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Jovens com transtorno autista, suas mães e irmãos: vivências familiares e modelo bioecológico

Young people with autistic disorder, their mothers and siblings: family experiences and bioecological model

Resumo

No modelo bioecológico, compreende-se o desenvolvimento a partir da interação entre o sujeito e os múltiplos contextos nos quais está inserido, considerando a dimensão temporal. Nessa direção, por meio de um estudo descritivo, objetivou-se analisar as concepções de jovens com transtorno autista, suas mães e seus irmãos acerca de suas vivências familiares. Para tanto, foram realizadas entrevistas com 12 mães, 17 irmãos e 2 jovens com autismo, sendo transcritas e analisadas a partir da técnica de análise de conteúdo. Os resultados evidenciaram que as atividades, a rede de apoio e as concepções descritas pelos participantes funcionam como fatores protetivos, mesmo diante de fatores de risco em seu desenvolvimento. O presente estudo suscita novas questões de pesquisa e elucida aspectos das vivências familiares importantes para delinear intervenções.

Palavras-chave:
Autismo; mães; irmãos; família

Abstract

In the bioecological model, development is understood as the interaction between the subject and the multiple contexts in which it is inserted, taking into consideration the temporal dimension. In this direction, through a descriptive study, it was aimed to analyze the conceptions of young people with autism, their mothers and siblings about their family experiences. For that, interviews were conducted with 12 mothers, 17 siblings and 2 youngsters with autism, being transcribed and analyzed using the content analysis technique. The results have showed that the activities, support networks and conceptions described by the participants work as protective factors, even in the face of risk factors in their development. The present study raises new research questions and elucidates aspects of family experiences that are important to delineate interventions.

Keywords:
Autism; mothers; siblings; family

Estudar fenômenos dados historicamente, partindo de múltiplos contextos que se interinfluenciam e promovem interação e desenvolvimento é uma das questões centrais na Teoria de Bioecológica do Desenvolvimento Humano (TBDH). Também conhecida por modelo bioecológico, teve como principal teórico Urie Bronfenbrenner, nascido em 1917 e falecido em setembro de 2005. De acordo com Benetti et al. (2013Benetti, I. C.;Vieira, M.; Crepaldi, M. A., & Schneider, D. R. (2013). Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicologia, 9(16), 89-99.), o estudo do desenvolvimento humano, em seu contexto real, tem implicações vitais para futuras pesquisas nas ciências do desenvolvimento e na psicologia.

Bronfenbrenner buscou compreender o indivíduo no contexto familiar, considerando o desenvolvimento como um fenômeno complexo a partir da interação entre as dimensões pessoa, processo, contexto e tempo (PPCT). Com relação à dimensão pessoa, compreendem-se as características biológicas, físicas e psicológicas do sujeito em interação com o ambiente. A dimensão processo aborda as interações como motor do desenvolvimento, que englobam pessoas, objetos e símbolos. O contexto envolve desde o ambiente imediato até os ambientes dos quais a pessoa não participa diretamente, mas que influenciam o desenvolvimento, e aqueles mais amplos relacionados aos aspectos sociais, culturais, econômicos ou políticos, envolvendo também crenças, valores e ideologias. Já a dimensão tempo constitui o sistema cronológico que modera as mudanças ao longo da vida e contempla desde o tempo em intervalos específicos durante as interações, como também ao longo de dias, semanas, anos ou gerações (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas.; Bronfenbrenner & Evans, 2000Bronfenbrenner, U., & Evans, G. (2000). Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, 9, 115-125. doi: 10.1111/1467-9507.00114
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).

Partindo do modelo bioecológico, destaca-se a relevância de estudar as famílias de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA), um transtorno multifatorial de incidência crescente que acomete os indivíduos precocemente em seu desenvolvimento e causa prejuízos nas áreas sociocomunicativa e comportamental, em diferentes graus de comprometimento (American Psychiatric Association [APA], 2013American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition. American Psychiatric Publishing.). A literatura na área aponta dificuldades relacionadas ao processo de diagnóstico, ao acesso a profissionais, serviços e intervenções especializados, às dificuldades inerentes às próprias características do transtorno, como também aos diferentes âmbitos da inclusão social e ao risco que os irmãos têm, com aproximadamente 7% mais chances de ter autismo que a população geral (Miele & Amato, 2016Miele, F. G., & Amato, C. A. H. (2016). Transtorno do espectro autista: Qualidade de vida e estresse em cuidadores e/ou familiares - Revisão de literatura. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, 16(2), 89-102. doi: 10.5935/1809-4139.20160010
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; Schmidt, 2017Schmidt, C. (2017). Transtorno do espectro autista: Onde estamos e para onde vamos. Psicologia em Estudo, 22(2), 221-230. doi:10.4025/psicolestud.v22i2.34651
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).

Considerando a família como um sistema e partindo do modelo bioecológico, Dessen (1997Dessen, M. A. (1997). Desenvolvimento familiar: Transição de um sistema triádico para poliádico. Temas em Psicologia, 3, 51-61.) aborda o nascimento do irmão como um período de transição ou uma fase específica do desenvolvimento da família, cujas mudanças afetam as relações interpessoais e cada um de seus membros de forma distinta. A autora afirma que o desenvolvimento saudável de tais relações depende da direção tomada pelas interações nesse período e suas variadas influências, mas sobretudo pela maneira como a família se organiza para a chegada de um novo membro, pelas suas crenças e expectativas.

De maneira análoga, entende-se que o diagnóstico de TEA em um membro do sistema familiar provoca mudanças e afeta seus membros ao longo do desenvolvimento. As interações, crenças e expectativas relacionadas a essa vivência são importantes de serem compreendidas a partir de estudos que considerem as interinfluências entre os contextos e suscitem políticas e práticas. A diversidade de adaptações familiares e fatores envolvidos indicam a necessidade de pesquisas e intervenções voltadas para os irmãos de indivíduos com TEA (Guedes & Tada, 2015Guedes, N. P. S., & Tada, I. N. C. (2015). A produção científica brasileira sobre autismo na psicologia e na educação. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(3), 303-309. doi: 10.1590/0102-37722015032188303309
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; Shivers & Plavnick, 2015Shivers, C. M., & Plavnick, J. B. (2015). Sibling involvement in interventions for individuals with autism spectrum disorders: A systematic review. Journal of Autism and Developmental Disorders, 45(3), 685-696. doi:10.1007/s10803-014-2222-7
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).

Entre os fatores envolvidos, destacam-se os fatores de risco e os fatores de proteção. O primeiro é entendido como ameaças ao desenvolvimento que, presentes na vida do indivíduo, aumentam a probabilidade de apresentar problemas; o segundo, como recursos pessoais ou ambientais que podem ser ativados em situações de risco com a função de modificar as respostas do indivíduo (Seibel et al., 2017Seibel, B. L.; Falceto, O. G.; Hollist, C. S.; Springer, P.; Fernandes, C. L. C., & Koller, S. H. (2017). Rede de apoio social e funcionamento familiar: Estudo longitudinal sobre famílias em vulnerabilidade social. Pensando Famílias, 21(1), 120-136.). Autores como Poletto e Koller (2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: Promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia, 25(3), 405-416. Doi:10.1590/S0103-166X2008000300009
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) apontam o caráter de ambivalência dos fatores de risco e de proteção e, como exemplo, citam o conceito de família que tanto pode ser um fator protetivo como de risco, a depender do contexto, dos processos a ela relacionados e das significações atribuídas pelo indivíduo.

