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Psicoterapia psicodinâmica breve: estratégia terapêutica e mudança no padrão de relacionamento conflituoso

Brief psychodynamic therapy: therapeutic strategy and change in the conflictual relationship pattern

Resumos

Examinaram-se possíveis relações entre mudanças no padrão de relacionamento conflituoso de paciente, de 48 anos, submetida a psicoterapia breve psicodinâmica, e a estratégia terapêutica adotada pela terapeuta. Foi também avaliada a "magnitude" da mudança em sintomas psicopatológicos ao final do processo e entrevistas de acompanhamento (3 e 6 meses), com instrumentos de autorrelato: Inventário Beck de Depressão (BDI), Escala de Alexitimia de Toronto (TAS), Escala de Avaliação de Sintomas-40 (EAS-40), Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/ Neuroticismo (EFN). A avaliação do padrão relacional baseou-se no Tema Central de Relacionamento Conflituoso - CCRT e a estratégia terapêutica, no grau de "expressividade vs. apoio" das intervenções. Os resultados mostraram melhoras clinicamente significantes nos sintomas e mudança parcial do padrão central de relacionamento. As intervenções terapêuticas foram mais expressivas no início e mais suportivas à medida que mudanças positivas eram observadas. É necessária cautela na generalização dos resultados. A abordagem metodológica permite comparar diferentes indivíduos.

Estudo de Caso Sistemático; Análise intensiva de processo psicoterapêutico; Método de pesquisa; Análise qualitativa; Análise quantitativa


This study aimed to evaluate possible association between change in the conflictual relationship pattern of a 48 year-old, woman, assisted on brief psychodynamic therapy, and the therapist's therapeutic strategy. Yet it was evaluated the magnitude of change of psychopathological symptoms at the end and follow-up interviews (3 and 6 months) according to self-report measures: Beck Depression Inventory (BDI), Toronto Alexithymia Scale (TAS), Symptom Assessment Scale40 (EAS-40), Emotional Adjustment/ Neuroticism Factorial Scale (EFN). The relationship pattern was assessed based on the Core Conflictual Relationship Theme - CCRT method and the therapeutic strategy according to the degree of expressiveness vs supportiveness of the therapist's interventions. Results pointed out to clinically significant improvement on symptoms and partial change on the central relationship pattern. Interventions were more expressive at the beginning of the process and more supportive as improvement has been observed. Generalization of results demands caution. The methodological design allows comparing different individuals.

Systematic Case Study; Intensive analyses of psychotherapeutic process; Research method; Qualitative analyses; Quantitative analyses


ARTIGOS

Psicoterapia psicodinâmica breve: estratégia terapêutica e mudança no padrão de relacionamento conflituoso

Brief psychodynamic therapy: therapeutic strategy and change in the conflictual relationship pattern

Elisa Medici Pizão YoshidaI; Sebastião Elyseu JrI; Fernanda Robert de Carvalho Santos SilvaI; Itor Finotelli JrII; Fabrícia Medeiros SanchesI; Elisa Frederich PenteadoI; Ariane Cristina MasseiI; Gláucia Mitsuko Ataka da RochaIII; Maria Leonor Espinosa EnéasIII

IPontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil

IIUniversidade São Francisco, Itatiba, Brasil

IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência com o editor: Av. Francisco de Assis Dinis, 227 06030-380, Osasco, SP Tel/Fax: (11) 3684-1497 e.mail: eyoshida.tln@terra.com.br

RESUMO

Examinaram-se possíveis relações entre mudanças no padrão de relacionamento conflituoso de paciente, de 48 anos, submetida a psicoterapia breve psicodinâmica, e a estratégia terapêutica adotada pela terapeuta. Foi também avaliada a "magnitude" da mudança em sintomas psicopatológicos ao final do processo e entrevistas de acompanhamento (3 e 6 meses), com instrumentos de autorrelato: Inventário Beck de Depressão (BDI), Escala de Alexitimia de Toronto (TAS), Escala de Avaliação de Sintomas-40 (EAS-40), Escala Fatorial de Ajustamento Emocional/ Neuroticismo (EFN). A avaliação do padrão relacional baseou-se no Tema Central de Relacionamento Conflituoso - CCRT e a estratégia terapêutica, no grau de "expressividade vs. apoio" das intervenções. Os resultados mostraram melhoras clinicamente significantes nos sintomas e mudança parcial do padrão central de relacionamento. As intervenções terapêuticas foram mais expressivas no início e mais suportivas à medida que mudanças positivas eram observadas. É necessária cautela na generalização dos resultados. A abordagem metodológica permite comparar diferentes indivíduos.

Palavras-chave: Estudo de Caso Sistemático; Análise intensiva de processo psicoterapêutico; Método de pesquisa; Análise qualitativa, Análise quantitativa.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate possible association between change in the conflictual relationship pattern of a 48 year-old, woman, assisted on brief psychodynamic therapy, and the therapist's therapeutic strategy. Yet it was evaluated the magnitude of change of psychopathological symptoms at the end and follow-up interviews (3 and 6 months) according to self-report measures: Beck Depression Inventory (BDI), Toronto Alexithymia Scale (TAS), Symptom Assessment Scale40 (EAS-40), Emotional Adjustment/ Neuroticism Factorial Scale (EFN). The relationship pattern was assessed based on the Core Conflictual Relationship Theme - CCRT method and the therapeutic strategy according to the degree of expressiveness vs supportiveness of the therapist's interventions. Results pointed out to clinically significant improvement on symptoms and partial change on the central relationship pattern. Interventions were more expressive at the beginning of the process and more supportive as improvement has been observed. Generalization of results demands caution. The methodological design allows comparing different individuals.

