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A comunicação de más notícias em Unidade de Terapia Intensiva: um estudo qualitativo com médicos experientes e novatos

Communicating bad news in the Intensive Care Unit: a qualitative study with experienced and novice physicians

La communication des mauvaises nouvelles dans l’unité de soins intensifs : Une étude qualitative auprès de médecins expérimentés et novices

La comunicación de malas noticias en la Unidad de Cuidados Intensivos: un estudio cualitativo con médicos experimentados y novatos

Resumo

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) se caracteriza pela alta complexidade, monitoramento contínuo e ininterrupto, destinando-se ao atendimento de pacientes críticos. Comunicar más notícias neste ambiente gera sentimentos intensos para o paciente e seus familiares. O objetivo deste estudo foi compreender como os médicos percebem o processo de comunicação de más notícias na UTI, bem como identificar os fatores que facilitam e dificultam este processo, e os sentimentos gerados no profissional. Os 15 médicos participantes responderam um questionário online com perguntas abertas e fechadas. O processo de comunicação de más notícias foi considerado difícil e emotivo, independentemente do tempo de atuação em UTI. O conhecimento sobre a história do paciente e de seus familiares foi um fator facilitador e as mudanças inesperadas no quadro clínico do paciente foram fatores dificultadores do processo de comunicação. Os médicos reconheceram a necessidade de desenvolver competências para aprimorar a relação com paciente e famílias.

Palavras-Chave:
comunicação em saúde; relação médico-paciente; pacientes terminais; unidades de terapia intensiva; interação paciente-médico

Abstract

Characterized by highly complex, continuous and uninterrupted monitoring, the Intensive Care Unit (ICU) focuses on providing care for critically ill patients. Communicating bad news in this environment generates intense feelings for patients and families. Thus, this study sought to understand how experienced and novice physicians perceive the process of communicating bad news in the ICU, as well as to identify the factors that facilitate and hinder this process, and the feelings generated in the professional. A total of 15 physicians answered an online questionnaire with open and closed questions. Participants reported that the process of communicating bad news is difficult and emotional regardless of ICU length of stay. Knowledge about the patients’ history and their families emerged as a facilitating factor, whereas unexpected changes in the patient’s clinical condition hindered the communication process. Physicians recognized the need to develop skills as to improve physician-patient relations.

Keywords:
health communication; physician-patient relations; terminally ill patients; intensive care units; physician-patient interactions

Résumé

Caractérisée par une surveillance hautement complexe, continue et ininterrompue, l’unité de soins intensifs (USI) se concentre sur la prise en charge des patients gravement malades. Communiquer de mauvaises nouvelles dans cet environnement génère des sentiments intenses pour les patients et les familles. Cette étude a donc cherché à comprendre comment les médecins expérimentés et novices perçoivent le processus de communication des mauvaises nouvelles dans l’USI, ainsi qu’à identifier les facteurs qui facilitent et entravent ce processus, et les sentiments générés chez le professionnel. Au total, 15 médecins ont répondu à un questionnaire en ligne comportant des questions ouvertes et fermées. Les participants ont indiqué que le processus de communication de mauvaises nouvelles est difficile et émotionnel, quelle que soit la durée du séjour à l’USI. La connaissance de l’histoire des patients et de leur famille est apparue comme un facteur facilitant, tandis que les changements inattendus dans l’état clinique du patient entravaient le processus de communication. Les médecins ont reconnu la nécessité de développer des compétences afin d’améliorer les relations médecin-patient.

Mots-clés :
communication sur la santé; relations médecin-patient; patients gravement malades; unités de soins intensifs; interactions patient-médecin

Resumen

La Unidad de Cuidados Intensivos (UCI) se caracteriza por tener un monitoreo continuo e ininterrumpido de alta complejidad, destinado a la atención de pacientes críticos. Comunicar malas noticias en este ambiente genera sentimientos intensos para el paciente y sus familiares. El objetivo de este estudio fue comprender cómo los médicos perciben el proceso de comunicación de malas noticias en la UCI, así como identificar los factores que facilitan y dificultan ese proceso, y los sentimientos generados en el profesional. Los 15 médicos participantes respondieron un cuestionario en línea con preguntas abiertas y cerradas. El proceso de comunicar malas noticias se consideró difícil y emotivo, independiente del tiempo de estadía en la UCI. El conocimiento sobre la historia del paciente y sus familiares fue un factor facilitador, y los cambios inesperados en la condición clínica del paciente fueron los factores que dificultaron el proceso de comunicación. Los médicos reconocieron la necesidad de desarrollar habilidades para mejorar la relación con los pacientes y las familias.

Palabras clave:
comunicación en salud; relación médico-paciente; pacientes terminales; unidades de cuidados intensivos; interacción médico-paciente

Introdução

A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) se caracteriza pela alta complexidade, tecnologia avançada e monitoramento contínuo e ininterrupto, destinando-se ao atendimento de pacientes críticos. Esse ambiente é gerador de ansiedade, medos e angústias para os pacientes e seus familiares, em função da severidade e complexidade dos casos (Backes, Erdmann, & Buscher, 2015Backes, M. T. S., Erdmann, A. L., & Büscher, A. (2015). O ambiente vivo, dinâmico e complexo de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(3), 411-418. doi: 10.1590/0104-1169.0568.2570.
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). Os atendimentos em UTI são destinados a pacientes graves e instáveis, que são considerados de alta complexidade e, portanto, precisam de aparatos tecnológicos e informatizados durante 24 horas por dia; a complexidade das ações envolvidas é característica do cuidado de pacientes no limite entre a vida e a morte (Kitajima, 2013Kitajima, K. (2013). Psicologia em Unidade de Terapia Intensiva: critérios e rotinas de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Thieme Revinter.; Reis, Gabarra, & Moré, 2016Reis, L. C. C., Gabarra, L. M., & Moré, C. L. O. O. (2016). As repercussões do processo de internação em UTI adulto na perspectiva de familiares. Temas em Psicologia, 24(3), 815-828. doi: 10.9788/TP2016.3-03.
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).

A UTI pode ser considerada um espaço de constantes mudanças com relação ao estado do paciente, além de ser constantemente associada à ideia de que o paciente internado estaria à beira da morte (Backes et al., 2015Backes, M. T. S., Erdmann, A. L., & Büscher, A. (2015). O ambiente vivo, dinâmico e complexo de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 23(3), 411-418. doi: 10.1590/0104-1169.0568.2570.
https://doi.org/10.1590/0104-1169.0568.2...
; Braga, & Queiroz, 2013Braga, F. D. C., & Queiroz, E. (2013). Cuidados paliativos: o desafio das equipes de saúde. Psicologia USP, 24(3), 413-429. doi: 10.1590/S0103-65642013000300004.
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). A internação em si mobiliza, nos pacientes e em seus familiares, sentimentos de insegurança, medo e ansiedades, desestabilizando física e emocionalmente essas pessoas, pois normalmente a internação é repentina e inesperada (Reis et al., 2016Reis, L. C. C., Gabarra, L. M., & Moré, C. L. O. O. (2016). As repercussões do processo de internação em UTI adulto na perspectiva de familiares. Temas em Psicologia, 24(3), 815-828. doi: 10.9788/TP2016.3-03.
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). Nessas unidades, existem muitos estressores do ambiente que intensificam negativamente a experiência de estar internado (e.g., horários de visitação, ruído dos aparelhos) bem como aqueles associados aos vínculos com a equipe médica (Kitajima, 2013Kitajima, K. (2013). Psicologia em Unidade de Terapia Intensiva: critérios e rotinas de atendimento. Rio de Janeiro, RJ: Thieme Revinter.; Romano, 1999Romano, B. W. (1999). Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.).