Sob a perspectiva sistêmica, Faro et al. (2019Faro, K. A.; Santos, R. B.; Bosa, C. A.; Wagner, A., & Silva, S. S. C. (2019). Autismo e mães com e sem estresse: Análise da sobrecarga materna e do suporte familiar. Psico, 50(2), 1-11. doi:10.15448/1980-8623.2019.2.30080
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) estudaram mães, com estresse e sem estresse, de crianças com TEA e identificaram no primeiro grupo maior percepção em relação à sobrecarga e, no segundo, maior percepção em relação ao suporte familiar. Os autores apontaram que as investigações podem contribuir para intervenções e para auxiliar a adaptação das famílias aos contextos de TEA, minimizando estressores e maximizando recursos saudáveis dos quais as famílias dispõem.

Minatel e Matsukura (2014Minatel, M. M., & Matsukura, T. S. (2014). Famílias de crianças e adolescentes com autismo: Cotidiano e realidade de cuidados em diferentes etapas do desenvolvimento. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 126-34. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v25i2p126-34
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) entrevistaram famílias de indivíduos com TEA e identificaram que, depois de no mínimo nove anos, muitos relatam estarem acostumados ou não identificam dificuldades em seu cotidiano. Não obstante, os familiares vivenciam transformações ao longo da vida e a inserção social, a autonomia e a qualidade de vida são, muitas vezes, comprometidas. Foram relacionadas ao enfrentamento das dificuldades as redes de suporte, a atenção e as políticas direcionadas a essa população. Nessa direção, Meimes et al. (2015Meimes, M. A.; Saldanha, H. C., & Bosa, C. A. (2015). Adaptação materna ao transtorno do espectro autismo: Relações entre crenças, sentimentos e fatores psicossociais. Psico, 46(4), 412-422. doi: 10.15448/1980-8623.2015.4.18480
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) analisaram as crenças e sentimentos de mães de crianças com TEA relacionando-os aos fatores psicossociais presentes em seus contextos (apoio social e conjugal, capacidade de observar aspectos positivos nas habilidades infantis e vida profissional ativa) e destacaram o papel deles para as estratégias de enfrentamento.

Em relação aos irmãos de indivíduos com TEA, a revisão da literatura realizada por Hamer et al. (2014Hamer, B. L. & Manente, M. V., & Capellini, V. L. M. F. (2014). Autismo e família: Revisão bibliográfica em bases de dados nacionais. Revista Psicopedagogia, 31(95), 169-77.) indicou que são mais enfocados nos estudos na área aspectos relacionados à identificação precoce, risco para o TEA, rastreamento de seus sinais e sintomas, habilidades sociais, níveis de estresse e ajustamento. Esse dado indica a relevância de pesquisas que busquem compreender as vivências fraternas nesses contextos de desenvolvimento, fomentando bases para futuras intervenções.

Para compreender a perspectiva dos irmãos, Pietsrzak e Facion (2006Pietsrzak, S. P., & Facion, J. R. (2006). Pessoas com autismo e seus irmãos. Revista Intersaberes, 1(1), 168-185.) investigaram as influências do irmão com TEA na vida daqueles com desenvolvimento típico, a partir do uso de questionários, com participantes entre 4 e 30 anos de idade. Os dados indicaram que, embora haja um aumento nos níveis de tensão e estresse, as interações fraternas parecem influenciar positivamente os irmãos com desenvolvimento típico (DT) em relação à maturidade, responsabilidade, altruísmo, autonomia e flexibilidade para enfrentarem e ajustarem-se às dificuldades.

Sobre as vivências, expectativas e sentimentos de jovens irmãos de autistas, Cardoso e Françozo (2015Cardoso, M. F., & Françozo, M. F. C. (2015). Jovens irmãos de autistas: expectativas, sentimentos e convívio. Saúde, 41(2), 87-98.) realizaram entrevistas semiestruturadas com participantes entre 14 e 30 anos. Como principais mudanças no sistema familiar foram citadas pelos irmãos as privações na vida social da família, as vivências de preconceito e a exclusão social. Contudo, as relações fraternas foram descritas como muito boas e os sentimentos relacionados ao irmão com TEA foram de proximidade, forte apego, proteção e cuidado.

Especificamente em relação ao fenômeno ora estudado, são considerados como fatores de risco a presença de um membro na família com TEA, o isolamento social familiar derivado dos comportamentos relacionados ao transtorno, o hiperfoco parental nas demandas do filho com TEA ou níveis mais elevados de sobrecarga, estresse e depressão materna. Como fatores de proteção, entendem-se: as características pessoais de cada membro da família, os laços afetivos constituídos na família, a coesão familiar e a rede de apoio, por exemplo. Propõem-se então as seguintes questões de pesquisa: O que dizem os jovens com TEA, suas mães e irmãos sobre as vivências familiares e as interações fraternas na presença de um membro com TEA no sistema familiar? Quais os fatores relacionados a essas vivências? Espera-se que as concepções, as expectativas e a maneira como as pessoas percebem seus familiares, interações e rotinas se relacionem com os fatores de risco e de proteção considerando as interinfluências entre as dimensões PPCT.

Em concordância com o modelo bioecológico, o objetivo geral deste estudo é analisar as concepções de jovens com TEA, suas mães e seus irmãos acerca de suas vivências familiares, por entender que as concepções podem influenciar direta ou indiretamente as interações (Nunes & Salomão, 2016Nunes, L. L., & Salomão, N. M. R. (2016). O bebê aos três meses: Concepções de pais e mães. Psicologia em Estudo, 21(2),245-255. doi: 10.4025/psicolestud.v21i2.29197
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). Os objetivos específicos são: a) investigar as vivências familiares, no contexto de famílias que tenham um membro com TEA, considerando as dimensões PPCT; e b) identificar os aspectos que atuam como fatores de risco e de proteção nos jovens com TEA, suas mães e seus irmãos.

Método

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e caráter descritivo. A adequação dessa abordagem no estudo com famílias se justifica porque possibilita a compreensão dos fenômenos estudados através dos diferentes significados das experiências, das falas, dos comportamentos e dos contextos (Böing et al., 2008Böing, E.; Crepaldi, M. A. & Moré, C. L. O. O. (2008). Pesquisa com famílias: Aspectos teórico-metodológicos. Paidéia, 18(40), 251-266.).

Participantes

Participaram desta pesquisa 12 mães, com idades entre 33 e 50 anos, e seus respectivos filhos, sendo 17 com desenvolvimento típico (DT) entre 4 e 16 anos, e 2 jovens com TEA, um com 11 e outro com 13 anos, residentes na cidade de João Pessoa, PB. A amplitude em relação às faixas etárias dos participantes se deu com o intuito de contemplar o maior número de membros possível do sistema familiar.