Keywords: Systematic Case Study; Intensive analyses of psychotherapeutic process; Research method; Qualitative analyses; Quantitative analyses

INTRODUÇÃO

A principal característica do modelo teórico psicodinâmico consiste na pressuposição de que os indivíduos têm motivações, expectativas e reações características que se expressam em padrões de relacionamento. Esses são decorrentes de experiências infantis com pessoas emocionalmente importantes para a criança e que se mantêm relativamente constantes ao longo do desenvolvimento. Apesar de persistentes, podem variar quanto à rigidez, sendo mais ou menos invariáveis em cada indivíduo. Enquanto alguns indivíduos apresentam padrões interpessoais mais rígidos, com pouca variação em função da ocasião e das pessoas com quem interagem, outros apresentam padrões mais flexíveis (McCarthy, Gibbons & Barber, 2008).

O padrão interpessoal que gera conflito para o indivíduo é, usualmente, o foco do atendimento em psicoterapias breves psicodinâmicas. Quanto ao objetivo do processo, visa ajudar o paciente a obter uma melhora no padrão mal-adaptativo que o levou a buscar o atendimento (Yoshida & Rocha, 2007). Acredita-se que contribuam para os resultados da psicoterapia:

1. o nível de funcionamento geral do paciente, traduzido por sintomas psicopatológicos e características de personalidade;

2. a estratégia terapêutica empregada, e que pode ser identificada pela tipo de intervenções utilizadas pelo psicoterapeuta; e

3. o contexto em que a psicoterapia é realizada (Yoshida & Enéas, 2004). Nesta pesquisa, buscouse obter evidências empíricas que dessem suporte a estas pressuposições. Para tanto, definiu-se como objetivo principal examinar possíveis relações entre mudanças no tema de relacionamento central de paciente submetida a psicoterapia breve psicodinâmica e a estratégia terapêutica adotada. Um segundo objetivo foi o de avaliar o resultado do processo com base em mudanças sintomatológicas, entendidas como indicadoras do funcionamento geral do paciente.

O delineamento de pesquisa foi o Estudo de Caso Sistemático (ECS) (Edwards, 2007), um tipo específico de pesquisa de caso único, cujo objetivo é a compreensão dos fatores que contribuem para a mudança. O ECS está baseado em procedimentos desenvolvidos no contexto clínico, ou naturalista, e tem entrevistas como fonte de dados. Enquanto pesquisa de processo e de resultado, o ECS supõe avaliações de variáveis do paciente, do terapeuta e da interação entre eles (Eells, 2001, 2007; Messer, 2007). Contribuições de vários autores têm destacado os seguintes cuidados como necessários neste tipo de pesquisa:

1. os dados devem ser coletados cuidadosa e sistematicamente;

2. aplicações repetitivas de medidas de auto-relato podem prover dados mais isentos sobre as impressões de progresso e de mudança fornecidas pelas avaliações baseadas unicamente em julgamento clínico;

3. quando necessário, instrumentos desenvolvidos especificamente para um caso podem ser feitos (customizados) (Eells, 2007); e

4. procedimentos de controle devem garantir certa isenção, especialmente quando o terapeuta e o pesquisador são a mesma pessoa (Edwards, 2007).

A combinação de medidas baseadas em julgamento clínico (qualitativas) e de autorrelato (quantitativas) tem se mostrado bastante útil nas pesquisas de avaliação de mudança em psicoterapia, pois permite contemplar, simultaneamente, a exploração das características idiossincráticas de cada caso e a magnitude da mudança. Ademais, as medidas quantitativas possibilitam reportar os ganhos obtidos em relação a uma população mais ampla, conferindo maior legitimidade ao processo terapêutico (Ogles, Lambert & Masters, 1996).

Na presente pesquisa, avaliou-se a "magnitude" da mudança no funcionamento geral de uma paciente, comparando-se os escores de medidas de autorrelato do início do processo, com avaliações finais e entrevistas de acompanhamento, realizadas três e seis meses após o término. Avaliou-se o nível de depressão, sintomas psicopatológicos, grau de alexitimia e de neuroticismo. As avaliações qualitativas, com o método do Tema Central de Relacionamento Conflituoso-CCRT (Luborsky, 1984; Luborsky & Crits-Christoph,1998), foram empregadas para a categorização dos temas relacionais. O CCRT é um procedimento que permite a delimitação do conflito relacional que estaria no centro das dificuldades do paciente e que se expressa, de forma recorrente, através de padrão mal-adaptativo de conduta. Para a classificação da estratégia terapêutica, adotou-se um sistema derivado do Menninger Foundation Treatment Interventions Project e constituído por três dimensões: tipo de intervenção; intervenções mais focalizadas na transferência (expressivas) ou não-transferenciais (suportivas); e grau de expressividade/ apoio (supportiveness) (Horowitz e cols., 1991).