Neste ambiente, o processo de comunicação com os pacientes, familiares, médico e equipe vai além de transmitir e receber informações verbais (Segovia, 2019Segovia, C. (2019). Comunicação em situações críticas (3a ed). Porto Alegre, RS: Hospital Moinhos de Vento. Recuperado de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comunicacao_situacoes_criticas.pdf
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). O ato de comunicar tanto as boas como as más notícias é de responsabilidade dos médicos (embora conte com apoio da equipe interdisciplinar), que devem estar atentos e sensíveis às reações manifestadas pelo paciente e/ou familiar e, assim, oferecer o suporte necessário para enfrentar o momento. A comunicação é o meio pelo qual se estabelecem relações interpessoais e são transmitidos o conhecimento, as experiências, os desejos, as emoções e os sentimentos entre as pessoas (Monteiro, & Quintana, 2016Monteiro, D. T., & Quintana, A. M. (2016). A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(4), 1-9. doi: 10.1590/0102.3772e324221.
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; Segovia, 2019Segovia, C. (2019). Comunicação em situações críticas (3a ed). Porto Alegre, RS: Hospital Moinhos de Vento. Recuperado de https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comunicacao_situacoes_criticas.pdf
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).

Os profissionais da UTI, os pacientes e seus familiares estão todos envolvidos neste processo; porém, faz-se necessário tomar cuidados no que tange à maneira como ele será conduzido, pois a habilidade que o profissional da saúde deverá ter neste instante será primordial para uma boa transmissão das informações necessárias aos envolvidos. Na UTI, as notícias transmitidas para os pacientes e seus familiares podem ser organizadas em três grupos: (a) piora no quadro clínico; (b) possibilidade de morte iminente do paciente; (c) óbitos (Gibello, Parsons, & Citero, 2020Gibello, J., Parsons, H. A., & Citero, V. D. A. (2020). Importância da comunicação de más notícias no centro de terapia intensiva. Revista da SBPH, 23(1), 16-24.). A comunicação precisa ser clara, porque serve como facilitador no momento de comunicar uma notícia com grande efeito emocional. A comunicação em situações difíceis (ou de más notícias) faz parte de uma das áreas mais delicadas, difíceis e complexas das relações entre as pessoas, devido aos impactos físicos, sociais e familiares (Borges, Freitas, & Gurgel, 2012Borges, M. D. S., Freitas, G., & Gurgel, W. (2012). A comunicação da má notícia na visão dos profissionais de saúde. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, 6(3), 113-126.).

Existem alguns protocolos (e.g., SPIKES, P-A-C-I-E-N-T-E) que auxiliam no processo de comunicação de más notícias, com passos detalhando a preparação do momento da comunicação, como lidar com as emoções dos pacientes e como ajudar a organizar os próximos passos de cuidado - quando necessário (Buckman, 2005Buckman, R. A. (2005). Breaking bad news: The S-P-I-K-E-S strategy. Community Oncology, 2(2), 138-142.; Pereira, Calônego, Lemonica, & Barros, 2017Pereira, C. R., Calônego, M. A. M., Lemonica, L., & Barros, G. A. M. D. (2017). Protocolo P-A-C-I-E-N-T-E: instrumento de comunicação de más notícias adaptado à realidade médica brasileira. Revista da Associação Médica Brasileira, 63(1), 43-49. doi: 10.1590/1806-9282.63.01.43.
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). Tais passos permitem que os profissionais da saúde aliviem sua própria angústia na hora de se comunicar com os pacientes e/ou familiares (Lino, Augusto, Oliveira, Feitosa, & Caprara, 2011Lino, C. A., Augusto, K. L., Oliveira, R. A. S., Feitosa, L. B., & Caprara, A. (2011). Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Revista Brasileira de Educação Médica , 35(1), 52-57. doi: 10.1590/S0100-55022011000100008.
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). Todavia, ainda existem fatores que interferem no ato de comunicar, pois em cada caso poderão existir situações que venham a facilitar ou dificultar o desenrolar deste momento - tanto fatores específicos do profissional de saúde como da saúde do paciente e seus relacionamentos familiares. O tempo de formação não caracteriza maior habilidade para comunicar as más notícias, mas sim o desenvolvimento permanente de tal incumbência (Dias, & Pio, 2019Dias, N. C., & Pio, D. A. M. (2019). Percepção dos estudantes de medicina sobre comunicação de más notícias na formação médica. Revista Brasileira de Educação Médica , 43(1), 254-264. doi: 10.1590/1981-5271v43suplemento1-20180163.
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; Leal-Seabra, & Costa, 2015Leal-Seabra, F., & Costa, M. J. (2015). Comunicação de más notícias pelos médicos no primeiro ano de internato: um estudo exploratório. Revista de la Fundación Educación Médica, 18(6), 387-395. doi: 10.4321/S2014-98322015000700006.
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; Leite, & Vila, 2005Leite, M. A., & Vila, V. D. S. C. (2005). Dificuldades vivenciadas pela equipe multiprofissional na unidade de terapia intensiva. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 13(2), 145-150. doi: 10.1590/S0104-11692005000200003.
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).

O desenvolvimento dessas habilidades dará suporte ao profissional para a realização de uma boa comunicação, possibilitando que um ponto fundamental nessa tarefa seja alcançado: ser capaz de fazer uma escuta adequada da história daquele paciente ou familiar. A escuta é essencial, pois, frequentemente, o profissional tem a incumbência de comunicar uma má notícia, e isso poderá modificar o plano terapêutico do paciente, bem como suas perspectivas (e esperanças) frente ao seu futuro (Gibello et al., 2020Gibello, J., Parsons, H. A., & Citero, V. D. A. (2020). Importância da comunicação de más notícias no centro de terapia intensiva. Revista da SBPH, 23(1), 16-24.). De forma mais específica, buscou-se conhecer os fatores facilitadores e dificultadores que a equipe médica encontra diante da comunicação de más notícias; entender como a equipe médica percebe a forma de comunicar más notícias ao paciente e/ou familiares; e como isso é sentido por estes. Trata-se de um momento difícil, mas que necessita ser realizado, observando-se todos os preparos e organizações de cenário, podendo variar de acordo com o roteiro de cada profissional.

Método

Delineamento

Foi realizado um estudo misto que representa um conjunto de processos sistemáticos de dados quantitativos e qualitativos de dimensão temporal transversal (Sampieri, Collado, & Lucio, 2013Sampieri, R. H., Collado, C. F., & Lucio, M. D. P. B. (2013). Metodologia de pesquisa. (5a ed). Porto Alegre, RS: Penso.). A parte quantitativa será de caráter descritivo, apresentando as características dos profissionais entrevistados. A parte qualitativa será de caráter exploratório, para que se compreenda o que está acontecendo, de forma que sejam buscados novos pontos de vista acerca do que está sendo pesquisado (Creswell, 2007Creswell, J. W. (2007). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto (2a ed). Porto Alegre, RS: Artmed.). Com isso, a intenção foi obter um amplo entendimento do assunto e, ainda, possibilitar a busca pelo aperfeiçoamento do conteúdo desenvolvido a respeito da percepção frente à comunicação de más notícias nas UTIs adultas.

