Acessibilidade / Reportar erro

Interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo: um olhar evolucionista

Same-sex sexual interactions: an evolutionary perspective

Interactions sexuelles entre personnes du même sexe : une perspective évolutionniste

Interacciones sexuales entre individuos del mismo sexo: una visión evolucionista

Resumo

Sob uma perspectiva evolutiva, as interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo foram por muito tempo consideradas um grande paradoxo. Isso por terem persistido no decorrer das gerações apesar de supostamente não oferecerem benefícios reprodutivos diretos, reduzindo, aparentemente, a aptidão individual. Apesar disso, são comuns em muitas espécies animais. Neste artigo, revisaremos algumas das hipóteses funcionais que tentam resolver esse quebra-cabeça evolutivo. Algumas dessas hipóteses consideram essas interações adaptativas, o que significa que trariam benefícios para os indivíduos. Outras as consideram neutras, derivadas de características realmente vantajosas. Por fim, existem as que consideram essas interações como não-adaptativas e potencialmente prejudiciais aos indivíduos. Ao final, abordaremos uma hipótese revolucionária que, de forma inédita, questiona se as interações sexuais envolvendo exclusivamente indivíduos de sexos diferentes seriam realmente o estado basal do comportamento sexual.

Palavras-chave:
comportamento sexual indiscriminado; homossexualidade; sexualidade; filogenia; paradoxo Darwiniano

Abstract

From an evolutionary point of view, same-sex sexual interactions have long been considered a major paradox. This is because they have persisted throughout generations despite, presumably, not offering direct reproductive benefits and, apparently, reducing individual fitness. Nonetheless, same-sex sexual interactions are common in many animal species. This paper reviews some functional hypotheses that seek to solve this evolutionary puzzle: some consider it adaptative, meaning that these behaviors would bring benefits to individuals; others see it as a neutral by-product of other advantageous characteristics. A third branch understand same-sex sexual interactions to be non-adaptative and potentially deleterious to individuals. Finally, this paper discusses a revolutionary hypothesis that, unprecedently, questions whether sexual interactions involving exclusively individuals of the opposite sex are in fact the basal state of sexual behavior.

Keywords:
indiscriminate sexual behavior; homosexuality; sexuality; phylogeny; Darwinian paradox

Résumé

Du point de vue de l’évolution, les interactions sexuelles entre personnes du même sexe ont longtemps été considérées comme un grand paradoxe majeur. En effet, elles ont persisté au fil des générations bien qu’elles n’offrent vraisemblablement pas d’avantages reproductifs directs et qu’elles réduisent apparemment la valeur adaptative individuelle. Néanmoins, sont courantes chez de nombreuses espèces animales. Cet article passe en revue certaines hypothèses fonctionnelles qui cherchent à résoudre cette énigme évolutive : certaines considèrent les interactions comme adaptatives, ce qui signifie que ces comportements apporteraient des avantages aux individus ; d’autres voient les comme un sous-produit neutre d’autres caractéristiques avantageuses. Une troisième branche les comprend comme étant non-adaptatives et potentiellement délétères pour les individus. Enfin, on discute d’une hypothèse révolutionnaire qui, sans précédent, remet en question le fait que les interactions sexuelles impliquant exclusivement des individus du sexe opposé serait l’état ancestral du comportement sexuel.

Mots-clés :
comportement sexuel indiscriminé; homosexualité; sexualité; phylogénie; paradoxe darwinien

Resumen

Desde una perspectiva evolutiva, las interacciones sexuales entre individuos del mismo sexo han sido consideradas por mucho tiempo como una enorme paradoja. Esto es debido a que han persistido generación tras generación a pesar de, supuestamente, no ofrecer beneficios reproductivos directos, reduciendo, aparentemente, la aptitud individual. Sin embargo, son comunes en muchas especies de animales. En este artículo repasaremos algunas de las hipótesis funcionales que intentan resolver este rompecabezas evolutivo. Algunas de estas hipótesis consideran que estas interacciones son adaptativas, lo que trae benefícios a los individuos. Otras hipótesis las consideran neutras, derivadas de características realmente ventajosas. Mientras que otras consideran estas interacciones como no adaptativas y potencialmente perjudiciales para los individuos. Por último, expondremos una hipótesis revolucionaria que, de manera inédita, cuestiona si las interacciones sexuales que involucran exclusivamente a individuos de diferentes sexos son realmente el estado basal del comportamiento sexual.