MÉTODO

Participantes

Paciente - Mulher, 48 anos, desquitada, ensino médio completo, afastada do serviço por doença, três filhos casados (29, 28 e 25 anos), diabética e medicada com anti-depressivo, encaminhada a clínica-escola por psiquiatra. Terapeuta - Mulher, Doutora em Psicologia, 33 anos de prática clínica.

Juízes

Quatro membros do grupo de pesquisa atuaram como juízes das medidas para a avaliação dos temas relacionais e tipo de estratégia terapêutica. Eles foram divididos em duplas, tendo uma avaliado o padrão central de relacionamento (CCRT) e a outra, de forma independente, os tipos de intervenção utilizados pela terapeuta (IT). Para tanto, cada dupla foi previamente treinada quanto aos procedimentos de avaliação.

Instrumentos

Inventário de Depressão Beck - BDI (Cunha, 2001) - Inventário de autorrelato, com 21 itens, cada um com quatro alternativas, avalia a intensidade da depressão. Desenvolvido empiricamente a partir da observação de relatos, de sintomas e atitudes de pacientes psiquiátricos, não reflete qualquer teoria sobre a depressão em particular. A soma dos escores dos itens indica a intensidade da depressão como: mínima (0-11), leve (12-19), moderada (20 -35) e grave (36-63 grave). Os estudos de teste reteste variam entre 0,48 e 0,86. Ponto de corte para a população brasileira, 12 pontos (Cunha, 2001).

Escala de Alexitimia de Toronto - TAS (Yoshida, 2000) - Instrumento de auto-avaliação, de 26 itens, desenvolvido para medir o grau de alexitimia segundo quatro fatores: F1 - habilidade de identificar e descrever sentimentos e distinguir sentimentos de sensações corporais; F2 - habilidade de sonhar acordado; F3 - preferência por focalizar eventos externos em vez de experiências internas e F4 - habilidade para comunicar os sentimentos a outras pessoas. Respostas de tipo Likert de cinco pontos em que, 1 corresponde a discordo inteiramente, 2 discordo, 3 não sei, 4 concordo e 5 concordo plenamente. Os escores totais variam entre 26 e 130, sendo que na versão original para escores acima de 74 (inclusive) o sujeito é considerado alexitímico e menores de 62 (inclusive) é considerado não alexitímico (Taylor, Ryan & Bagby, 1985). E para valores intermediários, isto é, entre 62 e 74, nada se pode afirmar. A TAS demonstrou boa estabilidade temporal em medidas de teste e reteste em amostra de estudantes universitários (r=0,72, uma semana) (Yoshida, 2000), e pacientes de hospital geral [r=0,72 (T), 0,78 (F) e 0,71 (M)] (Yoshida, 2007).

Escala de Avaliação de Sintomas-40 - EAS-40 (Laloni, 2001) - É uma escala multidimensional, de autorrelato e 40 itens, que medem sintomas psicopatológicos segundo quatro dimensões: psicoticismo (F1), obsessividade-compulsividade (F2), somatização (F3) e ansiedade (F4). Respostas em escala likert de três níveis: 0= nenhum, 1= pouco e 2= muito. Revelou boa consistência interna em todos os fatores [alfa=0,77 (F1), 0,83 (F2), 0,88 (F3) e 0,86 (F4)] e precisão de teste reteste, entre sete e 15 dias, igual a: 0,78 (F1), 0,64 (F2), 0,40 (F3) e 0,72 (F4) (Laloni, 2001).

Escala Fatorial de Ajustamento Emocional /Neuroticismo - EFN (Hutz & Nunes, 2001) - Instrumento de autofrelato, com 82 itens e respostas likert de 7 pontos que descrevem sentimentos ou atitudes. Desenvolvido para medir Neuroticismo segundo quatro facetas: vulnerabilidade (N1), desajustamento psicossocial (N2), instabilidade/ansiedade (N3) e depressão (N4). Precisão de teste e reteste igual a 0,87, em amostra de pacientes de hospital geral (Yoshida, 2007).

