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Patologização e Medicalização da Educação Superior

RESUMO

Este trabalho apresenta uma pesquisa qualitativa participativa fundamentada na Psicologia histórico-cultural na Universidade de Brasília com o objetivo de compreender de que maneira discursos e práticas patologizantes e medicalizantes se materializam nesse cotidiano e se desdobram em políticas universitárias. Por meio de observação participante, pesquisa documental e encontros individuais e em grupo, foi possível perceber o atravessamento nessas políticas por concepções tradicionais de ensino que individualizam os problemas de escolarização, mantêm sistemas educativos excludentes e terminam por sustentar violações de direito. A pesquisa demonstra a necessidade de a universidade se voltar ao estudo de sua própria realidade e das práticas educativas que realiza, reconhecendo sua função social e seu papel de constante problematização e proposta de soluções para os desafios da sociedade.

Palavras-chave:
patologização da educação; medicalização da educação; educação superior; universidade

ABSTRACT

This paper presents a qualitative participatory research based on Cultural-historical Psychology conducted at University of Brasilia. It aims to understand how pathologizing and medicalizing discourses and practices are materialized in daily routine and unfolded in its educational policies. Through participatory observation, documental research and individual and group meetings, the study illustrated how those policies are crossed by traditional conceptions of teaching that individualize schooling problems, maintain exclusionary education systems and end up supporting rights violations. The research shows the need for the university to study its own reality and educational practices, acknowledging its social duty and role of constantly questioning and proposing solutions to the challenges posed to society.

Keywords:
pathologization of education; medicalization of education; higher education; university

A medicalização é um tema que se tornou central na discussão acerca da realidade atual da educação. Engloba o reducionismo biológico, as explicações sobre a situação e o destino de pessoas e grupos por meio de suas características individuais, ocultando elementos sociais, históricos, políticos e pedagógicos. A discussão dessa temática tem sido muito mais frequente em relação à Educação Básica, porém não é exclusiva a esse nível de ensino. Dessa forma, fica evidente a necessidade de realizar pesquisas a respeito de como esse fenômeno tem se manifestado nas Instituições de Ensino Superior brasileiras.

O conceito de medicalização é estudado em diversas áreas das Ciências Sociais, Humanas e da Saúde desde meados do século passado, especialmente a partir da década de 1960. (Conrad 2007Conrad, P. (2007). The medicalization of society: on the transformation of human conditions into treatable disorders. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.) define esse conceito como o processo pelo qual problemas não médicos tornam-se definidos e tratados como problemas médicos, geralmente em termos de doenças e transtornos. O autor enfatiza uma ampliação desse processo a partir dos anos 2000 representada pela criação de novos diagnósticos, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Anorexia, Síndrome do Pânico, Tensão Pré-menstrual etc. Fenômenos comuns da vida humana, como nascimento, menstruação, obesidade, ansiedade e envelhecimento foram medicalizados. Comportamentos desviantes, considerados imorais, pecaminosos ou criminosos, a depender do contexto sócio-histórico, têm sido cada vez mais tratados como doenças de indivíduos.

Os avanços tecnológicos na medicina, em vez de contribuírem para esse esclarecimento do que é doença ou problema médico, facilitaram a confusão entre a descoberta de novas doenças e a criação de diagnósticos (Szazs, 2007Szasz, T. (2007). The Medicalization of Everyday Life: selected essays. New York: Syracuse University Press.). Esse, no entanto, não é um fenômeno recente. (Illich 1975Illich, I. (1975). A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S.A.), considerado um dos primeiros difusores da discussão acerca da medicalização, realizou uma crítica extensamente fundamentada em publicações e dados à empresa médica, sua ineficácia e seus danos aos indivíduos. Conceitua medicalização como a invasão progressiva da Medicina sobre áreas diversas da vida humana, transformando as etapas da vida em objeto de cuidados médicos específicos, independente da presença de sintomas. Circunscreve essa invasão no âmbito do controle social e adverte que o aumento do poder e alcance da dessa ciência sobre a vida das pessoas age no sentido de transformar suas dores em doença, destruindo suas possibilidades de enfrentamento de sofrimentos e perdas cotidianos. Denuncia, assim, o poder da ciência médica e a construção do seu status de autoridade que, como podemos observar em nosso cotidiano, é praticamente indiscutível.

Outra fonte considerada fundamental ao estudo desse tema é o trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault. Ele discute a questão da medicalização por meio do estudo histórico da implantação, pelo Estado, de práticas e medidas de contenção, controle e registro de doenças, além da criação de condutas de higiene e saúde (Foucault, 1977Foucault, M. (1977). História de la medicalización. Educación médica y salud, 11(1), 5-25.). A necessidade de corpos dóceis e úteis ao trabalho nas fábricas e escolas, dada pelos dispositivos de poder da sociedade industrial, torna essencial uma tecnologia de controle dos corpos. A ciência médica se constitui, assim, como biopolítica, na condição de discurso constituinte das estratégias de manejo da vida. Encarrega-se, portanto, da tarefa de disciplinar os sofrimentos existenciais, os modos de vida, a sexualidade e a manutenção da saúde e espalha-se pelas mais diversas áreas da vida humana (Foucault, 2003Foucault, M. (2003). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.).

No Brasil, essa prática também tem se expandido, gerando a chamada “era dos transtornos” (Moysés & Collares, 2013bMoysés, M. A. & Collares, C. A. L. (2013b). Medicalização: o obscurantismo reinventado. in: C. A. L. Collares & M. A. A. Moysés Novas capturas, antigos diagnósticos da era dos transtornos: memórias do II seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos (pp. 41-64). Campinas: Mercado de Letras., p. 52), visíveis no aumento vertiginoso do consumo de psicotrópicos, criação de projetos de lei medicalizantes e ampliação progressiva do número de pessoas diagnosticadas com supostos transtornos, como TDAH e dislexia. Esses transtornos têm sido considerados atualmente doenças sérias e sua propagação é feita sem nenhum reconhecimento do fato de que dentro da própria ciência médica há graves questionamentos quanto a sua imprecisão e fundamentação em pesquisas construídas com grandes distorções (Sucupira, 1985Sucupira, A. C. S. L. (1985). Hiperatividade: doença ou rótulo? Caderno CEDES, 15, 30-43.).

O conceito de patologização remete a um processo semelhante ao da medicalização, focando na atribuição de status de doença a problemas da vida cotidiana. Calcado no binômio saúde-doença, termina por escamotear a influência de aspectos históricos, sociais, econômicos e políticos sobre o desenvolvimento humano, além de individualizar questões que se constroem na relação das pessoas entre si (Moysés & Collares, 2013aMoysés, M. A. & Collares, C. A. L. (2013a). Controle e medicalização da infância. Desidades, 1(1), 11-21.). Representa, assim, a biologização de conflitos sociais, naturalizando os fenômenos socialmente constituídos e retirando da análise da existência humana a historicidade, a cultura e as desigualdades sociais, característicos da vida em sociedade.

