Bairro Menino Deus. Porto Alegre, RS. CEP 90150-101.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      15 Jun 2009
    • Revisado
      15 Jan 2009
    • Recebido
      08 Fev 2007
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