Core Conflictual Relationship Theme - CCRT (Luborsky, 1984; Luborsky & Crits- Cristoph, 1998) - Corresponde a forma sistematizada de identificar um padrão de relacionamento conflituoso central ativado de forma recorrente (Luborsky & Mark, 1991), segundo três componentes: 1) desejo, necessidade ou intenção expressos pelo sujeito (D); 2) resposta dos outros (RO); 3) resposta do eu (RE). Sendo que as ROs e REs podem ser respostas reais ou expectativas de respostas que a pessoa tem de seus relacionamentos. O método para formulação do CCRT compreende duas principais fases: 1) Localização dos episódios de relacionamento narrados; numeração por ordem de ocorrência; identificação do nome e o tipo de relação que mantém com a pessoa principal (p. ex.: pai, tio, irmã, chefe) em cada episódio; localização no tempo (atual, recente ou passada); idade da pessoa na ocasião da ocorrência do episódio; 2) Formulação do CCRT propriamente dito, com a identificação dos Ds, ROs e REs em cada episódio de relacionamento; classificação dos Ds, ROs e REs; formular o CCRT pela composição do tipo de D, RO e RE mais frequente. A fase 2 pode ser executada de duas maneiras diferentes: 1) sob medida, classificando-se cada componente sem a utilização de categoriaspadrão; 2) utilizando as listas de categorias-padrão. Na pesquisa foram utilizadas as categorias-padrão da 3ª edição (Duarte e cols., 2001) composta de oito categorias de Ds, oito ROs (positivas e negativas) e oito REs (positivas e negativas). São os seguintes os grupos relacionados aos Ds: 1. reafirmar-se e ser independente; 2. opor-se, ferir e controlar outros; 3. ser controlado, ser ferido e não ser responsável; 4. ser distante e evitar conflitos; 5. ser próximo e receptivo; 6. ser amado e compreendido; 7. sentir-se bem cômodo; 8. ter êxito e ajudar os outros. Quanto aos grupos das ROs, tem-se: 1. fortes; 2. controlam; 3. fora de si; 4. maus; 5. rejeitam e opõem-se; 6. ajudam; 7. apreciam-me; 8. compreendem. E paras as REs: 1. ajudante; 2. não-receptivo; 3. respeitado e aceito; 4. oponho-me e magoo os outros; 5. autocontrolado e autoconfiante; 6. desamparado; 7. desapontado e deprimido; 8. assustado e envergonhado (Duarte e cols., 2001).

Intervenções do Terapeuta (IT) (Gabbard, 1994/ 1998). Com base em método clínico para medir as intervenções do terapeuta, as IT incluem uma definição para cada uma das seguintes categorias de intervenção: 1.interpretação; 2. confrontação; 3. clarificação; 4. encorajamento a elaborar; 5. validação empática; 6. conselho e elogio; 7. simples afirmação. Este sistema de categorias foi derivado do Menninger Foundation Treatment Interventions Project, para acessar o grau de apoio e de expressividade de cada intervenção (Horowitz e cols., 1991). O sistema original inclui três dimensões: 1. as seis primeiras categorias (excluindo simples afirmação) são dispostas em um continuum, no qual a interpretação é a mais expressiva e conselho e elogio as mais suportivas; 2. distinção entre intervenções direcionadas ao relacionamento ou focalizadas na transferência (mais expressivas) e intervenções não focalizadas na transferência (mais suportivas); 3. Duas escalas de sete pontos, uma para a expressividade e outra para o grau de suporte (Horowitz e cols., 1991). Na presente pesquisa apenas as duas primeiras dimensões foram adotadas para avaliar o grau de apoio e expressividade dos processos.

PROCEDIMENTO

O atendimento foi realizado em clínica-escola de universidade do interior do estado de São Paulo, pela primeira autora. A paciente foi encaminhada para a psicoterapeuta após ter sido informada dos objetivos de pesquisa e consultada quanto ao interesse na participação voluntária. As sessões foram gravadas em áudio e vídeo e transcritas. As aplicações dos instrumentos de tipo autorrelato foram feitas por auxiliar de pesquisa, em horários específicos. As avaliações do CCRT e IT foram realizadas pelas duplas de juízes após o término da psicoterapia, com base nas transcrições das sessões. A precisão das avaliações dos juízes foi estimada por meio de coeficientes de correlação de Pearson (r). Nos casos em que havia desacordo, uma discussão entre os juízes era realizada, até se obter uma avaliação consensual, tomada como resultado final para fim de análises. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Instituição.

DADOS DO PROCESSO TERAPÊUTICO

Psicoterapia: 11 sessões individuais e duas sessões de acompanhamento, três e seis meses após o término.

Queixas: Sentia-se prisioneira de suas obrigações. Pensava que não podia se distrair e viver a sua vida, pois devia cuidar do ex-marido que sofrera um derrame, há cerca de oito meses. Ele se encontrava semiparalisado e com dificuldade para falar. A paciente sentia-se "revoltada por nunca ter tido tempo para curtir sua vida" (sic). Insônia.

Fatos importantes: desde criança trabalhou muito em casa e sofria castigos físicos severos do pai, alcoólico. Por ser a filha mais velha, tinha que cuidar da casa e dos irmãos, pois a mãe era doente. Casou-se grávida, aos 18 anos. O marido era alcoólico desde os 11 anos, mas ela não sabia. Os problemas de álcool do marido foram se tornando cada vez mais sérios, com o aumento do consumo. Depois do nascimento do terceiro filho, começou a trabalhar e ganhar mais que o marido. Muitas brigas. Há cerca de 10 anos separaram-se. Em 2004 mudou-se para a casa da mãe para tratar dela, que estava doente. Em 2005 a mãe faleceu e ela entrou em severa depressão. Meses depois passou a tratar do ex-marido, que sofrera um derrame. Há cerca de um ano, reencontrou um vizinho de infância e passaram a manter um relacionamento amoroso. Ele está casado, mas pretende se separar da mulher para vir a se casar com a paciente. Os três filhos são descritos como exemplares, mas não a ajudam o suficiente nos cuidados do ex-marido. Dá-se muito bem com as três noras.

Objetivo do processo terapêutico: Equacionar o conflito entre o sentimento de dever e a ânsia por viver sua vida, com um abrandamento do sentimento de culpa e o que chama de "revolta".