Palabras clave:
comportamiento sexual indiscriminado; homosexualidad; sexualidad; filogenia; paradoja Darwiniana

A sexualidade, como qualquer outro fenômeno psicológico ou comportamental, é influenciada por vários fatores, que podem ser proximais ou distais. Os fatores proximais decorrem de mecanismos fisiológicos, hormonais, ontogenéticos, ecológicos, além de históricos e sociais, enquanto os distais, isto é, filogenéticos, envolvem uma escala de tempo maior e pressões seletivas atuando ao longo de muitas gerações (Bateson & Laland, 2013Bateson, P., & Laland, K. N. (2013). Tinbergen’s four questions: An appreciation and an update. Trends in Ecology and Evolution , 28(12), 712-718. https://doi.org/10.1016/j.tree.2013.09.013
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Dawkins, 2014Dawkins, M. S. (2014). Tribute to Tinbergen: Questions and how to answer them. Ethology, 120(2), 120-122. https://doi.org/10.1111/eth.12186
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; Tinbergen, 1963Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift Für Tierpsychologie, 20, 410-433. https://doi.org/10.1163/157075605774840941
https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
). Todos esses fatores são importantes na hora de explicar o comportamento sexual em qualquer espécie, porém, na presente revisão, nos concentraremos nos distais.

A orientação sexual tem sido foco de várias análises e abordagens teóricas (J. M. Bailey et al., 2016Bailey, J. M., Vasey, P. L., Diamond, L. M., Breedlove, S. M., Vilain, E., & Epprecht, M. (2016). Sexual orientation, controversy, and science. Psychological Science in the Public Interest, 17(2), 45-101. https://doi.org/10.1177/1529100616637616
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
) e, com muita curiosidade, os estudiosos têm se perguntado por que algumas pessoas sentem mais atração por indivíduos do mesmo sexo (e.g., Apostolou, 2020Apostolou, M. (2020). The evolution of same-sex attraction. Berlin, Germany: Springer .). Raramente, entretanto, se questiona a atração sexual por indivíduos de outro sexo (i.e., heterossexualidade), talvez por oferecer a possibilidade de recombinação genética e reprodução, ou ainda, devido ao fato de essa sexualidade ser considerada a única aceitável por diferentes sistemas ideológicos e religiosos (Farvid, 2015Farvid, P. (2015). Heterosexuality. In C. Richards & M. J. Barker (Eds.), The Palgrave handbook of the psychology of sexuality and gender (pp. 92-108). London, England: Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1057/9781137345899_7
https://doi.org/https://doi.org/10.1057/...
). Essa busca por uma explicação para comportamentos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo sem a ocorrência de uma procura equivalente por explicações para comportamentos sexuais entre indivíduos de sexos diferentes torna implícita a premissa de que a atração pelo sexo oposto é o mecanismo padrão. Assim, o comportamento sexual que ocorre entre indivíduos do mesmo sexo gera curiosidade entre pesquisadores e leigos ao aparentemente resistir aos dogmas sociais e biológicos.

As interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo, ou sexo com mesmo sexo (SMS), são tradicionalmente tratadas como um misterioso paradoxo evolutivo. A suposta incongruência com o que seria evolutivamente esperado reside no fato de que cópulas não viáveis em termos reprodutivos parecem não compensar os investimentos na busca e na conquista de parceiros. Num contexto zoológico, e não meramente antropológico, nas últimas décadas, dezenas de hipóteses foram publicadas com o intuito de elucidar as pressões seletivas que teriam permitido múltiplos surgimentos das SMS nos mais diversos grupos taxonômicos. Mencionaremos algumas dessas hipóteses mais adiante.