Participantes

Participaram da pesquisa 15 médicos intensivistas que atuam como residentes e assistentes com experiência em comunicação de más notícias em UTI adulta em hospitais na região metropolitana de Porto Alegre, RS. Foram contatados médicos que acompanharam pacientes em situações críticas e que permaneceram em contato com pacientes e/ou familiares para comunicar a evolução do quadro clínico, tendo uma má notícia como desfecho. A amostra foi escolhida por conveniência, sendo utilizada uma busca ativa por profissionais tanto de hospitais públicos como privados, tanto na capital do estado como em outros hospitais da região metropolitana. Alguns profissionais foram contatados diretamente, convidados a participar da pesquisa e a divulgá-la para outros colegas médicos no seu serviço. Neste estudo, 80% dos participantes eram do sexo feminino, com faixa etária entre 28 e 49 anos (idade média = 37,3 anos; DP 6,1), dos quais 40% exercem suas atividades em hospitais privados, 13,3% em hospitais públicos, e 46,7% tanto em hospitais privados como em públicos. O tempo de formação médica apresentou uma variação de 5 a 26 anos (tempo médio = 12,1 anos; DP 5,9) e o de atuação em UTI, de 3 a 22 anos (tempo médio = 9,2 anos; DP 5,3).

Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UNISINOS (CAAE#34207020.4.0000.5344), iniciou-se a divulgação e o encaminhamento do link da pesquisa aos contatos de médicos dos hospitais da região metropolitana de Porto Alegre. O link foi encaminhado por meio de mensagem de texto ou para o endereço eletrônico dos profissionais contatados originalmente - convidando para participar e compartilhar com seus colegas que se encaixam nos critérios de inclusão. Todos os médicos que aceitaram participar da pesquisa responderam virtualmente que concordavam com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta dos dados foi realizada nos meses de julho e agosto de 2020 por meio de um questionário online (via Microsoft Forms), em função da pandemia de covid-19. Solicitou-se que os respondentes evitassem responder o questionário com base nesse período, embora todos (exceto dois) participantes já houvessem comunicado más notícias sobre pacientes com covid-19 no momento da pesquisa.

Os participantes foram informados do caráter voluntário e anônimo da pesquisa, bem como da possibilidade de desistirem de sua participação a qualquer momento. As perguntas foram divididas em duas partes: a primeira incluiu perguntas referentes ao tempo do exercício profissional (total e na UTI), idade, sexo e frequência das comunicações de más notícias; a segunda parte compreendeu perguntas referentes às experiências de comunicar más notícias em si, e incluiu questões fechadas com listas de facilitadores e dificultadores baseadas no estudo de Diniz et al. (2018Diniz, S. S., Queiroz, A. A. F., Rollemberg, C. V. V., & Pimentel, D. (2018). Comunicação de más notícias: percepção de médicos e pacientes. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, 16(3), 146-151.) e Leal-Seabra e Costa (2015Leal-Seabra, F., & Costa, M. J. (2015). Comunicação de más notícias pelos médicos no primeiro ano de internato: um estudo exploratório. Revista de la Fundación Educación Médica, 18(6), 387-395. doi: 10.4321/S2014-98322015000700006.
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). Adicionalmente, solicitou-se que os participantes relatassem seu processo pessoal de comunicação e as mudanças percebidas desde o início da carreira em UTI, e apresentassem casos em que esse processo foi fácil e difícil para cada um deles. Por fim, foi solicitado que os participantes descrevessem como se sentem após a comunicação de nós notícias.

Procedimentos para Análise de Dados

Os dados qualitativos foram analisados por meio de análise de conteúdo, segundo Bardin (2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo, SP: Edições 70.), para cada questão. As respostas foram analisadas de forma sistemática e objetiva para compreensão do conteúdo das informações, buscando identificar categorias com base no conteúdo. Os resultados quantitativos foram resumidos em termos de proporção de respostas e comparados com as categorias de respostas qualitativas, buscando compreender o conteúdo manifestado como um todo. Foi utilizado um critério de saturação para determinar quando as informações coletadas começam a se repetir, sendo então encerrada a coleta (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27. doi: 10.1590/S0102-311X2008000100003.
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).

Resultados

Após o tratamento dos dados obtidos e suas interpretações, foi possível identificar quatro categorias que contribuem para o entendimento da comunicação de más notícias na UTI: o cenário da comunicação, os fatores que facilitam e dificultam o processo de comunicação, percepções individuais sobre o processo e sentimentos dos médicos. Os dados quantitativos e qualitativos serão apresentados conjuntamente, seguindo essas categorias.

O Cenário da Comunicação

Esta categoria busca mostrar como a comunicação de más notícias se faz presente na rotina dos médicos e como isso é vivenciado durante sua jornada de trabalho, a partir dos relatos de processo individual. Os resultados quantitativos mostram que 46,7% dos participantes sempre comunicam eles mesmos as más notícias em sua jornada de trabalho; 40% quase sempre são os responsáveis por comunicar; e outros 13,3% marcaram que às vezes fazem este tipo de comunicação. Ressalta-se que todos os respondentes consideram importante sempre comunicar más notícias aos familiares. Quanto a comunicar aos pacientes, 66,7% responderam que às vezes comunicam e 33,3% que sempre comunicam, quando existe esta possiblidade.

Em nossa amostra, verificou-se a preocupação dos médicos (60% das vezes) quanto ao ambiente físico onde será realizada a comunicação de más notícias aos familiares. A preparação do ambiente pode ser em sala reservada - caso haja essa opção - ou, às vezes, no corredor, de acordo com 53,3% dos respondentes. Muitos participantes relatam que [“Infelizmente não temos sala (específica) para notícias.” - Médico(a) 6] ou que necessitam realizar as comunicações [“Infelizmente no corredor, mas diariamente.” - Médico(a) 8]. Em todos os casos, lamentam a dificuldade de encontrar um local físico adequado. Apesar disso, 40% dos participantes encontram alguma forma de preparar o ambiente, procurando por um local tranquilo [“Escolho lugar reservado.” - Médico(a) 9], sem interrupções, com espaço para todos se sentarem [“Procuro local adequado, sem outras pessoas ou ruídos (quando possível), de preferência com todos sentados.” - Médico(a) 11]. Quando a comunicação é feita junto com o paciente à beira-leito, 46,6% dos respondentes indicaram que organizam o local de forma que tanto o paciente quanto seu familiar possam ter privacidade.

Em contrapartida, ainda que o ambiente físico seja um fator relevante, todos os participantes revelaram dar importância para a abordagem para transmitir a notícia: a forma como falar e adequação da linguagem [“Utilizo palavras e frases claras, e tento abordar os conceitos de forma adequada para o nível de entendimento da família.” - Médico(a) 5], tom de voz e postura corporal [“Uso tom de voz grave e faço contato visual. Tento não tocar as pessoas.” - Médico(a) 14] com a finalidade de transmitir clareza e confiabilidade aos familiares [“Vamos adaptando a conversa ao cenário e garantindo a confiança do paciente.” - Médico(a) 2]. Adicionalmente, alguns profissionais se preocupam em identificar quanto o paciente ou familiares sabem sobre o prognóstico até o momento.

Costumo perguntar primeiro o que a família está entendendo e partir daí para esclarecer equívocos de compreensão e dar seguimento à atualização. Prezo sempre pela sinceridade quanto ao prognóstico e medidas de ortotanásia. [Médico(a) 6]

Fatores que facilitam ou dificultam a comunicação de más notícias

Antes de identificar fatores que facilitam ou dificultam o processo de comunicação de más notícias, os participantes foram encorajados a relatar um caso que se enquadra em cada situação, e em seguida a indicar opções de fatores que consideram importantes (poderiam indicar em uma lista ou incluir manualmente). Dentre os fatores facilitadores, três foram identificados unanimemente pelos participantes: (1) utilizar uma linguagem que seja do entendimento de todos; (2) estabelecer uma relação de confiança com os envolvidos; (3) disponibilizar espaço ao paciente e seus familiares para falarem sobre seus medos, inseguranças, preocupações e dúvidas. Podemos observar, nestes primeiros pontos analisados, que esses fatores são importantes para auxiliar na comunicação. Quando há uma relação estabelecida entre os médicos e seus pacientes e/ou seus familiares, aqueles se sentem motivados a proporcionar espaços para que sejam feitas perguntas sobre o prognóstico, de certa forma reduzindo o sofrimento e a ansiedade, sentimentos gerados diante das más notícias.

