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Apresentação

A II Jornada do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM) 2 2 Este Laboratório faz parte do Departamento de Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia e tem como objetivo congregar alunos, profissionais e pesquisadores interessados nos estudos sobre o tema da morte. www.lemipusp.com.br. lem@usp.br teve como tema o suicídio. Este tema é o mais difícil e complexo de ser abordado no espectro de interdição da morte na sociedade ocidental contemporânea, e nenhuma teoria ou abordagem única dá conta de sua diversidade e profundidade. Observamos que há poucas oportunidades de discussão sobre suicídio nas disciplinas de graduação, pós-graduação e educação continuada de profissionais da área da saúde e educação. Em contrapartida, verifica-se um número crescente de tentativas e suicídios consumados em várias faixas do desenvolvimento, com aumento expressivo na faixa da adolescência.

Tendo como base essas reflexões e também a consulta a participantes de outras atividades do LEM, realizamos em maio de 2013 a jornada sobre suicídio, que buscou apresentar várias abordagens e facetas do tema em questão. Fomos muito felizes na escolha dos convidados, que trouxeram informações e reflexões baseadas em suas experiências profissionais e em numerosos e amplos estudos realizados na área. Tivemos uma procura grande de profissionais e estudantes de diversas áreas, totalizando aproximadamente 500 participantes.

Pedimos aos convidados que elaborassem textos a partir de sua apresentação no evento, artigos que compõem o dossiê Suicídio. Participaram da sua organização os membros do LEM: Maria Júlia Kovács, Nancy Vaiciunas, Elaine Gomes Reis Alves e Ana Beatriz Brandão dos Santos.

O artigo que inaugura o dossiê, de autoria de Neury Botega e intitulado “Comportamento suicida: Epidemiologia”, apresenta dados epidemiológicos com números que nos assombram pelo aumento exponencial de tentativas e de suicídios consumados principalmente na faixa da adolescência. O Brasil está entre os dez países com maior número de suicídios, apesar da subnotificação ainda presente. O autor apresenta os fatores de risco para o suicídio, entre os quais doença mental, dependência de álcool e drogas. O número de suicídios, segundo dados de 2014, supera mortes por homicídio, acidentes de transportes, de Saúde Pública. O autor aponta fatores predisponentes, meios utilizados e locais mais escolhidos para as tentativas e suicídios consumados. Ressalta que atualmente a tentatiguerras e conflitos civis, constituindo um claro problema va de suicídio é considerada fator de alto risco, devendo ser abordada nos programas de prevenção em nosso país

O artigo de Fernanda Marquetti, “O suicídio e sua essência transgressora”, traz no título a questão de que o suicídio, não mais considerado como crime, é compreendido como transgressão social. Baseada em sua pesquisa de doutorado e no livro “Suicídio: Espetáculo na Metrópole”, a autora aponta o que é público – e, de fato, escancarado – e o que é privado, na intimidade do ato de se matar. Os dados discutidos são obtidos por meio da descrição dos espectadores do ato suicida em um estudo etnográfico, apresentando casos de suicídios públicos e privados. Suicídios subvertem regras, invadem intimidades afetivas e rituais funerários, rompem a interdição e escancaram o fato. A autora apresenta fragmentos de cenas de suicídio, que adquirem o caráter de espetáculo. Observa-se que no suicídio o que é público e privado se entrelaçam, rompendo fronteiras.

O texto de Evelyn Kuczynski, “Suicídio na Infância e Adolescência”, apresenta a experiência da psiquiatra no cuidado a crianças e adolescentes com ideação ou tentativa de suicídio e como este evento atinge a família, tornando a ação de profissionais complexa. A autora traz referencias à obra de Goethe, “O Sofrimento do Jovem Werther”, que, na época de sua escrita, causou impacto, levando outros jovens a buscarem a sua morte, em um possível contágio. À medida que a morte vai se tornando tabu, o suicídio desafia esse espectro de interdição. Na atualidade há, segundo a autora, uma relação entre suicídio e bullying entre crianças e adolescentes, com destaque para a internet e as redes sociais, e o suicídio de crianças e jovens está em sexto lugar entre as causas de morte nesta faixa etária. Comportamentos autodestrutivos podem não ser entendidos como suicídio e suprimidos dos prontuários clínicos; há fatores predisponentes ao suicídio de jovens, como desemprego, violência, doença mental ou transtorno de humor. Para profissionais de saúde é muito difícil cuidar de jovens que atentaram contra a própria vida, e o artigo aponta que uma entrevista psiquiátrica acolhedora é caminho para prevenção de futuras tentativas.