Na área da educação, a criação das “doenças do não aprender” (Moysés & Collares, 2010Moysés, M. A. & Collares, C. A. L. (2010). Dislexia e TDAH: uma análise a partir da ciência médica. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 71-110). São Paulo: Casa do Psicólogo., p. 73) reflete a expansão desse processo. É inegável a existência de estudantes com doenças reais que podem comprometer seu desenvolvimento cognitivo. Não é disso, entretanto, que a crítica à “medicalização da educação” fala, mas sim da transformação de crianças e adolescentes saudáveis - que apenas manifestam dificuldades de escolarização e em sua maneira de se comportar distintas da padronização uniforme e homogênea da dita normalidade - em doentes. Questiona-se a existência de supostas doenças neurológicas que comprometeriam exclusivamente a aprendizagem e/ou o comportamento. Ao recorrer à área da saúde com o objetivo de elucidar problemas escolares, retira-se do sistema educativo seu comprometimento com a produção desses problemas, transformando questões construídas de maneira complexa na vida concreta escolar em doenças de pessoas.

A ideologia por trás do discurso científico que busca explicações individualizantes para as dificuldades de escolarização é calcada no mito da igualdade de oportunidades e na ideia de natureza humana, que discriminam e segregam as pessoas que não se desenvolvem de acordo com a norma. Essa ideologia atesta que só os mais aptos e mais capazes obtêm sucesso, justificando assim a desigualdade social por diferenças individuais (Bock, 2003Bock, A. M. M. B. (2003). Psicologia da educação: cumplicidade ideológica. in: M. E. M. Meira & M. A. Ma. Antunes Psicologia escolar: teorias críticas (pp. 79-103). São Paulo: Casa do Psicólogo.). É uma marca clara da responsabilização individual por exclusões e violações construídas no âmbito de relações sociais iníquas.

A escola é o espaço onde desde o início da vida as pessoas são avaliadas e seu desempenho é justificado apenas por uma predisposição individual. Nesse sentido, essas instituições se colocam como responsáveis por identificar as “melhores aptidões” (Leher, 2013Leher, R. (2013). Medicalização de políticas públicas, avaliação e metas de desempenho. in: C. A. L. Collares & M. A. A. Moysés Novas capturas, antigos diagnósticos da era dos transtornos: memórias do II seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos (pp. 271-292). Campinas: Mercado de Letras., p. 286) e separar os aptos dos não muito aptos para, em seguida, utilizar os resultados dessas avaliações como explicação para o desempenho dos estudantes. Por trás dessa lógica, está a concepção de que a escola já se encontra em seu formato ideal, cumprindo seus objetivos de maneira adequada, uma vez que os problemas não levam a um questionamento de sua qualidade, mas sim da capacidade dos alunos. Os currículos, a estrutura administrativa, as estratégias de ensino-aprendizagem, os professores, as condições de trabalho, as relações interpessoais e todos os demais elementos que compõem o processo de escolarização permanecem inquestionados (Souza, 2010Souza, M. P. R. de (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 269-282). São Paulo: Casa do Psicólogo.). Desresponsabiliza-se, assim, todo o sistema educativo de maneira eficaz e bem elaborada, e a escola se coloca no papel de “vítima de uma clientela inadequada” (Collares & Moysés, 1997Collares, C. A. L. & Moysés, M. A. (1997). Diagnóstico da medicalização do processo ensino-aprendizagem na 1ª série do 1º grau no município de Campinas. Em Aberto, 11(53), 13-28., p. 16).

Atualmente, dificuldades com leitura e escrita, por exemplo, suscitam a realização no estudante de exames médicos diversos que auxiliem no diagnóstico. Analisam-se áreas do cérebro, a história genética familiar de demais aspectos fisiológicos, todos elementos de ordem individual. A partir da identificação de supostas incapacidades orgânicas hereditárias é feita a comunicação à escola para que esses estudantes sejam diferenciados e tratados como doentes no cotidiano escolar. É uma prática perversa, uma vez que o diagnóstico e o tratamento desses supostos transtornos são defendidos como um direito indispensável (Souza, 2010Souza, M. P. R. de (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 269-282). São Paulo: Casa do Psicólogo.). Realiza-se, portanto, uma dupla-exclusão: a diferença é patologizada e o aluno é discriminado de acordo com ela.

Toda essa prática tem acontecido em detrimento do reconhecimento de que a educação brasileira tem obtido índices muito negativos em avaliações de qualidade, tanto nas escolas públicas quanto privadas. As políticas de educação, impregnadas de concepções neoliberais, demonstram seu compromisso com os interesses de segmentos hegemônicos da sociedade de classes de não melhorar de fato a qualidade do ensino para as classes populares (Souza, 2010Souza, M. P. R. de (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 269-282). São Paulo: Casa do Psicólogo.). Essa dinâmica de culpabilização das vítimas se retroalimenta pela desumanização cotidiana que é, em si, produtora de sofrimento e acaba sendo diagnosticado como uma doença individual. Torna-se essencial reconhecer que os modos de vida atuais fazem as pessoas adoecerem, ainda que essa seja uma discussão pouco nova em vários campos da ciência (Angelucci, 2013Angelucci, C. B. (2013). Prefácio. in: C. A. L. Collares & M. A. A. Moysés Novas capturas, antigos diagnósticos da era dos transtornos: memórias do II seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos (pp. 9-13). Campinas: Mercado de Letras.).

Neste trabalho, decidimos utilizar em conjunto as expressões “patologização e medicalização da educação” para destacar dois lados desse complexo reducionismo operado no entendimento do humano. Concebemos que a primeira é uma expressão que amplia a compreensão, por não remeter a uma área específica do conhecimento, e marca o processo de transformação de fenômenos de escolarização em doenças de indivíduos. Já a segunda nos insere tanto numa discussão histórica ampla quanto numa militância política atual e evidencia como o aparato técnico-científico singular da medicina tem, ao longo da história, ainda que com diferentes intensidades em cada momento, avançado sobre o contexto educativo.

O crescimento vertiginoso da atribuição do diagnóstico de TDAH revela quão comum tem sido aos profissionais da educação e da saúde o entendimento do não aprender e não se comportar adequadamente na escola como sintomas de doenças (Meira, 2012Meira, M. E. M. (2012). Para uma crítica da medicalização na educação. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 136-142.). A normatização do comportamento discente ocorre simultaneamente à passividade da escola frente à necessidade de construir, em conjunto com os estudantes em seu cotidiano, a prática pedagógica, as regras institucionais e a disciplina. Em vez de conceber o desenvolvimento integral do aluno como parte do projeto educativo, constrói-se a ideia de que ele é naturalmente incapaz e indisciplinado e, em consequência, medica-se sua dita doença orgânica, silenciando-o.

