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Experiências mediúnicas e dissociativas em Fernando Pessoa e C. G. Jung à luz da psicologia analítica e da psicologia anomalística

Mediumistic and dissociative experiences in Fernando Pessoa and C. G. Jung in light of analytical psychology and anomalistic psychology

Expériences médiumniques et dissociatives chez Fernando Pessoa et C. G. Jung à la lumière de la psychologie analytique et de la psychologie anomalistique

Experiencias mediúmnicas y disociativas en Fernando Pessoa y C. G. Jung a la luz de la psicología analítica y de la psicología anómala

Resumo

O poeta Fernando Pessoa e o psiquiatra C. G. Jung desenvolveram suas obras em consonância com suas biografias. Ambos descreveram episódios que podem ser interpretados como mediúnicos, buscando, também, compreendê-los psicologicamente. Na literatura psicológica atual, a mediunidade pode ser entendida por meio do conceito de dissociação da personalidade. Dessa maneira, este artigo buscou examinar as relações entre dissociação e mediunidade a partir de episódios biográficos de Pessoa e de Jung, à luz da psicologia analítica e da psicologia anomalística. Hipotetiza-se que eles vivenciaram experiências dissociativas criativas e não patológicas, embora algum nível de sofrimento estivesse envolvido. Em Pessoa, as experiências dissociativas são relacionadas com sua produção hetoronímica, enquanto em Jung e suas investigações, com o desenvolvimento de seu modelo psicológico, que oferece elementos para um estudo psicobiográfico e artístico do poeta.

Palavras-chave:
dissociação; mediunidade; criatividade; psicologia analítica; literatura

Abstract

Poet Fernando Pessoa and psychiatrist C. G. Jung developed their works consonant with their biographies. Both described episodes that can be interpreted as mediumistic, seeking to understand them psychologically. In current psychological literature, mediumship is associated to the concept of personality dissociation. In this regard, this article examines the relationship between dissociation and mediumship based on Pessoa’s and Jung’s biographical episodes, in light of analytical psychology and anomalistic psychology. It is hypothesized that they experienced creative, non-pathological dissociations, although some level of suffering was involved. Pessoa’s experiences are related to his hetoronymic production, whereas Jung’s are tied with the development of his psychological model, which offers elements for a psychobiographical and artistic study of the poet.

Keywords:
dissociation; mediumship; creativity; analytical psychology; literature

Resumé

Le poète Fernando Pessoa et le psychiatre C. G. Jung ont développé leurs œuvres en accord avec leurs biographies. Tous deux ont décrit des épisodes qui peuvent être interprétés comme médiumniques, en cherchant à les comprendre psychologiquement. Dans la littérature psychologique actuelle, la médiumnité est associée au concept de dissociation de la personnalité. À cet égard, cet article examine la relation entre dissociation et médiumnité à partir des épisodes biographiques de Pessoa et de Jung, à la lumière de la psychologie analytique et de la psychologie anomalistique. L’hypothèse est qu’ils ont fait l’expérience de dissociations créatives et non pathologiques, bien qu’un certain niveau de souffrance y ait été impliqué. Chez Pessoa, ces expériences sont liées à sa production hétéronymique, tandis que chez Jung, elles sont liées au développement de son modèle psychologique, ce qui offre des éléments pour une étude psychobiographique et artistic du poète.

Mots-clés :
dissociation; médiumnité; créativité; psychologie analytique; littérature

Resumen

El poeta Fernando Pessoa y el psiquiatra C. G. Jung desarrollaron sus obras en consonancia con sus biografías. Ambos describieron episodios que pueden interpretarse como mediúmnicos, también buscando comprenderlos psicológicamente. En la literatura de la psicología actual, la mediumnidad puede entenderse bajo el concepto de disociación de la personalidad. Así, este artículo buscó examinar la relación entre disociación y mediumnidad a partir de los episodios biográficos de Pessoa y Jung, a la luz de la psicología analítica y la psicología anomalística. La hipótesis supone que estos autores tuvieron experiencias disociativas creativas y no patológicas, aunque estas involucraron cierto nivel de sufrimiento. En Pessoa, las experiencias se relacionan con su producción de la heteronimia; y en Jung, con el desarrollo de su modelo psicológico, que ofrece elementos para un estudio psicobiográfico y artístico del poeta.

Palabras clave:
disociación; mediumnidad; creatividad; psicología analítica; literatura

O poeta português Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) e o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) desenvolveram suas obras em consonância com suas biografias, expressando e elaborando questionamentos e experiências pessoais diversas. Não há registros de contato entre Pessoa e C. G. Jung e sua psicologia, nem de que o psiquiatra leu a obra do poeta, apesar de terem sido contemporâneos em parte de suas vidas. Se isso tivesse ocorrido, Pessoa poderia ter ecoado as ideias de Jung em seus escritos e autoanálises, e Jung, potentemente, poderia ter discorrido sobre o poeta em seu trabalho. Entretanto, atualmente os escritos pessoanos têm sido analisados por autores no campo junguiano e utilizados para ilustrar e articular as ideias do psiquiatra a temáticas como os tipos psicológicos (Zacharias & Borges, 2016Zacharias, J. J. M., & Borges, J. O. (2016). A interpretação do símbolo em Pessoa: As qualidades de Fernando Pessoa e os tipos junguianos. Cadernos Junguianos, (12), 156-171.), o papel da literatura na elaboração das vivências psíquicas (Rodrigues & Moreira, 2017Rodrigues, I. P., & Moreira, F. G. (2017). Elaboração das vivências psíquicas: O papel da literatura. Junguiana, 35(1), 61-70. Recuperado de https://bit.ly/3n91Xev
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) e as noções junguianas de si-mesmo, de função religiosa e de numinoso, relacionando-as à angústia existencial em Pessoa (Souza, 2018Souza, R. P. (2018). A existência segundo Fernando Pessoa: “Ninguém vê senão a alma em que ermo habita”. Self: Revista do Instituto Junguiano de São Paulo, 3, 1-32. doi: 10.21901/2448-3060/self-2018.vol03.0008
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). Também, as produções poéticas podem ser compreendidas simbolicamente e como expressões biográficas e inconscientes dos artistas (Palomo, 2014Palomo, V. (2014). Psicologia junguiana e arte poética: uma revisão. Junguiana, 32(2), 40-48.).

Jung e Pessoa viveram na Europa e foram influenciados pelo zeitgeist do final do século XIX e início do século XX. Dentre as marcas desse período, destacava-se um interesse, tanto do público em geral quanto de intelectuais e acadêmicos, por alegações paranormais e experiências de mediunidade, dissociação, transe e hipnose (Ellenberger, 1970Ellenberger, H. F. (1970). The discovery of the unconscious: The history and evolution of dynamic psychiatry. New York, NY: Basic Books.). Ambos relataram em seus escritos experiências pessoais e de outras pessoas que podem ser interpretadas como mediúnicas, e buscaram compreendê-las a partir da psicologia e psiquiatria da época, e o desenvolvimento da obra de cada um deles é conectado com essas experiências. Jung, psiquiatra de formação, foi integrante da Society for Psychical Research, organização inglesa composta por intelectuais e cientistas renomados, pioneira no estudo das experiências anômalas, na época chamadas de psíquicas (Cardeña, Lynn, & Krippner, 2017Cardeña, E., Lynn, S. J., & Krippner, S. (2017). The psychology of anomalous experiences: A rediscovery. Psychology of Cousciousness: Theory, Research, and Practice , 4(1), 4-22. doi: 10.1037/cns0000093
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; Sommer, 2014Sommer, A. (2014). Psychical research in the history and philosophy of science: An introduction and review. Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 48, 38-45. doi: 10.1016/j.shpsc.2014.08.004
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). Pessoa, por sua vez, participou de círculos ocultistas e, por conta própria, se envolveu com a literatura psiquiátrica de seu tempo ao questionar sua sanidade mental.