Na biologia evolutiva e na psicologia evolucionista, uma das formas mais empregadas para testar hipóteses evolutivas é o método comparativo entre espécies, que consiste basicamente na comparação de alguma característica fenotípica entre espécies taxonomicamente próximas ou na comparação de fenótipos com uma variável ambiental (Felsenstein, 1985Felsenstein, J. (1985). Phylogenies and the comparative method. The American Naturalist, 125(1), 1-15. https://doi.org/10.1086/284325
https://doi.org/https://doi.org/10.1086/...
). Por meio dessa ferramenta, é possível inferir adaptações através da tentativa de reconstrução filogenética dos atributos investigados, o que inclui os comportamentos. Ao mesmo tempo, quando as espécies comparadas são distantes em termos filogenéticos, pode-se inferir quais pressões seletivas moldaram uma determinada característica. Assim, avaliar de que forma as SMS se manifestam em diferentes espécies para uma comparação posterior pode nos dar dicas valiosas de como essa característica evoluiu (e.g., Pfau, Jordan, & Breedlove, 2021Pfau, D., Jordan, C. L., & Breedlove, S. M. (2021). The de-scent of sexuality: Did loss of a pheromone signaling protein permit the evolution of same-sex sexual behavior in primates? Archives of Sexual Behavior , 50(6), 2267-2276. https://doi.org/10.1007/s10508-018-1377-2
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Apesar disso, é importante destacar as limitações dos estudos comparativos, a exemplo da falta de acesso às pressões seletivas per se, o que resulta na perda de muitos eventos evolutivos no decorrer do tempo, ou o conhecimento limitado das relações filogenéticas exatas. O ideal é reconhecer as vantagens e limitações do método, combinando-o com outras ferramentas sempre que possível (Harvey & Pagel, 1991Harvey, P. H., & Pagel, D. M. (1991). The comparative method for studying an adaptation. In The comparative method in evolutionary biology (pp. 1-34). Oxford, London: Oxford University Press.; Losos, 2011Losos, J. B. (2011). Seeing the forest for the trees: The limitations of phylogenies in comparative biology. American Naturalist, 177(6), 709-727. https://doi.org/10.1086/660020
https://doi.org/https://doi.org/10.1086/...
).

Recentemente, porém, Julia D. Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) apresentaram uma nova e audaciosa hipótese, que discute a questão a partir de uma perspectiva invertida. Distanciando-se da premissa de que a condição ancestral haveria necessariamente de ser caracterizada exclusivamente por interações sexuais entre indivíduos de sexos diferentes, ou sexo entre sexos diferentes (SSD), se modificando diversas vezes na história da vida para um comportamento que incluísse as SMS, essa nova hipótese propõe a possibilidade de uma condição ancestral já com diferenciação de gametas, mas com interação sexual indiscriminada. A partir dessa condição ancestral, teriam sido originadas as SSD exclusivas em certos casos, ao passo que em outros, as SMS teriam sido preservadas. Dessa forma, o objeto da investigação deixa de ser o surgimento do comportamento em questão para se concentrar em sua manutenção, a partir de uma condição ancestral que já o contemplava.

Esta revisão tem, portanto, o objetivo de apresentar essa nova hipótese e suprir as lacunas existentes na literatura em português, tão importante para psicólogos, biólogos e até sexólogos em formação, bem como para aqueles que já atuam profissionalmente na área e para todos os profissionais dos diferentes ramos do conhecimento que se proponham a compreender as raízes da complexidade do comportamento sexual do ser humano e dos demais animais.

O paradoxo do sexo não-reprodutivo

Há exatos 150 anos, Darwin (1871Darwin, C. (1871). The descent of man, and selection in relation to sex. London, England: John Murray. https://doi.org/10.1038/011305a0
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) publicava A Descendência do Homem e Seleção em relação ao Sexo, em que ele estende sua teoria da seleção natural aos seres humanos (Brooks, 2021Brooks, R. (2021). Darwin’s closet: The queer sides of The descent of man (1871). Zoological Journal of the Linnean Society, 191, 323-346. https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlaa175
https://doi.org/https://doi.org/10.1093/...
). Nessa obra, o biólogo propõe a seleção sexual como um mecanismo que explicaria a evolução de determinadas caraterísticas pela vantagem que elas conferem no acasalamento (Buss & Schmitt, 2019Buss, D. M., & Schmitt, D. P. (2019). Mate preferences and their behavioral manifestations. Annual Review of Psychology, 70, 77-110. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103408
https://doi.org/https://doi.org/10.1146/...
). A seleção sexual permite compreender por que indivíduos de algumas espécies apresentam traços conspícuos que ameaçam sua própria sobrevivência, como o conhecido caso da cauda do pavão. Ainda, pelas regras da seleção natural (Darwin, 1859Darwin, C. (1859). On the Origin of Species: A facsimile of the first edition. Cambridge, MA: Harvard University Press. https://doi.org/10.4324/9780203509104
https://doi.org/https://doi.org/10.4324/...
), qualquer comportamento sexual que reduza as chances de sucesso da reprodução não haveria de ser selecionada, o que deixa as SMS conhecidas como um “paradoxo Darwiniano”. Apesar disso, comportamentos dessa natureza são amplamente distribuídos nos mais diversos táxons animais (de mamíferos a aves, além de invertebrados, como aracnídeos ou moluscos), e em uma grande variedade de padrões e formatos, como diferentes posições de montas, exibição de genitais, masturbação mútua ou sexo oral, entre outros (Bagemihl, 1999Bagemihl, B. (1999). Biological exuberance: Animal homosexuality and natural diversity. New York, NY: St. Martins Press. https://doi.org/10.2307/1313652
https://doi.org/https://doi.org/10.2307/...
).