Os critérios de inclusão foram: a) irmãos que coabitassem na mesma residência; b) crianças e adolescentes que tivessem entre 4 e 16 anos e fossem diagnosticados com TEA; e c) crianças e adolescentes com DT, que estivessem na faixa etária entre 4 e 16 anos e tivessem um irmão diagnosticado com TEA. Em relação aos critérios de exclusão, citam-se: a) crianças e adolescentes com DT, que atendessem aos critérios de inclusão, mas que os pais ainda não tenham informado às mesmas sobre o diagnóstico de TEA do irmão; e b) crianças e adolescentes que fossem diagnosticados com TEA, mas que tivessem outra condição médica associada.

Dentre os irmãos com TEA, aqueles com níveis mais leves, foram convidados a participar da pesquisa e, mediante participação voluntária, responderam às entrevistas. No que diz respeito à participação paterna, por partir de uma perspectiva sistêmica, acredita-se na importância dos pais nessas vivências familiares. Entretanto, devido às jornadas de trabalho, a maioria deles indicou dificuldades quanto à disponibilidade de horários, o que foi respeitado por parte da pesquisadora.

Instrumentos

Foram utilizadas fichas de caracterização dos participantes que contemplaram, além dos dados sociodemográficos, dados contextuais relacionados às pessoas e vivências familiares (posição na ordem de nascimento, rotina, informações relacionadas à vida escolar, diagnóstico e acesso às intervenções). Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com jovens com TEA, suas mães e seus irmãos com questões que versavam sobre: o que fazem em suas rotinas semanais e dos fins de semana; o que gostam e não gostam de fazer; com quem costumam fazer essas atividades; descrições sobre sua família, mais especificamente seus pais e irmãos; como lidam com os comportamentos relacionados ao TEA; e quais as expectativas para a relação fraterna no futuro.

Diante da heterogeneidade dos sintomas nos casos de TEA, também foi utilizada a escala de avaliação CARS (Childhood Autism Rating Scale) para caracterizar o nível de comprometimento através das informações fornecidas pelas mães dos jovens com TEA. Embora haja evidências de validação da CARS para uso no Brasil (Pereira et al., 2008Pereira, A.; Riesgo, R. S.; Wagner, M. B. (2008). Autismo infantil: Tradução e validação da Childhood Autism Rating Scale para uso no Brasil. Jornal de Pediatria, 84(6), 487-494.), autores como Santos et al. (2012Santos, T. H. F.; Barbosa, M. R. P.; Pimentel, A. G. L.; Lacerda, C. A.; Balestro, J. I.; Amato, C. A. H., & Fernandes, F. D. M. (2012). Comparação dos instrumentos Childhood Autism Rating Scale e Autism Behavior Checklist na identificação e caracterização de indivíduos com distúrbios do espectro autístico. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 24(1),104-106.) alertam sobre a importância do uso de instrumentos complementares de avaliação.

Procedimento para coleta e análise dos dados

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde, sob protocolo de número 97824718.1.0000.5188. Para assegurar o anonimato dos participantes, foram utilizados nomes fictícios (Tabela 1 e Tabela 2). Inicialmente, a pesquisadora contatou os responsáveis por uma clínica privada que trabalha com crianças com TEA, visando a indicação de famílias para participarem do estudo. Posteriormente, essas famílias foram contatadas pelos responsáveis pela clínica e aquelas que manifestaram interesse em participar disponibilizaram seus telefones para que a pesquisadora mantivesse o contato diretamente.

Tabela 1
Caracterização das mães
Tabela 2
Caracterização dos irmãos com desenvolvimento típico

Em seguida, a pesquisadora realizou o contato telefônico, apresentou a proposta do trabalho e marcou o primeiro encontro, de acordo com a disponibilidade da família. Esses encontros aconteceram geralmente em suas residências, como também nas clínicas ou nos demais espaços que seus filhos com TEA frequentavam (devido à dificuldade de horários das famílias). Na ocasião, foram apresentados os Termos de Consentimento e Livre esclarecido (TCLE), que abordavam os objetivos do estudo, os procedimentos, os aspectos éticos, seus riscos e benefícios.

Também foi solicitado a essas famílias que indicassem outras que também atendessem aos critérios do estudo para serem contatadas, verificando o interesse e a disponibilidade para participarem da pesquisa. Essa técnica de amostragem é conhecida por “bola de neve” e é indicada para pesquisar grupos difíceis de serem acessados, pois requer o conhecimento das pessoas pertencentes ao grupo (Vinuto, 2014Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: Um debate em aberto. Temáticas, 22(44), 203-220.).

Os mesmos procedimentos éticos foram adotados para a participação das crianças e adolescentes através do termo de assentimento e todas as informações foram adequadas ao nível linguístico e às particularidades de cada sujeito. Após a obtenção dos consentimentos, foi iniciada a etapa de realização das entrevistas. Nessa circunstância, também foram utilizadas as fichas de caracterização. As entrevistas foram realizadas individualmente em um ambiente reservado, conforme a disponibilidade da família, com duração variável em função da idade, das características dos participantes e do contexto. Em alguns casos, foram necessárias mais de uma visita.

Feito isso, as entrevistas foram transcritas e analisadas por meio da técnica de Análise de Conteúdo (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.), articuladas à literatura na área e ao modelo bioecológico, sendo exemplificadas a partir de trechos das verbalizações. Este estudo deriva de uma pesquisa realizada no trabalho de doutorado da primeira autora.

Resultados

Nessa seção, apresentam-se os resultados em termos da caracterização dos participantes (Tabela 1 e Tabela 2) e, posteriormente, das duas classes temáticas derivadas das entrevistas com jovens com TEA, suas mães e seus irmãos, denominadas rotina e atividades e descrição dos membros da família e das vivências familiares.

A primeira classe temática denominada rotina e atividades foi subdivida em duas categorias: 1) rotina semanal e dos fins de semana e 2) atividades de preferência e de desagrado. Já a segunda classe temática, denominada descrição dos membros da família e das vivências familiares, foi subdividida em três categorias: 1) descrições dos filhos, pais e irmãos, 2) percepção de como lida com o TEA e 3) expectativas para o futuro.

Caracterização dos participantes

A Tabela 1 exibe a caracterização das mães, cujas idades variam entre 30 e 50 anos. Quanto à composição familiar, a maioria é casada ou está em união estável com o pai do seu filho com TEA, sendo uma solteira e uma divorciada. A maioria das mães possui dois filhos e apenas uma tem quatro filhos. No tocante à escolaridade e renda familiar, a maioria das mães tem nível superior completo, trabalha e tem rendas acima de quatro salários. Das três mães que se denominam do lar, uma delas também é artesã.

A Tabela 2 mostra que a maioria dos irmãos com DT está acima dos 10 anos de idade e apenas três abaixo dos sete anos. A maioria dos irmãos com DT é de irmãos mais velhos em relação aqueles com TEA, 7 deles possuem apenas o irmão com TEA e 10 possuem mais de um irmão. Todos estudam em escolas regulares, desde creches até o último ano do Ensino Médio, e a maioria participa de atividades extraescolares.

