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Bullying e Habilidades Sociais de Estudantes em Transição Escolar

Bullying and Social Skills of Students in School Transition

Bullying y Habilidades Sociales de Estudiantes en Transición Escolar

Resumo

Nos períodos de transição escolar ocorre mais bullying. Um dos fatores associados pode ser a existência de déficits nas habilidades sociais dos estudantes. Assim, o objetivo deste estudo foi verificar possíveis diferenças nas habilidades sociais de estudantes envolvidos e não envolvidos em situações de bullying no período de transição escolar. Participaram 408 estudantes do sexto ano do Ensino Fundamental, com média de idade de 11,3 anos (DP = 0,62). Os dados foram coletados mediante uma escala e um questionário, e avaliados estatisticamente por análises de variância (ANOVA). As vítimas-agressoras apresentaram as menores médias nas habilidades sociais e diferenciaram-se significativamente das vítimas, agressores e não envolvidos no bullying em relação às habilidades de empatia/civilidade, autocontrole e participação. Já os estudantes não envolvidos apresentaram as maiores médias nas habilidades sociais. Conclui-se que a melhoria das habilidades sociais dos estudantes em transição escolar pode ajudar a prevenir e/ou reduzir o bullying.

Palavras-chave:
bullying; violência escolar; habilidades sociais; competência social

Abstract

Bullying tends to occur more often during periods of school transition. One of the associate factors may be a deficit in students’ social skills. Thus, this study’s objective was to verify potential differences between the social skills of students involved and not involved in bullying during school transition. A total of 408 sixth-grade students, with a mean age of 11.3 years old (SD = 0.62), participated in this study. Data were collected using a scale and a questionnaire and statistically analyzed by Analysis of Variance (ANOVA). Victim-offenders had the lowest mean scores in social skills and differed significantly from victims, bullies, and those not involved in bullying concerning empathy/civility, self-control, and participation skills. On the other hand, students not involved in bullying showed the highest mean scores in social skills. We concluded that improving the students’ social skills in school transition might help prevent and/or reduce bullying.

Keywords:
bullying; school violence; social skills; social competence

Resumen

Em los períodos de transición escolar se produce más bullying. Uno de los factores asociados puede ser la existencia de déficits em las habilidades sociales de los estudiantes. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue verificar las posibles diferencias em las habilidades sociales de los estudiantes involucrados y no involucrados em situaciones de bullying em el período de transición escolar. Participaron 408 estudiantes del sexto año de la Educación Primaria, em em media de edad de 11,3 años (DS = 0,62). Los datos se recogieron mediante em escala y em cuestionario, y se analizaron por análisis de varianza (ANOVA). Las víctimas-agresoras presentaron las puntuaciones medias más bajas em las habilidades sociales y se diferenciaron significativamente de las víctimas, agresores y no involucrados em el bullying em relación a las habilidades de empatía/civilidad, autocontrol y participación. Por em lado, los estudiantes no involucrados mostraron las medias más altas em habilidades sociales. Se concluye que la mejora de las habilidades sociales de los estudiantes durante la transición escolar puede ayudar a prevenir y/o reducir el bullying.

Palabras clave:
Bullying; Violencia escolar; Habilidades sociales; Competencia social

O bullying escolar é um tipo de violência entre pares caracterizado pela repetitividade, intencionalidade e desequilíbrio de poder entre vítimas e agressores (Oliveira et al., 2018Oliveira, W. A., Silva, J. L., Braga, I. F., Romualdo, C., Caravita, S. C. S., & Silva, M. A. I. (2018). Ways to explain bullying: Dimensional analysis of the conceptions held by adolescents. Ciência & Saúde Coletiva, 23(3), 751-761. doi: 10.1590/1413-81232018233.10092016
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; Olweus, 2013Olweus, D. (2013). School bullying. Annual Review of Clinical Psychology, 9(1), 751-780. doi: 10.1146/annurev-clinpsy-050212-185516
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). O bullying pode ocorrer de forma direta, por meio de agressões físicas e verbais, ou de forma indireta, por meio de da disseminação de boatos sobre a vítima ou de sua exclusão do grupo de pares (Goldbach, Sterzing, & Stuart, 2018Goldbach, J. T., Sterzing, P. R., & Stuart, M. J. (2018). Challenging conventions of bullying thresholds: Exploring differences between low and high levels of bully-only, victim-only, and bully-victim roles. Journal of Youth and Adolescence, 47(3), 586-600. doi: 10.1007/s10964-017-0775-4
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; Lisboa, Braga, & Ebert, 2009Lisboa, C., Braga, L. L., & Ebert, G. (2009). O fenômeno bullying ou vitimização entre pares na atualidade: Definições, formas de manifestação e possibilidades de intervenção. Contextos Clínicos, 2(1), 59-71. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-34822009000100007&lng=pt&tlng=pt
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). Existe também o cyberbullying, que se refere a agressões praticadas via internet, por exemplo, envio de mensagens ofensivas em redes sociais (Baldry, Farrington, & Sorrentino, 2015Baldry, A. C., Farrington, D. P., & Sorrentino, A. (2015). “Am I at risk of cyberbullying”? A narrative review and conceptual framework for research on risk of cyberbullying and cybervictimization: The risk and needs assessment approach. Aggression and Violent Behavior, 23(1), 36-51. doi: 10.1016/j.avb.2015.05.014
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).