Resumo da psicoterapia: Fase Inicial / 1ª sessão - descrição de sua condição de vida atual e informações sobre sua infância; 2ª sessão - pretende se internar em hospital para tratar do diabetes muito elevado e como uma forma de obrigar os filhos a assumirem os cuidados do ex-marido. Por duas vezes, ao longo da sessão, ao se referir a situações de sofrimento, queixa-se de uma súbita dor de cabeça (quando fala dos castigos que sofria do pai quando criança e quando a terapeuta aponta seu sentimento de autopiedade); Fase medial/ 5ª sessão - relata um malestar que teria tido na semana e que descreve como "um choque na cabeça" (sic). Neurologista levantou suspeita de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Estava fazendo vários exames médicos. Recebe elogio dos filhos e do namorado em almoço com amigos e parentes. Pensa em voltar a pintar. 6ª sessão - apesar dos problemas persistirem diz estar se sentindo especialmente feliz, pois foi pedida em casamento e recebeu uma aliança do namorado. Os filhos aceitaram o compromisso e o ex-marido tem mostrado melhoras na condição física, o que diminui em parte a dependência em relação a ela. Diz estar pondo em prática algo que aprendeu na terapia: colocar limites e pedir a ajuda dos filhos para cuidar do ex-marido; Fase Final / 10ª sessão - estava um pouco decepcionada com o namorado e, que havia cogitado ir morar com ela mas resolveu esperar mais um tempo, até terem condições de ir para uma outra casa. Queixase novamente de problemas de visão. O ex-marido continuava progredindo e tornando-se mais independente. Ela conseguira que os filhos a ajudassem mais e se sentia muito melhor e apta a retomar sua vida. Faz planos para o casamento. 11ª - referiu várias melhoras, especialmente em relação ao sentimento que tinha de se sentir presa e sufocada, obrigando-se a sacrificar sua vida pelos demais. Retoma vários temas discutidos durante o processo, indicando as mudanças de atitude que obtivera. Sentia-se mais forte para enfrentar a vida; Acompanhamento/ 3 meses - Mantinha as conquistas. Os filhos mostravam-se muito mais atenciosos e revezavam-se nos cuidados do ex-marido. Ela mantinha o relacionamento amoroso e preparava-se para viajar com o namorado. Acompanhamento/ 6 meses - Estava cogitando internar o ex-marido em uma clínica, mas enfrentava resistência do namorado, que não queria. Assim mesmo ela estava disposta a fazê-lo, pois se sentia extremamente cansada. Procurava se cuidar mais em relação ao diabetes. Em relação aos filhos, continuava recebendo a ajuda deles.

CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DOS RESULTADOS

Em relação aos instrumentos de autorrelato (BDI, TAS, EFN e EAS-40), empregaram-se os critérios de mudança utilizados por Yoshida (2008). Naquela pesquisa foram utilizados os critérios de significância clínica propostos por Jacobson e Truax (1991), de acordo com os quais, um resultado clinicamente significante supõe que o paciente, ao final do processo, tenha: 1. atingido um desempenho compatível com o de pessoas provenientes de população funcional; 2. apresentado mudança suficientemente grande para ser atribuída a uma mudança "real" e não a erros de medida.

Para implementar o primeiro critério, Yoshida (2008) adotou a sugestão de Nietzel e Trull (1988), de considerar como ponto de corte um desvio padrão acima da média de uma amostra funcional. Para tanto tomou como base, para cada instrumento, os valores médios e o desvio padrão de uma amostra de universitários, considerados representantes de população funcional. Foram os seguintes os pontos de corte reportados: BDI=12; TAS=73; EAS-40 (total)=1; EAS-40 (F1)=1; EAS-40 (F2)=1; EAS-40 (F2)=1; EAS-40 (F4)=1; EFN1=86; EFN2=32; EFN3=90; EFN4=52. Para o segundo critério, empregou o valor de 1,96, largamente utilizado na literatura, para o Índice de Mudança Confiável de Jacobson e Truax (1991), ou RCI (Reliable Change Index). Aplicado esse índice a cada caso, foram obtidos os seguintes valores: BDI=12; TAS=15; EAS-40 (Total)=0,30; EAS-40 (F1)=0,52; EAS-40 (F2)=0,44; EAS-40 (F3)=0,42; EAS-40 (F4)=0,34; EFN1=22; EFN2=7; EFN3= 21; EFN4=14 (Yoshida, 2008). E finalmente, para a definição do status de mudança, também adotou os critérios utilizados por Jacobson e Truax (1991): 1. um escore superior ao ponto de corte corresponde a "recuperação"; 2. uma diferença entre os escores do pré e pós-tratamento, superior aos respectivos valores reportados acima, indica "melhora" na variável avaliada (Yoshida, 2008).

Em relação às medidas dos temas relacionais (CCRT) e da natureza das estratégias (expressiva/ suportiva), procedeu-se a avaliações qualitativas, baseadas em julgamentos clínicos. São reportadas apenas as correspondentes às etapas: inicial (1ª e 2ª sessões), medial (5ª e 6ª sessões), final (10ª e 11ª sessões) e entrevistas de acompanhamento (3 e 6 meses), dado que permitem acompanhar as mudanças de forma satisfatória e cumprir os objetivos da pesquisa. As avaliações foram feitas de forma independente por dois juízes familiarizados com os sistemas de classificação. A classificação dos temas relacionais pautou-se na avaliação da narrativa das interações do paciente com o terapeuta e outras pessoas externas à sessão e que configuram o padrão central de relacionamentos do paciente ou Tema Central de Relacionamento Conflituoso (CCRT) (Luborsky & Crits-Christoph, 1998). Com base nas transcrições das sessões cada juiz classificava o padrão relacional predominante identificando as categorias de Desejos, Respostas do Outro e Respostas do Eu mais frequentes.