Sobre a caracterização dos dois jovens com TEA, denominados ficticiamente como Renan e Igor, com 11 e 13 anos, respectivamente, ambos são o segundo filho na ordem de nascimento em famílias constituídas por três filhos. Renan cursa o 5º ano do Ensino Fundamental em uma escola regular pública, pratica natação e realiza intervenções com psicóloga e psicopedagoga semanalmente em serviços públicos. Obteve o diagnóstico de TEA, nível moderado, aos seis anos de idade por um neurologista infantil e atualmente atinge 31 pontos na escala CARS, de acordo com as informações maternas para esta pesquisa, caracterizando um nível leve de comprometimento.

Já Igor cursa o 8º ano do Ensino Fundamental em uma escola privada, pratica judô e surfe, realiza intervenções com psicóloga e terapeuta ocupacional semanalmente em clínicas particulares. Obteve o diagnóstico de Síndrome de Asperger aos três anos e meio de idade, também por um neurologista infantil, e atualmente atinge 20 pontos na escala CARS. Porém, conforme mencionado por Santos et al. (2012Santos, T. H. F.; Barbosa, M. R. P.; Pimentel, A. G. L.; Lacerda, C. A.; Balestro, J. I.; Amato, C. A. H., & Fernandes, F. D. M. (2012). Comparação dos instrumentos Childhood Autism Rating Scale e Autism Behavior Checklist na identificação e caracterização de indivíduos com distúrbios do espectro autístico. Jornal da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 24(1),104-106.), a CARS não demonstra efetividade nos casos de indivíduos com a presença de habilidades verbais, mascarando a gravidade do autismo, tanto que chegam a ser classificados como “sem autismo”, pois não atingem o ponto de corte para classificação de “autismo leve”, que é de 30 pontos, como aconteceu no caso de Igor.

Classe temática 1: Rotina e atividades

Em relação à categoria rotina semanal e dos fins de semana, houve consonância entre os discursos de mães e filhos. As respostas no tocante à rotina semanal envolveram: escola, terapias, atividades extraescolares, esportes, trabalho e brincadeiras em casa. Quanto aos fins de semana, foram evidenciadas atividades em ambientes abertos (praia, piscinas, praças, parques) e em ambientes fechados (shopping, restaurantes, igrejas, casas de familiares). Nesse ponto, a maioria das famílias mencionou tanto a preferência por ambientes abertos, como também saírem pouco ou, raramente, nos fins de semana.

Embora as respostas dos filhos com TEA tenham abordado os mesmos aspectos apontados por suas mães e irmãos com DT, suas respostas foram formuladas em termos de memórias de episódios ou relatos da situação de maneira literal. Outro aspecto a ser destacado é que, devido às características comunicacionais do TEA, algumas perguntas precisaram ser reformuladas, favorecendo maior clareza e compreensão para os jovens:

Pesquisadora: ... e nos fins de semana, o que fazem? / Renan: Você quer dizer.../ Pesquisadora: Sábado e domingo. / Renan: Não sei o que a gente faz./ Pesquisadora: Nos dias que não tem escola. / Renan: Ah, sim! A gente relaxa, descansa, brinca, vai para a praia, papai vai comprar uma rede para a gente pescar peixes para colocar no aquário (Renan, 11 anos).

Quanto às categorias relacionadas às atividades de preferência e de desagrado, as mães mencionaram gostar de atividades individuais (dormir, comer, ler), atividades esportivas (ir à academia, caminhar, dançar), atividades com os filhos e atividades gregárias (sair com as amigas). As mães também declararam não gostar de atividades relacionadas à rotina semanal (sair de casa, dirigir, acordar cedo, serviços de casa) e aos tratamentos do filho com TEA (coordenar os tratamentos, entrar nas sessões, ler e responder mensagens dos grupos de mães de filhos com TEA, administrar crises do filho).

Os relatos dos filhos nessa categoria apresentaram certa variabilidade em função da idade. Pelos mais velhos, foram preferidos o uso de eletrônicos, sair, brincar com amigos e cuidar dos animais. Sobre as atividades que lhes desagradavam, foram citadas as relacionadas à escola, à rotina, ao tédio ou às relações familiares, a exemplo de aturar a diferença de condutas dos pais com os irmãos. As respostas das crianças com menos de seis anos foram em torno de brincadeiras e alimentos. Mesmo diante da reformulação da pergunta, elas reafirmavam as suas respostas, enfatizando gostar de pizza, bonecas, bola ou desenhar e não gostar de cenoura, beterraba ou de brincar com amoeba.

Classe temática 2: descrição dos membros da família e das vivências familiares

No tocante à classe temática descrição dos membros da família e das vivências familiares, a primeira categoria sobre a descrição dos filhos, pais e irmãos elucidou que as mães descreveram seus filhos com DT em relação às transições ou diferentes fases do desenvolvimento, às características de saúde física e socioemocionais, como também às ligações afetivas com pais ou irmão com TEA.

As descrições maternas sobre o filho com TEA foram mais frequentes em termos das características do TEA, focalizando nos aspectos socioafetivos, nas respostas às intervenções, como também nas ligações afetivas, em maior destaque, com a mãe. Vale salientar que todas as mães, casadas ou com relacionamento estável, mencionaram em seus discursos o papel do companheiro. Em dois casos, os companheiros eram padrastos de um dos filhos e pai biológico do filho com TEA.

A gente acaba querendo definir a criança em torno... A gente, não, eu, né? Em torno de características do autismo, mas independentemente das características do autismo dele, ele é muito carinhoso, muito afetuoso (...) é muito apegado a mim, sempre foi e é feliz, é muito feliz assim (Eva, 42 anos, 2 filhos).

No que diz respeito à descrição dos pais pelos filhos com DT, foram observadas caracterizações distintas do pai e da mãe, bem como o reconhecimento pelos esforços - estudaram muito, superaram muitas coisas, são preocupados, fazem sacrifícios e querem sempre o bem dos filhos. As distinções em relação a tais caracterizações variaram de acordo com a idade. As crianças menores demonstraram certa tendência a falar sobre características físicas e comportamentos relacionados aos cuidados diários. São exemplos de descrições da mãe: bonita, branquinha, dá carinho, dá boneca, faz a feira, faz a comida, brinca comigo. Já as descrições do pai foram: faz muito bem para a vida, faz rimas, leva para lugares legais, trabalha para dar comida.

Interessante notar que, pelos filhos com idades acima de 11 anos, as mães foram caracterizadas por adjetivos como: legal, boazinha, brava, brigona, gosta de colocar ordem, explode fácil, estressada. Por outro lado, os pais foram caracterizados pelos seguintes adjetivos: calmo, mais calmo que a mamãe, mais rígido que a mamãe, trabalha muito. No entanto, chamou à atenção que a conotação com a qual os filhos falaram tais adjetivos parece demonstrar carinho e aceitação, uma vez que são seguidas de sorrisos e exemplos de situações relatadas com aparente contentamento, como ficou evidenciado no seguinte discurso: “Minha mãe é meio braba, mas é... (risos) é bem legal, é boazinha. Já meu pai é bem calmo, como meu padrasto, dá para ‘razuar’ bem a casa” (Caio, 11 anos, irmão mais velho).