Assim, os comportamentos sexuais não-reprodutivos englobam qualquer relação em que o sexo e/ou a idade dos envolvidos não permitam que se deixem descendentes, além de outros fenômenos, tais como o sexo interespecífico, com cadáveres, relações sexuais com objetos inanimados ou comportamentos autoestimulantes. Por fim, o comportamento sexual que inclua SSD também pode cair no mesmo paradoxo, caso a interação sexual não possibilite a reprodução, como ocorre, por exemplo, no sexo oral, anal, durante a gravidez, fora do período fértil, na imaturidade sexual ou na menopausa (Furuichi, Connor, & Hashimoto, 2014Furuichi, T., Connor, R., & Hashimoto, C. (2014). Non-conceptive sexual interactions in monkeys, apes, and dolphins. In J. Yamagiwa & L. Karczmarski (Eds.), Primates and Cetaceans: Field research and conservation of complex mammalian societies (pp. 385-408). Tokyo, Japan: Springer Japan. https://doi.org/10.1007/978-4-431-54523-1_20
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Esta revisão abordará exclusivamente uma parcela das explicações acerca de interações sexuais não-reprodutivas, aquelas relativas às SMS. O comportamento homossexual em animais é habitualmente definido como “contato ou manipulação genital entre indivíduos do mesmo sexo” (Vasey, 1995Vasey, P. L. (1995). Homosexual behavior in primates: A review of evidence and theory. International Journal of Primatology , 16(2), 173-204. https://doi.org/10.1007/BF02735477
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
, p. 175), e aqui adotaremos a mesma definição. No entanto, é importante esclarecer que as SMS para animais não-humanos não são equivalentes à preferência sexual, já que o fenômeno reflete apenas a esfera comportamental, deixando no escuro outras camadas relacionadas ao conceito de orientação sexual, tais como desejo e identificação (N. W. Bailey & Zuk, 2009Bailey, N. W., & Zuk, M. (2009). Same-sex sexual behavior and evolution. Trends in Ecology and Evolution, 24(8), 439-446. https://doi.org/10.1016/j.tree.2009.03.014
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Valentova & Varella, 2016Valentova, J. V., & Varella, M. A. C. (2016). Sexual orientation and human sexuality. In V. Weekes-Shackelford & T. K. Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-9). Berlin, Germany: Springer . https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Para entender a evolução e persistência das SMS, a comparação entre espécies tem se mostrado uma ferramenta muito útil (Vasey, 2007Vasey, P. L. (2007). Function and phylogeny. Journal of Psychology & Human Sexuality, 18(2-3), 215-244. https://doi.org/10.1300/J056v18n02_07
https://doi.org/https://doi.org/10.1300/...
), embora revele que esse não é um fenômeno uniforme nos diferentes táxons (Leca & Vasey, 2016Leca, J. B., & Vasey, P. L. (2016). Phylogeny of homosexual behavior. In T. K. Shackelford & V. A. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-3). Berlin, Germany: Springer . https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Hipóteses evolutivas sobre as interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo

Na etologia, a ciência que estuda o comportamento animal (Ades, 2010Ades, C. (2010). Do bicho que vive de ar, em diante: Uma pequena história da Etologia no Brasil. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 78(1), 90-104.), qualquer comportamento ou tendência psicológica podem ser explicados a partir de quatro níveis ou perspectivas temporais de análise (Tinbergen, 1963Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift Für Tierpsychologie, 20, 410-433. https://doi.org/10.1163/157075605774840941
https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
), que são complementares e não mutuamente excludentes, como causa, ontogênese, filogênese e função (Izar, 2018Izar, P. (2018). Fundamentos da evolução do comportamento. In M. E. Yamamoto & J. V. Valentova (Eds.), Manual de psicologia evolucionista (pp. 56-74). Natal, RN: EDUFRN.). Esses quatro níveis se organizam em duas grandes categorias: explicações de tempos proximais e distais. As causas proximais, ou imediatas, se referem a como o comportamento em questão surge na ontogenia, ou seja, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, e também aos mecanismos fisiológicos, neurais ou sensoriais imediatos que o regulam. As explicações distais, ou últimas, procuram o surgimento do comportamento na história evolutiva da espécie (i.e., filogenia) e a sua função, ou seja, tentam explicar como esse comportamento possibilita que o animal sobreviva e se reproduza (Alcock, 2011Alcock, J. (2011). Comportamento animal: Uma abordagem evolutiva (9a ed). São Paulo, SP: Artmed.; Izar, 2018Izar, P. (2018). Fundamentos da evolução do comportamento. In M. E. Yamamoto & J. V. Valentova (Eds.), Manual de psicologia evolucionista (pp. 56-74). Natal, RN: EDUFRN.). Como qualquer outro comportamento ou tendência psicológica, as SMS também podem ser explicadas com base nos quatro porquês da etologia, e por isso há uma enorme quantidade de pesquisas que abordam esses níveis (ver revisão em Poiani, 2010Poiani, A. (2010). Animal homosexuality: A biosocial perspective. Cambridge, England: Cambridge University Press ., pp. 12-25).