Para avaliar a estratégia terapêutica quanto ao grau de apoio ou expressividade, foram classificadas, por dois juizes independentes, todas as intervenções da terapeuta ao longo do processo. Como para o CCRT, nos casos de discordância adotou-se a classificação consensual obtida após uma discussão entre os juízes. A análise da frequência absoluta de cada tipo de intervenção, em cada sessão, permitiu determinar clinicamente o grau de expressividade ou de apoio de cada fase. Não foram avaliadas as intervenções das entrevistas de acompanhamento, posto que visaram basicamente obter informações de como a paciente estava naquele momento, sem um trabalho com vistas a mudança.

RESULTADOS

Em relação às medidas de autorrelato, na Tabela 1 são apresentados os escores correspondentes à fase inicial (1ª sessão), final (11ª sessão) e em cada entrevista de acompanhamento (3 e 6 meses). Há ainda a indicação do status da mudança por ocasião da primeira e da segunda entrevistas de acompanhamento, isto é, se a paciente melhorou e/ou recuperou-se em relação à medida da fase inicial. Conforme referido, a "melhora" corresponde a uma mudança real em relação ao início do atendimento, ou seja, não seria um erro de mensuração (RCI>1,96). E a "recuperação" refere-se a uma mudança suficiente para colocar a paciente numa faixa compatível com pessoas funcionais, no caso, estudantes universitários. Para cada instrumento, quando o critério foi atingido a mudança foi indicada por um S.; e, nos casos negativos, por um N.

No início do atendimento a paciente apresentava nível moderado de depressão (33), com forte melhora ao final (leve, 14) e no primeiro acompanhamento (leve, 13), e mudança clinicamente significante apenas no segundo acompanhamento, quando já apresentava um nível mínimo de depressão (8), compatível com o encontrado em população funcional (Tabela 1). Em relação ao nível de alexitimia, apesar de já se encontrar dentro da faixa de funcionalidade (<73) no início do processo, houve uma melhora suficiente já ao final do atendimento, permitindo dizer que foi clinicamente significante. E esta recuperação mantinha-se constante seis meses após o término. Quanto às medidas de neuroticismo, iniciou o processo com escores acima dos pontos de corte nas dimensões: vulnerabilidade (EFN1, >86), instabilidade/ansiedade (EFN3, >90) e depressão (EFN4, >52). Ao final, havia se recuperado quanto à vulnerabilidade e à depressão, mas não quanto à instabilidade/ ansiedade, em que mantinha escores elevados. Somente seis meses após o término a recuperação estava consolidada nessa dimensão. Quanto à dimensão desajustamento psicossocial (EFN2), ao final do processo e no 1º acompanhamento apresentou escores levemente superiores aos do início. Todavia, não se pode falar em piora, porque a paciente mantinha-se dentro da faixa de população funcional (<32). Ademais, não havia motivos para se esperar que ela apresentasse melhora nessa dimensão, usualmente associada a comportamentos sexuais de risco, consumo exagerado de álcool, hostilidade com pessoas ou animais, necessidade de chamar a atenção, manipulação e descaso de regras sociais (Hutz & Nunes, 2001).

E finalmente, em relação à avaliação dos sintomas psicopatológicos, por meio da EAS-40, a paciente iniciou o atendimento com escores compatíveis aos de população funcional (<1) em psicoticismo (F1) e obsessividade/compulsividade (F2), mas foi considerada disfuncional em relação ao escore total da escala e nas dimensões somatização (F3) e ansiedade (F4). Ao final do processo demonstrou melhora clinicamente significante em todas as dimensões, com exceção da somatização (F3), que só atingiu o status de recuperação na última avaliação, seis meses após o final do processo. Para estes últimos resultados, devem ter contribuído as complicações que vinha tendo no seu quadro de diabetes, com vários sintomas físicos e sofrimento psíquico evidentes.

Em relação ao CCRT, o acordo entre dois juízes foi respectivamente de r=0,87 para o componente D; r=0,84 para RO e r =0,91 para RE. A análise do CCRT (Tabela 2), ao longo do processo e também nas entrevistas de acompanhamento, revelou o predomínio de um padrão relacional marcado pela necessidade de ser amada e compreendida pelos demais, ao mesmo tempo que almejava reafirma-se e se tornar independente. Em relação às respostas dos outros a essas necessidades, apareceram duas formas opostas. Enquanto em alguns momentos e situações as pessoas pareciam compreendê-las, em outros, os interesses individuais de cada um os impediriam de reconhecê-las. Diante de cada uma dessas possibilidades, a paciente reagia ora sentindo-se desamparada e deprimida, ora aceita e respeitada. Este padrão, que teria origem na infância, quando se dedicava a cuidar da mãe doente, da casa e dos irmãos, manteve-se constante ao longo do atendimento até as entrevistas de acompanhamento.