A ocorrência do bullying, em suas diferentes formas, viola o direito de crianças e adolescentes à educação e à segurança nos ambientes de aprendizagem (The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO, 2017The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation - UNESCO (2017). School violence and bullying: global status report. Paris: UNESCO. Recuperado de http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002469/246970e.pdf
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). Entretanto, trata-se de um fenômeno presente em escolas do mundo todo, independentemente de diferenças étnicas, socioeconômicas e culturais (Matos, 2012Malta, D. C., Porto, D. L., Crespo, C. D., Silva, M. M. A., Andrade, S. S. C., Mello, F. C. M., ... Silva, M. A. I. (2014). Bullying in Brazilian school children: Analysis of the national adolescent school-based health survey (PeNSE 2012). Revista Brasileira de Epidemiologia, 17(Suppl. 1), 92-105. doi: 10.1590/1809-4503201400050008
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). A literatura internacional relata taxas de ocorrência em diferentes países entre 7% a 43% para vítimas, e de 5% a 44% para os agressores (Cook et al., 2010Malta, D. C., Silva, M. A. I., Mello, F. C. M., Monteiro, R. A., Sardinha, L. M. V., Crespo, C., ... Porto, D. L. (2010). Bullying in Brazilian schools: results from the national school-based health survey (PeNSE), 2009. Ciência & Saúde Coletiva, 15(Suppl. 2), 3065-3076. doi: 10.1590/S1413-81232010000800011
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). No Brasil, a média envolvendo agressão e vitimização é de 28% (Brasil, 2016Brasil. (2016). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2015). Rio de Janeiro: IBGE.). Esse panorama dificulta o oferecimento de uma educação de qualidade, equitativa e que promova o desenvolvimento integral dos estudantes, por eles vivenciarem situações de violência na escola (Binsfeld, 2010Binsfeld, A. R., & Lisboa, C. S. M. (2010). Bullying: Um estudo sobre papéis sociais, ansiedade e depressão no contexto escolar do Sul do Brasil. Interpersona, 4(1), 74-105. Recuperado de: https://interpersona.psychopen.eu/article/view/44
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; da Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
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; UNESCO, 2017The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation - UNESCO (2017). School violence and bullying: global status report. Paris: UNESCO. Recuperado de http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002469/246970e.pdf
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).

O bullying é um fenômeno complexo que apresenta múltiplos fatores associados a aspectos contextuais (ausência de regras escolares, pouca supervisão dos estudantes, grande tamanho das turmas, níveis elevados de desigualdade social na comunidade, entre outros) e aspectos pessoais dos estudantes (por exemplo: ansiedade, timidez, isolamento social, baixa autoestima e déficits nas habilidades sociais) (Azeredo et al., 2015Sampaio, J. M. C., Santos, G. V., Oliveira, W. A., Silva, J. L., Medeiros, M., & Silva, M. A. I. (2015). Emotions of students involved in cases of bullying. Texto & Contexto - Enfermagem, 24(2), 344-352. doi: 10.1590/0104-07072015003430013
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; Oliveira et al., 2016Oliveira, W. A., Silva, M. A. I., Mello, F. C. M., Porto, D. L., Yoshinaga, A. C. M., & Malta, D. C. (2015). The causes of bullying: Results from the National Survey of School Health (PeNSE). Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(2), 1-8. doi: 10.1590/0104-1169.0022.2552
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; Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
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). Entretanto, neste estudo será focado somente um fator associado ao bullying, os déficits nas habilidades sociais dos estudantes, uma vez que as habilidades sociais podem ser ensinadas e, portanto, podem auxiliar na prevenção e redução de situações de violência entre pares na escola, além de favorecerem a aprendizagem, a formação de amizades e o apoio social entre os estudantes (Almeida & Lisboa, 2014Almeida, L. S., & Lisboa, C. (2014). Habilidades sociais e bullying: Uma revisão sistemática. Contextos Clínicos, 7(1), 62-75. doi: 10.4013/ctc.2014.71.06
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; Jenkins, Demaray, Fredrick, & Summers, 2016Jenkins, L. N., Demaray, M. K., Fredrick, S. S., & Summers, K. H. (2016). Associations among middle school students’ bullying roles and social skills. Journal of School Violence, 15(3), 259-278. doi: 10.1080/15388220.2014.986675
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; Julie, Renee, & Barbara, 2012Julie, C. P., Renee, E. S., & Barbara, J. M. (2012). Are young adolescents’ social and emotional skills protective against involvement in violence and bullying behaviors? Health Promotion Practice, 14(4), 599-606. doi: 10.1177/1524839912462392
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).

Habilidades sociais constituem comportamentos que permitem que uma pessoa seja avaliada como competente no desenvolvimento de alguma tarefa social (Del Prette & Del Prette, 2013). Alguns exemplos de classes de habilidades sociais são as habilidades de autocontrole e expressividade emocional (controlar o humor, tolerar frustrações, acalmar-se, expressar emoções positivas e negativas, entre outras), assertividade (expressão de desagrado, lidar com críticas, fazer e recusar pedidos etc.), civilidade (formas educadas de tratamento, gentilezas), empatia (por exemplo: demonstrar respeito às diferenças, expressar compreensão pelo sentimento ou experiência do outro), fazer amizades (fazer perguntas pessoais, elogiar, oferecer ajuda, iniciar e manter conversação etc.) e solução de problemas interpessoais (pensar antes de tomar decisões, identificar e avaliar possíveis alternativas de solução, avaliar o processo de decisão, entre outras) (Del Prette & Del Prette, 2013).

Em síntese, habilidades sociais constituem um conjunto de habilidades aprendidas que permitem que uma pessoa interaja de forma adequada em situações sociais (VandenBos, 2015VandenBos, G. R. (2015). APA dictionary of psychology (2nd ed.). Washington, DC: American Psychological Association.). Diferentemente, competência social é um conceito mais amplo que se refere à capacidade das pessoas em avaliar situações sociais e, a partir dessa avaliação, selecionar e aplicar comportamentos mais apropriados ao contexto social (VandenBos, 2015VandenBos, G. R. (2015). APA dictionary of psychology (2nd ed.). Washington, DC: American Psychological Association.). Na competência social, os indivíduos utilizam os seus recursos internos (pensamentos e sentimentos) em articulação com os recursos externos (aspectos sociais e culturais) para atingirem um objetivo pessoal com consequências positivas para si mesmo e para as outras pessoas, vinculando habilidades sociais e resultados sociais, de modo contextualizado (Del Prette & Del Prette, 2013).

Uma pessoa socialmente habilidosa possui um bom repertório de habilidades sociais que se reflete em sua competência social, ou seja, na coerência e funcionalidade de seu desempenho social, de modo a, por exemplo, iniciar e manter amizades, resolver problemas interpessoais de forma a não gerar mais conflitos e possuir um bom controle emocional (Del Prette & Del Prette, 2013). Portanto, as habilidades sociais podem auxiliar na prevenção e redução do bullying escolar.