O artigo de Beltrina Côrte, Hilma Tereza Tôrres Khoury e Luciana Helena Mussi, “Suicídio de idosos e mídia: O que dizem as notícias?”, analisa matérias sobre suicídio de idosos entre 2010 e 2013. Atualmente, as notícias trazem no título a palavra “suicídio”, transferindo o tema do âmbito privado para o público e trazendo à tona a questão: incrementa-se assim o número de suicídios? O artigo apresenta as recomendações da imprensa sobre como tratar o tema do suicídio e o código de ética na mídia, que visa evitar o que se compreende como sensacionalismo, ou seja, a apresentação de informações que poderiam alertar sobre modos e locais para o cometimento de suicídio. A pergunta que conduz a discussão é: todas as pessoas serão negativamente influenciadas pela mídia ou esta poderá ter também caráter esclarecedor e preventivo? Alguns temas são arrolados como “causadores” do suicídio, entre os quais crise econômica gerada por aposentadoria indigna, o prolongamento de uma vida percebida sem dignidade, sentir-se uma sobrecarga para a família (no caso de pacientes com doenças graves, por exemplo), dependência química, solidão, perda de pessoas de referência, doença mental e sensação de falta de controle sobre a vida. São analisadas algumas reportagens internacionais e nacionais envolvendo suicídios anônimos e de pessoas famosas que servem de ilustração e material de análise para as autoras.

Em seu artigo intitulado “Assistência hospitalar na tentativa de suicídio”, Beatriz Gutierrez discute o papel relevante do cuidado hospitalar para a pessoa que tenta suicídio, principalmente no que concerne o tratamento proposto, incluindo a família. Acolhimento e escuta ativa com empatia devem estar presentes nos cuidados hospitalares, e após a alta é fundamental garantir uma continuidade destes na rede de serviços disponíveis na comunidade. A autora desenvolve a ideia de cuidado integral, enfatizando a importância da comunicação entre pacientes e equipe de saúde. Há registros de situações de atendimento com violência em função da dificuldade de profissionais de saúde em cuidar de quem busca a morte. O respeito à pessoa e à sua história, bem como a manutenção da dignidade, é essencial. O cuidado humanizado precisa ser oferecido no contexto hospitalar com caráter multidisciplinar, aproveitando o tempo de internação para garantir a continuidade de cuidados após a alta hospitalar. O artigo destaca a importância de preparar profissionais durante a graduação para cuidar de pessoas que tentaram suicídio e seus familiares, e como a educação continuada nos serviços se relaciona com este fenômeno.

O artigo de Karina Okajima Fukumitsu, “O psicoterapeuta diante do comportamento suicida”, discute como instrumentalizar o psicoterapeuta para cuidar de pessoas em situação de crise, mais particularmente nos casos de suicídio. A autora se baseia em sua experiência de 20 anos no atendimento a pessoas com ideação ou tentativa de suicídio, apontando para fatores de risco e proteção e observando letalidade e intencionalidade. Enfatiza a escuta, empatia e a possibilidade de ressignificar a experiência. Questões como sigilo e contrato também são discutidas. A tolerância à dor e ao sofrimento é mais importante do que tentar salvar vidas a todo custo. A autora propõe que o terapeuta enfrente o eixo onipotência e impotência diante do desespero da pessoa com tendência suicida. A questão da prevenção assume lugar essencial no trabalho. A análise de bilhetes e cartas pode ajudar a compreender as motivações para o suicídio que não puderam ser expressas em vida e que podem mostrar que nem sempre a pessoa que cometeu suicídio desejava morrer.

Longe de esgotar o tema, o dossiê Suicídio traz contribuições importantes para a leitura de profissionais e estudantes interessados no tema, provocando reflexões que podem estimular novas pesquisas e artigos e também oferece subsídios para uma prática mais cuidadosa e reflexiva para pessoas com ideação e tentativa de suicídio e para seus familiares.

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    Este Laboratório faz parte do Departamento de Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia e tem como objetivo congregar alunos, profissionais e pesquisadores interessados nos estudos sobre o tema da morte. www.lemipusp.com.br. lem@usp.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2014
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