Atualmente, o estudo das experiências interpretadas como mediúnicas, dentre tópicos de pesquisa relacionados (Zangari & Machado, 2018Zangari, W., & Machado, F. R. (2018). Abordagem psicológica dos fenômenos incomuns. In E. A. Antúnez & G. Safra (Orgs.), Psicologia clínica da graduação à pós-graduação (pp. 324-330). São Paulo, SP: Atheneu .), faz parte da psicologia da religião e da psicologia anomalística. A primeira estuda o que há de psicológico no comportamento religioso, ou o comportamento intencionado para o sobrenatural, considerando-se tanto a aceitação quanto a negação do sobrenatural e não ele em si (Paiva, 2018aPaiva, G. J. (2018a). O que o psicólogo precisa saber da psicologia da religião. In E. A. Antúnez & G. Safra (Orgs.), Psicologia Clínica da Graduação à Pós-Graduação (pp. 267-272). São Paulo, SP: Atheneu ., 2018bPaiva, G. J. (2018b). Psicologia da religião: Natureza, história e pesquisa. Numen: Revista de Estudos e Pesquisa da Religião , 21(2), 9-31. doi: 10.34019/2236-6296.2018.v21.25611
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). O estudo do comportamento religioso abrange “o consciente e o inconsciente, o individual e o social, os correlatos e condições biológicas, o cultural e o intercultural” e “todas as dimensões de que se reveste o comportamento humano” (Paiva, 2018bPaiva, G. J. (2018b). Psicologia da religião: Natureza, história e pesquisa. Numen: Revista de Estudos e Pesquisa da Religião , 21(2), 9-31. doi: 10.34019/2236-6296.2018.v21.25611
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, p. 11). Jung é apontado como um dos pioneiros dos estudos sobre psicologia da religião (Main, 2006Main, R. (2006). Psychology of religion. In R. A. Segal (Ed.), The Blackwell companion to the study of religion (pp. 147-170). Hoboken, NJ: Blackwell.; Nelson, 2009Nelson, J. M. (2009). Psychology, religion, and spirituality. New York, NY: Springer.; Paloutzian & Park, 2013Paloutzian, R. F., & Park, C. L. (2013). Integrative themes in the current science of psychology of religion. In C. L. Park & R. F. Paloutzian (Eds.), Handbook of the psychology of religion and spirituality (pp. 3-20). New York, NY: Guilford.) e experiências anômalas (Cardeña et al., 2017Cardeña, E., Lynn, S. J., & Krippner, S. (2017). The psychology of anomalous experiences: A rediscovery. Psychology of Cousciousness: Theory, Research, and Practice , 4(1), 4-22. doi: 10.1037/cns0000093
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).

As experiências anômalas são assim chamadas porque podem ser pouco prevalentes em uma dada população e contexto cultural, e mesmo quando a prevalência é alta as explicações comuns sobre elas tendem a se desviar das concepções científicas mainstream (Cardeña et al., 2017Cardeña, E., Lynn, S. J., & Krippner, S. (2017). The psychology of anomalous experiences: A rediscovery. Psychology of Cousciousness: Theory, Research, and Practice , 4(1), 4-22. doi: 10.1037/cns0000093
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). Além das experiências mediúnicas, alguns exemplos de experiências anômalas são aquelas de natureza mística, de quase morte, fora do corpo, de curas inexplicáveis e de percepção extrassensorial (Cardeña, Lynn, & Krippner, 2013Cardeña, E., Lynn, S. J., & Krippner, S. (2013). As variedades da experiência anômala: Análise das evidências científicas. São Paulo, SP: Atheneu.). Elas não necessariamente são patológicas e podem ser compreendidas como religiosas ou espirituais quando são interpretadas à luz dessas crenças (Maraldi, Barros, & Martinez, 2021Maraldi, E. O., Barros, M. C. M., & Martinez, M. D. (2021). Experiências anômalas e sua relação com a espiritualidade. In: F. M. T. Pereira, C. C. Bragetta, P. A. S. Andrade, & T. P. Branco (Orgs.), Tratado de espiritualidade e saúde: Teoria e prática do cuidado em espiritualidade na área da saúde (pp. 73-81). São Paulo, SP: Atheneu .). Dessa maneira, o campo da psicologia anomalística, que estuda as experiências anômalas, inter-relaciona-se com o da psicologia da religião (Zangari, Machado, Maraldi, & Martins, 2017Zangari, W., Machado, F. R., Maraldi, E. O., & Martins, L. B. (2017). Psicologia da religião e psicologia anomalística: Aproximações pela produção recente. Pistis & Praxis: Teologia Pastoral, 9(1), 173-188. doi: 10.7213/2175-1838.09.001.DS08
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). Embora este artigo considere as possíveis relações com o sobrenatural e os aspectos religiosos, apoia-se, sobretudo, na psicologia anomalística, perspectiva que busca por processos psicológicos subjacentes às experiências alegadas e que forneçam explicações possíveis sobre elas (Zangari et al., 2017Zangari, W., Machado, F. R., Maraldi, E. O., & Martins, L. B. (2017). Psicologia da religião e psicologia anomalística: Aproximações pela produção recente. Pistis & Praxis: Teologia Pastoral, 9(1), 173-188. doi: 10.7213/2175-1838.09.001.DS08
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).

Experiências anômalas e religiosas são relatadas em diversas épocas da humanidade, o que as caracteriza como arquetípicas segundo a psicologia analítica (Jaffé, 1999Jaffé, A. (1999). An archetypal approach to death dreams and ghosts. Einsiedeln, Switzerland: Daimon.). Elas podem fazer parte da constituição de crenças individuais e grupais, da identidade e do sentido de vida das pessoas (Zangari et al., 2017Zangari, W., Machado, F. R., Maraldi, E. O., & Martins, L. B. (2017). Psicologia da religião e psicologia anomalística: Aproximações pela produção recente. Pistis & Praxis: Teologia Pastoral, 9(1), 173-188. doi: 10.7213/2175-1838.09.001.DS08
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); assemelhar-se a sintomas de transtornos mentais (Dalgalarrondo, 2008Dalgalarrondo, P. (2008). Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre, RS: Artmed.; Menezes Jr., Alminhana & Moreira-Almeida, 2012Menezes, A, Jr., Alminhana, L. O., & Moreira-Almeida, A. (2012). Perfil sociodemográfico e de experiências anômalas em indivíduos com vivências psicóticas e dissociativas em grupos religiosos. Revista de Psiquiatria Clínica , 39(6), 203-207. doi: 10.1590/S0101-60832012000600005
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); auxiliar no enfrentamento de adversidades (coping religioso-espiritual) (Fontes, 2018Fontes, F. (2018). Coping religioso/espiritual e prática psicoterapêutica: Relações possíveis. In A. E. A. Antúnez & G. Safra (Orgs.), Psicologia clínica da graduação à pós-graduação (pp. 301-308). São Paulo, SP: Atheneu .; Strelhow & Sarriera, 2018Strelhow, M. R. W., & Sarriera, J. C. (2018). Coping religioso/espiritual em crianças e adolescentes. In E. A. Antúnez & G. Safra (Orgs.), Psicologia clínica da graduação à pós-graduação (pp. 309-315). São Paulo, SP: Atheneu .) e estar relacionadas à criatividade (Cardeña, 2012Cardeña, E., Iribas, A. E., & Reijamn, S. (2012). Art and Psi. The Journal of Parapsychology, 76(1), 3-25. doi: 2012-21330-001
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, 2020Cardeña, E. (2020). Deragement of the senses or alternate epistemological pathways? Altered consciousness and enhaced functioning. Psychology of Cousciousness: Theory, Research, and Practice, 7(3), 242-261. doi: 10.1037/cns0000175
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). Além disso, elas são historicamente apontadas como importantes para o surgimento de teorias e conceitos psicológicos, como a noção de dissociação (Alvarado, Machado, Zangari, & Zingrone, 2007Alvarado, C., Machado, F. R., Zangari, W., & Zingrone, N. L. (2007). Perspectivas históricas da influência da mediunidade na construção de ideias psicológicas e psiquiátricas. Revista de Psiquiatria Clínica, 34(1), 42-53. doi: 10.1590/S0101-60832007000700007
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) e de complexos ideo-afetivos (Miranda, 2016Miranda, P. (2016). Taking possession of a heritage: Psychologies of the subliminal and their pioneers. International Journal of Junguian Studies, 8(1), 28-45. doi: 10.1080/19409052.2015.1089921
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).