Por outro lado, a existência de déficits nas habilidades sociais ocasiona dificuldades de relacionamento interpessoal que podem, por exemplo, resultar em isolamento social, que é um aspecto de vulnerabilidade à vitimização por bullying (Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
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). Estudos indicam que as vítimas geralmente apresentam repertório reduzido de habilidades sociais que resultam em comportamentos, na maioria das vezes, passivos (Hussein, 2013Hussein, H. M. (2013). The social and emotional skills of bullies, victims, and bully-victims of Egyptian primary school children. International Journal of Psychology, 48(5), 910-921. doi: 10.1080/00207594.2012.702908
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; Julie et al., 2012Julie, C. P., Renee, E. S., & Barbara, J. M. (2012). Are young adolescents’ social and emotional skills protective against involvement in violence and bullying behaviors? Health Promotion Practice, 14(4), 599-606. doi: 10.1177/1524839912462392
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). Já as vítimas-agressoras (estudantes que sofrem agressões, mas também as praticam) também podem apresentar problemas no autocontrole e expressividade emocional (Hussein, 2013Hussein, H. M. (2013). The social and emotional skills of bullies, victims, and bully-victims of Egyptian primary school children. International Journal of Psychology, 48(5), 910-921. doi: 10.1080/00207594.2012.702908
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). Em relação aos agressores, existem indicações de que eles possuem dificuldades para lidarem com desafios interpessoais, e que a melhoria de suas habilidades sociais pode reduzir as agressões que praticam, por exemplo, no estudo de Berry e Hunt (2009Berry, K., & Hunt, C. J. (2009). Evaluation of an intervention program for anxious adolescent boys who are bullied at school. Journal of Adolescent Health, 45(4), 376-382. doi: 10.1016/j.jadohealth.2009.04.023
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), foi identificada redução de 20,6% nas agressões após uma intervenção baseada em habilidades sociais.

Em contrapartida, a literatura também indica que os agressores possuem um bom repertório de habilidades sociais e que são hábeis em manipular o grupo de pares (Jenkins et al., 2016Jenkins, L. N., Demaray, M. K., Fredrick, S. S., & Summers, K. H. (2016). Associations among middle school students’ bullying roles and social skills. Journal of School Violence, 15(3), 259-278. doi: 10.1080/15388220.2014.986675
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; Terroso, Wendt, Oliveira, & Argimon, 2016Terroso, L. B., Wendt, G. W., Oliveira, M. S., & Argimon, I. I. L. (2016). Habilidades sociais e bullying em adolescentes. Temas em Psicologia, 24(1), 251-259. doi: 10.9788/TP2016.1-17
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). Nesse caso, possuiriam déficits de natureza ético-moral, e não nas habilidades sociais (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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). Embora existam indicações de que a ausência de empatia se daria devido a uma baixa responsividade afetiva dos agressores em relação às vítimas, porém sem comprometimentos cognitivos, o que justificaria a habilidade deles em antecipar respostas emocionais e comportamentais de outras pessoas, conseguindo, assim, serem populares no grupo de pares e manipularem pessoas e situações sociais (Espelage, Hing, King, & Nam, 2018; Smith, 2017Smith, P. K. (2017). Bullying and theory of mind: A review. Current Psychiatry Reviews, 13(2), 90-95. doi: 10.2174/1573400513666170502123214
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). As habilidades sociais também são importantes para os estudantes que testemunham as situações de bullying para que possam defender ou pedir ajuda para o colega que esteja sendo agredido (Julie et al., 2012Julie, C. P., Renee, E. S., & Barbara, J. M. (2012). Are young adolescents’ social and emotional skills protective against involvement in violence and bullying behaviors? Health Promotion Practice, 14(4), 599-606. doi: 10.1177/1524839912462392
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).

Possuir um bom repertório de habilidades sociais também é fundamental em períodos da escolarização que implicam em grandes mudanças, como ocorre nas transições escolares. No Brasil, as transições escolares ocorrem nas mudanças de níveis de ensino, uma delas se localiza na mudança do quinto ao sexto ano do Ensino Fundamental. O Ensino Fundamental I compreende o período entre o primeiro e o quinto ano, e o Ensino Fundamental II abrange o período do sexto ao nono ano de escolarização (Santos & Soares, 2016Bojana, M. D., Jasmina, S. K., Valentina, T. S., & Ilija, Z. M. (2016). Empathy and peer violence among adolescents: Moderation effect of gender. School Psychology International, 37(4), 359-377. doi: 10.1177/0143034316649008
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). Nesse período de transição para o sexto ano, os estudantes geralmente mudam de escola, a quantidade de matérias escolares é ampliada, precisam interagir com maior quantidade de professores e formarem novas amizades com colegas desconhecidos (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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). Simultaneamente a esses eventos, para a maioria dos estudantes, ocorre o início da adolescência, período assinalado por transformações biológicas e psicossociais (Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
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). Assim, a transição escolar pode ser vivenciada por muitos estudantes como um período desafiador. É nesse período que se localiza um dos picos de ocorrência de bullying (Olweus, 2013Olweus, D. (2013). School bullying. Annual Review of Clinical Psychology, 9(1), 751-780. doi: 10.1146/annurev-clinpsy-050212-185516
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; Santos & Soares, 2016Bojana, M. D., Jasmina, S. K., Valentina, T. S., & Ilija, Z. M. (2016). Empathy and peer violence among adolescents: Moderation effect of gender. School Psychology International, 37(4), 359-377. doi: 10.1177/0143034316649008
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).

O objetivo deste estudo quantitativo e transversal foi verificar possíveis diferenças nas habilidades sociais de estudantes envolvidos e não envolvidos em situações de bullying no período de transição escolar. Espera-se que os estudantes vítimas, agressores e vítimas-agressoras apresentem níveis mais rebaixados de habilidades sociais em relação aos estudantes não envolvidos em situações de bullying (Crawford & Manassis, 2011Crawford, A. M., & Manassis, K. 2011. Anxiety, social skills, friendship quality, and peer victimization: An integrated model. Journal of Anxiety Disorders, 25(7), 924-931. doi: 10.1016/j.janxdis.2011.05.005
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). Também é esperado que os agressores e as vítimas-agressoras demonstrem dificuldades em relação à empatia e autocontrole emocional em comparação com os estudantes não envolvidos (Unnever 2005; Zych, Ttofi, & Farrington, 2016Zych, I., Ttofi, M. M., & Farrington, D. P. (2016). Empathy and callous-unemotional traits in different bullying roles: A systematic review and meta-analysis. Trauma, Violence, & Abuse, 20(1), 3-21. doi: 10.1177/1524838016683456
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). Espera-se igualmente que a habilidade de participação das vítimas será menor em comparação com agressores, vítimas-agressoras e estudantes não envolvidos (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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).