Outro diagnóstico bastante controverso e que representa o processo de “patologização e medicalização da educação” é o de dislexia. (Moysés e Collares 1992Moysés, M. A. & Collares, C. A. L. (1992). A história não contada dos distúrbios de aprendizagem. Cadernos Cedes, 28, 31-47.) demonstram como esse diagnóstico tem suas bases em conceitos vagos e imprecisos, advindos de pesquisas cuja metodologia é questionável. Alguns desses estudos têm, inclusive, problemas éticos significativos. Ainda assim, foi muito disseminado em casos de fracasso escolar, principalmente nos anos 1980 e 1990. É um diagnóstico que representa a medicalização, uma vez que, ao ser considerado como doença neurológica, inclusive hereditária, deixa de problematizar a leitura e a escrita como representação social da linguagem humana e construção simbólica. A dislexia é muito frágil como entidade nosológica nos termos da racionalidade médica e do rigor que se espera dessa ciência (Moysés & Collares, 2010Moysés, M. A. & Collares, C. A. L. (2010). Dislexia e TDAH: uma análise a partir da ciência médica. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 71-110). São Paulo: Casa do Psicólogo.).

O discurso patologizante e medicalizante não se faz presente apenas na criação de novos transtornos e síndromes, mas também na concepção de deficiência que atravessa o cotidiano escolar e as políticas públicas de educação. Ele está expresso no entendimento da diferença como deficiência, ou seja, como falta a ser corrigida ou pelo menos minimizada, seja por práticas terapêuticas ou pedagógicas (Angelucci, 2014Angelucci, C. B. (2014). Medicalização das diferenças funcionais: continuísmos nas justificativas de uma Educação Especial subordinada aos diagnósticos. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 116-134.). Fundamenta-se na ilusão da existência de um desenvolvimento ideal, único, que permitiria uma suposta verdadeira aprendizagem. As políticas de educação especial e inclusão, cada vez mais atravessadas por termos advindos da saúde, estão profundamente impactadas por essas concepções e, dessa maneira, terminam por produzir exclusão (Monteiro, 2014Monteiro, A. (2014). Das políticas de inclusão à produção de diagnósticos. Horizontes, 32(2), 121-130.).

No caso do Ensino Superior, nas últimas décadas as políticas de Educação Especial e Inclusiva também estabeleceram algumas diretrizes para as IFES. Essas diretrizes impactam, inclusive, o credenciamento de novos cursos de nível superior e os critérios de avaliação dessas instituições. Dessa forma, houve uma expansão na criação de políticas voltadas ao acolhimento de pessoas com deficiência na universidade. Uma dessas políticas é o Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir), criado em 2005 especificamente para esse nível de ensino e focado na consolidação de Núcleos de Acessibilidade nas IFES, “visando eliminar barreiras físicas, pedagógicas, nas comunicações e informações, nos ambientes, instalações, equipamentos e materiais didáticos” (SECADI/SESu, 2013SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. SESu - Secretaria de Educação Superior. Ministério da Educação. (2013). Documento Orientador Programa Incluir - Acessibilidade na Educação Superior. Brasília., p. 13). É uma política que dedicou recursos principalmente à reestruturação dos espaços físicos das IFES em cumprimento às normas de acessibilidade da ABNT.

Apesar de ser mais discutida em relação à Educação Básica, a medicalização está presente em todos os níveis e modalidades educacionais. O trabalho de (Corrêa e Baierle 2011Corrêa, G. & Baierle, T. C. (2011). Preciso de um remédio. Revista Polis e Psique, 1(1), 118-143.) trata do nível superior ao realizar pesquisa com estudantes de graduação de uma IES privada do Rio Grande do Sul que declararam utilizar psicofármacos para obter melhor desempenho acadêmico. Este artigo traz uma reflexão aprofundada e um questionamento ético, tentando compreender a função desempenhada por essas drogas frente às escolhas e aos modos de vida das pessoas. Não tem por objetivo, contudo, discutir a medicalização da Educação Superior nem a maneira como esse fenômeno tem se manifestado nas universidades brasileiras.

Para isso, é fundamental considerar a realidade atual das IESs brasileiras, marcadas por mudanças nas formas de acesso às universidades, com especial destaque às ações afirmativas e políticas de assistência estudantil (Ristoff, 2014Ristoff, D. (2014). O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação, 19(3), 723-747.). Constituídas com objetivo de oferecer igualdade de oportunidades no acesso e permanência à universidade, têm modificado bastante seu público, ampliando a grupos sociais que antes não alcançavam esse nível de ensino. Essa realidade traz novas perspectivas para as IESs se repensarem e reestruturarem. Apontam para a necessidade de melhorias nos modelos educativos de forma a construir possibilidades de formação mais flexíveis, abrangentes e acolhedoras. Concretizar essas mudanças na universidade demanda que ela, além de colaborar para a construção de uma sociedade mais democrática, se constitua, também, como espaço verdadeiramente democrático (Santos, 2008Santos, B. S. (2008). A Universidade no Século XXI: Para uma Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade. in: B. S. Santos & N. Almeida Filho A Universidade no Século XXI: Para uma Universidade Nova (pp. 13-106). Coimbra: Almedina.).

Entendemos que estudar o processo de patologização e medicalização da Educação Superior torna-se fundamental a fim de possibilitar projetos educacionais mais acolhedores da diversidade do desenvolvimento humano na universidade. Nesse sentido, esta pesquisa foi realizada na Universidade de Brasília com o objetivo de compreender de que maneira os discursos e as práticas patologizantes e medicalizantes se materializam no cotidiano universitário.

Método

A pesquisa fundamentou-se na concepção histórico-cultural que parte do materialismo histórico-dialético para desenvolver uma psicologia que busca compreender o ser humano em sua concretude, como produto e produtor de sua história (Vygotski, 1931/2000Vygotski, L. S. (2000). Obras Escogidas v. III. Madrid: Visor. (Obra original publicada em 1931).; Wallon, 1931/1979Wallon, H. (1979). Ciência da natureza e ciência do homem: a psicologia. in: H. Wallon Psicologia e educação da criança (pp. 21-49). Lisboa: Editorial Vega. (Obra original publicada em 1931).). Assim, não há distanciamento entre ciência e política, assumindo-se a responsabilidade da ciência na construção de uma nova sociedade. Nessa perspectiva, propõe-se a explicação de fenômenos, para além da descrição, o que requer a análise processual do objeto em suas múltiplas determinações, visando entender suas bases dinâmico-causais. Para isso, é necessário extrapolar sua aparência, examinando que concepções motivam suas ações e a construção dessas concepções na unidade dialética entre indivíduo e sociedade. Nessa perspectiva, a investigação só faz sentido quando o pesquisador organiza suas ações de forma intencional e consciente na busca por procedimentos teórico-metodológicos que satisfaçam suas indagações a respeito do objeto (Moretti, Asbahr & Rigon, 2011Moretti, V. D., Asbahr, F. S. F. & Rigon, A. J. (2011). O humano no homem: os pressupostos teórico-metodológicos da teoria histórico-cultural. Psicologia & Sociedade, 23(3), 477-485.).