Nesse sentido, busca-se examinar o papel das alegadas experiências mediúnicas no desenvolvimento das obras do poeta português Fernando Pessoa e do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, articular as obras de ambos e discutir uma possível compreensão psicológica dessas experiências com base no conceito de dissociação e em seus desdobramentos na teoria junguiana. Acredita-se que as contribuições de Jung podem esclarecer a relação de Pessoa com essas temáticas, a partir de uma leitura psicológica de sua trajetória pessoal e artística. No caso de Pessoa, recortes e fragmentos de sua vida, encontrados em duas cartas selecionadas - uma, de 1916, para sua tia-avó Anica, e outra, de 1935, para Adolfo Casais Monteiro -, são tomados como ilustrativos e estimuladores das investigações aqui propostas. No caso de Jung, alguns episódios biográficos e contribuições teóricas para uma compreensão psicológica são apresentados.

Dissociação e mediunidade: o que isto quer dizer?

Pouco estudados na história da psicologia e na atualidade, Frederic W. H. Myers, Pierre Janet, William James, Sigmund Freud, Théodore Flournoy e o próprio Jung integraram a já citada Society for Psychical Research e estiveram envolvidos no estudo de experiências mediúnicas e dissociativas, e foram essenciais para o pensamento e construção da psicologia analítica (Miranda, 2016Miranda, P. (2016). Taking possession of a heritage: Psychologies of the subliminal and their pioneers. International Journal of Junguian Studies, 8(1), 28-45. doi: 10.1080/19409052.2015.1089921
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; Shamdasani, 2003Shamdasani, S. (2003). Jung e a construção da psicologia moderna: O sonho de uma ciência. São Paulo, SP: Ideias & Letras.). Janet foi pioneiro no estudo das alterações da consciência, da memória e da volição pelo uso da hipnose e da dissociação, ao investigar pacientes histéricas e casos de múltiplas personalidades, definidos atualmente pelo nome de Transtorno Dissociativo de Identidade (Loewenstein, 2018Loewenstein, R. J. (2018). Dissociation debates: Everything you know is wrong. Dialogues in Clinical Neuroscience, 20(3), 229-242. doi: 10.31887/DCNS.2018.20.3/rloewenstein
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; Maraldi, 2019Maraldi, E. O. (2019). Transtorno dissociativo de identidade: Aspectos diagnósticos e implicações clínicas e forenses. Fronteiras Interdisciplinares do Direito, 1(2), 1-31. doi: 10.23925/2596-3333.2019v1i2a1
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). Em seu clássico trabalho L’Automatisme Psychologique (Janet, 1889/2003Janet, P. (2003). L’automatisme psychologique : Essai de psychologie expérimentale sur les formes inférieures de l’activité humaine. Québec, Canada: L’Université du Québec à Chicoutimi. (Trabalho original publicado em 1889)), o estudioso popularizou o termo “dissociação”, que remete ao fenômeno da desagregação da personalidade, no qual as diversas partes estariam desconectadas, desintegradas ou desassociadas. Essa noção adveio da perspectiva de que eventos traumáticos desencadeariam processos dissociativos.

A despeito dos modelos etiológicos, patológicos ou não (Martinez, 2020Martinez, M. D. (2020). Dissociação e mediunidade na infância: Um estudo exploratório a partir da perspectiva psicossocial (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3aHtfGo
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), das características de personalidade (Asken, Polizzi, & Lynn, 2021Asken, D. E., Polizzi, C., & Lynn, S. J. (2021). Correlates and mediators of dissociation: Towards a transtheoretical perspective. Imagination, Cognition and Personality: Counsciousness in Theory, Research, and Clínical Practice, 40(4), 372-392. doi: 10.1177/0276236620956284
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) e dos fatores neurobiológicos (Blihar, Delgado, Buryak, Gonzalez, & Waechter, 2020Blihar, D., Delgado, E., Buryak, M., Gonzalez, M., & Waechter, R. (2020). A systematic review of the neuroanatomy of dissociative identity disorder. European Journal of Trauma & Dissociation, 4(3), 1-14. doi: 10.1016/j.ejtd.2020.100148
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) envolvidos, a dissociação é um construto teórico que busca descrever o processo psicológico que envolve o isolamento de “lembranças, percepções, emoções, ou atividades motoras que geralmente permanecem (ou deveriam permanecer) ligadas a um núcleo identitário dominante, para vê-las assumir depois um caráter autônomo (porém, proposital ou dotado de sentido)” (Maraldi, 2014Maraldi, E. O. (2014). Dissociação, crença e identidade: Uma perspectiva psicossocial (Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3cfLItZ
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, p. 98). Esta concepção implica alterações na identidade, na memória, na percepção de si mesmo e na volição, uma vez que processos dissociativos podem ser descritos como automáticos e espontâneos, cuja manifestação depende parcial ou totalmente da volição. Um processo dissociativo não é obrigatoriamente patológico, embora as perspectivas mainstream da psicologia e psiquiatria tendam a sustentar essa ideia. Exemplos de processos dissociativos não patológicos são aqueles integrados e aceitos em contextos religiosos variados, como os dons do espírito santo em contextos evangélicos neopentecostais, a escrita automática ou psicografia e a manifestação de alegadas entidades espirituais nos meios espíritas, umbandistas, candomblecistas e ayahuasqueiros (Krippner & Powers 1997Krippner, S., & Powers, S. M. (1997). Broken images, broken selves: Dissociative narratives in clinical practice. Washington, DC: Brunner/Mazel.; Maraldi, Costa, Cunha, Flores et al., 2020Flores, D. (2020). Uma revisão sistemática dos conceitos de êxtase em diferentes épocas e contextos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3ccHZxc
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)

Em contextos religiosos, as experiências dissociativas são geralmente atribuídas à mediunidade, que pode ser definida como “a capacidade que algumas pessoas (comumente designadas médiuns) teriam de se comunicar com os espíritos de pessoas falecidas ou outras entidades espirituais, ou de intermediar sua ação no mundo material” (Maraldi, Costa, Cunha, Rizzi et al., 2020Maraldi, E. O., Costa, A. S., Cunha, A., Rizzi, A. R., Flores, D. F., Hamazaki, E. S., Machado, F. R., Medeiros, G., Queiroz, G. P., Martinez, M. D., Silva, P. A., Filho, Martins, R. M. L. M., Santos, R. A., Siqueira, S. P., & Zangari, W. (2020). Experiências anômalas e dissociativas em contexto religioso: Uma abordagem autoetnográfica. Revista de Abordagem Gestáltica, 26(2), 147-161. doi: 10.18065/2020v26n2.3
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, p. 154). Além da mediunidade, historicamente, a possessão, o xamanismo, o mesmerismo, a histeria e a hipnose são descritos como fenômenos complexos associados à dissociação. De acordo com o conjunto de crenças e ontologias religiosas e espirituais compartilhadas socialmente, eles podem ser compreendidos como provenientes de fontes transcendentes. Nesse sentido, compreendê-los por meio do conceito de dissociação não é reduzir a ontologia religiosa à psicologia, mas buscar um construto teórico válido para entendê-los psicologicamente. Essas ocorrências também podem ser interpretadas culturalmente, assimiladas e desenvolvidas a depender das referências e crenças dos grupos e dos sujeitos que as vivenciam (Flores, 2020Flores, D. (2020). Uma revisão sistemática dos conceitos de êxtase em diferentes épocas e contextos (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3ccHZxc
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; Maraldi, 2014; Maraldi, Krippner, Barros, & Cunha, 2017Maraldi, E. O., Krippner, S., Barros, M. C. M., & Cunha, A. (2017). Dissociation from a cross-cultural perspective: Implication of studies in Brazil. Journal of Nervous and Mental Diseases, 205(7), 558-567. doi: 10.1097/nmd.0000000000000694
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; Maraldi, Costa, Cunha, Flores et al., 2020Maraldi, E. O., Costa, A., Cunha, A., Flores, D., Hamazaki, E., Queiroz, G. P., Martinez, M., Siqueira, S., & Reichow, J. (2020). Cultural presentations of dissociation: The case of possession trance experiences. Journal of Trauma & Dissociation , 22(1), 11-16. doi: 10.1080/15299732.2020.1821145
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; Martinez, 2020Martinez, M. D. (2020). Dissociação e mediunidade na infância: Um estudo exploratório a partir da perspectiva psicossocial (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3aHtfGo
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; Martins, 2018Martins, L. B. (2018). Extremistas religiosos, terraplanistas, alienígenas e além: A dinâmica da espiral ascendente de complexidade na formação de crenças e experiências contraintuitivas. Numen: Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, 21(2), 129-144. doi: 10.34019/2236-6296.2018.v21.22156
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).