Por que surgiram e se mantiveram ao longo da evolução são as principais perguntas que as investigações sobre a possível função evolutiva das SMS tentam responder, no intuito de desvendar o aparente paradoxo desse comportamento (N. W. Bailey & Zuk, 2009Bailey, N. W., & Zuk, M. (2009). Same-sex sexual behavior and evolution. Trends in Ecology and Evolution, 24(8), 439-446. https://doi.org/10.1016/j.tree.2009.03.014
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Scharf & Martin, 2013Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Diversas hipóteses evolutivas (Tabela 1) foram formuladas para explicar a notável ocorrência das SMS, documentada em mais de 1.500 espécies (Monk, Giglio, Kamath, Lambert, & McDonough, 2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
).

Tabela 1
Hipóteses evolutivas sobre as interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo (SMS) de diferentes espécies (nota-se que não é uma lista exaustiva das hipóteses sobre as SMS).

As hipóteses adaptativas assumem que esse tipo de interação se manteve em razão dos benefícios indiretos que trazem aos envolvidos, ou seja, benefícios não relacionados diretamente à reprodução. Outras hipóteses consideram as SMS como um traço neutro, se apresentando de forma isenta no ambiente, sem benefícios ou malefícios ao indivíduo, ou ainda, não-adaptativo, trazendo prejuízos ao indivíduo e sendo expresso apenas em situações com restrições biológicas no ambiente (Adriaens & De Block, 2016Adriaens, P. R., & De Block, A. (2016). Lesser-known theories of homosexuality. In T. K. Shackelford & V. A. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-9). Berlin, Germany: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6_55-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; Poiani, 2010Poiani, A. (2010). Animal homosexuality: A biosocial perspective. Cambridge, England: Cambridge University Press .; Valentova & Veloso, 2018Valentova, J. V., & Veloso, H. V. C. (2018). Estratégias sexuais e reprodutivas. In M. E. Yamamoto & J. V. Valentova (Eds.), Manual de psicologia evolucionista (pp. 303-328). Natal, RN: EDUFRN .).