Apesar de não ter nenhum vínculo prévio com a família, consegui estabelecer uma relação de confiança com a filha e a esposa e fazer várias definições de limitações terapêuticas que seriam desproporcionais ao caso. [Médico(a) 2]

Em relação a outros fatores que facilitam a comunicação, destacamos que 93,3% dos médicos demonstram interesse nos sentimentos e emoções dos pacientes/familiares (compreensão empática), 86,6% indicaram que buscam obter informações sobre o paciente, e 80% respeitam a privacidade do paciente e suas escolhas. Todavia, assim como o estabelecimento de vínculo médico-paciente-família facilita no momento de comunicar más notícias [“(…) menos complicado nos casos onde já tenho vínculo com o paciente e familiares.” - Médico(a) 16], é interessante destacar que, quando os intensivistas interagem com uma família que já tem o conhecimento da gravidade da doença de seu parente, denota-se certo abrandamento das emoções aflitivas de alguns médicos, por não ter sido necessário que eles iniciassem a comunicação.

Notícias em que a família já está bem esclarecida sobre o provável óbito acabam sendo mais “fáceis”. Sempre sigo a regra de perguntar primeiro o que foi conversado até então e às vezes as famílias se colocam como “estamos sabendo de tudo, ele morreu? O que fazemos agora?” [Médico(a) 6]

Em relação aos fatores que dificultam a comunicação, 80% dos médicos responderam que esta tarefa é difícil e complexa, o que por si só já se torna um dificultador. Associados a estes fatores, verificamos outros pontos destacados pelos profissionais como sendo dificultadores neste processo, dentre os quais destacamos a inabilidade para lidar com emoções e sentimentos do paciente/família (66,7%) e a incerteza quanto a reações do paciente/família (46,7%). Quem recebe a má notícia pode apresentar um comportamento agressivo contra aqueles que o rodeiam, tanto médicos quanto amigos e familiares. Os relatos médicos mencionaram as reações inesperadas dos pacientes e familiares como as mais diversas, inclusive com violência física, como ilustrado nas falas a seguir:

A mãe ficou muito agressiva, gritou muito e apertou meu pescoço com as unhas, quase me impedindo de respirar, precisei da ajuda de funcionários para que ela me soltasse. [Médico(a) 9]

Embora estas situações delicadas façam parte da realidade dos médicos, quando o assunto é sobre o processo de finitude e de morrer, alguns profissionais demonstram ainda não estar preparados para este cenário. Em torno de 60% dos profissionais indicou que a situação fica mais difícil quando é um diagnóstico súbito e imprevisto [“Casos mais súbitos, não esperados, pacientes jovens sempre são mais difíceis de comunicar / aceitar.” - Médico(a) 11]. Por mais que haja uma relação estabelecida, uma comunicação clara, e o acompanhamento durante o percurso, não é possível prever a reação dos envolvidos - especialmente nesses casos súbitos [“Uma vez precisei comunicar a morte encefálica de um bebê, que aspirou mamadeira, teve PCR e morte encefálica.” - Médico(a) 9]. Os relatos de caso deixam mais explícitas as dificuldades em se comunicar a morte repentina de pacientes jovens [“Um afogamento de um adolescente de 13 anos que teve morte encefálica no dia do aniversário do pai.” - Médico(a) 10].

Por fim, os médicos relataram que comunicar más notícias contém em si uma carga emotiva da ordem do inesperado, e os médicos intensivistas são os protagonistas desse contexto; sendo assim, além da tomada de decisão sobre a terapêutica mais adequada e o planejamento do tratamento, também se veem na posição de gerir e manejar as suas próprias angústias ao enfrentar as hostilidades do doente e da família [“Depois ela acalmou-se, conseguimos ter um diálogo tranquilo, e ela inclusive solicitou a doação dos órfãos do filho, mesmo antes de eu chamar a equipe que aborda este assunto.” - Médico(a) 9]. Nessa linha, 40% dos participantes indicaram apresentar sentimento de incapacidade em lidar com o diagnóstico do paciente. A morte do paciente, em alguns casos, é vista como algo que não foi bem executado no que diz respeito à prática médica, pois, durante a formação deste profissional, a busca será sempre pela cura; porém, há casos que isso não será possível. Desse modo, estes profissionais podem encarar a morte do paciente como um fracasso, pois os médicos, ao serem educados a vencer a doença, podem pensar que vencerão a morte [“Quando um paciente piorou muito por uma complicação de um procedimento meu.” - Médico(a) 14].

Portanto, falar sobre a morte pode tornar-se um sofrimento mental intenso para esses profissionais, o que, consequentemente será um empecilho na sua comunicação. O fato de ter que explicar e qualificar a morte do paciente aos familiares e a si mesmo pode se tornar uma difícil obrigação ao médico intensivista. Em alguns casos, eles relataram ter receio em acabar com as esperanças do paciente/família (33,3%) ou em prejudicar o bem-estar do paciente (13,3%). Esses sentimentos mostram a vulnerabilidade do médico ao entrar em contato com a possibilidade de fracasso. Corroborando esta ideia, segue o relato de um dos entrevistados:

Paciente oncológico, séptico e com evolução para insuficiência ventilatória e ventilação mecânica. Evoluiu com piora, tendo indicação de pronar. Explicado ao familiar (mãe) o procedimento, e solicitado que aguardasse na sala de espera. Paciente apresentou parada cardiorrespiratória durante o procedimento, e mesmo com atendimento otimizado, evoluiu para óbito. Comunicar o falecimento para a mãe foi muito difícil: ela estava negando a gravidade do quadro do filho, tinha se ausentado “só” para o procedimento, não estava acompanhada por outros familiares e não se despediu como queria. A mãe entrou em desespero, ameaçando cometer suicídio. [Médico(a) 5]

Percepções Pessoais sobre o Processo de Comunicação

Esta categoria apresentará os resultados que demonstram a evolução na forma de comunicar más notícias por parte dos médicos ao longo dos anos de atendimento em UTI adulta, bem como os meios encontrados para lidarem com estas atribuições em suas rotinas diárias [“Comunicação de más notícias é rotina e obrigação fazermos da melhor forma possível. É a qualidade da comunicação que garante que possamos tomar decisões melhores para o paciente sem conflito com familiares.” - Médico(a) 6]. Os participantes indicaram que percebem uma diferença entre como comunicam más notícias hoje e como esse processo acontecia no início de suas carreiras. Eles atribuem tais mudanças ao amadurecimento profissional e pessoal [“Ao longo dos anos aprendi melhor a comunicar.” - Médico(a) 16], às próprias experiências em comunicação [“Aprendemos muito na prática diária com as famílias e com os pacientes.” - Médico(a) 9], bem como à capacitação em cursos que abordem esta temática [“Cursos e vivência foram aprimorando a capacidade de ser claro na notícia.” - Médico(a) 6], por meio dos quais percebem que se tornam melhores ouvintes [“Fazendo cursos, aprendendo a ouvir as famílias, com as experiências ruins também.” - Médico(a) 3].