A Tabela 3 apresenta a distribuição de frequência das intervenções da terapeuta nas sessões iniciais, mediais e finais do processo. O índice de acordo obtido entre dois juízes em relação ao total de intervenções foi de r=0,77. Na primeira sessão predominaram as classificadas como encorajamento a elaborar (n=12), consideradas nem expressivas nem de suporte, uma vez que visam obter mais informações sobre o tema tratado. Na segunda sessão predominaram intervenções consideradas expressivas, dentro do contínuo expressividade-apoio, sendo a confrontação a mais frequente (n=4). A confrontação tem como finalidade, chamar a atenção do paciente para algo que ele reluta em aceitar ou que ele minimiza.

Pode se referir a alguma atitude ou a uma emoção ou sentimento. Na segunda sessão, aparece ainda uma interpretação. Com a interpretação o terapeuta procura ligar um comportamento, um pensamento ou um sintoma a um sentimento, ou à sua origem inconsciente (Gabbard, 1994/1998). É considerada a intervenção mais expressiva do contínuo. A partir da 5ª sessão predominaram intervenções categorizadas como de apoio, tais como, validação empática (5ª sessão n=5; 10ª sessão n=16; e 11ª sessão n=16 ) ou conselho e elogio (5ª sessão n=5), sem que no entanto fossem abandonadas intervenções expressivas como a clarificação (6ª sessão n=12; e 10ª sessão n=6).

DISCUSSÃO

Respeitando os princípios do Estudo de Caso Sistemático (Edwards, 2007; Messer, 2007) e de acordo com os objetivos da pesquisa, na discussão dos resultados buscou-se examinar possíveis relações entre mudanças no tema relacional central e a estratégia terapêutica adotada. Além disso, os resultados dos instrumentos de autorrelato forneceram uma perspectiva do ponto de vista da paciente sobre seu funcionamento geral.

O atendimento centrou-se no padrão relacional da paciente, caracterizado pelo desejo (D) de ser amada e compreendida pelos demais quanto às sua necessidade de viver e desfrutar de sua vida (Tabela 2). A expressão desse desejo aparece reiteradamente ao longo do processo, associada ao relato de situações em que teria se dedicado ao tratamento de doentes por longos espaços de tempo. Sentia que seus esforços não eram reconhecidos e respeitados pelos outros, que seguiam indiferentes aos seus sacrifícios (RO). Premida por um sentimento de desamparo, mantinha um comportamento ambivalente entre a resignação e tentativas de se opor e de confrontar os outros, mas sem sucesso (RE). Diante desse padrão, na fase inicial do processo, a terapeuta assumiu uma postura bastante expressiva já na segunda sessão, quando utilizou confrontações e uma interpretação (Tabela 3). Procurou apontar que a maior exigência e restrição provinha da própria paciente, de obrigações que ela se autoimpunha, muito mais do que da expectativa dos outros (principalmente filhos). E que a falta de apoio refletia, provavelmente, a percepção deles de que ela era suficientemente forte para arcar com tudo.

Na fase medial, a análise do CCRT (Tabela 2) aponta para respostas mais positivas por parte dos outros (RO) e também da própria paciente, que se sentia mais respeitada e valorizada (RE). Para isso teria contribuído a nova atitude que passou a ter ante os filhos e noras, no sentido de explicitar suas necessidades e colocar certos limites, e a maior liberdade que se consentiu para buscar situações prazerosas que pudessem minimizar o impacto de sua rotina, nos cuidados do ex-marido (RE). A presença reasseguradora do namorado e a perspectiva de casamento corroboraram a visão mais benigna dos outros. Nesse estágio, as intervenções da terapeuta foram mais de apoio, com a utilização de validação empática, conselho e elogio, ou neutras, como é o caso da 6ª sessão, em que predominaram intervenções de tipo encorajamento a elaborar (n=15). Devese, todavia, observar que intervenções expressivas foram também utilizadas nesta sessão, em que aparecem três confrontações e 12 clarificações. Ou seja, embora quantitativamente possa se falar em uma postura mais neutra, qualitativamente, um trabalho de levar a paciente a reconhecer como os seus comportamentos afetavam os outros continuava sendo feito.

Na fase final, a avaliação dos componentes do CCRT indica que a paciente mantinha os mesmos desejos da fase inicial (D), mas apresentava mudanças tanto na percepção que tinha em relação à maneira como era tratada pelos demais (RO), quanto à forma como percebia suas respostas a eles (RE). Resumidamente, sentia-se mais compreendida e respeitada como resultado de sua postura mais assertiva. Quanto à natureza das intervenções, a terapeuta reagiu de forma complementar, dando apoio e suporte às iniciativas da paciente e usando intervenções expressivas (confrontações e clarificações na 10ª sessão), tendo em vista levá-la a se defrontar com aspectos inconscientes que tinham como objetivo minimizar ou evitar sofrimento. Vale destacar que este movimento da terapeuta se deu de forma intuitiva, baseado muito mais na tentativa de manter a aliança terapêutica positiva do que em estratégia deliberada para atingir os objetivos da terapia.