Esses mesmos jovens e crianças descreveram os seus irmãos com TEA a partir de: características positivas (alegre, calma, sempre de bom humor), características negativas (birras, gritinhos, chatinho, se irrita às vezes), respostas às intervenções (está começando a falar, aprendeu a chamar para brincar), comportamentos diários (levo ele para a escola todos os dias) e ligações afetivas (com o pai, com a mãe ou com irmãos).

Ele é calmo [Jonatas] apesar da deficiência dele, ele é calmo, agora, quando a gente mexe com ele é que ele fica agitado e eu mexo muito com ele (risos). Mas é muito bom de lidar com ele, ele não é um menino que perturba o tempo todo, ele é inteligente ... Você não fica fazendo as coisas para ele porque ele é praticamente independente (Laura, 16 anos, irmã mais velha).

As crianças menores demonstraram respostas mais relacionadas às características físicas (muito fofinho, branquinho) e aos comportamentos diários, tais como: brincar, estudar, chorar na escola, fazer caretas, chamar palavrão, fazer desenho e assistir filme. Um aspecto em comum mencionado pelos irmãos de diferentes idades foram os comportamentos de isolamento do irmão com TEA: gosta de jogar e assistir sozinho, gosta de brincar sozinho, gosta de ficar imaginando. A exemplo disso cita-se:

“Eu vejo ele [Igor] mais imaginando um pouco, às vezes. Eu sempre me perguntei porque ele não controla a imaginação. (...) Ele é um pouco legal, porque tem umas vezes que ele gosta de brincar sozinho” (Carol, 7 anos, irmã mais nova).

Outro discurso representativo refere-se à queixa de uma irmã, não diretamente relacionada ao TEA do irmão, mas às implicações em sua vida pelas mudanças necessárias em função do irmão.

Não tenho muito o que falar dele, até porque é uma coisa meio diferente, não sei... Tem uma coisa que não gosto, mas não da parte dele assim... É que já mudei muito de escola e metade das vezes foi por causa dele, aí eu ficava meio chateada (Duda, 16 anos, irmã mais velha).

Nos casos de famílias com três filhos, os irmãos com DT se descreveram mutuamente a partir de mais características negativas do que em relação à descrição do irmão com TEA, a exemplo de: estressada, chatinha, abusada. Em crianças menores, os discursos foram relacionados à ambivalência e aos comportamentos de brincar: legal e não legal, brinca comigo às vezes, não brinca comigo. Houve também relatos como: a gente se resolve, eu gosto dela.

Os jovens com TEA, em suas descrições acerca dos seus pais e irmãos, também apontaram características positivas e negativas explicando suas opiniões a partir de exemplos. Também chamou a atenção o fato de que um dos jovens com TEA demonstrou ponderar as características positivas e negativas de seus pais e irmãos. Esses dois aspectos podem ser evidenciados a partir do seguinte discurso:

Papai é legal, conta histórias bem interessantes e, às vezes, é um pouco irritado (...) Mamãe é a chefe, sinônimo de eficiência, ela é realmente muito legal (...) Duda eu não sei descrever muito, mas ela é legal, esperta e bem séria (...) Carol é legal, agitada e sem consciência (risos). / Pesquisadora: o que quer dizer sem consciência? / Ela não toma jeito, é uma pirralhinha e também muito simpática (Igor, 13 anos).

Na categoria designada percepção de como lida com o TEA, foram focalizados os discursos maternos sobre como o filho com DT lida com o fato de ter um irmão com TEA e de como aquele com TEA lida com o seu diagnóstico. Algumas mães relataram que seus filhos lidam bem com o fato de terem um irmão com TEA, sendo que algumas fazem a ressalva de que acreditam que eles não compreendem bem a gravidade. Outras mães percebem sentimentos de ciúmes, queixas e, em alguns casos, culpa e vergonha diante de tais sentimentos. Também foi apontado que seus filhos apresentaram diferentes fases e formas de lidar de acordo com as idades.

Às vezes sentia ciúmes da atenção e à medida que foi crescendo, foi melhorando. Mas eu sinto que ele tem ciúmes às vezes, ciúmes da atenção sabe? Eu sinto que tem, apesar de ficar com vergonha de sentir sabe? / Quando perguntei como era para ele ter um irmão autista, ele disse: Mãe, não é bom nem ruim, é normal ter Henrique. Eu achei o máximo! Era tudo que eu queria ouvir porque não quero que ele diga que é a melhor coisa do mundo (...) é normal, é a minha realidade, tem coisa boa e tem coisa ruim, é normal, pronto (Paula, 50 anos, 2 filhos).

Sobre como o filho com TEA lida com o seu diagnóstico, uma das mães respondeu que seu filho reagiu bem e que explica às pessoas que tem TEA em situações específicas. A outra esclarece que o filho demonstra pouco essa compreensão. No que diz respeito a como os irmãos com DT lidam com o fato de terem um irmão com TEA, as respostas indicaram: satisfatoriamente (tranquilo, não me afeta em nada, não tenho problema, não me sinto nem bem nem mal, lido bem), dificuldades (um pouquinho difícil) e dificuldades iniciais (tinha medo do grau, mas vejo que está evoluindo; foi triste no começo, depois fui me acostumando). São exemplos desses discursos:

Bom, antigamente eu ficava mais comovido com isso, mas agora eu lido como um irmão normal, como se não tivesse autismo. Muitas vezes, eu falo para os meus amigos que eu tenho um irmão autista, eles perguntam: Caramba, mas não é difícil? Eu respondo: Não. Acho bem tranquilo. Ainda mais agora, né? Antigamente, era mais difícil (Nicolas, 14 anos, irmão mais velho).

Ainda nessa categoria, um dos participantes declarou ter inveja da atenção dispensada pelos pais ao irmão com TEA, mas ao longo da entrevista traz essa mesma queixa relacionada ao outro irmão com DT. Na mesma direção, tentou-se questionar os jovens com TEA sobre como lidam com os comportamentos relacionados ao transtorno. Por questões éticas, inicialmente foram realizadas perguntas mais gerais e, mediante as respostas, se encaminhou para a pergunta central. Porém, em ambos os casos, os jovens demonstraram certa fuga ao tema, o que foi respeitado por parte da pesquisadora.

Pesquisadora: Fale um pouco sobre você mesmo/ Igor: Sobre eu mesmo? Eu não sei não!? Pesquisadora: Se fosse para dizer: Igor é... você diria o quê? / Igor: Não sei, eu não quero colocar coisas sobre mim mesmo. Acho que conheço mais a minha família do que eu mesmo. / Pesquisadora: Seus pais conversam com você sobre seus comportamentos? / Igor: Mais ou menos. / Pesquisadora: Lembra alguma coisa que eles conversaram com você sobre seus comportamentos? / Igor: Não, mas tá funcionando (risos).

Por fim, sobre as expectativas maternas para o futuro, emergiram: cuidado, união, respeito e apoio mútuo. Porém, algumas mães sublinharam que evitam pensar no futuro, ou ainda, investem no filho com TEA para que ele dê menos trabalho ao irmão.