Fernando Pesssoa e os heterônimos: a dissociação e a mediunidade

Fernando Pessoa se tornou conhecido por seus escritos literários, especificamente pela produção de poesias, cujas autorias são atribuídas a seus heterônimos. Embora sejam conhecidos 127 nomes diferentes (Cavalcanti Filho, 2012Cavalcanti, J. P., Filho. (2012). Fernando Pessoa, uma quase autobiografia. Rio de Janeiro, RJ: Record.), os heterônimos mais famosos são Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, todos de origem portuguesa, mas cada um com uma biografia e personalidade própria. Rafael Baldaia, que apresentava o componente mais espírita e esotérico de Pessoa, e Bernardo Soares, autor de alguns de seus principais trechos literários, são outros heterônimos que merecem destaque. Ricardo Reis apresenta um teor mais culto e de rara espontaneidade, com um conteúdo frequentemente pagão e mitológico, manifestando influências epicuristas, estoicas e certo bucolismo. Álvaro de Campos é quem apresenta mais perturbações mentais e traços psicopatológicos; suas produções apresentam teores de revolta e empolgação, num primeiro momento, e de tristeza, cansaço, sono e frequente desilusão com a vida, num segundo momento (Ferreira, 2012Ferreira, E. M. A. (2012). Fernando Pessoa e o distúrbio de personalidades múltiplas. Intersemiose, 1(1), 58-76. Recuperado de https://bit.ly/3ydKzvk
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). O órfão Alberto Caeiro era avesso às filosofias e um amante da natureza e da simplicidade. Ele não teve estudo formal adequado e apresentava uma aversão pelo “vício de pensar”, demonstrando uma literatura mais direta e concreta (Ferreira, 2003Ferreira, A. M. (2003). Louvado seja Deus que não sou bom: Alberto Caeiro, São Francisco de Assis e o menino Jesus. In C. M. Mora (Coord.), Sátira, paródia e caricatura: Da Antiguidade aos nossos dias. Aveiro, Portugal: Centro de Línguas e Cultura da Universidade de Aveiro.). Dessa maneira, nota-se que as elaborações criativas de Pessoa originaram uma complexa reunião de diferentes identidades, estilos e biografias.

As criações do poeta podem ser vistas como produtos intencionais de sua vontade ou, pelo contrário, como expressões espontâneas de aspectos inconscientes de sua subjetividade, possíveis de serem compreendidas por meio do processo psicológico da dissociação da identidade (Barreto, 2012Barreto, J. (2012). Identidade e literatura: O Eu, o Outro, o Há. Diacrítica, 26(3), 9-39. Recuperado de https://bit.ly/3xR82kz
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). Contudo, a gênese da produção heteronímica de Pessoa não só é considerada à luz de aspectos pessoais, sejam eles volitivos ou não, como também sob a hipótese da mediunidade (Medeiros, 2016Medeiros, A. D. D. (2016). Occultism and mediumship in Fernando Pessoa. Holos, 1, 81-90. doi: 10.15628/holos.2016.2507
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). O próprio Pessoa chegou a considerar ontologicamente suas experiências mediúnicas. Em carta para sua tia-avó Anica, uma médium, em 24 de junho 1916, ele escreveu:

. . . O facto é o seguinte. Aí por fins de Março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine! Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões semiespíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática. Estava uma vez em casa, de noite . . ., quando senti a vontade de, literalmente, pegar numa caneta e pô-la sobre o papel. É claro que depois é que dei por o facto de que tinha sido esse impulso. No momento, não reparei no facto, tomei-o como o facto, natural em quem está distraído, de pegar numa pena para fazer rabiscos. Nessa primeira sessão comecei por a assinatura (bem conhecida de mim) “Manuel Gualdino da Cunha”. Eu nem de longe estava pensando no tio Cunha . . . De vez em quando, umas vezes voluntariamente, outras obrigado, escrevo. Mas raras vezes são “comunicações” compreensíveis. Certas frases percebem-se. E há sobretudo uma cousa curiosíssima - uma tendência irritante para me responder a perguntas com números; assim como há a tendência para desenhar. Não são desenhos de cousas, mas de sinais cabalísticos e maçónicos, símbolos do ocultismo e cousas assim que me perturbam um pouco. Não é nada que se pareça com a escrita automática da Tia Anica ou da Maria - uma narrativa, uma série de respostas em linguagem coerente. É assim mais imperfeito, mas muito mais misterioso.

. . . As comunicações actuais são, por assim dizer, anónimas e sempre que pergunto “quem é que fala?” faz-me desenhos ou escreve-me números. . . . É singular que, apesar de eu não perceber nada de tais números, consultei um amigo meu, ocultista e magnetizador (uma criatura muito curiosa e interessante, além de ser um excelente amigo) e ele disse-me cousas singulares. . . . Explicou-me apenas que esse facto de eu escrever números era prova da autenticidade da minha escrita automática - isto é, de que não era autosugestão, mas mediunidade legítima. Os espíritos - diz ele - fazem essas comunicações para dar essa garantia; e essas comunicações são, por isso mesmo, incompreensíveis ao médium, e de ordem que mesmo o inconsciente dele era incapaz de imaginar (?) . . . Não pára aqui a minha mediunidade. . . . Quando o Sá-Carneiro atravessava em Paris a grande crise mental, que o havia de levar ao suicídio, eu senti a crise aqui, caiu sobre mim uma súbita depressão vinda do exterior, que eu, ao momento, não consegui explicar-me. Esta forma de sensibilidade não tem tido continuação.

Guardo, porém, para o fim o detalhe mais interessante. É que estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam “a visão astral”, e também a chamada “visão etérica” . . . . E há - o que é uma sensação muito curiosa - por vezes o sentir-me de repente pertença de qualquer outra cousa. O meu braço direito, por exemplo, começa a ser-me levantado no ar sem eu querer. . . . Outras vezes sou feito cair para um lado, como se estivesse magnetizado, etc.

Perguntará a Tia Anica em que é que isto me perturba, e em que é que estes fenómenos - aliás ainda tão rudimentares - me incomodam? Não é o susto. Há mais curiosidade do que susto . . .

O que me incomoda um pouco é que eu sei pouco mais ou menos o que isto significa. Não julgue que é a loucura. Não é: dá-se até o facto curioso de, em matéria de equilíbrio mental, eu estar bem como nunca estive. É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de qualidades de médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer. . . . Além disso, já o próprio alvorecer dessas faculdades é acompanhado duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que enche de amargura até ao fundo da alma.