Realizamos uma pesquisa qualitativa participativa no Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) da UnB por meio de observação participante, pesquisa documental e encontros individuais e em grupo com estudantes de graduação, professores e servidores da universidade no período de março de 2011 a junho de 2013. Esses recursos foram utilizados visando à compreensão da lógica patologizante e medicalizante e de sua inserção e desdobramento na UnB, tendo como principal foco o PPNE.

Contexto da pesquisa

O PPNE foi criado na UnB em 1999 como resultado da mobilização de estudantes com deficiência, professores da área e servidores de apoio e assistência estudantil frente à excludente realidade universitária que impactava tanto o ingresso quanto as condições de permanência e diplomação. Tinha em vista os marcos legais da época a respeito da educação especial e integração ao sistema regular de ensino (Souza, Soares & Evangelista, 2003).

A proposta inicial para a organização do PPNE era de gestão participativa por meio de Grupos de Trabalho (GT), envolvendo diferentes setores administrativos e acadêmicos da UnB e membros dos três segmentos universitários, sob uma coordenação eleita de dois em dois anos entre os membros dos GTs (Souza, Soares & Evangelista, 2003). O Programa foi pensado como um órgão articulador de diversas frentes de ação, de acordo com a demanda apresentada em cada caso e com a necessidade de construir no cotidiano a inclusão universitária. Essa organização, entretanto, não estava mais ativa no período da pesquisa, uma vez que os GTs não mais se reuniam e as ações da equipe do Programa foram institucionalizadas e absorvidas no cotidiano administrativo da universidade.

Dessa forma, a gestão participativa não se fazia mais presente e o planejamento do trabalho era feito pela equipe sob uma coordenação anteriormente eleita, porém mantida no poder para além de seu mandato inicial por decisão da Reitoria. Essa equipe era composta por três assistentes sociais, três técnicos em assuntos educacionais, duas estagiárias técnicas voltadas ao trabalho administrativo, uma psicóloga escolar, um coordenador e um vice-coordenador. O trabalho era voltado para todos os segmentos da universidade, mas focava-se principalmente nos estudantes de graduação. Tinha como público-alvo “membros da comunidade acadêmica que apresentam deficiência sensorial, física ou intelectual, dislexia, transtornos globais do desenvolvimento ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade” (PPNE, sd.Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE). (sd.). Folheto de divulgação do Programa. Brasília.).

Desenvolvia ações nos quatro campi da UnB, nas regiões administrativas de Ceilândia, Gama, Planaltina e Plano Piloto do DF, estando localizado neste último. Ao longo da pesquisa houve algumas mudanças na formação da equipe: as duas estagiárias técnicas foram substituídas por uma servidora assistente administrativa e uma técnica em assuntos educacionais. Além disso, uma das assistentes sociais se aposentou e não foi substituída.

Sujeitos da pesquisa

Foram sujeitos desta pesquisa 84 estudantes de graduação dos quatro campi, quatro estudantes de pós-graduação, seis servidores, 28 professores e nove coordenadores de curso que participaram dos encontros do PPNE analisados na pesquisa.

Procedimentos de investigação

Para este estudo foram utilizados três recursos de pesquisa, em constante diálogo entre si e ocorrendo simultaneamente: Pesquisa Documental, Observação Participante e Encontros Individuais e em Grupo. O primeiro consistiu de consulta e análise da Resolução CEPE n. 48/2003, que formaliza a instituição do Programa na UnB; de material informativo de divulgação do Programa; e dos arquivos físicos e eletrônicos de registro cotidiano das atividades realizadas pela equipe. Os documentos foram acessados tanto diretamente, no arquivo físico do Programa ou em seus computadores, quanto pela internet, no caso daqueles disponibilizados amplamente ao público.

A Observação Participante realizou-se no cotidiano profissional da equipe do PPNE, da qual uma das pesquisadoras fez parte ao longo do período da pesquisa como psicóloga escolar. Dessa forma, contemplou tanto situações formais de trabalho - participação em reuniões de equipe e conselhos, atendimentos e execução de atividades e eventos - quanto informais, como conversas de corredor e confraternizações. Foram feitos registros periódicos desse cotidiano em um diário de campo, trazendo também questões sobre o próprio fazer científico, hipóteses e reflexões do processo investigativo.

Os Encontros Individuais e em Grupo foram feitos de acordo com a demanda da instituição e de seus membros, consistindo de reuniões e atendimentos com um ou mais membros dos diferentes segmentos. Abordavam tanto a apresentação de demandas ao Programa em relação à vivência dos estudantes cadastrados quanto à discussão de possibilidades de adaptação da universidade às necessidades dos estudantes. Ao longo do período estudado foram realizados cerca de 110 encontros individuais com estudantes, 12 com professores e oito com servidores; 16 encontros em grupo com estudantes e seus professores, oito com coordenadores de curso e quatro com estudantes e sua família.

Procedimentos de construção de informações

A construção do momento empírico se realizou ao longo de toda a pesquisa a partir das informações construídas na relação com seus participantes. No processo de análise, essas informações foram organizadas, estudadas e, aos poucos, apropriadas pelas pesquisadoras com vistas a uma síntese que, em vez de estatizar as informações, permita sua ampliação para uma compreensão do problema estudado.

Resultados e Discussão

A seguir, apresentamos os Resultados e Discussão organizados em duas seções, a fim de facilitar a leitura: Pesquisa Documental e Encontros. A primeira seção contempla a apresentação e discussão dos documentos pesquisados; e a segunda, de alguns relatos de encontros. Ambas as seções são permeadas, contudo, por informações obtidas a partir da observação participante, a fim de melhor contextualizar e apresentar a prática cotidiana do PPNE.