Apesar dos comentários sobre como o tempo de exercício da profissão torna mais fácil o processo de comunicação as más notícias [“A gente vai aprendendo com a experiência.” - Médico(a) 1, com 7 anos de experiência], não há evidência de que o médico com mais tempo de formação se sobressaia sobre o que tem menos tempo em relação a alguma prática ou atitude específica. Por exemplo, um profissional com 9 anos de experiência destaca que [“Tento ser o mais empático possível (…) Abro espaço para perguntas, para que falem sobre o paciente, sua biografia, acolho.” - Médico(a) 11] e outro com 26 anos de experiência relata: [“Tenho sido mais transparente e minha linguagem ficou mais precisa, sem comprometer a compreensão.” - Médico(a) 14]. Em ambos os casos, os profissionais relatam abrir espaço para que os pacientes e familiares compreendam a situação difícil que está diante deles. Após a comunicação de más notícias ser feita, alguns médicos permanecem no local com o paciente e seus familiares, ficando disponíveis para mais esclarecimentos e apoio emocional, dando o suporte necessário para este momento.

Já com relação às capacitações indicadas como eficazes, cabe salientar que apenas 40% dos participantes declararam que tiveram aulas na graduação sobre o tema e 26,7% procuraram algum tipo de formação adicional sobre comunicação de más notícias após a finalização dos estudos formais. Nesse caso, solicitou-se que informassem o tipo de curso realizado após a graduação e, embora alguns participantes relatassem ter participado de [“curso de como dar más notícias.” - Médico(a) 1], grande parte participou de outro tipo de curso, nos quais a temática estava inserida no programa, como [“especialização cuidados paliativos.” - Médicos(as) 2 e 6], [“curso Amib, curso doação órgãos.” - Médico(a) 3], e [“seminários, simulações.” - Médico(a) 16]. Apesar disso, a grande maioria dos participantes informou que o processo [“nunca é fácil.” - Médicos(as) 3, 5, 10, 11, 14, e 16] ou alguma frase semelhante. Nota-se que essa expressão fez parte das manifestações de profissionais com 12, 10, 11, 9, 26, e 8 anos de experiência, respectivamente, sugerindo que o processo não fica mais fácil com o passar do tempo.

Como os Profissionais se Sentem ao Comunicar Más Notícias

A dificuldade dos próprios médicos no processo de comunicar más notícias nos levou à necessidade de compreender como eles mesmos se sentem. Identificaram-se sentimentos e emoções de medo, culpa, tristeza, frustração e alívio nas diferentes etapas de comunicação. Antes mesmo de iniciar o processo de comunicação, os profissionais já começam a sofrer emocionalmente [“Vou com medo e culpa mesmo (‘engulo’ os medos).” - Médico(a) 14]. Observamos o medo que os profissionais têm de serem vistos como pessoas que não possuem o conhecimento necessário para lidar com determinadas situações clínicas e críticas [“Depende do quanto entendem, de como reagem.” - Médico(a) 6], assim como de ser considerado falho na comunicação ou até mesmo ser julgado como incompetente em sua prática médica [“Medo de ser agredido ou processado.” - Médico(a) 14]. Quanto à dimensão individual, destacou-se o medo que o profissional tem de lhes ser atribuída culpa pelo estado da doença ou morte dos pacientes [“Depende de como eles reagem.” - Médico(a) 3]. Alguns médicos não conseguem tolerar o sofrimento gerado no paciente ou em seus familiares; seja por medos próprios, seja por críticas feitas a eles, seja pelos seus próprios julgamentos, estes profissionais se ausentam e deixam o desenrolar da situação para outros profissionais. O trabalho multiprofissional se mostra eficaz no que tange à comunicação de más notícias, sendo especialmente relevante a participação do serviço de psicologia neste momento.

O sentimento de culpa surge com a dificuldade de alcançar o planejado, pelo julgamento negativo e decepção pessoal [“Ao mesmo tempo, sinto que pude fazer o melhor que podia para colher neste momento tão difícil.” - Médico(a) 11]. Este sentimento pode ser identificado nas impressões tidas pelos médicos ao realizar a comunicação [“Às vezes saímos ‘consumidos’ de notícias ruins conforme o sofrimento demonstrado pela família.” - Médico(a) 6]: eles acreditam que fazem o melhor que podem, porém sentem o peso de comunicar uma má notícia. e isso se reflete em seu estado emocional e físico [“Meu humor diminui para um polo negativo. Mas não considero que me entristeço. Mas sinto-me pesado.” - Médico(a) 10]. A culpa se apresenta como um sentimento de indignidade, que passa pelo poder, e que remete à morte. A morte aqui é vista como o fim de ser o que se é, algo que desequilibra e provoca uma tristeza [“pela tristeza produzida na família.” - Médico(a) 5].

A tristeza é um estado de desânimo, cansaço e solidão que se manifesta a partir da perda de algo ou de alguém considerado muito importante [“É sempre um momento triste porque aquele paciente tem uma história e prévia e muitas vezes planos.” - Médico(a) 2]. Esta emoção é normal e saudável nas pessoas; em vários momentos da vida a vivenciamos. Ao comunicar a má notícia, os médicos se deparam com o sofrimento do outro, e esta reação poderá provocar nesses profissionais uma tristeza física e psicológica diante das emoções apresentadas pelo paciente ou seus familiares [“Às vezes triste, exausta.” - Médico(a) 1]. Esta emoção é sentida por estes profissionais, pois momentaneamente eles ficam contaminados pelas emoções oriundas do paciente ou de seus familiares. A tristeza é desencadeada pelo sentimento de insatisfação diante da comunicação de má notícia, uma vez que este evento é encarado como um ponto negativo a ser realizado e porque o médico entende que, após este momento, a vida destas pessoas passará por muitas mudanças que eles não conseguem resolver, ao contrário da doença que eles deveriam ter “resolvido” [“Geralmente, triste pela má notícia em si e pela tristeza produzida na família.” - Médico(a) 5].

O sentimento de frustração surge quando o médico não consegue “resolver” o que é desejado ou esperado, gerando uma sensação de incapacidade [“Muito frequentemente, me sinto frustrada por nosso trabalho não ter podido evitar desfechos ruins.” - Médico(a) 5]. Os médicos são treinados a buscar a cura dos pacientes utilizando todas as técnicas possíveis para que isso aconteça, e se empenham ao máximo nisso. Porém, na prática nem sempre os planos funcionam, o que pode gerar sentimento de frustação nestes profissionais, como podemos observar na seguinte manifestação: [“Às vezes é muito difícil, pela impotência de que o desfecho seja mudado, mas ao mesmo tempo, sinto que pude fazer o melhor que podia para colher neste momento tão difícil.” - Médico(a) 11]. Essa sensação pode ser resultado de um modelo médico curativo, onde a busca por um ideal, leva o profissional a se deparar com a realidade que pode causar frustração e culpa quando esse objetivo não é alcançado [“Não é fácil, às vezes sofro um pouco junto com as famílias, no meu caso acho inevitável.” - Médico(a) 9].

Os médicos se preparam durante todo o processo de comunicação de más notícias, lidando com diversos sentimentos negativos de medo, culpa, tristeza e frustação. Eles lidam com essa etapa difícil e complexa em toda sua extensão e, quando chegam ao final do processo, surge um sentimento de alívio - sabendo que a parte difícil de informar o paciente e a família terminou [“Triste, mas aliviado.” - Médico(a) 14]. A sensação de ter feito o que era necessário está alinhada com os protocolos de comunicação, que sugerem uma organização do processo de comunicação. O alívio vem da sensação de finalizar este ciclo, da sensação de ter feito todo o possível e poder ser sincero e honesto com os pacientes ou seus familiares [“Aliviada em poder ser honesta com a situação.” - Médico(a) 7].