Hipóteses adaptativas

Em muitos casos, as SMS podem ser adaptativas, trazendo diversas outras vantagens para os indivíduos que não a produção direta de descendentes. As hipóteses adaptativas funcionam em muitas espécies de vertebrados e em alguns invertebrados. Algumas das mais populares são o treino dos jovens para o sexo heterossexual na fase adulta (e.g., Gunst, Leca, & Vasey, 2013Gunst, N., Leca, J.-B., & Vasey, P. L. (2013). Development of sexual and socio-sexual behaviours in free-ranging juvenile male Japanese macaques, Macaca fuscata. Behaviour, 150(11), 1225-1254. https://doi.org/10.1163/1568539X-00003088
https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
), a diminuição do conflito intrassexual (e.g., Lane, Haughan, Evans, Tregenza, & House, 2016Lane, S. M., Haughan, A. E., Evans, D., Tregenza, T., & House, C. M. (2016). Same-sex sexual behaviour as a dominance display. Animal Behaviour , 114, 113-118. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2016.01.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
), o fortalecimento das relações sociais (e.g., Mann, 2006Mann, J. (2006). Establishing trust: Socio-sexual behaviour and the development of male-male bonds among Indian Ocean bottlenose dolphins. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 107-130). Cambridge, England: Cambridge University Press.) ou a seleção de parentesco (e.g., Rahman & Hull, 2005Rahman, Q., & Hull, M. S. (2005). An empirical test of the kin selection hypothesis for male homosexuality. Archives of Sexual Behavior , 34(4), 461-467. https://doi.org/10.1007/s10508-005-4345-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Diversas posturas de montas, realizadas principalmente por primatas, são extremamente complexas, exigindo um alto nível de coordenação motora para a efetiva execução, e frequentemente os infantes as desempenham de forma imprecisa e desorientada. Em machos imaturos de macacos japoneses (Macaca fuscata), há evidências de que a prática com outros indivíduos do grupo seria altamente benéfica, de acordo com a hipótese do treino dos jovens para o sexo heterossexual, mesmo que as cópulas realizadas não sejam reprodutivas (Gunst et al., 2013Gunst, N., Leca, J.-B., & Vasey, P. L. (2013). Development of sexual and socio-sexual behaviours in free-ranging juvenile male Japanese macaques, Macaca fuscata. Behaviour, 150(11), 1225-1254. https://doi.org/10.1163/1568539X-00003088
https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
). Em chimpanzés (Pan troglodytes) de cativeiro, já foi demonstrado que machos que não tiveram acesso a fêmeas sexualmente receptivas enquanto imaturos demonstraram uma performance sexual menos satisfatória na fase adulta (Wrangham, 1993Wrangham, R. W. (1993). The evolution of sexuality in chimpanzees and bonobos. Human Nature, 4(1), 47-79. https://doi.org/10.1007/BF02734089
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Várias pesquisas constataram que indivíduos imaturos podem apresentar SMS e montar outros coespecíficos, com o benefício de aprimorar sua performance na fase adulta (e.g., macaco M. fuscata: Gunst et al., 2013Gunst, N., Leca, J.-B., & Vasey, P. L. (2013). Development of sexual and socio-sexual behaviours in free-ranging juvenile male Japanese macaques, Macaca fuscata. Behaviour, 150(11), 1225-1254. https://doi.org/10.1163/1568539X-00003088
https://doi.org/https://doi.org/10.1163/...
; Leca, Gunst, & Vasey, 2014Leca, J.-B., Gunst, N., & Vasey, P. L. (2014). Male homosexual behavior in a free-ranging all-male group of Japanese macaques at Minoo, Japan. Archives of Sexual Behavior , 43(5), 853-861. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0310-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; belugas Delphinapterus leucas: Lilley, Ham, & Hill, 2020Lilley, M. K., Ham, J. R., & Hill, H. M. (2020). The development of socio-sexual behavior in belugas (Delphinapterus leucas) under human care. Behavioural Processes, 171, artigo e104025. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2019.104025
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; bonobos Pan paniscus e caiararas Cebus capucinus imitator: Manson, Perry, & Parish, 1997Manson, J. H., Perry, S., & Parish, A. R. (1997). Nonconceptive sexual behavior in bonobos and capuchins. International Journal of Primatology, 18(5), 767-786.).

Outra linha de hipóteses enfatiza que as SMS estão relacionadas à diminuição das agressões e do conflito no grupo. Sugeriu-se que os machos da pequena mosca-do-esterco (Hydromyza livens), da ordem Díptera, montam outros machos para evitar que copulem com as fêmeas, já que elas permitem a cópula com o primeiro macho que as monta. Desse modo, os machos impedem as montas por outros sem confronto direto e aumentando, assim, as próprias oportunidades sexuais (Preston-Mafham, 2006Preston‐Mafham, K. (2006). Post‐mounting courtship and the neutralizing of male competitors through “homosexual” mountings in the fly Hydromyza livens F. (Diptera: Scatophagidae). Journal of Natural History, 40(1-2), 101-105. https://doi.org/10.1080/00222930500533658
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
). A diminuição do conflito intrassexual por via das SMS também foi demonstrada experimentalmente em besouros machos (Gnatocerus cornutus). Nesses coleópteros, as SMS resolveriam os conflitos de dominância sem a necessidade de o indivíduo arriscar a própria vida ou sair ferido (Lane et al., 2016Lane, S. M., Haughan, A. E., Evans, D., Tregenza, T., & House, C. M. (2016). Same-sex sexual behaviour as a dominance display. Animal Behaviour , 114, 113-118. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2016.01.005
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
).