Pesquisa Documental

Resolução CEPE n. 48/2003. A Resolução CEPE n. 48/2003, que “dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares Portadores de Necessidades Especiais” (UnB, 2003Universidade de Brasília (UnB). (2003). Resolução CEPE nº 48/2003. Dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares Portadores de Necessidade Especiais. Brasília.), representou a formalização do Programa na Universidade. De acordo com esse documento, os estudantes deveriam ter sua “deficiência ou incapacidade diagnosticada e caracterizada por equipe multidisciplinar de saúde, homologada pela Junta Médica da UnB e/ou parecer do Programa de Apoio ao Portador de Necessidades Especiais”, a fim de “obterem concessão de benefícios e serviços” (idem, Art. 1º). Dessa forma, desde o primeiro artigo fica claro o processo patologizante na medida em que subordina o serviço educacional à lógica saúde-doença: a inserção do estudante no Programa se dá a partir de seu diagnóstico. O próprio olhar para a diferença apresentada pelo estudante é medicalizante a partir do momento em que se determina que seu primeiro contato com a política, que deveria acolher suas necessidades, é realizado com uma equipe de saúde, para que posteriormente possa se cadastrar no Programa. Estabelece-se, portanto, um olhar para as diferenças a partir do raciocínio médico e da hierarquização das diferenças expressa pela identificação dos estudantes a partir da falta, da deficiência (Angelucci, 2014Angelucci, C. B. (2014). Medicalização das diferenças funcionais: continuísmos nas justificativas de uma Educação Especial subordinada aos diagnósticos. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 116-134.).

É claro que é absolutamente legítimo - e necessário - buscar formas de transformar a universidade para acolher as diferenças humanas. Ao fundamentar políticas educacionais em restritos diagnósticos advindos do campo da Saúde e estruturados sobre ideia de classificação da diferença como expressão do estado patológico do sujeito, evidencia-se, entretanto, a lógica medicalizante. Constrói-se, assim, o processo educativo a partir das diferenças humanas e não a despeito delas (Angelucci, 2014Angelucci, C. B. (2014). Medicalização das diferenças funcionais: continuísmos nas justificativas de uma Educação Especial subordinada aos diagnósticos. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 116-134.). Além disso, a compreensão do desenvolvimento discente fica resumida ao olhar patologizante - ao conceber a diferença como doença -, em vez de trazê-lo para o centro da prática pedagógica, que deveria partir de condições, interesses e características de cada estudante no encontro com seus colegas e professores em cada espaço educativo formal.

(Vygotski 1997Vygotski, L. S. (1997). Obras Escogidas v. V. Madrid: Visor.) nos mostrou, desde o início do século passado, quão insuficiente e limitante é essa compreensão, evidenciando que a deficiência, ao produzir desafios ao indivíduo, proporciona caminhos alternativos a seu desenvolvimento que deveriam ser potencializados pelo processo de escolarização. Assim, desvela o preconceito por trás do entendimento da deficiência como falta. A intenção aqui não é ignorar ou idealizar a diferença, mas sim tomá-la pelo que é e acolhê-la ao processo educativo, não como estorvo, mas em seu potencial. A compreensão patologizante da diferença a mantém no âmbito da ação terapêutica, limitando o alcance da atividade pedagógica e eximindo a instituição educacional de sua responsabilidade sobre todos os estudantes.

A Resolução estabelece como direitos acadêmicos aos estudantes cadastrados no Programa a adaptação de provas, materiais e equipamentos pedagógicos, adequação arquitetônica e de comunicação e concessão do apoio especializado conforme a necessidade, como intérprete de língua de sinais e ledor. Com base nesse normativo, o estudante do PPNE pode solicitar, ainda, prorrogação do tempo de permanência no curso, prioridade de matrícula em disciplinas, exercícios domiciliares, tempo adicional de provas e flexibilização na correção delas, “visando a real apreciação do desempenho acadêmico do aluno PNE” (UnB, 2003Universidade de Brasília (UnB). (2003). Resolução CEPE nº 48/2003. Dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares Portadores de Necessidade Especiais. Brasília., art. 8º).

Esse documento reflete, portanto, o modelo tradicional da política de integração da pessoa com deficiência, que visa adaptar o estudante a um projeto educacional que permanece intocado, recebe apenas pequenos ajustes para uma suposta adequação a suas necessidades. Permanece, portanto, a desresponsabilização dos sistemas educativos denunciada por (Collares & Moysés 1997Collares, C. A. L. & Moysés, M. A. (1997). Diagnóstico da medicalização do processo ensino-aprendizagem na 1ª série do 1º grau no município de Campinas. Em Aberto, 11(53), 13-28.), (Souza 2010Souza, M. P. R. de (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 269-282). São Paulo: Casa do Psicólogo.) e tantos outros. Dessa forma, o PPNE volta-se ao fornecimento de instrumentos para adaptação do estudante à universidade, contribuindo para a manutenção de uma prática educativa que exclui os estudantes em seu cotidiano. Reforça, assim, a ilusão de que uma educação inclusiva pode ser feita por meio de adequações pontuais à prática pedagógica, ao contrário da reformulação, atualização e contextualização de metodologias de ensino, currículos, espaços educativos, relações interpessoais e trabalhistas, bem como tantas outras transformações fundamentais para uma educação democrática e de qualidade para todos. Ao assumir como seu papel a realização de ações de impacto limitado sobre o projeto educativo da instituição, não toma como foco principal a promoção de uma educação acolhedora da diversidade do desenvolvimento humano.

Site e Panfleto Informativo do PPNE. Foram analisados também, como documentos, o site do Programa (http://www.ppne.unb.br, recuperado em 15 de agosto de 2016) e o Panfleto Informativo (PPNE, sdPrograma de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE). (sd.). Folheto de divulgação do Programa. Brasília.), que era entregue à comunidade acadêmica para apresentação de seus objetivos e ações. Nesses documentos, foi possível verificar algumas mudanças em relação à Resolução anteriormente apresentada.

Primeiro, foi possível perceber uma mudança no nome do Programa: de “Portadores de Necessidades Especiais” para “Pessoas com Necessidades Especiais”. No cotidiano da equipe, essa mudança era percebida como uma adequação frente às discussões acerca da educação inclusiva e aos novos marcos legais, como a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (SEE, 2008SEE - Secretaria de Educação Especial. Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial. Ministério da Educação. (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília.), entre outros. Essa nomenclatura trazia, contudo, algumas contradições para sua atuação, principalmente no que tange a seu público-alvo. Nos anos contemplados pelo estudo (e ainda atualmente), o público-alvo era definido da seguinte maneira: “O PPNE atende aos membros da comunidade acadêmica que apresentam deficiência sensorial, física ou intelectual, dislexia, transtornos globais do desenvolvimento ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade” (PPNE, sdPrograma de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE). (sd.). Folheto de divulgação do Programa. Brasília.).

Percebe-se, portanto, uma ampliação no público-alvo para além de pessoas com deficiência. A inclusão do Transtorno Global de Desenvolvimento era justificada perante sua determinação como parte do público-alvo da Educação Especial no Decreto n. 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado. Já os diagnósticos de Dislexia e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade tinham sido incluídos em razão da demanda por parte dos estudantes e da parceria com uma professora do Instituto de Letras da Universidade, que se apresentou como especialista em relação à questão, apesar de essa não ser a sua área de atuação acadêmica.