Discussão

Os resultados encontrados mostram que os médicos consideram importante escutar o paciente e seus familiares de forma empática no momento de comunicação de más notícias, especialmente considerando as emoções que emergem. Fatores como a relação médico-paciente-familiar-equipe e conhecimento prévio da família demonstram ser pontos que ajudam o médico a ter boas práticas para a comunicação de más notícias. Tanto a linguagem verbal quanto a não verbal são atitudes que, aos olhos dos familiares e pacientes, são sinais de empatia, permitindo, assim, que quando o médico realiza seu processo, ou sua rotina, ao comunicar más notícias, seja aberto um canal para criar uma relação de confiança entre ele, seu paciente, e familiares (Araújo, & Leitão, 2012Araújo, J. A., & Leitão, E. M. P. (2012). A comunicação de más notícias: mentira piedosa ou sinceridade cuidadosa. Revista HUPE, 11(2), 58-62.; Lech, Destefani, & Bonamigo, 2013Lech, S. S., Destefani, A. S., & Bonamigo, E. L. (2013). Percepção dos médicos sobre comunicação de más notícias ao paciente. Unoesc & Ciência ACBS, 4(1), 69-78.). Observa-se que essa é uma preocupação para alguns dos entrevistados, que buscam na expressão corporal também demonstrar aos familiares a gravidade da situação, mediante o tom de voz, o fato de permanecer em pé enquanto os demais sentam e desligar o celular. Com relação ao contato visual, Silva (2012Silva, M. J. P. D. (2012). Comunicação de más notícias. O Mundo da Saúde, 36(1), 49-53.) diz que o olhar para as pessoas pressupõe preocupação em identificar o que o interlocutor está sentindo e como está reagindo.

As falas de alguns respondentes demonstram que estes médicos entendem que a comunicação de más notícias envolve uma gama de intervenções que não se constituem somente pelo falar. Essa situação suscita emoções e afetos tanto no profissional da saúde quanto no paciente ou familiares, requerendo, por isso mesmo, que o médico demonstre bom senso e maturidade ao conduzir o assunto. Essa atitude é evidenciada quando o médico oferece “ao paciente e à família um momento de elaboração, um silêncio entre uma fala e outra” (Almeida, & Santos, 2013Almeida, M. D. D., & Santos, A. P. A. L. (2013). Câncer infantil: o médico diante de notícias difíceis - uma contribuição da psicanálise. Mudanças - Psicologia da Saúde, 21(1), 49-54. doi: 10.15603/2176-1019/mud.v21n1p49-54.
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). Quanto maior for o envolvimento da família e do paciente com a equipe assistencial, especialmente com os médicos intensivistas, mais integrados estarão para a formação de uma rede de relação e interação, permitindo que essa dinâmica produza empatia pela singularidade de cada caso (Backes, Backes, & Erdmann, 2012Backes, M. T. S., Backes, D. S., & Erdmann, A. L. (2012). Relações e interações no ambiente de cuidados em Unidade de Terapia Intensiva. Acta Paulista de Enfermagem, 25(5), 679-685. doi: 10.1590/S0103-21002012000500006.
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).

Apesar de a comunicação estar marcada no desenvolvimento humano, a habilidade em praticá-la não é algo que seja natural nas pessoas, devendo ser adquirida através de treinamento. Os cursos de graduação em medicina seguem uma crescente na inclusão de disciplinas que possibilitem desenvolver a competência em comunicação de más notícias, o que é um ponto diferencial na educação médica (Bertoldi, Folberg, & Manfroi, 2013Bertoldi, S. G., Folberg, M. N., & Manfroi, W. C. (2013). Psicanálise na educação médica: subjetividades integradas à prática. Revista Brasileira de Educação Médica, 37(2), 202-209.). Alguns participantes deste estudo indicam que tiveram esses conteúdos na graduação; já outros contam que tiveram cursos ligados ao tema da comunicação de más notícias após a formação, geralmente por meio de cursos de especialização em temas afins, como cuidados paliativos e doações de órgãos. A inclusão de atividades acadêmicas de psicologia médica no curso de graduação oferece a oportunidade, para o profissional em formação, de aprender a lidar com pessoas e não somente com a doença biológica (Angerami-Camon, Trucharte, Knijinik, & Sebastiani, 2018Angerami-Camon, W. A., Trucharte, F. A. R., Knijnik, R. B., & Sebastiani, R. W. (2018). Psicologia hospitalar: Teoria e prática (3a ed.). São Paulo, SP: Pioneira.).

Como os médicos não podem fugir desta etapa em sua rotina e irão comunicar inevitavelmente algo que será gerador de sofrimento ao outro, é necessário compreender como o processo pode ser aprimorado. Segundo Nonino et al. (2012Nonino, A., Magalhães, S. G., & Falcão, D. P. (2012). Treinamento médico para comunicação de más notícias: revisão da literatura. Revista Brasileira de Educação Médica , 36(2), 228-233. doi: 10.1590/S0100-55022012000400011.
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), embora o tempo de experiência profissional possa melhorar a maneira como os médicos comunicam as más notícias, ainda assim aqueles mais experientes têm a sensação de que não são suficientemente hábeis em realizar esta tarefa. A habilidade em comunicar más notícias pode ser ensinada com diferentes estratégias aos estudantes de medicina e aos médicos. Há instrumentos que servem de auxílio para estes momentos e que têm o intuito de apoiar e estruturar a forma como será realizada a comunicação, como o SPIKES (Buckmann, 2005Buckman, R. A. (2005). Breaking bad news: The S-P-I-K-E-S strategy. Community Oncology, 2(2), 138-142.). No entanto, o processo não pode apenas seguir um protocolo; os conhecimentos adquiridos devem ser aplicados neste campo com vistas a favorecer o bem-estar dos pacientes e familiares.

Foi possível constatar que esta questão é causadora de sentimentos como dor, tristeza, sofrimento, medo, incompetência e frustação. O tema da morte e do morrer é pouco abordado durante a formação acadêmica, pois a cura e a recuperação são vistas como características principais de um bom cuidado com o paciente (Silveira, Nascimento, Rosa, Jung, Martins, & Fontes, 2016Silveira, N. R., Nascimento, E. R. P. D., Rosa, L. M. D., Jung, W., Martins, S. R., & Fontes, M. D. S. (2016). Cuidado paliativo e enfermeiros de terapia intensiva: sentimentos que ficam. Revista Brasileira de Enfermagem, 69(6), 1074-1081. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0267.
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). Sendo assim, a comunicação referente ao óbito de pacientes graves e idosos torna-se mais fácil de ser realizada, pois este desfecho já é mais esperado pelos profissionais. No entanto, quando se trata de pacientes jovens, esse processo é mais difícil (Soeiro, Vasconcelos, & Silva, 2022Soeiro, A. C. V., Vasconcelos, V. C. S., & Silva, J. A. C. D. (2022). Challenges in breaking bad news in a pediatric intensive care unit. Revista Bioética, 30(1), 45-53. doi: 10.1590/1983-80422022301503EN
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). Há um desgaste emocional por parte dos médicos da UTI, pois sua rotina é quase que diariamente relacionada às situações estressoras, delicadas e complexas que envolvem a doença, vida e morte.