É meu maior medo, não gosto nem de pensar, porque não depende só do Davi, ele vai casar, vai ter a vida dele, a família dele e vai ter o irmão. Vai depender muito da companheira e de tanta coisa que foge à minha capacidade de intervir (Paula, 50 anos, 2 filhos).

Já os irmãos expressaram expectativas voltadas para a evolução do irmão com TEA (jogar mais com ele, que o autismo se reverta, que aprenda a falar) e expectativas voltadas para as interações e convivência (que se vejam sempre, que nunca se separem, que o relacionamento melhore ainda mais). Como exemplos citam-se: “Eu sei que ele vai melhorar, certeza! Talvez eu comece a jogar mais com ele” (Matheus, 16 anos, irmão mais velho). “Acho que ele vai melhorar até lá e, como ele vai estar mais perto da minha idade, talvez comece a jogar comigo” (Caio, 11 anos, irmão mais velho).

O mesmo para os jovens com TEA, cujos discursos revelaram expectativas relacionadas à convivência e à interação com irmãos. “Que eu me dê bem com as duas. Que Carol pare de ser irritante e que eu consiga interagir melhor com Duda” (Igor, 13 anos). “Espero que a gente não se separe, que a gente mude, evolua” (Renan, 11 anos). Neste ínterim, salienta-se que os irmãos em idades menores apresentaram respostas relacionadas ao que cada um será quando crescer ou ao que é preciso para crescer: muito grandes, com barba, ou mesmo, tem que comer feijão, arroz e galinha para crescer e ficar muito bem. Os irmãos em idades acima de 10 anos declararam respostas mais relacionadas a morar sozinho, seguir carreiras ou se casar.

Discussão

Os dados foram discutidos a partir da articulação entre a caracterização dos participantes, as categorias derivadas das entrevistas e os conceitos bioecológicos: pessoa, processo, contexto, tempo, fatores de risco e fatores de proteção (Bronfenbrenner, 1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas.; Bronfenbrenner & Evans, 2000Bronfenbrenner, U., & Evans, G. (2000). Developmental science in the 21st century: Emerging questions, theoretical models, research designs and empirical findings. Social Development, 9, 115-125. doi: 10.1111/1467-9507.00114
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; Poletto & Koller, 2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: Promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia, 25(3), 405-416. Doi:10.1590/S0103-166X2008000300009
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; Seibel et al., 2017Seibel, B. L.; Falceto, O. G.; Hollist, C. S.; Springer, P.; Fernandes, C. L. C., & Koller, S. H. (2017). Rede de apoio social e funcionamento familiar: Estudo longitudinal sobre famílias em vulnerabilidade social. Pensando Famílias, 21(1), 120-136.). Conforme os autores, admite-se a variabilidade desses conceitos e a interrelação entre eles de acordo com o contexto e as significações dos indivíduos.

O que tem se observado em relação à presença de um membro com TEA na família é a influência das dimensões tempo e contexto. Estudos mais recentes têm demonstrado aspectos mais positivos relacionados a esta vivência (Carvalho-Filho et al, 2018Carvalho-Filho, F.S.S.; Moraes-Filho, I.M.; Santos, J.C.; Silva, M.V.R.S., & Pereira N.D. (2018). Entendimento do espectro autista por pais/cuidadores: Estudo descritivo. Revista Científica Sena Aires, 7(2), 105-116.; Tudor et al., 2018Tudor, M. E., Rankin, J, & Lerner, M. D. (2018). A model of family and child functioning in siblings of youth with autism spectrum disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders, 48, 1210-1227. doi:10.1007/s10803-017-3352-5
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).

Atualmente, o impacto de se ter um membro na família com TEA pode ser atenuado pelo fato de se ter um maior número de pessoas com esse diagnóstico, maior divulgação, mais acesso às intervenções e às escolares regulares, como também mais políticas públicas voltadas para essa população. Aspectos esses considerados mais escassos há uma década e que foram destacados pelas mães do presente estudo.

No tocante à rotina e atividades, percebeu-se nesse estudo que as mães, tanto de níveis socioeconômicos mais altos quanto de níveis socioeconômicos mais baixos, embora apresentem certa sobrecarga de atividades constituindo fator de risco, abordam atividades e concepções que denotam fatores de proteção: praticam atividades físicas e de lazer, priorizam momentos a sós com os seus companheiros e demais filhos, e demonstram concepções mais positivas acerca de suas rotinas, mesmo reconhecendo as dificuldades. Eram comuns relatos acompanhados de sorrisos e de exemplos de estratégias de enfrentamento. Esses dados vão ao encontro dos achados de Faro et al. (2019Faro, K. A.; Santos, R. B.; Bosa, C. A.; Wagner, A., & Silva, S. S. C. (2019). Autismo e mães com e sem estresse: Análise da sobrecarga materna e do suporte familiar. Psico, 50(2), 1-11. doi:10.15448/1980-8623.2019.2.30080
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) e de Meimes et al. (2015Meimes, M. A.; Saldanha, H. C., & Bosa, C. A. (2015). Adaptação materna ao transtorno do espectro autismo: Relações entre crenças, sentimentos e fatores psicossociais. Psico, 46(4), 412-422. doi: 10.15448/1980-8623.2015.4.18480
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), ao identificarem a influência das percepções positivas dos recursos intra e extrafamiliares e das relações afetivas familiares para as estratégias de enfrentamento. Considerando as dimensões pessoa e contexto, observou-se que as mães ressignificavam o fato de terem tantas atividades, não focando apenas no filho com TEA, mas associando-as ao fato de terem que conciliar suas atividades profissionais com as demandas de casa e dos demais filhos.

Nesse sentido, cabe a reflexão acerca do fato de que a presença de um membro na família com TEA pode constituir-se como um fator de risco, preditor de piores ajustamentos ou níveis mais elevados de estresse e depressão, visto que muitos são os fatores relacionados (Dempsey et al., 2012Dempsey, A. G., Llorens, A., Brewton, C., Mulchandani, S., & Goin-Kochel, R. P. (2012). Emotional and behavioral adjustment in typically developing siblings of children with autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, 42, 1393-1402. doi:10.1007/s10803-011-1368-9
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).

Quanto aos filhos, a maioria dos relatos apreendidos não indicou privações de atividades sociais, o que constituiria um fator de risco. Contrariamente, observou-se que as mães contemplam em suas rotinas atividades extraescolares e sociais dos seus filhos com DT. Entretanto, aquelas famílias que relataram saírem menos nos fins de semana atribuíram isto a fatores como: momento de vida, preferências ou riscos associados a assaltos. O fato de algumas famílias saírem pouco também é apontado na literatura e pode estar associado às dimensões pessoa, processo e contexto a partir das particularidades comportamentais do filho com TEA (Minatel & Matsukura, 2014Minatel, M. M., & Matsukura, T. S. (2014). Famílias de crianças e adolescentes com autismo: Cotidiano e realidade de cuidados em diferentes etapas do desenvolvimento. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 126-34. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v25i2p126-34
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) ou experiências negativas de preconceito e exclusão social (Cardoso & Françozo, 2015Cardoso, M. F., & Françozo, M. F. C. (2015). Jovens irmãos de autistas: expectativas, sentimentos e convívio. Saúde, 41(2), 87-98.).