A maioria dos estudantes cadastrados sob esses diagnósticos já os trazia desde a experiência escolar, tendo os recebido na infância. Dessa forma, chegavam à IES com um histórico de atendimento especializado realizado nas escolas ou até mesmo nas provas de seleção para a universidade. Representavam, portanto, a entrada na universidade da lógica medicalizante já instituída na Educação Básica. Havia, entretanto, ainda que em menor número, alunos que tinham sido diagnosticados após seu ingresso na UnB, a partir de conflitos e dificuldades vivenciados nesse nível de ensino. Acontecia, inclusive, de docentes solicitarem ao PPNE esclarecimentos a respeito da identificação desses supostos transtornos e encaminhamentos para a realização de avaliação nos serviços de saúde.

Demonstra-se, assim, o avanço da patologização e da medicalização dos problemas de escolarização sobre a Educação Superior e a absorção dessa lógica pela comunidade universitária. É perceptível o papel do Programa no reforço e na disseminação desse processo a partir da aceitação dos diagnósticos como entidades nosológicas inquestionáveis e das ações de apoio especializado como a maneira ideal de acolhimento das diferenças apresentadas pelos discentes.

A universidade, como instituição da construção de conhecimento, tem um papel fundamental na problematização da realidade social e na busca por soluções inovadoras para seus desafios. A reprodução acrítica da lógica e das práticas patologizantes e medicalizantes dos outros níveis de ensino reforça ainda mais esse fenômeno e viola a própria função social dessa instituição. Ao contrário de absorver e dar continuidade a práticas classificatórias, discriminatórias e excludentes de educação, as IFES deveriam primar pelo desenvolvimento de novas concepções, práticas e possibilidades à educação brasileira. Na UnB, essa situação é ainda mais preocupante, uma vez que foi criada a partir de um projeto original para servir de modelo às universidades do país (Ribeiro, 1978Ribeiro, D. (1978). UnB: invenção e descaminho. Rio de Janeiro: Avenir.).

Arquivo de Estudantes Cadastrados no Programa. Apesar de o público-alvo declarado pelo Programa não se restringir aos discentes, eram cadastrados apenas estudantes, com base na Resolução CEPE nº 48/2003. Alguns atendimentos a servidores e professores que se encaixavam nesse público aconteciam raramente, porém não havia um registro formal. O cadastro dos alunos era feito mediante apresentação de laudo médico atestando deficiência física, sensorial, transtornos globais do desenvolvimento, dislexia ou transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Inicialmente, realizava-se uma entrevista de acolhimento com uma das assistentes sociais à maneira de uma anamnese, voltada ao relato da deficiência ou transtorno, das terapêuticas realizadas e da vida escolar do estudante até então. O foco principal era no diagnóstico e no histórico de sua aquisição. Havia ainda perguntas sobre a forma de ingresso na universidade, a utilização de apoio especializado durante a seleção e a adaptação à universidade, principalmente em relação ao espaço físico e às “barreiras arquitetônicas” (Souza, Soares & Evangelista, 2003, p.111).

Nos anos pesquisados, 119 estudantes estavam cadastrados no PPNE, sendo oito de Pós-Graduação e 111 de Graduação. A Tabela 1 apresenta a divisão desses estudantes conforme a classificação de diagnósticos utilizada pelo Programa. [Tabela 1]

Tabela 1
Número de estudantes cadastrados conforme classificação diagnóstica do programa

Percebe-se, portanto, que apesar do foco inicial do Programa nas pessoas com deficiência, no momento da pesquisa mais da metade dos estudantes atendidos apresentava os diagnósticos de Dislexia e TDA(H). Sendo assim, apesar do dissenso na comunidade científica a respeito desses transtornos e dos sérios apontamentos éticos quanto à reafirmação deles, eles eram reforçados e legitimados na prática cotidiana do Programa. O discurso patologizante e medicalizante dos problemas de escolarização, dessa maneira, se materializava nas vivências dos universitários e impactava seu desenvolvimento e sua formação acadêmica.

A partir desse cadastro, eram concedidos aos estudantes direitos acadêmicos diferenciados, como tempo adicional para realização de provas e tarefas avaliativas; flexibilização de prazos para entrega dos trabalhos e transporte em casos de mobilidade reduzida, bem como adaptações de material e espaço físico de acordo com a deficiência. Os estudantes cadastrados poderiam solicitar as seguintes ações do serviço:

  1. Prioridade de Matrícula: concessão de prioridade sobre qualquer outro estudante da universidade para realizar sua matrícula. Essa opção era utilizada pelos estudantes mais frequentemente para ter acesso a professores cuja prática pedagógica era considerada mais acolhedora de suas necessidades. Havia, ainda, procura por horários mais adequados em razão dos efeitos colaterais dos medicamentos tomados pelos estudantes - principalmente nos casos em que faziam uso do Metilfenidato, cujos prejuízos já foram extensamente denunciados (Benasayag, 2013Benasayag, L. (2013). Medicina & marketing ó marketing em medicina? Em C. A. L. Collares & M. A. A. Moysés Novas capturas, antigos diagnósticos da era dos transtornos: memórias do II seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos (pp. 149-168). Campinas: Mercado de Letras.; Moysés & Collares, 2013bMoysés, M. A. & Collares, C. A. L. (2013b). Medicalização: o obscurantismo reinventado. in: C. A. L. Collares & M. A. A. Moysés Novas capturas, antigos diagnósticos da era dos transtornos: memórias do II seminário internacional educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos (pp. 41-64). Campinas: Mercado de Letras.) - ou de problemas estruturais, como falta de iluminação, que dificultavam o acesso à sala de aula.

  2. Programa de Tutoria Especial: acompanhamento por um ou mais colegas de graduação escolhidos pelo estudante cadastrado ou pela equipe, a fim de realizar adequações pedagógicas, como audiodescrição dos elementos visuais utilizados em sala de aula, auxílio para locomoção ou estudo em conjunto para reforço do conteúdo das aulas. Era a principal ação do PPNE, mobilizando às vezes mais de uma centena de tutores por semestre. Vale ressaltar que a formação do tutor era feita pela equipe do Programa sem contato com o professor da disciplina.

  3. Carta de Apresentação: elaboração de cartas pré-padronizadas, de acordo com o diagnóstico de cada estudante, a serem entregues aos docentes no início do semestre, com o objetivo de apresentar-lhe o estudante, suas supostas necessidades e seus direitos acadêmicos.

  4. Adaptação de material de leitura: digitalização ou ampliação de material escrito para estudantes com diagnóstico de deficiência visual e auxílio ao uso de software ledores.