Enfim, será o que tiver de ser . . . (Pessoa, 1951/1987Pessoa, F. (1987). Carta à tia Anica (24 de junho de 1916). In F. Pessoa, Escritos íntimos, cartas e páginas autobiográficas. Sintra, Portugal: Europa-América. (Trabalho original publicado em 1951), p. 127)

Na época que Pessoa escreveu essa carta, houve um aumento de sua produção heteronímica (Medeiros, 2016Medeiros, A. D. D. (2016). Occultism and mediumship in Fernando Pessoa. Holos, 1, 81-90. doi: 10.15628/holos.2016.2507
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), mas não fica claro, na própria correspondência, a relação direta da mediunidade com os heterônimos. Ou seja, seriam os heterônimos propriamente personalidades espirituais manifestadas por meio do escritor? O que se percebe é o surgimento espontâneo e inesperado das experiências mediúnicas, envolvendo tipos distintos de manifestações, como visuais e motoras, com um tipo de pressentimento. De forma relacionada, nota-se os questionamentos e a autocrítica de Pessoa sobre sua saúde mental, ao referir-se às sensações de “isolamento”, “abandono” e “amargura”. Também, ele significa e interpreta suas experiências baseado em crenças pessoais e de pessoas de seu convívio, indicando a importância do contexto sociocultural na expressão, curso e vivência dessas experiências.

Fernando Pessoa foi um curioso entusiasta do esoterismo e dos círculos iniciáticos de sociedades como a maçonaria e o rosacrucionismo, e isso tudo esteve presente em parte considerável da sua vida e obra. Em 30 de março de 1935, ele declarou ser um cristão gnóstico, portanto, oposto à igreja católica e às igrejas institucionalizadas, mas conservando íntimas relações com a Santa Kabbalah - a tradição secreta do cristianismo - e com a essência oculta da maçonaria. Seus três principais heterônimos são intimamente relacionados com o neopaganismo: Caeiro era definido como “o próprio paganismo” e Ricardo Reis era um pagão, assim como Álvaro de Campos (Castro, 2013Castro, M. G. (2013). Fernando Pessoa’s modernity without frontiers: Influences, dialogues, responses. Martlesham, England: Tamesis Books.).

Em 13 de janeiro de 1935, poucos meses antes de sua morte, Pessoa escreveu uma outra carta, dessa vez a Adolfo Casais Monteiro, revelando mais detalhes biográficos e de seu processo criativo. Nela, apresenta esse processo e a dinâmica psíquica e literária por trás de seus heterônimos:

. . . quaisquer que sejam os meus defeitos mentais, é nula em mim a tendência para a mania da perseguição . . . Sou, de fato, um nacionalista místico . . . O que fiz por acaso e se completou por conversa, fora exatamente talhado, com Esquadria e Compasso, pelo Grande Arquiteto . . . Respondo agora diretamente às suas três perguntas: (1) plano futuro da publicação das minhas obras, (2) gênese dos meus heterônimos, e (3) ocultismo. . . . Nada disso poderei fazer, no sentido de publicar, exceto quando . . . me for dado o Prémio Nobel. E contudo - penso-o com tristeza - pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida. . . . A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. . . . Seja como for, a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. . . . Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia. . . . Vou agora fazer-lhe a história direta dos meus heterônimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro - os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida. Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. . . . Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, caráter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. . . . Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterônimo . . . um certo Chevalier de Pas . . . por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. . . . Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. . . . Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura - cara, estatura, traje e gesto - imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto vejo… E tenho saudades deles. . . . Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa . . . estou escrevendo depressa, e quando escrevo depressa não sou muito lúcido . . . (Pessoa, 1937/1986, p. 199)

Apesar de tal carta ter sido escrita 19 anos após a que foi endereçada para a sua tia Anica, Pessoa continua evocando, agora de modo ainda mais refinado e detalhado, o tema da sanidade mental em sua relação com o surgimento dos heterônimos e também a supostos traços de histeria - tida como um importante problema para a medicina entre os séculos XIX e XX (Nunes, 2010Nunes, S. A. (2010). Histeria e psiquiatria no Brasil da Primeira República. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 17(supl. 2), 373-389. doi: 10.1590/S0104-59702010000600006
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) -, chegando a sugerir uma base orgânica para a manifestação dos fenômenos de despersonalização, conhecida, na literatura psiquiátrica e psicológica especializada, como uma espécie de dissociação (Cardeña, Van Dujil, Weiner, & Terhune, 2009Cardeña, E., van Dujil, M., Weiner, L. A., Terhune, D. B. (2009). Possession/trance phenomena. In P. F. Dell & J. A. O’Neil (Eds.), Dissociation and the dissociative disorders: DSM-V and beyond (pp. 171-181). New York, NY: Routledge.).

Em sua demanda investigativa sobre os fenômenos que vivenciava, seus “males e loucuras”, o escritor lia de Freud a Lombroso. Além disso, aos 19 anos, enviou cartas a dois psiquiatras franceses, um deles Henri Durville, médico, professor e magnetizador. Nessas cartas, Pessoa se avalia e se diagnostica como um “histero-neurastênico, com predominância do elemento neurastênico” (Silva, 2009Silva, S. A. A. (2009). Estudo patográfico de Fernando Pessoa (Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, Recife). Recuperado de https://bit.ly/3RJKmbg
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).

O poeta refere-se aos heterônimos ora como partes de si mesmo e produtos da própria criação, imaginação e fantasia - denotanto certa propensão à fantasia e absorção imaginativa, um outro tipo de dissociação (Cardeña et al., 2009Cardeña, E., van Dujil, M., Weiner, L. A., Terhune, D. B. (2009). Possession/trance phenomena. In P. F. Dell & J. A. O’Neil (Eds.), Dissociation and the dissociative disorders: DSM-V and beyond (pp. 171-181). New York, NY: Routledge.; Maraldi, 2014Maraldi, E. O. (2014). Dissociação, crença e identidade: Uma perspectiva psicossocial (Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3cfLItZ
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) -, ora como decorrentes de “um dito espírito, absolutamente alheio” a ele. A resposta para as origens e natureza dos heterônimos permanece aberta do começo ao final da carta. Pessoa questiona a realidade dos heterônimos e se seriam produtos dele mesmo, de sua própria psique e de partes da personalidade, ou se, pelo contrário, eles apenas davam vazão às supostas influências de “seres espirituais mais altos”, em alusão a um além-do-ego metafísico. O que fica claro, porém, é sua nostalgia pelo período em que a escrita por heterônimos era intensa e sua crença no transcendente, na existência de um mestre regente, segundo os princípios ocultistas em que acreditava.

C. G. Jung, dissociação e a teoria dos complexos ideo-afetivos: o papel das experiências mediúnicas

A partir dos relatos de Fernando Pessoa, passa-se, nesta seção, à tentativa de oferecer um modelo compreensivo das experiências dissociativas e mediúnicas com base na vida e na obra de C. G. Jung, que esteve envolvido com fenômenos anômalos do início ao fim de sua existência (Charet, 1993Charet, F. X. (1993). Spiritualism and the foundations of C. G. Jung’s psychology. Albany, NY: State University of New York Press.; Corbett, 2019Corbett, L. (2019). As experiências anômalas e sua dimensão sincronística na psicoterapia: Análise de caso pela psicologia profunda. In A. F. D. Fonseca & G. L. Roberto (Eds.), As experiências anômalas na perspectiva da psicologia complexa de C.G. Jung (pp. 294-303). Brasília, DF: Self.; Main, 1997Main, R. (1997). Jung on synchronicity and the paranormal. London, England: Routledge .; Shamdasani, 2003Shamdasani, S. (2003). Jung e a construção da psicologia moderna: O sonho de uma ciência. São Paulo, SP: Ideias & Letras., 2005Shamdasani, S. (2005). Jung stripped bare by his biographers, even. London, England: Karnac., 2009Shamdasani, S. (2009). Introdução. In C. G. Jung, O Livro Vermelho: Liber Novus (pp. 193-221). Petrópolis, RJ: Vozes .). Na juventude, enquanto era estudante de medicina na University of Basel, interessou-se pelos estudos acerca da mediunidade, especialmente as pesquisas com médiuns conduzidas por William Crookes, Johann Karl Friedrich Zöllner e Alfred Russel Wallace (Jung, 1961/2016Jung, C. G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1961); Shamdasani, 2015). Em sua palestra Some Thoughts on Psychology, de 1897, na Sociedade Zofingia, Jung (1897/1983Jung, C. G. (1983). Some thoughts on psychology. In The Zofingia lectures (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. A, pp. 21-43). London, England: Routledge. (Trabalho original publicado em 1897)) utilizou referências dos pesquisadores em questão para a defesa de uma realidade espiritual no homem, não sujeita ao tempo e espaço e, portanto, capaz de sobreviver à morte corporal. Ele afirma:

A alma é imperceptível aos sentidos porque existe fora do espaço. Teria que assumir uma forma espacial, isto é, uma forma material para se tornar perceptível aos sentidos. Toda representação da alma que é perceptível aos sentidos é uma materialização. A materialização mais maravilhosa e incrível que já ocorreu é o próprio homem. No entanto, a maioria das pessoas é incapaz de se maravilhar com sua própria existência e assim não pode apreciar adequadamente a noção de homem como materialização da alma, e devemos procurar por outros fenômenos cuja manifestação espontânea e instantânea nos compele a deduzir um ser inteligente como seu spiritus rector. Os fenômenos que buscamos são as maravilhosas materializações observadas por Crookes, Zöllner, Wilhelm Weber, Fechner, Wagner, Wallace e muitos outros. (Jung, 1897/1983Jung, C. G. (1983). Some thoughts on psychology. In The Zofingia lectures (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. A, pp. 21-43). London, England: Routledge. (Trabalho original publicado em 1897), p. 38, tradução nossa)

Nesse mesmo período, de 1895 a 1899, Jung desenvolveu seu estudo mais conhecido sobre mediunidade e dissociação da personalidade, publicado em 1902, Sobre a Psicologia e Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos. Nesse trabalho, ele analisou as capacidades sonambúlicas de uma jovem de 15 anos identificada pelo pseudônimo de S.W. - na verdade, sua prima pelo lado materno Helene Preiswerk. Jung se deteve em diferentes tópicos das manifestações, como as personalidades manifestadas pela jovem em estado de transe; seus automatismos; a ciência mística que ela desenvolveu para explicar as relações entre o mundo material e espiritual; seus romances descritos em estado sonambúlico; o aumento de suas capacidades cognitivas pela manifestação inconsciente etc.

Da diversidade de personalidades alternativas que surgiam em estado de transe, Jung destacou dois tipos principais: um alegre e brincalhão e outro sério e religioso.

A variedade de nomes era abundante, mas a diferença entre as respectivas personalidades cedo se esgotou, e tornou-se patente que podiam ser classificadas em dois tipos: o sério-religioso e o alegre-brincalhão, na verdade tratava-se apenas de duas personalidades subconscientes que se manifestavam com diferentes nomes que, no entanto, tinham pouca importância. (Jung, 1902/1970Jung, C. G. (1970). On the psychology and pathology of so-called occult phenomena. In Psychiatric studies (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 1, pp. 15-89). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1902), p. 74, tradução nossa)

No entanto, certas manifestações da jovem intrigaram o autor suíço, como informações fornecidas pelo suposto espírito do seu avô falecido1 1 A título de curiosidade, segundo Ellenberger (1991), em uma das sessões, a manifestação do avô solicitava orações para Bertha, irmã de Helene, que havia emigrado para o Brasil e não dava notícias há mais de dois anos. Bertha estaria dando à luz uma criança mestiça. Semanas mais tarde a família recebeu uma carta de Bertha em que ela afirmava ter se casado com um mestiço e dado à luz uma criança de cabelos cacheados. e a personalidade feminina Ivenes, que se apresentava em caráter, conhecimento e comportamento de modo superior ao de Helene em estado de vigília (Jung, 1902/1970Jung, C. G. (1970). On the psychology and pathology of so-called occult phenomena. In Psychiatric studies (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 1, pp. 15-89). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1902); Shamdasani, 2015Shamdasani, S. (2015). ‘S. W.’ e C. G. Jung: Mediumship, psychiatry and serial exemplarity. History of Psychiatry , 26(3), 288-302. doi: 10.1177/0957154X14562745
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).

O primeiro historiador a destacar o caso foi Henri Ellenberger, em seu trabalho de 1961, Psychiatry and its Unknow History. Para ele, o caso representava um padrão muito difundido, no qual um psiquiatra faz de um de seus pacientes, em geral uma mulher, o objeto especial de sua investigação. O pesquisador desenvolveria uma ampla, complexa e até mesmo ambígua relação com a sua paciente, sendo o resultado obtido proveitoso para os avanços da ciência médica. Em 1975, surgiram novas informações com a publicação do livro da sobrinha da médium, Stephanie Zumstein-Preiswerk. Em um estudo de 1991, Ellenberger utilizou as informações de Zumstein e publicou o trabalho C. G. Jung and the Story of Helene Preiswerk: A Critical Study with New Documents, no qual ele observa que os ensinamentos de Jung não poderiam ser entendidos sem a referência aos experimentos com a jovem médium (Ellenberger, 1991Ellenberger, H. F. (1991). The story of Helene Preiswerk: A critical study with new documents. History of Psychiatry, 2(5), 41-52. doi: 10.1177/0957154X9100200503
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; Resende, 2020Resende, P. H. C. (2020). A importância dos fenômenos psíquicos para o projeto de psicologia de C. G. Jung (Tese de doutorado, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora). Recuperado de https://bit.ly/3z6poMv
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; Shamdasani, 2015Shamdasani, S. (2015). ‘S. W.’ e C. G. Jung: Mediumship, psychiatry and serial exemplarity. History of Psychiatry , 26(3), 288-302. doi: 10.1177/0957154X14562745
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).

Seguindo o modelo do clássico estudo Des Indes à le Planète Mars: Étude sur un Cas de Somnambulisme Avec Glossolalie, de Flournoy (1900Flournoy, T. (1900). From India to the planet Mars: A study of a case of somnambulism with glossolalia. New York, NY: Harper & Brothers.), e a noção advinda dele de que o inconsciente - ou, em sua conceituação, o subconsciente - seria naturalmente dotado de potencial criativo e mitopoético (Martinez, Alves, Maraldi, & Zangari, 2021Martinez, M. D., Alves, T. P. R., Maraldi, E. O., & Zangari, W. (2021). As influências de Théodore Flournoy para a construção da psicologia de Carl Gustav Jung. In W. Melo, A. F. S. Nunes, & P. Vale (Orgs.), Outra metade de mim, outra metade de nós (Col. Caminhos Junguianos, Vol. 2, pp. 384-402). Divinópolis, MG: Mosaico.), no ano de 1902, a conclusão principal era de que a jovem era portadora de uma dissociação da personalidade, com carga hereditária. Jung desenvolveu sua teoria dos complexos a partir desse estudo. “Preenchendo o terreno da psique, o complexo psíquico, movido pelo instinto, envia à escrava consciência, a partir de seu tesouro desconhecido e inesgotável, inúmeras ideias súbitas, entre as quais há coisas novas e velhas” (Jung, 1902/1970Jung, C. G. (1970). On the psychology and pathology of so-called occult phenomena. In Psychiatric studies (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 1, pp. 15-89). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1902), p. 95, tradução nossa).