Método

Participantes

A amostra do estudo foi composta por 408 estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental de seis escolas públicas estaduais de uma cidade do interior do Estado de São Paulo, Brasil, com idades entre 10 e 12 anos, média de 11,3 anos (DP = 0,62 anos). Pouco mais da metade pertencia ao sexo feminino (54,9%). A maioria dos estudantes (92,6%) não possuía reprovações escolares. Em relação ao nível socioeconômico, 64,2% pertenciam a famílias das classes B2 e C1, como 41% da população brasileira, considerando-se a distribuição nacional de classes: A (3%), B1 (5%), B2 (18%), C1 (23%), C2 (25%) e D-E (27%) (ABEP, 2015). A cor da pele autorrelatada apresentou a seguinte distribuição: pardos (46,1%, n = 188), brancos (40,9%, n = 167), negros (6,1%, n = 25), amarela (4,9%, n = 20) e indígena (2,0%, n = 8).

Instrumentos

Escala de Vitimização e Agressão entre Pares - EVAP (Cunha, Weber, & Steiner Neto, 2009). Escala composta por 18 questões relacionadas a comportamentos agressivos praticados ou sofridos no ambiente escolar. Pode ser aplicada em estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio e demora aproximadamente dez minutos para ser respondida. Os estudantes têm de assinalar a frequência com que praticaram ou sofreram agressões físicas diretas, indiretas e relacionais. As agressões e vitimizações físicas diretas são avaliadas mediante provocações, brigas, empurrões, socos, chutes e xingamentos. As agressões e vitimizações físicas indiretas envolvem roubar ou mexer nos pertences dos colegas. Já as agressões e vitimizações relacionais abrangem ações de exclusão de grupos ou brincadeiras, colocar apelidos que os colegas não gostem, espalhar boatos e incentivar brigas. As respostas às questões são preenchidas em uma escala do tipo Likert (nunca, quase nunca, às vezes, quase sempre, sempre). Análises psicométricas indicam consistência interna (alfa de Cronbach) para vitimização e agressão variando entre 0,72 e 0,81.

Sistema Multimídia de Habilidades Sociais para Crianças - SMHSC (Del Prette & Del Prette, 2005). O SMHSC é um instrumento informatizado de autorrelato de habilidades sociais que pode ser aplicado em crianças com até 12 anos. O SMHSC é composto por 21 vídeos principais com situações de crianças interagindo com outras crianças e adultos. Cada situação apresenta outros três vídeos curtos que descrevem respostas comportamentais alternativas para a situação apresentada no vídeo principal, a saber: habilidosa, passiva e ativa. Após cada uma das respostas comportamentais são realizadas duas perguntas: 1. “Você costuma fazer desse jeito?”, cujas opções de resposta são: “a. sempre, b. às vezes ou c. nunca”; 2. “O que você acha de fazer desse jeito?”, cujas opções de resposta são: “a. certo, b. mais ou menos ou c. errado”. Somente na reação habilidosa é realizada uma terceira pergunta: “Você tem dificuldade em fazer desse jeito?”, cujas opções de resposta são: “a. muita, b. pouca, c. nenhuma”.

As classes gerais de habilidades sociais avaliadas referem-se à: (1) empatia e civilidade, (2) assertividade de enfrentamento e (3) autocontrole e participação. Especificamente, as habilidades sociais são avaliadas mediante comportamentos pró-sociais (ajuda a colegas nas tarefas escolares), ajustamento social (ficar junto a outras pessoas), cognição social (responder adequadamente a provocações de colegas), competência social (participação em atividades coletivas), entre outros. O instrumento fornece escores brutos e padronizados acerca das dimensões avaliadas. Neste estudo, foram utilizados os escores padronizados fornecidos pelo software de correção do instrumento. O tempo aproximado para ser respondido é de aproximadamente 35 minutos. Na amostra deste estudo, o instrumento apresentou consistência interna (alfa de Cronbach) de 0,86.

Questionário de Caracterização Sociodemográfica. Questionário elaborado para esta pesquisa com o objetivo de obter informações sociodemográficas dos participantes e que possibilitem a sua caracterização. Possui uma parte referente à identificação, em termos de idade, data de nascimento, reprovações escolares, constituição familiar, escolaridade dos pais e profissão que exercem. Apresenta ainda uma tabela de classificação socioeconômica baseada no Critério de Classificação Socioeconômica Brasil (ABEP, 2015), que avalia o nível econômico mediante um checklist relativo à posse de bens de consumo, com classificação das classes em: A, B1, B2, C1, C2, D-E.

Procedimentos

As escolas foram selecionadas de forma não probabilística, por conveniência. A coleta de dados ocorreu entre os meses de fevereiro e março de 2015 em 18 turmas de sexto ano do Ensino Fundamental. Todos os estudantes elegíveis (n = 522) receberam verbalmente informações detalhadas sobre a pesquisa, sobre a livre participação e acerca da possibilidade de interrompê-la a qualquer momento, caso não quisessem mais responder aos instrumentos de coleta de dados. Para os interessados em participar do estudo, apresentou-se o Termo de Assentimento para que assinassem e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para ser assinado pelos pais ou responsáveis.

Os critérios de inclusão dos estudantes foram: estar regularmente matriculado na escola, estar presente no dia de aplicação do questionário, ter concordado em colaborar com a pesquisa e apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos pais ou responsáveis. A coleta de dados ocorreu nas escolas durante o horário de aula. Todos os participantes responderam coletivamente os instrumentos (EVAP e SMHSC). Ambos foram respondidos em forma impressa. No caso específico do IMHSC, os 21 vídeos principais, bem como os demais vídeos referentes às três respostas comportamentais a cada um deles correspondentes (ativa, passiva e habilidosa), foram projetados para que todos os participantes pudessem assisti-los simultaneamente e responderem as questões pertinentes a cada vídeo em um gabarito impresso. Dois pesquisadores forneciam instruções sobre o preenchimento dos dois instrumentos de coleta de dados e ficavam de prontidão para o esclarecimento de dúvidas. O tempo total da coleta de dados era de aproximadamente 45 minutos em cada uma das 18 turmas investigadas.

Análise dos Dados

As variáveis sociodemográficas (idade, sexo, nível socioeconômico e cor da pele), obtidas pelo questionário sociodemográfico, foram descritas em frequência e porcentagem ou média e desvio padrão. As demais variáveis do estudo foram descritas em média e desvio padrão.