Além da diminuição do conflito, outros dados apoiam a hipótese de estabelecimento e fortalecimento de laços como função das SMS. Em bisões (Bison bison), as SMS são muito comuns entre machos jovens, enquanto em indivíduos mais velhos a tendência é que essas interações se tornem mais raras. Isso porque, na juventude, estabelecer relações com outros machos do grupo pode reduzir as chances de predação, ao passo que machos mais velhos são maiores, mais fortes e têm menos necessidade de se relacionar com outros indivíduos (Vervaecke & Roden, 2006Vervaecke, H., & Roden, C. (2006). Going with the herd: Same-sex interaction and competition in American bison. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 131-153). Cambridge, England: Cambridge University Press .). Em golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops sp.), ocorre algo semelhante: as SMS são mais frequentes durante a infância e a juventude, principalmente em machos (Mann, 2006Mann, J. (2006). Establishing trust: Socio-sexual behaviour and the development of male-male bonds among Indian Ocean bottlenose dolphins. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 107-130). Cambridge, England: Cambridge University Press.). Inclusive, a frequência de eventos desse tipo é maior nessa espécie de golfinhos do que em fêmeas de bonobos, que já foram consideradas hipersexuais (Manson et al., 1997Manson, J. H., Perry, S., & Parish, A. R. (1997). Nonconceptive sexual behavior in bonobos and capuchins. International Journal of Primatology, 18(5), 767-786.). No estudo de Mann (2006)Mann, J. (2006). Establishing trust: Socio-sexual behaviour and the development of male-male bonds among Indian Ocean bottlenose dolphins. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 107-130). Cambridge, England: Cambridge University Press. com golfinhos-nariz-de-garrafa as funções de reconciliação, redução de tensão ou formação de relações de dominância são rejeitadas pela concomitância das SMS com outros comportamentos, e a melhor explicação é a do fortalecimento de laços, que podem se formar na infância e perdurar durante anos.

Por fim, uma das mais tradicionais hipóteses que consideram as SMS como um traço adaptativo sugere que os indivíduos que se envolvem em interações homossexuais auxiliam na criação da prole de parentes e, portanto, detêm uma grande similaridade genética, isto é, um processo de seleção de parentesco (Wilson, 1975Wilson, E. O. (1975). Sociobiology: The new synthesis. Cambridge, MA: Belknap Press.). Contudo, em humanos, tal hipótese apenas se mostrou válida empiricamente em situações restritas, em populações não ocidentais e dirigidas a pessoas do terceiro gênero, como no estudo conduzido por VanderLaan e Vasey (2012Vanderlaan, D. P., & Vasey, P. L. (2012). Relationship status and elevated avuncularity in Samoan fa’afafine. Personal Relationships, 19(2), 326-339. https://doi.org/10.1111/j.1475-6811.2011.01364.x
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
) com a população de Fa’afafine (i.e., sexo masculino com identidade de um terceiro gênero), em Samoa.

Estudos anteriores em sociedades ocidentais ou ocidentalizadas não reproduziram os mesmos resultados (Estados Unidos: Bobrow & J. M. Bailey, 2001Bobrow, D., & Bailey, J. M. (2001). Is male homosexuality maintained via kin selection? Evolution and Human Behavior, 22(5), 361-368. https://doi.org/10.1016/S1090-5138(01)00074-5
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Reino Unido: Rahman & Hull, 2005Rahman, Q., & Hull, M. S. (2005). An empirical test of the kin selection hypothesis for male homosexuality. Archives of Sexual Behavior , 34(4), 461-467. https://doi.org/10.1007/s10508-005-4345-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; Japão: Vasey & VanderLaan, 2012Vasey, P. L., & Vanderlaan, D. P. (2012). Sexual orientation in men and avuncularity in Japan: Implications for the kin selection hypothesis. Archives of Sexual Behavior , 41(1), 209-215. https://doi.org/10.1007/s10508-011-9763-z
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Em animais não-humanos, diversas espécies apresentam ajudantes no ninho, isto é, indivíduos maduros sexualmente que deixam de se reproduzir para auxiliar no cuidado de outros indivíduos aparentados, com a seleção de parentesco sendo uma das explicações em âmbito distal e inconsciente para a ocorrência do fenômeno (Brito, Rocha, Oliveira, & Carvalho, 2004Brito, D., Rocha, F. S., Oliveira, L. C., & Carvalho, F. M. V. (2004). Cooperative breeding: To help or not to help, that is the question. Bios, 12(12), 1-11.; Koenig, Walters, & Barve, 2019Koenig, W. D., Walters, E. L., & Barve, S. (2019). Does helping-at-the-nest help? The case of the acorn woodpecker. Frontiers in Ecology and Evolution, 7, 1-9. https://doi.org/10.3389/fevo.2019.00272
https://doi.org/https://doi.org/10.3389/...
).