A comunicação de más notícias intensifica esta prática médica, pois faz com que estes profissionais tenham que lidar com os medos dos pacientes e/ou de seus familiares, mas também faz com que os médicos tenham que enfrentar seus próprios sentimentos em relação a todo aquele contexto (Lech et al., 2013Lech, S. S., Destefani, A. S., & Bonamigo, E. L. (2013). Percepção dos médicos sobre comunicação de más notícias ao paciente. Unoesc & Ciência ACBS, 4(1), 69-78.; Moritz, 2007Moritz, R. D. (2007). Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas situações de terminalidade na unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 19(4), 485-489. doi: 10.1590/S0103-507X2007000400014.
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). Ao se depararem com algo que não pode ser controlado, emerge um sentimento de medo que resulta em insegurança, culpa e frustração, desencadeando o medo de ser julgado tecnicamente incapaz por outros profissionais, pela instituição, pelos pacientes e seus familiares (Borges et al., 2012Borges, M. D. S., Freitas, G., & Gurgel, W. (2012). A comunicação da má notícia na visão dos profissionais de saúde. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, 6(3), 113-126.; De Marco, Vessoni, Capelo, & Dias, 2010De Marco, M. A., Vessoni, A. L., Capelo, A., & Dias, C. C. (2010). Laboratório de comunicação: ampliando as habilidades do estudante de medicina para a prática da entrevista. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, 14(32), 217-227. doi: 10.1590/S1414-32832010000100018.
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). Estes medos associam-se principalmente a: “lhe atribuírem responsabilidades”; “expressar uma reação emocional”; “não saber todas as respostas”; “acerca da doença e da morte”; “respeito das reações do doente e família” (Pereira, 2005Pereira, M. A. G. (2005). Má notícia em saúde: um olhar sobre as representações dos profissionais de saúde e cidadãos. Texto & Contexto Enfermagem, 14(1), 33-37. doi: 10.1590/S0104-07072005000100004
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, p. 34).

Os pacientes e seus familiares, ao receberem a má notícia de uma forma inadequada, durante a hospitalização, jamais esquecem deste momento doloroso, pois trata-se de uma situação capaz de gerar mudanças drásticas em suas vidas. Por isso, para essa incumbência faz-se necessário um preparo por parte dos comunicadores da notícia, bem como uma completa sensibilidade por parte da equipe médica como um todo, que acaba sendo rotulada pela família como culpada pelo desfecho do paciente. Conforme Borges et al. (2012Borges, M. D. S., Freitas, G., & Gurgel, W. (2012). A comunicação da má notícia na visão dos profissionais de saúde. Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva, 6(3), 113-126.), um certo nível de desconforto é gerado no profissional da saúde por ser portador de notícias sobre situações difíceis e ser considerado responsável por gerar sofrimento para aquelas famílias. Esses profissionais apresentam, então, receio de que os familiares dirijam sua raiva a eles, seja por falhas profissionais ou pelo deslocamento do sentimento de culpa que eles mesmo sentem.

Ainda que seja difícil, uma vez que o profissional pode ser alvo direto da agressão (verbal ou física), cabe a ele compreender que essas agressões jamais devem ser tomadas como pessoais. Cabe, nesse momento, interpretar estas manifestações junto ao paciente ou familiar e encontrar a forma de comunicação mais conveniente para cada situação (Moritz, 2007Moritz, R. D. (2007). Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas situações de terminalidade na unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 19(4), 485-489. doi: 10.1590/S0103-507X2007000400014.
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). O médico intensivista é o responsável por transmitir ao paciente e aos familiares a evolução da doença e as possibilidades de tratamento na UTI adulta; logo, essa culpa pode estar relacionada não somente ao contato com a família, mas sobretudo a sua própria impotência frente a situação (Soeiro et al., 2022Soeiro, A. C. V., Vasconcelos, V. C. S., & Silva, J. A. C. D. (2022). Challenges in breaking bad news in a pediatric intensive care unit. Revista Bioética, 30(1), 45-53. doi: 10.1590/1983-80422022301503EN
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). O sentimento de impotência é resultado da onipotência, uma consequência da própria formação direcionada a recuperar a vida; quando isso não é possível, significa que houve uma derrota. Desta forma, a medicina busca um ideal de saúde em que os corpos respondem da melhor maneira aos tratamentos, não sendo necessário se preparar para lidar com desfechos desfavoráveis. O poder médico leva, consciente ou inconscientemente, à posição de onipotência diante da doença e do próprio paciente (Martins, 2004Martins, A. (2004). Biopolítica: o poder médico e a autonomia do paciente em uma nova concepção de saúde. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, 8(14), 21-32. doi: 10.1590/S1414-32832004000100003.
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).

Devido ao envolvimento dispensado no cuidado com o paciente, há o aumento de expectativas quanto à sua recuperação. Porém, em determinadas situações, esta evolução no quadro clínico não acontece. Os médicos querem que seus planos terapêuticos sejam sempre eficazes: acreditam que o êxito do cuidado está em salvar a vida do paciente e, às vezes, não aceitam a morte como um processo natural, encarando-na com um sentimento de frustração (Silveira, 2016Silveira, N. R., Nascimento, E. R. P. D., Rosa, L. M. D., Jung, W., Martins, S. R., & Fontes, M. D. S. (2016). Cuidado paliativo e enfermeiros de terapia intensiva: sentimentos que ficam. Revista Brasileira de Enfermagem, 69(6), 1074-1081. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0267.
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). Segundo Castelhano e Wahba (2019Castelhano, L. M., & Wahba, L. L. (2019). O discurso médico sobre as emoções vivenciadas na interação com o paciente: contribuições para a prática clínica. Interface - Comunicação, Saúde e Educação, 23, 1-14. doi: 10.1590/Interface.170341.
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), tanto o médico quanto o paciente/familiar investem nesta relação de cuidado, e, caso haja uma falha nesta interação, o paciente ou seu familiar projetam no médico suas inseguranças e medos. Já o médico deposita nos envolvidos sua frustração advinda do descrédito, que nada mais é que culpa e tristeza (Miguel, 2015Miguel, F. K. (2015). Psicologia das emoções: uma proposta integrativa para compreender a expressão emocional. Psico-USF, 20(1), 153-162. doi: 10.1590/1413-82712015200114.
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; Monteiro & Quintana, 2016Monteiro, D. T., & Quintana, A. M. (2016). A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(4), 1-9. doi: 10.1590/0102.3772e324221.
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). Os desfechos desfavoráveis são vistos como uma limitação vergonhosa que não pode ser percebida pelos outros, porque mostram a fragilidade de seu poder (Pereira, 2005Pereira, M. A. G. (2005). Má notícia em saúde: um olhar sobre as representações dos profissionais de saúde e cidadãos. Texto & Contexto Enfermagem, 14(1), 33-37. doi: 10.1590/S0104-07072005000100004
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; Soeiro et al., 2022Soeiro, A. C. V., Vasconcelos, V. C. S., & Silva, J. A. C. D. (2022). Challenges in breaking bad news in a pediatric intensive care unit. Revista Bioética, 30(1), 45-53. doi: 10.1590/1983-80422022301503EN
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).