A definição dos perfis de envolvimento dos estudantes em situações de bullying (vítima, vítima-agressora, agressor) e não envolvido, de acordo com as respostas da escala EVAP, foi realizada mediante análises de agrupamento (cluster) utilizando-se o método hierárquico de Ward, que tende a construir agrupamentos de tamanhos aproximadamente iguais (Seidel et al., 2008). Foram formados quatro grupos: (1) Não envolvidos (baixa frequência de vitimização e baixa frequência de agressão); (2) Vítimas (alta frequência de vitimização e baixa ou moderada frequência de agressão); (3) Agressores (alta frequência de agressão e baixa ou moderada frequência de vitimização); e (4) Vítimas-agressoras (alta frequência de vitimização e alta frequência de agressão).

Análises de variância (ANOVA) foram realizadas para cada uma das variáveis dependentes (habilidades sociais) com os papéis de participação no bullying (vítimas, vítimas-agressoras e agressores) e não envolvidos. Testes post hoc, utilizando a correção de Bonferroni para comparações múltiplas, foram utilizados para esclarecer as diferenças entre os grupos. Coeficientes de correlação de Spearman foram calculadas para examinar as relações entre os papéis de participação no bullying e as variáveis de habilidades sociais. Todas as análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22. Considerou-se para todas as análises um nível de significância de 5%, p < 0,05.

Considerações Éticas

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (Parecer n. 18/2015). Os estudantes receberam informações detalhadas sobre a pesquisa. Somente participaram da coleta de dados aqueles que voluntariamente consentiram em colaborar com a investigação, assinando o Termo de Assentimento e apresentando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por um responsável. Em todas as etapas do estudo foram seguidas as recomendações e orientações da resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Em relação ao bullying, os estudantes da amostra (n = 408) foram classificados como: não envolvidos (41,9%, n = 171), agressores (33,1%, n = 135), vítimas (14,5%, n = 59) e vítimas-agressoras (10,5%, n = 43). Os meninos foram mais agressores (57,0%, n = 77) e vítimas-agressoras (51,2%, n = 22), enquanto as meninas foram mais vítimas (64,4%, n = 38) e não envolvidas (62,6%, n = 72). Os resultados para empatia e civilidade estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação das médias de empatia e civilidade entre os grupos de vítimas, vítimas agressoras, agressores e não envolvidos em situações de bullying

Para empatia e civilidade, análises de variância indicaram ausência de diferenças estatisticamente significativas no modelo geral em relação à frequência e à adequação das respostas habilidosas. Em relação à frequência das respostas passivas, houve diferença estatisticamente significativa (F (3, 327) = 6,93, p < 0,001) no modelo geral, porém o teste de post hoc indicou-a somente entre as vítimas-agressoras (maior média) e os não envolvidos. A diferença significativa (F (3, 327) = 12,53, p < 0,001) localizada no modelo geral para as respostas ativas, no teste post hoc localizou-se entre as vítimas-agressoras (maior média) e o grupo de não envolvidos e o grupo de vítimas, bem como entre as vítimas e não envolvidos e entre agressores e não envolvidos. O teste post hoc clarificou que, em relação à adequação das respostas ativas, a diferença significativa entre os grupos (F (3, 327) = 5,06, p = 0,002) que ocorreu no modelo geral, localizou-se especificamente entre as vítimas-agressoras e as vítimas e entre as vítimas-agressoras e os não envolvidos. Diferenças significativas no post hoc também ocorrerem entre o grupo dos não envolvidos (menor média) e os grupos dos agressores e das vítimas, bem como entre o grupo dos agressores e das vítimas. A única diferença estatisticamente significativa (F (3, 327) = 3,87, p = 0,010) no modelo geral em relação à dificuldade em exercer a empatia e a civilidade nas relações interpessoais ocorreu no teste post hoc entre as vítimas-agressoras (maior média) e os não envolvidos (Tabela 1). A Tabela 2 apresenta os resultados para autocontrole.

Tabela 2
Comparação das médias de autocontrole entre os grupos de vítimas, vítimas agressoras, agressores e não envolvidos em situações de bullying

Para o autocontrole, apresentado na Tabela 2, não houve diferenças significativas no modelo geral no tocante à frequência das respostas habilidosas e das respostas não habilidosas passivas, porém as médias de frequência das respostas não habilidosas ativas diferenciaram-se significativamente entre os grupos (F (3, 327) = 8,69, p < 0,001). O teste post hoc identificou que as diferenças significativas para as respostas ativas localizaram-se entre o grupo das vítimas-agressoras (maior média) e o grupo das vítimas e o grupo dos não envolvidos. O grupo dos agressores também diferenciou-se significativamente do grupo dos não participantes e do grupo das vítimas. Em relação à adequação das respostas, houve diferença significativa no modelo geral nas médias dos grupos referentes à adequação das respostas não habilidosas ativas (F (3, 327) = 6,52, p < 0,001), porém o teste post hoc localizou-a somente entre o grupo dos agressores e o grupo dos não envolvidos. No tocante à dificuldade em se exercer o autocontrole nas relações interpessoais, houve diferença significativa entre as médias dos grupos (F (3, 327) = 6,64, p < 0,001) no modelo geral, porém apenas entre as vítimas-agressoras (maior média) e os não envolvidos, conforme demonstrado pelo teste post hoc. Os resultados para a assertividade de enfrentamento são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Comparação das médias de assertividade de enfrentamento entre os grupos de vítimas, vítimas agressoras, agressores e não envolvidos em situações de bullying

Na Tabela 3, referente à assertividade, os resultados indicaram que as diferenças significativas no modelo geral nas frequências das respostas passivas (F (3, 327) = 9,25, p < 0,001) e ativas (F (3, 327) = 10,33, p < 0,001) localizaram-se, no teste post hoc, em ambas as variáveis, somente entre o grupo dos não envolvidos (menor média) e os outros três grupos (vítimas agressoras, vítimas e agressores). Referente à adequação das respostas habilidosas, as diferenças significativas entre os grupos (F (3, 327) = 5,12, p = 0,002) no modelo geral localizaram-se no teste post hoc entre o grupo das vítimas (maior média) e os grupos: vítimas-agressoras e agressores. Os grupos também se diferenciaram no modelo geral na adequação das respostas ativas (F (3, 327) = 5,71, p = 0,001), porém somente entre as vítimas-agressoras (maior média) e as vítimas e entre as vítimas-agressoras e os não envolvidos no teste post hoc. A Tabela 4 apresenta os resultados para a habilidade de participação.