  5. Transporte especializado: transporte exclusivo com o objetivo de facilitar e agilizar o deslocamento de longas distâncias dentro do Campus àqueles estudantes que apresentassem diagnóstico de deficiência física ou visual.

  6. Mudança de sala: solicitação junto à Prefeitura do Campus de mudança de sala nos casos em que a estrutura física da Universidade não estava dentro das normas de acessibilidade.

  7. Adaptação de mobiliário: solicitação junto à Prefeitura do Campus de confecção ou adaptação de mobiliário adequado, conforme a necessidade apresentada pelo estudante, de acordo com seu diagnóstico.

Nesse procedimento de cadastro e concessão de supostos direitos, ficava evidente o predomínio da lógica medicalizante sobre uma política universitária que deveria ser pensada de maneira educativa. A aproximação do estudante a seu “direito” era feita mediante laudo médico e se estruturava em torno do diagnóstico. A entrevista de acolhimento focava-se menos nas questões relevantes à vivência acadêmica do estudante e mais em seu histórico de saúde. A partir daí, as ações da equipe também se organizavam mais em torno do diagnóstico do que da experiência de cada estudante na universidade; os encaminhamentos e “adequações pedagógicas” eram padronizados e segmentados por grupo de “deficiências”, apenas com pequenos ajustes para aqueles estudantes que já estavam há mais tempo no Programa.

Essa padronização da ação educativa, de acordo com o diagnóstico e a homogeneização das vivências de estudantes englobados sob um mesmo rótulo, apesar de já denunciada em estudos críticos (Angelucci, 2014Angelucci, C. B. (2014). Medicalização das diferenças funcionais: continuísmos nas justificativas de uma Educação Especial subordinada aos diagnósticos. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 116-134.), permanece na realidade cotidiana do sistema educativo. É mais uma expressão do atendimento à deficiência e não ao estudante e da redução da pessoa a seu diagnóstico, invisibilizando suas idiossincrasias, potencialidades e contribuições ao processo educativo. Essa redução ignora, ainda, que cada ser humano é único e seu desenvolvimento adota caminhos peculiares ao longo de sua vida, uma compreensão fundamental para realmente construir ações educativas que promovam o desenvolvimento das pessoas com diferenças funcionais (Vygotski, 1997Vygotski, L. S. (1997). Obras Escogidas v. V. Madrid: Visor.).

Além disso, esse procedimento de cadastro e padronização dos serviços educacionais demonstra o olhar adaptacionista para a diferença, em que soluções paliativas são oferecidas como remendos a um sistema que permanece irrefletido e intocado como se já tivesse alcançado a perfeição (Souza, 2010Souza, M. P. R. de (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. in: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 269-282). São Paulo: Casa do Psicólogo.). Frente aos altos índices de evasão indicados por estudo recente realizado pelo Decanato de Ensino de Graduação (não publicado), é evidente que essa não é a realidade. (Vygotski 1997Vygotski, L. S. (1997). Obras Escogidas v. V. Madrid: Visor.) nos mostra que o desenvolvimento das pessoas identificadas como tipo normal só se dá com aparente naturalidade porque todo o aparato da cultura humana (instituições, organização dos espaços públicos e privados, ferramentas e sistemas de comunicação etc.) está adaptado à organização psicofisiológica do indivíduo considerado normal.

A partir dessas considerações, é possível concluir que a chamada “educação inclusiva” deveria pensar em como modificar esse aparato para promover o desenvolvimento das pessoas que divergem desse padrão, ao contrário de criar adequações para que elas se adaptem às estruturas e modos de funcionamento pensados para uma abstração de normalidade. Dessa forma, toda ação pedagógica deveria consistir do exame da dinâmica do desenvolvimento de cada sujeito ao longo de sua relação com essa ação e posterior busca pela construção de técnicas, ferramentas e/ou sistemas de símbolos e signos culturais adaptados às suas peculiaridades. Cada divergência entre o aparato tradicional e as possibilidades do estudante deveria ser tomada como oportunidade ao educador para a construção desses caminhos indiretos ilimitados.

As ações do Programa revelam, ainda, a concepção de Universidade e de educação universitária que as embasava. O foco em flexibilização de prazos e concessão de tempo adicional para realização de provas denuncia uma prática educativa conteudista e tradicional, com pouca diversidade de metodologias de ensino e avaliação. Além disso, são ações voltadas apenas para a sala de aula ou a alguns poucos espaços de pesquisa, que não contemplam a vivência universitária de maneira abrangente, em comunidade, abarcando atividades culturais, políticas e de esporte e lazer, fundamentais à Educação Superior.

Encontros

Para os fins deste artigo, englobamos, sob a expressão Encontros Individuais ou em Grupo, atendimentos de estudantes, professores e servidores, reuniões com um ou mais membros de cada segmento, bem como discussões em grupo a respeito da vivência acadêmica dos estudantes. No PPNE, geralmente os atendimentos aos estudantes consistiam da acolhida inicial, detalhada na seção anterior, e de encontros de acordo com as demandas dos estudantes em relações às dificuldades que encontravam em sua vivência acadêmica. Já os Encontros Individuais com os professores e servidores tinham como foco esclarecimentos sobre os direitos acadêmicos dos estudantes e informações sobre suas necessidades e adaptações pedagógicas específicas.

Os encontros em grupo eram reuniões feitas preferencialmente com a presença dos estudantes e de seus professores e coordenador de curso, a fim de discutir a situação acadêmica dos alunos e disseminar as sugestões usuais do Programa quanto a adequações pedagógicas e direitos dos estudantes cadastrados. Dessa forma, refletiam o entendimento de que a prática de sala de aula poderia ser mantida com apenas algumas adaptações, que supostamente contemplariam as necessidades dos estudantes cadastrados.

Com frequência, nesses encontros em grupo, essas adequações eram vistas pelos professores como vantagens oferecidas aos estudantes com diagnósticos, gerando uma preocupação de favorecimento de um aluno em detrimento dos outros, refletindo a ideologia meritocrática por trás de sua concepção de educação (Monteiro, 2014Monteiro, A. (2014). Das políticas de inclusão à produção de diagnósticos. Horizontes, 32(2), 121-130.). Eram discutidas as adaptações concernentes principalmente às práticas avaliativas, e os questionamentos eram respondidos com base nos fundamentos legais. Havia pouca abertura para uma real discussão a respeito da necessidade de mudança do processo educativo para, além de dar conta das demandas dos estudantes, a sua própria melhoria.