Na primeira entrevista de acompanhamento (3 meses), continuava empenhando-se em manter o apoio dos filhos e noras nos cuidados do ex-marido (RO). Este, por sua vez, vinha se tornando mais independente nos cuidados pessoais e havia melhorado a capacidade de articular a fala (RO). Quanto ao namorado, depois de um período de desentendimentos, voltaram a fazer planos de morar juntos. Do ponto de vista do padrão relacional, mantinha-se autoconfiante e segura e perseguindo o propósito de viver sua vida (RE), a despeito das hesitações do namorado. Para tanto, em vários momentos, vinha reagindo de modo mais impositivo na consecução de seus objetivos, o que parece explicar o aparecimento da categoria "oponho-me e magoo os outros", no componente RE (Tabela 2).

Na última entrevista de acompanhamento (6 meses), vinha se defrontando com o fato de o ex-marido estar se tornando agressivo. A falta de respostas positivas e consistentes do namorado, filhos e noras às suas expectativas (RO) reativara a sensação de desamparo (RE) observada no início do atendimento. No entanto, continuava determinada a dar um melhor rumo à sua vida, mesmo que para tanto tivesse que se confrontar com os filhos e com o namorado. Do ponto de vista do padrão relacional conflituoso, teria havido, portanto, uma regressão parcial, devida mais especificamente à falta de apoio do ambiente.

Quanto os sintomas psicopatológicos, apesar dos critérios restritivos adotados para avaliar a mudança, esta teria sido clinicamente significante para todas as medidas. O nível dos sintomas é efetivamente apontado na literatura como o primeiro nível de mudança e o mais facilmente atingível em processos de curta duração (Jacobson & Truax, 1991; Ogles e cols., 1996). Quanto aos padrões relacionais, tendem a ser de mais difícil mudança (McCarthy e cols., 2008), especialmente em quadros mais severos (Yoshida & Enéas, 2004; Yoshida & Rocha, 2007). No caso específico desta paciente, a autocobrança excessiva, a rigidez em seus valores e a necessidade de ser amada e reconhecida levavam-na a assumir responsabilidades que transcendiam suas possibilidades físicas e emocionais, com alto custo para a sua saúde como um todo e para seu bem-estar psicológico. Como resultado da psicoterapia, parece ter conseguido alguma flexibilidade no padrão de relacionamento conflituoso, pois se mantinha firme em seu propósito de garantir espaço para viver sua vida e vinha buscando alternativas para os problemas do marido, mesmo decorridos seis meses do término do atendimento.

Concluindo, pode-se dizer que embora não seja possível estabelecer relações de causalidade, a abordagem metodológica permitiu acompanhar mudanças de forma sistemática e rigorosa, em diferentes níveis e a partir de diferentes fontes (juízes independentes e paciente), apesar do fato de a terapeuta fazer parte da equipe de pesquisa. Os resultados do processo devem ser atribuídos a uma conjunção de fatores, entre os quais se destacam: o grau de severidade da psicopatologia da paciente, comorbidades físicas, natureza das intervenções do terapeuta, reação do ambiente às mudanças nas atitudes e comportamentos da paciente, entre outros. Dentre eles, a análise das interpretações da terapeuta, bem como das oscilações no padrão de relacionamento conflituoso da paciente, permitiram acompanhar como a terapeuta lidava com cada situação e o movimento subsequente da paciente. No entanto, por se tratar de estudo de caso único, é necessária cautela na generalização dos resultados. Análises de outros processos terapêuticos devem necessariamente contribuir para uma melhor compreensão dos limites de psicoterapias psicodinâmicas aplicadas a pacientes atendidos em clínicas comunitárias.

Recebido em setembro de 2009

Reformulado em setembro de 2009

Aprovado em outubro de 2009

Sobre os autores:

Elisa Medici Pizão Yoshida é doutora em Psicologia pela USP, Pós Doutor pela U. de Montreal; professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia e da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas.

Sebastião Elyseu Jr. é Doutor em Psicologia pela PUC-Campinas, professor da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas e psicoterapeuta.

Fernanda Robert de Carvalho Santos Silva é Mestre em Psicologia pela PUC-Campinas e psicoterapeuta.

Itor Finotelli Jr. é Psicólogo pela PUC-Campinas, mestrando em Psicologia na USF e psicoterapeuta.

Fabricia Medeiros Sanches é mestre em Psicologia pela PUC-Campinas.

Elisa Frederich Penteado é Psicóloga pela PUC-Campinas.

Ariane Cristina Massei é mestre em Psicologia pela PUC-Campinas.

Gláucia Mitsuko Ataka da Rocha é doutora em Psicologia pela PUC-Campinas, Professora da Faculdade de Psicologia da U. Presbiteriana Mackenzie.

Maria Leonor Espinosa Enéas é doutora em Psicologia pela PUC-Campinas, professora da Faculdade de Psicologia da U. Presbiteriana Mackenzie e psicoterapeuta.

Endereço: Av. John Boyd Dunlop, s/nº, Jd. Ipaussurama, Campinas, SP - Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Campus II) - Programa de Pós Graduação em Psicologia (Prédio Administrativo) - e.mail: eyoshida.tln@terra.com.br

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  • Endereço para correspondência com o editor:

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    Tel/Fax: (11) 3684-1497
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      Out 2009
    • Recebido
      Set 2009
    • Revisado
      Set 2009
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