Tabela 4
Comparação das médias de participação entre os grupos de vítimas, vítimas agressoras, agressores e não envolvidos em situações de bullying

Nas habilidades de participação (Tabela 4), os resultados indicaram diferenças significativas nas médias dos grupos no modelo geral na frequência de respostas não habilidosas ativas (F (3, 327) = 13,58, p < 0,001). As diferenças significativas localizaram-se no teste post hoc entre o grupo das vítimas-agressoras (maior média) com o grupo das vítimas e o grupo dos não envolvidos. Também entre o grupo dos não envolvidos (menor média) com o grupo dos agressores e o grupo das vítimas. Em relação à adequação das respostas ativas, os quatro grupos diferenciaram-se significativamente (F (3, 327) = 8,21, p < 0,001) no modelo geral. As diferenças significativas localizaram-se no teste post hoc entre o grupo das vítimas-agressoras (maior média) e o grupo das vítimas e o grupo dos não envolvidos, bem como entre o grupo dos não envolvidos (menor média) e o grupo dos agressores. No tocante à dificuldade em se exercer a participação nas relações interpessoais, houve diferença significativa entre as médias dos grupos (F (3, 327) = 2,78, p = 0,041) no modelo geral, localizadas pelo teste post hoc entre o grupo das vítimas-agressoras e os demais grupos: agressores, vítimas e não envolvidos. As correlações entre os papéis de participação no bullying e as variáveis de habilidades sociais estão apresentados na Tabela 5.

Tabela 5
Correlações entre as variáveis de habilidades sociais e os tipos de agressão e vitimização

Na Tabela 5, o coeficiente de correlação de Spearman indicou que para a maioria das respostas não habilidosas ativas e não habilidosas passivas houve correlação positiva com as variáveis de agressão e vitimização, indicando que quanto maior o nível dessas respostas, maior o nível de vitimização ou agressão e vice-versa. Porém, somente algumas dessas correlações foram estatisticamente significativas. Correlações positivas, sendo algumas delas significativas, também foram identificadas em relação às respostas habilidosas e agressão e vitimização. Entretanto, nas respostas habilidosas também foram identificadas algumas correlações negativas com as variáveis de agressão e vitimização, indicando que, quanto maior o nível de respostas habilidosas, menor a prática de agressão e a vitimização e vice-versa. Apenas algumas dessas correlações foram significativas.

Discussão

Este estudo objetivou verificar possíveis diferenças nas habilidades sociais de estudantes envolvidos e não envolvidos em situações de bullying no período de transição escolar. A maioria (58,1%) participava no bullying como agressores, vítimas ou vítimas-agressoras. Essa prevalência é duas vezes maior do que a média nacional de aproximadamente 28% (Mello et al., 2017Van Dijk, A., Poorthuis, A. M. G., & Malti, T. (2017). Psychological processes in young bullies versus bully-victims. Aggressive Behavior, 43(5), 430-439. doi: 10.1002/ab.21701
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), porém está abaixo de porcentagens identificadas por outros estudos nacionais desenvolvidos com amostras não representativas, que identificaram, por exemplo, taxas de ocorrência de bullying de 67,5% na cidade de Porto Alegre, localizada no estado do Rio Grande do Sul (Bandeira & Hutz, 2012Bandeira, C. M., & Hutz, C. S. (2012). Bullying: Prevalência, implicações e diferenças entre os gêneros. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 35-44. doi: 10.1590/S1413-85572012000100004
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) e 67,4% na cidade de Olinda, localizada no estado de Pernambuco (Brito & Oliveira, 2013Brito, C. C., & Oliveira, M. T. (2013). Bullying and self-esteem in adolescents from public schools. Jornal de Pediatria, 89(6), 601-607. doi: 10.1016/j.jped.2013.04.001
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).

É importante destacar que as pesquisas sobre bullying apresentam grande variação nos instrumentos utilizados e diferenças nos períodos de tempo de ocorrência das agressões, o que dificulta a comparação de estudos na temática (Silva et al., 2017). Entretanto, independentemente de possíveis diferenças na mensuração, o bullying é um fenômeno grave que afeta negativamente o desenvolvimento de crianças e adolescentes que precisa ser prevenido e enfrentado nos contextos escolares, mesmo com taxas de ocorrência menores.

Esses dados explicitam a gravidade do bullying como um fenômeno muito presente nos ambientes escolares. A maior quantidade de meninos como agressores e vítimas-agressoras também foi identificado por outras pesquisas (Crochík, 2016Crochík, J. L. (2016). Hierarchy, violence and bullying among students of public middle schools. Paidéia (Ribeirão Preto), 26(65), 307-315. doi: 10.1590/1982-43272665201608
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; Mello et al., 2017Van Dijk, A., Poorthuis, A. M. G., & Malti, T. (2017). Psychological processes in young bullies versus bully-victims. Aggressive Behavior, 43(5), 430-439. doi: 10.1002/ab.21701
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; Bandeira & Hutz, 2012Bandeira, C. M., & Hutz, C. S. (2012). Bullying: Prevalência, implicações e diferenças entre os gêneros. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 35-44. doi: 10.1590/S1413-85572012000100004
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). Isso pode ser justificado por exigências de natureza cultural, como a necessidade de transmissão de uma imagem de masculinidade, dominação e poder, que estimula os meninos a serem mais agressivos nas interações sociais (Oliveira et al., 2016Oliveira, W. A., Silva, M. A. I., Mello, F. C. M., Porto, D. L., Yoshinaga, A. C. M., & Malta, D. C. (2015). The causes of bullying: Results from the National Survey of School Health (PeNSE). Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(2), 1-8. doi: 10.1590/0104-1169.0022.2552
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).