Esse cenário denuncia uma educação universitária voltada para uma abstração idealizada: o estudante “normal”. Trata as diferenças como estorvos com os quais o professor tem que lidar e que atrapalham seu fazer. É mais uma vez a expressão da compreensão da diferença como falta e uma aproximação a ela numa perspectiva corretiva, normativa e homogeneizante (Angelucci, 2014Angelucci, C. B. (2014). Medicalização das diferenças funcionais: continuísmos nas justificativas de uma Educação Especial subordinada aos diagnósticos. Nuances: estudos sobre Educação, 25(1), 116-134.). Ao contrário de propiciar ao estudante condições para sua individuação como sujeito único em sua vivência específica, impõe padrões em busca de uma suposta normalidade na tentativa de eliminar o máximo possível a diferença. Dessa forma, a partir da teoria de (Foucault 2003Foucault, M. (2003). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.), podemos compreender a maneira como essas estratégias de suposta adequação pedagógica caracterizam-se como dispositivos de normalização dos sujeitos, realizando o ajustamento e o enquadramento das pessoas consideradas desviantes.

Essas estratégias demonstram uma visão de determinação do indivíduo e de seu destino a partir de seu diagnóstico, apontando para sua influência sobre seu próprio processo de subjetivação. Essa situação ficava clara no discurso dos estudantes durante os encontros individuais quando, frequentemente, ao falar das dificuldades enfrentadas em suas vivências acadêmicas, remetiam-se a seus diagnósticos para justificar características pessoais que consideravam atributos negativos decorrentes de seu suposto transtorno: “Eu não consigo estudar porque sou TDAH”. Percebe-se, portanto, a construção da sua subjetividade em torno desse diagnóstico, entendendo-se como inquieto, impulsivo, descontrolado (elementos descritivos do TDAH), e identificando essas características com anormalidade e doença. É um retrato da conceituação de (Foucault 2003Foucault, M. (2003). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.) acerca das estratégias biopolíticas de controle e docilização dos sujeitos.

Em algumas ocasiões, a discussão com os professores permeava a constatação de que buscar conhecer as necessidades e interesses dos estudantes, diversificar a prática pedagógica a partir delas e flexibilizar atividades avaliativas era favorável para o desenvolvimento de todos os alunos, não apenas aqueles identificados como diferentes. Nesses momentos, se tornava visível a possibilidade de cada espaço educativo dentro da universidade ser repensado de forma a efetivamente acolher a todos e realmente atuar no sentido de promoção de desenvolvimento no nível superior.

Quando o ensino não se constrói pelo controle, pela busca de resultados por meio da assimilação acrítica de conteúdos com status de verdade científica, a lógica de justiça e de igualdade de condições é ressignificada. A flexibilização e a diversificação da prática educativa não parece mais favorecimento ou atalho, mas sim a criação de condições para que todas as pessoas se desenvolvam na relação com o conhecimento no processo de ensino-aprendizagem. Torna-se, portanto, a possibilidade de um projeto educativo que faz sentido aos estudantes, o que promove desenvolvimento, em vez de memorização e reprodutivismo.

A patologização e a medicalização da Educação Superior, além de uma violação do direito das pessoas à educação sem precisarem ser identificadas como doentes ou transgressoras, é contrária à própria função da universidade, constituída na e pela diversidade do conhecimento. Acolher as diferenças de desenvolvimento humano nessa instituição é, mais do que garantir direitos, trazer a riqueza dessa diversidade para o projeto educativo.

O PPNE foi criado como reconhecimento de que o ensino da UnB era excludente e da necessidade de mudanças para garantir acesso, permanência e diplomação aos estudantes com deficiência. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (SEE, 2008SEE - Secretaria de Educação Especial. Grupo de Trabalho da Política Nacional de Educação Especial. Ministério da Educação. (2008). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília.) enfatiza essa questão ao afirmar que o baixo acesso de pessoas com deficiência a esse nível de ensino aponta para a necessidade de fortalecer essas políticas no Ensino Superior. A questão que fica é se realmente esse Programa tem agido no sentido de transformar a universidade. A partir do momento em que se institucionaliza enquanto simulacro de inclusão por meio de ações pontuais e isoladas voltadas para supostas necessidades dos estudantes, dadas mais por seu diagnóstico do que por sua vivência, trabalha a serviço da exclusão e não em sua superação. Não realiza as transformações profundas que precisam ser feitas e ainda cria a ilusão de que há uma política universitária de inclusão, silenciando os estudantes e invisibilizando suas reais demandas. Dessa forma, termina por se tornar um agente de exclusão.

É fundamental construir possibilidades de Educação Superior no sentido da compreensão de todos os estudantes como sujeitos únicos, com suas necessidades, desejos e projetos, que devem ser acolhidos em seu potencial transformador para a melhoria da universidade. Para isso, são necessárias políticas de garantia dos direitos das pessoas com deficiência em diálogo com outras ações afirmativas e discussões acerca da efetivação de uma educação de qualidade para todos. Essa efetivação demanda repensar a estrutura universitária, a formação docente, currículos, espaços físicos, ações culturais, relações interpessoais, metodologias de ensino, pesquisa e extensão, bem como a própria concepção de conhecimento e ciência. O acolhimento à diferença se faz no cotidiano, pela convivência em comunidade e pela construção de relações mais democráticas com respeito à alteridade e valorização da diversidade como fundamentais à construção da qualidade na educação.

Considerações Finais

Este estudo buscou adentrar a discussão acerca da “patologização e da medicalização da educação” no nível superior com o objetivo de compreender de que maneira os discursos e as práticas patologizantes e medicalizantes se materializam no cotidiano universitário. Permitiu, a partir da experiência do PPNE da UnB, expor a maneira como essa política universitária se encontra atravessada por concepções tradicionais de ensino que individualizam os problemas de escolarização, mantêm sistemas educativos excludentes e terminam por sustentar violações ao direito à educação.

A pesquisa aponta para a necessidade de a universidade - onde constantemente se dialoga a respeito do que as escolas devem ou não fazer - voltar-se para si mesma e para o estudo de sua própria realidade e das práticas educativas que se realizam nesse espaço. Além disso, ressalta a importância de pensar a função social dessas instituições e seu papel de constante reflexão, problematização e proposta de soluções para os desafios enfrentados pela sociedade.

Dessa forma, são necessários novos estudos sobre essa temática a fim de contribuir para que as IFES brasileiras assumam sua responsabilidade na elaboração de políticas públicas de educação inovadoras que ressignifiquem o acolhimento à diferença no sistema educativo. A construção da educação para todas as pessoas demanda tomar as aparentes dificuldades de cada estudante como oportunidades para a construção de possibilidades diversas e ilimitadas de práticas pedagógicas promotoras de desenvolvimento. Exige, portanto, o rompimento com modelos tradicionais, adaptacionistas e conteudistas, voltados exclusivamente ao controle e à normatização do ser humano.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2016
  • Aceito
    13 Dez 2016
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