Em sua apresentação de 1919 na Society for Psychical Research ele afirma: “Os espíritos, sob o ponto de vista psicológico, são, portanto, complexos inconscientes autônomos que aparecem em forma de projeção, porque em geral não apresentam nenhuma associação direta com o eu” (Jung, 1919/1970Jung, C. G. (1970). The psychological foundations of belief in spirits. In Structure & dynamics of the psyche (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 8, pp. 265-279). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1919), p. 271, tradução nossa). Jung (1919/1970Jung, C. G. (1970). The psychological foundations of belief in spirits. In Structure & dynamics of the psyche (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 8, pp. 265-279). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1919)) ainda destaca: “A estas partes da alma chamei complexos autônomos e fundei minha teoria dos complexos da psique sobre a sua existência” (p. 270, tradução nossa).

No entanto, essa explicação geral não era completamente satisfatória para Jung, e mesmo a avaliação do caso de Helene não era conclusiva. “Longe estou de acreditar que com esse trabalho tenha conseguido um resultado definitivo ou cientificamente satisfatório” (Jung, 1902/1970Jung, C. G. (1970). On the psychology and pathology of so-called occult phenomena. In Psychiatric studies (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 1, pp. 15-89). Princeton, NJ: Princeton University Press . (Trabalho original publicado em 1902), p. 86, tradução nossa). As manifestações da jovem se apresentavam como um enigma, fazendo Jung retornar ao caso em momentos subsequentes de sua obra (Shamdasani, 2015Shamdasani, S. (2015). ‘S. W.’ e C. G. Jung: Mediumship, psychiatry and serial exemplarity. History of Psychiatry , 26(3), 288-302. doi: 10.1177/0957154X14562745
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).

As avaliações sobre o caso também sofreram alterações, especialmente a partir de 1913, quando Jung experimentou certas vivências anômalas. Sobre esse período, ele afirma: “progressivamente uma transformação se esboçava em mim” e “era como se o ar estivesse cheio de entidades fantasmagóricas” (Jung, 1961/2016Jung, C. G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1961), p. 195). Para ele, tudo começou com uma espécie de inquietação crescente, sem que ele soubesse o que significava. A sua casa parecia assombrada, à noite sua filha mais velha viu uma forma branca atravessar o quarto. Outra filha, sem qualquer influência da primeira, contou que durante a noite a coberta de sua cama fora arrancada duas vezes. Jung continua com os relatos dos eventos que aconteceram em sequência:

Domingo às cinco da tarde, a campainha da porta de entrada tocou insistentemente. . . . Eu estava relativamente perto da campainha ouvi quando ela tocou e também pude ver o badalo em movimento. Corri para a porta, mas não era ninguém. . . . A casa parecia repleta de uma multidão, como se estivesse cheia de espíritos! Estavam por toda a parte, até mesmo debaixo da porta, mal se podia respirar. Naturalmente, uma pergunta ardia dentro de mim: “em nome do céu, o que quer isso dizer?”. Houve então uma resposta uníssona e vibrante: “Nós voltamos de Jerusalém, onde não encontramos o que buscávamos”, estas palavras correspondem a primeira linha dos Septem Sermones ad Mortuos. (Jung, 1961/2016Jung, C. G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1961), p. 196)

Jung destaca que, após esse incidente, as palavras puseram-se a fluir espontaneamente através dele e em três noites consecutivas o trabalho Septem Sermones ad Mortuos estava escrito. Era como um impulso que ele não conseguia controlar. Ele afirma que mal acabara de encerrar a escrita e “toda a corte de espíritos desvaneceu-se. A fantasmagoria terminara. A sala tornou-se tranquila” (Jung, 1961/2016Jung, C. G. (2016). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1961), p. 196).

Nesse trabalho, sob o véu de uma simbologia gnóstica se encontravam antecipações do que seria mais tarde desenvolvido em sua psicologia analítica, especialmente em relação à natureza polarística da psique (Shamdasani, 2009Shamdasani, S. (2009). Introdução. In C. G. Jung, O Livro Vermelho: Liber Novus (pp. 193-221). Petrópolis, RJ: Vozes .).

Essas experiências também levaram Jung a embarcar em um período prolongado de autoexperimentação, no qual ele tentou estudar a dimensão coletiva de suas visões. O método utilizado para isso foi a imaginação ativa. Desperto e entrando em diálogo intencional com as figuras que lhe apareciam, ele realiza uma “descida ao mundo das trevas, na qual há uma tentativa de encontrar um caminho para se relacionar com os mortos” (Hillman & Shamdasani, 2015Hillman, J., & Shamdasani, S. (2015). Lamento dos mortos: A psicologia depois de o Livro Vermelho de Jung. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 11), lembrando-se diretamente de suas experiências anteriores com Helene (Bair, 2003Bair, D. (2003). Jung: Uma biografia. São Paulo, SP: Globo.).

Para Shamdasani (2015Shamdasani, S. (2015). ‘S. W.’ e C. G. Jung: Mediumship, psychiatry and serial exemplarity. History of Psychiatry , 26(3), 288-302. doi: 10.1177/0957154X14562745
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), Helene vivia em um ambiente muito estreito para seus dons, de modo que seu inconsciente teria compensado isso por meio de personagens muito importantes. A tensão entre os aspectos contrastantes de sua vida foi mediada pela função transcendente, da qual a personalidade de Ivenes era um símbolo; ou seja, a jovem vivenciava o processo de individuação, da mesma forma que Jung o experimentou posteriormente, em seu confronto com o inconsciente.

A individuação é um conceito chave para a psicologia analítica. Ela é o resultado das reflexões de Jung acerca do desenvolvimento humano, tendo por base suas próprias vivências e conflitos. A individuação está inextricavelmente entrelaçada a conceitos como o de self, ego e arquétipo, como também representa a síntese de elementos conscientes e inconscientes. “Um modo simplificado de expressar o relacionamento dos conceitos mais importantes envolvidos seria: o ego está para a integração (vista socialmente como adaptação) como o self está para a individuação (auto-experiência e auto-realização)” (Samuels, 1986Samuels, A. (1986). Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de Janeiro, RJ: Rubedo., p. 53). Portanto, o processo de individuação é a expressão do self no ego, unificando as partes dispersas da personalidade.

Essa análise, no entanto, não desqualifica ou encerra a possibilidade de uma realidade transpsíquica. Em nota de 1948 à sua apresentação de 1919, Jung questiona sua própria afirmação de que a mediunidade seria somente uma exteriorização do inconsciente, duvidando que “uma abordagem exclusivamente psicológica poderia fazer justiça aos fenômenos em questão” (Jung, 1919/1970Jung, C. G. (1970). The psychological foundations of belief in spirits. In Structure & dynamics of the psyche (The Collected Works of C. G. Jung, Vol. 8, pp. 265-279). Princeton, NJ: Princeton University Press. (Trabalho original publicado em 1919), p. 279, tradução nossa). Dessa forma, embora ele tenha chegado a considerar a possibilidade de uma realidade transpsíquica, foi centrado na investigação psicológica que estudou os alegados fenômenos mediúnicos. As pesquisas conduzidas com Helene Preiswerk tiveram impacto significativo sobre a obra posterior do psiquiatra.

Assim, as experiências anômalas, principalmente as interpretadas como mediúnicas, de Jung e de terceiros foram vitais para a estruturação de conceitos fundamentais de sua psicologia analítica. Por exemplo, as formulações sobre o processo de individuação da personalidade e sobre os complexos inconscientes, equivalentes a partes dissociadas da personalidade, tiveram inspiração direta de seus estudos experimentais com médiuns e, posteriormente, em suas próprias vivências anômalas. Muitas das experiências de Jung podem ser compreendidas como dissociativas e saudáveis, pois foram significadas, contidas e expressas criativamente, ao passo que o estudioso mantinha-se ativo e crítico quanto a elas e funcional nas relações sociais, no trabalho e na família (Shamdasani, 2020Shamdasani, S. (2020). Towards a visionary science: Jung’s notebooks of transformation. In C. G. Jung, The black books: Notebooks of transformation, 1913-1932 (pp. 11-112). New York, NY: W. W. Norton & Company.).