Em relação às habilidades sociais, os resultados para empatia e civilidade indicaram as vítimas-agressoras com maior quantidade de respostas ativas e passivas, além de maior dificuldade em praticar as respostas habilidosas. Esse resultado é similar a estudos anteriores, que identificaram a condição de vítima-agressora relacionada a baixas habilidades sociais (Lodder et al., 2016; Noorden et al., 2017Van Noorden, T. H. J., Cillessen, A. H. N., Haselager, G. J. T., Lansu, T. A. M., & Bukowski, W. M. (2017). Bullying involvement and empathy: Child and target characteristics. Social Development, 26(2), 248-262. doi: 10.1111/sode.12197
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). De modo geral, esses estudantes que sofrem e praticam bullying, possuem comportamento desorganizado e impulsivo, reagem ineficazmente nas agressões, apresentam dificuldade em regular suas emoções e carecem de habilidades de resolução de conflitos para resolverem adequadamente seus problemas relacionais (Julie et al., 2012Julie, C. P., Renee, E. S., & Barbara, J. M. (2012). Are young adolescents’ social and emotional skills protective against involvement in violence and bullying behaviors? Health Promotion Practice, 14(4), 599-606. doi: 10.1177/1524839912462392
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; Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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).

A maior quantidade de respostas ativas e passivas indica que as vítimas-agressoras não conseguem expressar adequadamente a empatia com seus pares, isto é, demonstrar respeito pelas diferenças, compreender as emoções ou as experiências de seus colegas (Del Prette & Del Prette, 2013). Essa característica pode favorecer interpretações incorretas de intenções ou de comportamentos a elas dirigidos, por exemplo, considerarem um comportamento comum como uma ameaça pessoal e assim agirem com agressividade (Noorden et al., 2017Van Noorden, T. H. J., Cillessen, A. H. N., Haselager, G. J. T., Lansu, T. A. M., & Bukowski, W. M. (2017). Bullying involvement and empathy: Child and target characteristics. Social Development, 26(2), 248-262. doi: 10.1111/sode.12197
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), o que ajuda a explicar os baixos níveis de civilidade identificados para as vítimas-agressoras, no sentido de não estarem se relacionando com seus pares de forma educada, gentil.

A civilidade e a empatia são importantes, sobretudo em relação ao comportamento de ajuda ou defesa de uma vítima de bullying (Jenkins et al., 2016Jenkins, L. N., Demaray, M. K., Fredrick, S. S., & Summers, K. H. (2016). Associations among middle school students’ bullying roles and social skills. Journal of School Violence, 15(3), 259-278. doi: 10.1080/15388220.2014.986675
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). Quando um colega de escola não tem a capacidade de notar e de demostrar preocupação com o bem-estar de seus pares, dificilmente ele manifestará atitudes de suporte ou ajuda (Jenkins et al., 2016Jenkins, L. N., Demaray, M. K., Fredrick, S. S., & Summers, K. H. (2016). Associations among middle school students’ bullying roles and social skills. Journal of School Violence, 15(3), 259-278. doi: 10.1080/15388220.2014.986675
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). Assim, a empatia é uma característica importante para pensar a dinâmica do bullying, pois estudantes com essa característica podem ser menos tolerantes à violência/agressões na escola e mais propensos a intervirem quando testemunham a ocorrência do bullying.

Consistente com resultados anteriores (Vazsonyi et al., 2012; Unnever 2005; Haynie et al., 2001), os estudantes que praticavam bullying (agressores e vítimas agressoras) apresentaram menos autocontrole, com maior quantidade de respostas não habilidosas ativas (agressivas). Uma pessoa com baixo autocontrole tende a preferir gratificação imediata e ser menos apta a se identificar com as necessidades, emoções e perspectivas dos outros, o que pode ser uma das causas da maior quantidade de respostas ativas dos agressores e vítimas-agressoras deste estudo. Em sentido oposto, os estudantes não envolvidos demonstraram maior autocontrole, que se refletiu em menor quantidade de respostas ativas.

Esse resultado é respaldado por estudos anteriores que identificaram que os estudantes sem envolvimento com o bullying geralmente são mais habilidosos socialmente, possuem melhor capacidade de autocontrole, empatia e são melhores em resolverem conflitos relacionais, quando comparados com agressores e vítimas ( Julie et al., 2012Julie, C. P., Renee, E. S., & Barbara, J. M. (2012). Are young adolescents’ social and emotional skills protective against involvement in violence and bullying behaviors? Health Promotion Practice, 14(4), 599-606. doi: 10.1177/1524839912462392
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; Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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; Van Noorden, Cillessen, Haselager, Lansu, & Bukowski, 2017Van Noorden, T. H. J., Cillessen, A. H. N., Haselager, G. J. T., Lansu, T. A. M., & Bukowski, W. M. (2017). Bullying involvement and empathy: Child and target characteristics. Social Development, 26(2), 248-262. doi: 10.1111/sode.12197
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). Além disso, possuir um bom repertório de habilidades sociais é considerado um fator protetivo, na medida em que pode prevenir e interromper a continuidade das agressões e da vitimização (Ttofi, Bowes, Farrington, & Lösel, 2014Ttofi, M. M., Bowes, L., Farrington, D. P., & Lösel, F. (2014). Protective factors interrupting the continuity from school bullying to later internalizing and externalizing problems: A systematic review of prospective longitudinal studies. Journal of School Violence, 13(1), 5-38. doi: 10.1080/15388220.2013.857345
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).

Em relação à assertividade, os estudantes não envolvidos no bullying se diferenciaram dos demais grupos de estudantes, demonstrando que possuíam melhores condições para se posicionarem nas relações interpessoais, expressarem seus sentimentos, desejos, opiniões e defenderem os seus direitos, mesmo diante da possibilidade de reação negativa dos colegas (Del Prette & Del Prette, 2013; Hussein, 2013Hussein, H. M. (2013). The social and emotional skills of bullies, victims, and bully-victims of Egyptian primary school children. International Journal of Psychology, 48(5), 910-921. doi: 10.1080/00207594.2012.702908
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; Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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). Como a assertividade envolve a superação da passividade, bem como o autocontrole da agressividade e de outras reações não habilidosas, os melhores resultados dos estudantes não envolvidos também nas outras habilidades sociais avaliadas neste estudo ajudam também a explicar esse resultado.