No entanto, quando o processo termina, o médico, por vezes exausto emocional e fisicamente, experimenta uma sensação de alívio porque a sua parte no processo de lidar com a situação difícil terminou. Esse alívio pode ser entendido como uma fuga, uma proteção do próprio médico diante de uma situação que causa sofrimento e dor aos envolvidos, pois, uma vez que outro profissional já tenha comunicado as más notícias antes dele, isso o alivia do confronto com seus próprios medos e vulnerabilidades. Neste sentido, a sensação vai ao encontro da estratégia usada por alguns profissionais no que diz respeito à organização do encontro, preparação prévia e a disponibilidade de reservar um tempo especial para realizar a comunicação, visto que esse planejamento se mostra útil para encontrar meios de lidar com a angústia de ser o portador de más notícias (Monteiro & Quintana, 2016Monteiro, D. T., & Quintana, A. M. (2016). A comunicação de más notícias na UTI: perspectiva dos médicos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(4), 1-9. doi: 10.1590/0102.3772e324221.
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). Esse comportamento de preparar o ambiente e de encontrar formas de lidar com este acontecimento mostra que esses profissionais procuram evitar alguns sentimentos - pois é difícil lidar com a dor de outra pessoa - e, quando eles conseguem comunicar a má notícia de forma a ser entendida e compreendida pelo paciente ou seus familiares, o profissional é tomado por um sentimento de alívio que surge para diminuir o impacto da tarefa e que o ajuda a minimizar sua própria angústia diante do sofrimento provocado pelo contexto.

Em vista disso, evidencia-se que, para realizar esta árdua tarefa que é a comunicação de más notícias, o médico não precisar agir sozinho: há uma equipe multidisciplinar que pode auxiliá-lo nesta função, trocando experiências e falando sobre os sentimentos gerados por esta incumbência. O serviço de psicologia nos hospitais costuma ser convidado para auxiliar o processo de comunicação de más notícias, muitas vezes permanecendo com o paciente e seus familiares após o médico se retirar. Nesses casos, os pacientes se sentem mais à vontade para expressar seus sentimentos e sabem que terão apoio psicossocial adequado. No entanto, existe uma limitação nesse processo que deve ser considerada: por um lado, muitos hospitais têm uma equipe reduzida de profissionais disponíveis para prestar diversos serviços (e.g., um hospital pode ter apenas um psicólogo atuando por turno, o que limita a quantidade de pacientes/profissionais que consegue atender); por outro, muitos profissionais não querem uma audiência durante o processo de comunicação com a família, pois sentem que teriam julgada sua imagem profissional e poderiam perder seu senso de autonomia e autoridade (Greenfield, Pliskin, Feder-Bubis, Wientroub, & Davidovitch, 2012Greenfield, G., Pliskin, J. S., Feder-Bubis, P., Wientroub, S., & Davidovitch, N. (2012). Patient-physician relationships in second opinion encounters - The physicians’ perspective. Social Science & Medicine, 75, 1202-1212. doi: 10.1016/j.socscimed.2012.05.026.
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).

Portanto, faz-se necessário que os profissionais estejam preparados para as reações dos pacientes, possibilitando que os canais de comunicações estejam abertos para que os familiares expressem seus sentimentos e emoções, e que os profissionais consigam suportar as demandas que emergem nesses momentos, respeitando as necessidades de todos os envolvidos (Moritz, 2007Moritz, R. D. (2007). Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas situações de terminalidade na unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 19(4), 485-489. doi: 10.1590/S0103-507X2007000400014.
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; Rodriguez, 2014Rodriguez, M. I. F. (2014). Despedida silenciada: equipe médica, família, paciente - cúmplices da conspiração do silêncio. Psicologia Revista, 23(2), 261-272.). Por isso, faz-se necessário que os médicos possam desenvolver competências de comunicação ao longo de sua formação, e que continuem buscando aparatos que os qualifiquem e sirvam de alicerce em sua vida profissional; pois os profissionais que estão iniciando - e até mesmo os mais experientes - precisam estar capacitados a realizar esta tarefa e, assim, estabelecer uma relação de confiança entre os envolvidos. Desta maneira, a habilidade em comunicar más notícias não está vinculada ao tempo de experiência, mas à disposição com que estes profissionais se colocam a aprender para, com isso, se tornarem médicos reconhecidos e mais humanizados.

Considerações Finais

O estudo alcançou o seu objetivo geral de compreender a percepção dos médicos de UTI adulto na região metropolitana de Porto Alegre de seus processos de comunicação de más notícias. Os sentimentos e emoções verificados no estudo dão uma boa ideia de como estes profissionais percebem, sentem, lidam e enfrentam as mais variadas situações em sua jornada de trabalho; porém, entendemos que, caso a pesquisa pudesse ter sido realizada de forma presencial, poderíamos ter a oportunidade de questionar mais detalhadamente cada informação disponibilizada pelos entrevistados. A literatura encontrada no Brasil referente às emoções apresentadas no estudo está bem aquém de conseguir contemplar de forma mais específica cada tema abordado. As pesquisas mostram que os estudos são voltados para outras áreas da saúde ou para o paciente e seus familiares, não se detendo no entendimento das perspectivas da equipe médica.

As emoções e sentimentos mostrados no estudo não seguem uma ordem para acontecer: eles são sentidos dinamicamente. Alguns médicos podem experienciar todos de uma única vez; outros podem oscilar entre um e outro; e alguns casos podem ser afetados por somente um sentimento ou uma emoção. Isso vai depender de como cada profissional encara suas práticas, como está a rotina naquela semana. Em outros momentos, fatores emocionais e pessoais podem influenciar estas vivências. Conforme Diniz (2019), a comunicação de más notícias constitui uma dificuldade nos serviços de saúde: de um lado, elas podem repercutir negativamente na vida daquele que a recebe; de outro, podem ser sinônimo de fracasso para o profissional de saúde que tenha que transmiti-las, já que nem sempre é possível curar.

Os fatores identificados como facilitadores e dificultadores se mostraram similares entre os participantes deste estudo, mas não podemos afirmar com propriedade que estes fatores se estendam aos médicos de todos os hospitais. Segundo Seabra e Costa (2015), os médicos possuem dificuldades em realizar a comunicação de más notícias, pois realizar esta tarefa causa ansiedade, nervosismo e desconforto. Em contrapartida, seu término pode gerar alívio, dependendo da reação do paciente/familiar. Todos esses aspectos estão presentes na vida dos médicos no desenrolar da graduação e, posteriormente, na prática clínica, e é importante ter ferramentas disponíveis que possibilitem maior entendimento e uma forma adequada de comunicação. Por mais preparados e experientes em lidar cotidianamente com situações em que seja necessário comunicar as más notícias, ter instrumentos que facilitem e possam preparar estes profissionais a desempenhar esta tarefa é um ponto essencial na relação médico-paciente-familiar.

Como trabalho futuro, pretende-se desenvolver estudos que busquem entender melhor a comunicação de más notícias nas UTIs de outros hospitais que não tenham sido contemplados neste estudo; desenvolver treinamentos com os estudantes de medicina da UNISINOS com o intuito de aprimorar e verificar as competências adquiridas ao longo da graduação; e ampliar a pesquisa, de forma a explorar sistematicamente as emoções. Dessa forma, um estudo com um número maior de médicos que atuem em UTIs se faz necessário. Considera-se realizar entrevistas presenciais para que seja possível observar os profissionais no momento da comunicação.

A comunicação de más notícias é uma tarefa delicada, complexa e frequente na rotina dos médicos. A maneira como o profissional transmite esse tipo de notícia poderá afetar tanto os pacientes e seus familiares quanto a si mesmo e o entendimento que os envolvidos terão sobre seu adoecimento e o modo como enfrentarão situação. Nesse sentido, é nos protocolos e recomendações com pontos importantes destacados que esses profissionais poderão se basear e se preparar para enfrentar os desafios impostos por serem portadores de más notícias e, desta forma, desenvolverem habilidades para desempenhar essa tarefa de uma maneira que seja clara e com uma postura que acolha os envolvidos, mas que seja objetiva e sensível, buscando um meio de amenizar as dificuldades no trato com a informação que será transmitida e que poderá modificar completamente a vida daquelas pessoas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2022
  • Revisado
    24 Abr 2022
  • Aceito
    29 Jul 2022
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