Sobre o contexto, as famílias citaram atividades de lazer em ambientes abertos. O urbanismo e a localização litorânea onde residem os participantes deste estudo favorecem tais práticas, repercutindo em melhor qualidade de vida para a família e inclusão social dos indivíduos com TEA. De acordo com Carvalho-Filho et al. (2018Carvalho-Filho, F.S.S.; Moraes-Filho, I.M.; Santos, J.C.; Silva, M.V.R.S., & Pereira N.D. (2018). Entendimento do espectro autista por pais/cuidadores: Estudo descritivo. Revista Científica Sena Aires, 7(2), 105-116.), Faro et al. (2019Faro, K. A.; Santos, R. B.; Bosa, C. A.; Wagner, A., & Silva, S. S. C. (2019). Autismo e mães com e sem estresse: Análise da sobrecarga materna e do suporte familiar. Psico, 50(2), 1-11. doi:10.15448/1980-8623.2019.2.30080
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) e Minatel e Matsukura (2014Minatel, M. M., & Matsukura, T. S. (2014). Famílias de crianças e adolescentes com autismo: Cotidiano e realidade de cuidados em diferentes etapas do desenvolvimento. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 126-34. doi: 10.11606/issn.2238-6149.v25i2p126-34
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), os ambientes dos quais essas famílias participam precisam estar assegurados por políticas públicas que favoreçam a vida das pessoas com TEA, uma vez que a rede de suporte, a atenção e as políticas direcionadas a essa população são variáveis diretamente relacionadas ao enfrentamento das dificuldades. Para Bronfenbrenner (1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Artes Médicas.), a adoção de práticas e políticas públicas favorece o desenvolvimento psicológico a partir da disponibilidade de ambientes apoiadores à vida familiar e deve ser preocupação por parte dos pesquisadores.

Nessa direção, Bagarollo e Panhoca (2010Bagarollo, M. F., & Panhoca, I. (2010). A constituição da subjetividade de adolescentes autistas: Um olhar para as histórias de vida. Revista Brasileira de Educação Especial, 16(2), 231-250.) identificaram que os jovens com TEA, ao relatarem suas experiências, enfatizam aquelas proporcionadas pela escola e família, como passeios, viagens, festas de aniversários, convivência com parentes e igrejas. Na presente pesquisa, os jovens com TEA também demonstraram em seus relatos memórias positivas de episódios vivenciados com seus familiares, ao descreverem suas rotinas ou membros de sua família com sorrisos e aparente satisfação, dado que indica a importância das atividades de lazer.

Sobre as particularidades relacionadas ao TEA, Cardoso e Françozo (2015Cardoso, M. F., & Françozo, M. F. C. (2015). Jovens irmãos de autistas: expectativas, sentimentos e convívio. Saúde, 41(2), 87-98.) abordam as vivências de situações de preconceito e mudanças na vida social por parte dos irmãos, incluindo certo isolamento da família, tanto no sentido de receber pessoas em casa quanto de evitar a exposição do irmão com TEA em razão de suas características comportamentais. Contudo, Meimes et al. (2015Meimes, M. A.; Saldanha, H. C., & Bosa, C. A. (2015). Adaptação materna ao transtorno do espectro autismo: Relações entre crenças, sentimentos e fatores psicossociais. Psico, 46(4), 412-422. doi: 10.15448/1980-8623.2015.4.18480
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) argumentam que o sistema de crenças é um importante preditor da adaptação familiar e do próprio paciente, independentemente da gravidade ou do grau de incapacitação.

A esse respeito, é possível afirmar, a partir das fichas de caracterização e dos relatos maternos, que as crianças e os adolescentes com TEA participantes desta pesquisa, apesar de também apresentarem níveis moderados e graves do transtorno, demonstram poucos comportamentos mal adaptativos, compreensão de instruções simples em suas rotinas e comportamentos funcionais em relação às atividades da vida diária. Tais características podem ser atribuídas às evoluções nas intervenções, pois todos realizam mais de uma há pelo menos um ano e meio. Não obstante, além das evoluções, também podem consideradas as características pessoais, grau de comprometimento, interações e estratégias familiares como o momento de vida.

Ainda sobre a caracterização dos participantes, é reconhecida a influência do nível socioeconômico, embora nos dados do presente estudo não tenha ficado tão evidente, talvez pelo seu número reduzido. Para Zanatta et al. (2014Zanatta, E. A; Menegazzo, E.; Guimarães, A. N; Ferraz, L., & Motta, M. G. C. (2014). Cotidiano de famílias que convivem com o autismo infantil. Revista Baiana de Enfermagem, 28(3), 271-282.), estudos com participantes com rendas familiares menores podem apontar aspectos mais negativos. Todavia, reafirmando a importância da dimensão pessoa e associadas a ela, suas significações, as mães com rendas familiares menores do presente estudo demonstraram em seus discursos fatores de proteção, estratégias de enfrentamento e aspectos mais positivos de suas vivências, mesmo diante das dificuldades ou do nível de comprometimento do filho com TEA. Elas mencionaram a busca por serviços públicos, espaços públicos para lazer, luta pela qualidade nos atendimentos, pela garantia de direitos como acesso à escola regular, gratuidade nos transportes públicos e benefício previdenciário. Tais iniciativas denotam empoderamento destas mães, que pode se constituir também como fator de proteção.

No que diz respeito às atividades de preferência e desagrado, as respostas foram bem diversificadas em função: das características pessoais (idade, gênero, diferença de idade entre irmãos); dos processos (interações familiares); e do contexto (onde residiam e estudavam, se tinham animais domésticos, brinquedos e demais recursos ambientais que tinham acesso). Algumas mães relataram não gostarem de responder às mensagens de outras mães, de gerenciar as crises do filho ou de participar das sessões de terapia. Nota-se que, das queixas, uma refere-se diretamente aos comportamentos do filho e as demais se relacionam a outros processos que emergem do fato de ter um filho com TEA.

Quanto às descrições dos pais, filhos e irmãos, as quatro dimensões revelam-se a partir de aspectos como fase do desenvolvimento, características das interações e da linguagem, tempo de convivência ou compartilhamento de atividades. Notou-se que as descrições foram imbuídas de conotações que denotavam empatia, compreensão e carinho, constituindo fatores de proteção. Sobre a percepção de como lida com o TEA, observa-se a influência de características familiares e pessoais, em especial a idade. Segundo Nunes et al. (2008Nunes, C. C.; Silva, N. C. B., & Aiello, A. L. R (2008). As contribuições do papel do pai e do irmão do indivíduo com necessidades especiais na visão sistêmica da família. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(1), 037-044.), o adulto pode perceber mais fortemente o impacto dessas vivências e as crianças podem não perceber efeitos negativos, ou podem negar tais efeitos até a idade adulta.