Dissociação e mediunidade: experiências criativas

Tanto Jung quanto outros pioneiros da psychical research, a exemplo de Janet, Myers e James, enxergavam a personalidade como divisível e contestavam a unidade da consciência. Essa conclusão não se assentava apenas em suas análises de casos de médiuns, mas também de histeria dissociativa - múltiplas personalidades - hoje denominada Transtorno Dissociativo de Identidade, e fenômenos hipnóticos (Maraldi, 2014Maraldi, E. O. (2014). Dissociação, crença e identidade: Uma perspectiva psicossocial (Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de https://bit.ly/3cfLItZ
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), descritos por Pessoa sob a alcunha do magnetismo animal de Franz Anton Mesmer. A mediunidade em particular era entendida como uma experiência religiosa que poderia lançar luz sobre os processos de formação das personalidades secundárias. Tais fenômenos resultariam do caráter muitas vezes plástico da personalidade, que variaria conforme predisposições individuais. Vimos que, no caso de Pessoa, seus heterônimos não resultavam somente de uma contribuição artística, mas parecem ter emergido, em parte, de suas predisposições a experiências dissociativas, eventualmente interpretadas como mediúnicas, e de seu contato com concepções metafísicas e práticas espíritas e ocultistas, a exemplo da escrita automática, designada nos meios espíritas de psicografia.

Embora seja desafiador estabelecer um diagnóstico retrospectivo do que ocorreu com Fernando Pessoa, seus relatos parecem indicar, a par de sua alta produtividade poética e sua manutenção do teste de realidade, que suas experiências não eram patológicas, mas devem ser enfileiradas entre tantos outros exemplos de dissociação criativa (Maraldi & Krippner, 2013Maraldi, E. O., & Krippner, S. (2013). A biopsychossocial approach to creative dissociation: Remarks on a case of mediumistic painting. NeuroQuantology, 11(4), 544-572. doi: 10.14704/nq.2013.11.4.695
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), isto é, uma forma de dissociação não patológica, de caráter muitas vezes adaptativo, que decorre de (ou permite) determinadas atividades artísticas, como quando um ator se envolve profundamente com seus personagens e se dissocia momentaneamente de sua identidade usual ao vivenciar esses papéis no teatro. A dissociação criativa está geralmente a favor do desenvolvimento do ego e representa uma flexibilização dos processos identitários visando uma maior adaptação do indivíduo em seu meio (Braude, 2002Braude, S. E. (2002). The creativity of dissociation. Journal of Trauma & Dissociation, 3(3), 5-26. doi: 10.1300/J229v03n03_02
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; Maraldi & Krippner, 2013Maraldi, E. O., & Krippner, S. (2013). A biopsychossocial approach to creative dissociation: Remarks on a case of mediumistic painting. NeuroQuantology, 11(4), 544-572. doi: 10.14704/nq.2013.11.4.695
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).

Pessoa e Jung apresentavam uma acentuada tendência à fantasia e ao devaneio que é característica de indivíduos com propensão criativa. Essa forma de personalidade, descrita primeiramente por Wilson e Barber (1983Wilson, S. C., & Barber, T. X. (1983). The fantasy-prone personality: Implications for understanding imagery, hypnosis and parapsychological phenomena. In A. A. Sheikh (Ed.), Imagery: Current theory, research and application (pp. 340-390). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.), apresenta uma vida imaginativa dotada de intensidades alucinatórias. Muitos dentre os fantasy-prone são religiosos e relatam experiências místicas e outras formas de experiência paranormal (como sair do corpo ou praticar escrita mediúnica). São também, de um modo geral, sujeitos facilmente hipnotizáveis, sobressaindo-se em testes que visam averiguar o nível de hipnotizabilidade de diferentes participantes (o que converge com os relatos de Pessoa em sua carta para a tia-avó Anica). Wilson e Barber (1983Wilson, S. C., & Barber, T. X. (1983). The fantasy-prone personality: Implications for understanding imagery, hypnosis and parapsychological phenomena. In A. A. Sheikh (Ed.), Imagery: Current theory, research and application (pp. 340-390). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.) citaram outras figuras históricas que presumivelmente apresentavam níveis elevados de tendência à fantasia e absorção, como Nikola Tesla e Joana d’Arc, além de conhecidos “paranormais”, como Leonora Piper e Madame Blavatsky. Jung representa outro exemplo marcante, em razão de seu envolvimento constante com a vida psíquica, quer por meio de seus sonhos, quer pela técnica de imaginação ativa (Shamdasani, 2009Shamdasani, S. (2009). Introdução. In C. G. Jung, O Livro Vermelho: Liber Novus (pp. 193-221). Petrópolis, RJ: Vozes ., 2020Shamdasani, S. (2020). Towards a visionary science: Jung’s notebooks of transformation. In C. G. Jung, The black books: Notebooks of transformation, 1913-1932 (pp. 11-112). New York, NY: W. W. Norton & Company.).

Considerações finais

Os estudos de caso de Pessoa e Jung ilustram a importância de se realizar pesquisas psicobiográficas com figuras históricas de diferentes áreas do conhecimento. Também mostram a relevância das ideias de Jung e outros pioneiros da psicologia para se pensar a constituição da personalidade, contribuições essas que não têm sido suficientemente exploradas, mas que poderiam conduzir a estudos empíricos com médiuns e outros participantes (poetas, escritores, atores etc.) acerca dos fenômenos de dissociação não patológica e criativa. Esses casos também denotam a necessidade de irmos além dos modelos psicopatológicos para pensar a dissociação em suas muitas variações na população em geral.

Tanto em Pessoa quanto em Jung, esses processos são assimilados e até mesmo controlados de modo consciente, sem o descontrole e prejuízos sociais observados em pacientes diagnosticados com transtornos dissociativos. Ainda assim, Pessoa nos fala em sua carta “duma misteriosa sensação de isolamento e de abandono que enche de amargura até ao fundo da alma”, talvez sugerindo que essas experiências também comportavam uma dimensão de desafio pessoal que poderia resvalar em quadros psicopatológicos. Ele próprio se diagnosticava como histérico, embora esse diagnóstico deva ser entendido hoje muito mais como o reconhecimento de sua predisposição aos fenômenos dissociativos. Parece-nos, de qualquer modo, que o treinamento constante da escrita automática lhe permitiu alguma disciplina em torno de suas experiências espontâneas, e que os estados dissociativos, num primeiro momento inconscientes ou automáticos, passaram a ser deliberadamente buscados e acessados pela consciência.

Por fim, é imperioso concluir que a leitura psicológica não elimina uma possível interpretação metafísica ou baseada em crenças religiosas, embora nosso foco de análise tenha apontado para o papel dos complexos ideo-afetivos, à luz do referencial junguiano, como elementos etiológicos e teleológicos fundamentais para a formação das personalidades secundárias e da própria personalidade de Pessoa - se a escrita for considerada como parte de seu processo de individuação. A obra junguiana e sua psicologia fornecem elementos fundamentais para o estudo e compreensão das experiências dissociativas de Pessoa.

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  • 1
    A título de curiosidade, segundo Ellenberger (1991Ellenberger, H. F. (1991). The story of Helene Preiswerk: A critical study with new documents. History of Psychiatry, 2(5), 41-52. doi: 10.1177/0957154X9100200503
    https://doi.org/10.1177/0957154X91002005...
    ), em uma das sessões, a manifestação do avô solicitava orações para Bertha, irmã de Helene, que havia emigrado para o Brasil e não dava notícias há mais de dois anos. Bertha estaria dando à luz uma criança mestiça. Semanas mais tarde a família recebeu uma carta de Bertha em que ela afirmava ter se casado com um mestiço e dado à luz uma criança de cabelos cacheados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2021
  • Revisado
    26 Mar 2022
  • Aceito
    09 Abr 2022
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