Em contraposição, as vítimas-agressoras demonstraram considerar as respostas ativas como adequadas nas relações interpessoais e constituíram o grupo que mais as praticou. Considerar resposta ativas como adequadas é problemático porque agir ou reagir de forma agressiva geralmente provoca reações igualmente agressivas (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
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), o que pode ocasionar outros problemas de natureza escolar, psicológica ou social. A esse respeito, a literatura indica as vítimas-agressoras como o grupo mais vulnerável ao desenvolvimento de sintomas psicossomáticos e psiquiátricos (Kozasa, Oiji, Kiyota, Sawa, & Kim, 2017Kozasa, S., Oiji, A., Kiyota, A., Sawa, T., & Kim, S. Y. (2017). Relationship between the experience of being a bully/victim and mental health in preadolescence and adolescence: A cross-sectional study. Annals of General Psychiatry, 16(37), 1-10. doi: 10.1186/s12991-017-0160-4
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; Santos, Perkoski, & Kienen, 2015Santos, M. M., Perkoski, I. R., & Kienen, N. (2015). Bullying: Atitudes, consequências e medidas preventivas na percepção de professores e alunos do ensino fundamental. Temas em Psicologia, 23(4), 1017-1033. doi: 10.9788/TP2015.4-16
https://doi.org/10.9788/TP2015.4-16...
).

As vítimas-agressoras também apresentaram os menores níveis nas habilidades de participação, que se referem ao comprometimento com o contexto social, de se engajar espontaneamente às demandas do ambiente, mesmo que elas não lhes sejam diretamente dirigidas, por exemplo, mediar conflitos entre os colegas ou pedir para participar de alguma brincadeira (Del Prette & Del Prette, 2013). Os menores níveis de habilidades de participação demonstram que elas não apenas reagem de forma não assertiva diante de demandas que lhes são dirigidas, como também são mais agressivas quando tentam participar espontaneamente de outras situações. Em ambos os casos, podem provocar conflitos, com ou sem a intenção e assim se envolverem cada vez mais em situações de violência e bullying especificamente (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

As correlações negativas identificadas entre as respostas habilidosas e a maioria das respostas envolvendo frequência e adequação dos tipos de agressão, indicam que os estudantes com níveis mais elevados de habilidades sociais agridem menos os colegas de escola. Esse resultado contraria uma parcela de estudos sobre bullying e habilidades sociais que apontam os agressores como não possuindo problemas em relação às habilidades sociais (Jenkins et al., 2016Jenkins, L. N., Demaray, M. K., Fredrick, S. S., & Summers, K. H. (2016). Associations among middle school students’ bullying roles and social skills. Journal of School Violence, 15(3), 259-278. doi: 10.1080/15388220.2014.986675
https://doi.org/10.1080/15388220.2014.98...
; Terroso et al., 2016Terroso, L. B., Wendt, G. W., Oliveira, M. S., & Argimon, I. I. L. (2016). Habilidades sociais e bullying em adolescentes. Temas em Psicologia, 24(1), 251-259. doi: 10.9788/TP2016.1-17
https://doi.org/10.9788/TP2016.1-17...
).

Entretanto, o mesmo resultado não ocorreu com intensidade semelhante para as variáveis de vitimização, corroborando estudos que consideram o bullying um fenônemo de gupo, no qual a manutenção das agressões ocorre devido às normas estabelecidas no grupo de pares e pelo reforço dos estudantes que testemunham as agressões, quando eles apoiam o agressor ou não defendem a vítima (Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
https://doi.org/10.3390/ijerph13111042...
; Yang & Salmivalli, 2015Yang, A., & Salmivalli, C. (2015). Effectiveness of the KiVa antibullying programme on bully-victims, bullies and victims. Educational Research, 57(1), 80-90. http://dx.doi.org/10.1080/00131881.2014.983724
http://dx.doi.org/10.1080/00131881.2014....
). Assim, em contextos nos quais a agressão é considerada normal, as respostas habilidosas das vítimas podem ser ineficazes (Silva et al., 2018Silva, J. L., Oliveira, W. A., Carlos, D. M., Lizzi, E. A. S., Rosário, R., & Silva, M. A. I. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de Enfermagem, 71(3), 1085-1091. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0151
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

Os resultados desse estudo devem ser interpretados considerando algumas limitações. Primeiramente, o delineamento transversal impossibilita o estabelecimento de relações de causalidade entre o bullying e as habilidades sociais. Estudos longitudinais podem ser desenvolvidos no Brasil para identificarem, por exemplo, se o envolvimento no bullying decorre de déficits nas habilidades sociais ou se o bullying prejudica o desenvolvimento das habilidades. Uma segunda limitação diz respeito a se ter investigado somente escolas públicas, o que impossibilita a generalização dos resultados. Outras investigações podem incluir também escolas privadas, de modo a melhor representar os diferentes segmentos sociais que compõem o sistema educacional.

A terceira limitação se refere ao uso de medidas de autorrelato que, embora sejam as mais utilizadas em pesquisas sobre bullying, podem apresentar viés de desejabilidade social. Pesquisas futuras podem superar essa limitação ao utilizarem nomeação por pares ou a inclusão de outros informantes, como os professores, aumentando assim a confiabilidade dos resultados obtidos. Como última limitação, destaca-se que o instrumento utilizado para coleta de dados sobre bullying não mensura o cyberbullying, cujas agressões ocorrem via mensagens agressivas ou vexatórias divulgadas por celular, e-mails, redes sociais ou páginas da internet. Pesquisas futuras podem superar essa limitação ao utilizarem questionários que abranjam uma maior variedade dos tipos de agressão praticadas no bullying.

Apesar das limitações apresentadas, os resultados deste estudo ajudaram a esclarecer, na realidade investigada, diferenças nas habilidades sociais de vítimas, agressores, vítimas-agressoras e não envolvidos no bullying. Como os estudantes socialmente habilidosos não se envolveram em situações de bullying, a avaliação das habilidades sociais pode ser utilizada para identificar estudantes que apresentam algum déficit, o que pode orientar intervenções para fortalecer esses estudantes em maior vulnerabilidade ao envolvimento com o bullying. Por exemplo, em relação às vítimas, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento assertivas pode reduzir a quantidade de agressões que sofrem, bem como a condição de vulnerabilidade ao bullying. É um aspecto importante, pois a ausência de habilidades sociais pode manter-se inalterada ao longo do tempo e implicar em baixa autoestima, ansiedade, timidez e passividade, características que predispõem os estudantes à vitimização e compromete o desenvolvimento psicossocial (Silva et al., 2016Silva, J. L., Oliveira, W. A., Braga, I. F., Farias, M. S., Silva Lizzi, E. A., Gonçalves, M. F. C., ... Silva, M. A. I. (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in Brazil. International Journal of Environmental Research and Public Health, 13(11), 1042. doi: 10.3390/ijerph13111042
https://doi.org/10.3390/ijerph13111042...
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2020
  • Revisado
    27 Set 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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