Também foi observada a descrição de sentimentos ambíguos e conflitantes, tanto ditos pelos irmãos quanto indicados pelas mães, o que corrobora com Post et al. (2013Post, S. G., Pomeroy, J., Keirns, C. C., Cover, I. V., Dorn, M. L., Boroson, L., Coulehan, J., Covell, K, Kubase, K., Luchsinger, E., Nichols, S., Parles, J., Schreiber, L., Tetenbaum, S. P., & Walsh, R. A. (2013). Brief report: Stony brook guidelines on the ethics of the care of people with autism and their families. Journal of Autism and Developmental Disorders, 43, 1473-1476. doi:10.1007/s10803-012-1680-z
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), ao indicarem que as emoções experimentadas pelos irmãos de crianças com TEA podem ser ambivalentes e os pais precisam ser criativos no sentido de atender as necessidades tanto do filho com TEA quanto do irmão com desenvolvimento típico.

Diante de diferentes pontos da entrevista dirigida aos jovens com TEA, a pesquisadora não obteve respostas relacionadas à pergunta, mesmo diante de reformulações. De acordo com Bagarollo e Panhoca (2010Bagarollo, M. F., & Panhoca, I. (2010). A constituição da subjetividade de adolescentes autistas: Um olhar para as histórias de vida. Revista Brasileira de Educação Especial, 16(2), 231-250.), esses indivíduos demonstram dificuldades em manter uma situação dialógica em muitos momentos e suas respostas nem sempre são efetivas, indicando a necessidade de esforço contínuo do interlocutor no direcionamento do diálogo para favorecer a continuidade das situações interativas.

Sobre as expectativas para o futuro, os irmãos com DT demonstraram aspectos relacionados à dimensão tempo, tanto em relação à idade quanto à etapa de vida que vivenciam, ou ainda ao tempo de conivência com o diagnóstico, não evidenciando maiores preocupações relacionadas ao irmão com TEA. Esse resultado pode ser um indicativo de que as famílias estão conseguindo lidar com seus receios em relação ao futuro do filho com TEA. Por outro lado, esse fato pode se dar também devido à idade, visto que, no estudo de Cardoso e Françozo (2015Cardoso, M. F., & Françozo, M. F. C. (2015). Jovens irmãos de autistas: expectativas, sentimentos e convívio. Saúde, 41(2), 87-98.), a preocupação quanto aos cuidados do irmão autista no futuro foi apontada por todos os entrevistados.

É importante mencionar a presença de algumas respostas monossilábicas por parte dos irmãos, mais breves ou relacionadas a ausência de queixas que, segundo Pietsrzak e Facion (2006Pietsrzak, S. P., & Facion, J. R. (2006). Pessoas com autismo e seus irmãos. Revista Intersaberes, 1(1), 168-185.), são de difícil interpretação e podem ser indicativas de dificuldades relativas ao assunto. Ademais, entende-se que a desejabilidade social possa influenciar de alguma forma as respostas, na medida em que os participantes apontaram mais aspectos positivos relacionados aos fatores de proteção.

Por tudo isso, entende-se que o fato de ter um irmão com TEA, a priori, não se configura como um evento adverso, visto que vários aspectos pessoais, contextuais, processuais e temporais precisam ser considerados numa literatura tão pouco explorada. Investigar as vivências familiares na perspectiva dos diferentes membros do sistema familiar foi de grande relevância para compreensão do fenômeno e trouxe importantes questões para serem pensadas em termos de intervenções.

Considerações finais

As pessoas com casos de TEA na família seguem uma trajetória de desenvolvimento diferente em relação aquelas sem esta condição e, em face disso, salienta-se a necessidade de realizar estudos que visem compreender tais contextos de desenvolvimento. As concepções dos irmãos de indivíduos com TEA, suas interações sociais e as vivências familiares, são pouco exploradas na literatura. Isso denota que é preciso analisar tanto os irmãos com desenvolvimento típico quanto aqueles com TEA.

Compreender as interconexões entre os contextos nos quais estão inseridos, considerando as etapas e as transições do curso de vida, sobretudo em irmãos cuja faixa etária compreende a infância, foi um dos propósitos deste estudo. Porém, as dificuldades de acesso a essa população tornam esse tipo de estudo ainda mais raro. Encontrar famílias que se disponibilizem e autorizem seus filhos pequenos a participarem consiste em um grande desafio. Nesse processo, a experiência do pesquisador é um diferencial. Também houve dificuldade na participação paterna, fato que pode ser considerado uma limitação no estudo.

A entrevista também consiste em um desafio, sendo indicada a semiestruturada, por possibilitar que a pergunta seja reformulada. Neste caso, perguntas mais diretas sobre as dificuldades relacionadas ao TEA poderiam ter sido feitas. Porém, visando minimizar o possível impacto diante dessas questões, optou-se pela abordagem de aspectos mais gerais, avançando de acordo com as características e o discurso da criança. Para tanto, estudos futuros podem utilizar recursos adicionais, como o desenho, com vistas a minimizar este viés.

Foram diferenciais nesse estudo a participação de crianças menores e de jovens com TEA. Conhecer suas vivências familiares, através de seus relatos sobre rotina, pessoas e atividades, é de grande relevância. Pretende-se colaborar para que profissionais compreendam essa perspectiva e pensem em intervenções na área. Esta pesquisa suscita aspectos que podem ser investigados em de futuros estudos, a exemplo da rivalidade maior entre irmãos com DT nos casos de famílias com três filhos. Adicionalmente, são indicados estudos observacionais no sentido de elucidar características das interações fraternas considerando a mediação parental.

Como derivação desta pesquisa, cita-se a devolutiva dos resultados que foi realizada pelas pesquisadoras, tanto com o grupo de mães como com o grupo de irmãos. Pode-se dizer que tal prática teve um caráter interventivo na medida em que suscitou entre os participantes o diálogo sobre o tema. Sugere-se que clínicas, associações ou demais espaços dedicados ao atendimento de pessoas com TEA possam oportunizar às famílias momentos de reflexões e orientações a respeito das vivências familiares e interações fraternas, potencializando os recursos de cada família e ajudando a minimizar o impacto do TEA.

Como limitações, entende-se que a predominância de famílias com nível socioeconômico maior pode ter influenciado os resultados, ao evidenciarem aspectos mais positivos sobre às vivências familiares, até mesmo pelo número maior de possibilidades em relação às redes de apoio. Sugere-se a realização de novas pesquisas com vistas a conhecer o fenômeno estudado em diferentes populações. Outra limitação apontada também em estudos na área refere-se ao fato de que as famílias que geralmente participam desses estudos tendem a ser famílias que lidam melhor com o TEA por inúmeros fatores, alguns deles foram discutidos nesse artigo. E, como tal, demonstram maior interesse e abertura para falarem sobre o tema.

O modelo bioecológico foi de grande relevância, diante da interrelação que faz entre as características pessoais, os diferentes contextos e processos a ele relacionados, considerando diferentes níveis temporais. Esse enfoque ampliou o espectro de discussões e perspectivas de analisar os aspectos que emergiram do estudo. Por fim, entende-se que os objetivos deste estudo foram alcançados, contribuindo com a área de desenvolvimento humano e demonstrando implicações para futuras pesquisas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2019
  • Aceito
    17 Fev 2021
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