Em espécies não humanas, todavia, ainda não há evidências de que ajudantes no ninho realizam SMS, sendo essa uma das maiores críticas a essa hipótese. Por exemplo, em saguis (Callithrix jacchus), espécie em que as tias costumam ajudar no transporte dos filhotes, a supressão da reprodução não só é fisiológica, mas também comportamental (Abbott, 1984Abbott, D. H. (1984). Behavioral and physiological suppression of fertility in subordinate marmoset monkeys. American Journal of Primatology, 6(3), 169-186. https://doi.org/10.1002/ajp.1350060305
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
).

Hipóteses neutras

Outra corrente de pensamento considera que a manutenção das SMS ocorreu ao longo das gerações não por trazer benefícios ao indivíduo, mas por ser um subproduto evolutivo neutro de outra característica vantajosa. Assim, indivíduos que carregam o componente genético que os predispõe às SMS, porém não as expressam, têm sua aptidão (Yamamoto & Ades, 2002Yamamoto, M. E., & Ades, C. (2002). Vocabulário inglês/português de termos da área de etologia. Revista de Etologia, 4(2), 75-94.) aumentada (Kirkpatrick, 2000Kirkpatrick, R. C. (2000). The evolution of human homosexual behavior. Current Anthropology, 41(3), 385-413. https://doi.org/10.1086/300145
https://doi.org/https://doi.org/10.1086/...
). Essas características vantajosas às quais as SMS estão vinculadas podem ser características que tipicamente se manifestam no sexo oposto, derivadas de efeitos pleiotrópicos (i.e., um fenômeno genético em que um único gene influencia as manifestações de várias características) (J. M. Bailey, Gaulin, Agyei, & Gladue, 1994Bailey, J. M., Gaulin, S., Agyei, Y., & Gladue, B. A. (1994). Effects of gender and sexual orientation on evolutionarily relevant aspects of human mating psychology. Journal of Personality and Social Psychology, 66(6), 1081-1093. https://doi.org/10.1037/0022-3514.66.6.1081
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...
; Bártová & Valentova, 2012Bártová, K., & Valentova, J. (2012). Evolutionary perspective of same-sex sexuality: Homosexuality and homosociality revisited. Anthropologie (Brno), 50(1), 61-70.; Vasey, Rains, VanderLaan, Duckworth, & Kovacovsky, 2008Vasey, P. L., Rains, D., VanderLaan, D. P., Duckworth, N., & Kovacovsky, S. D. (2008). Courtship behaviour in Japanese macaques during heterosexual and homosexual consortships. Behavioural Processes , 78(3), 401-407. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2008.02.006
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
), ocasionando uma diminuição na dominância extrema dos machos (Werner, 2006), do prazer resultante da atividade sexual (Menezes & Brito, 2007Menezes, A. B. C., & Brito, R. C. S. (2007). Reflexão sobre a homossexualidade como subproduto da evolução do prazer. Psicologia em Estudo, 12(1), 133-139. https://doi.org/10.1590/s1413-73722007000100016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; Vasey 2006Vasey, P. L. (2006). The pursuit of pleasure: Homosexual behaviour, sexual reward and evolutionary history in Japanese macaques. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 191-219). Cambridge, England: Cambridge University Press .), ou ainda, podem decorrer de um antagonismo sexual (Camperio-Ciani, Corna, & Capiluppi, 2004Camperio-Ciani, A., Corna, F., & Capiluppi, C. (2004). Evidence for maternally inherited factors favouring male homosexuality and promoting female fecundity. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271(1554), 2217-2221. https://doi.org/10.1098/rspb.2004.2872
https://doi.org/https://doi.org/10.1098/...
; Iemmola & Camperio-Ciani, 2009Iemmola, F., & Camperio-Ciani, A. (2009). New evidence of genetic factors influencing sexual orientation in men: Female fecundity increase in the maternal line. Archives of Sexual Behavior, 38(3), 393-399. https://doi.org/10.1007/s10508-008-9381-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Traços como menor agressividade e maior cooperação, características tipicamente ligadas às fêmeas de uma miríade de espécies (Clutton-Brock & Huchard, 2013Clutton-Brock, T. H., & Huchard, E. (2013). Social competition and selection in males and females. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 368(1631). https://doi.org/10.1098/rstb.2013.0074
https://doi.org/https://doi.org/10.1098/...
), podem estar vinculadas geneticamente com as SMS devido a efeitos pleiotrópicos nos machos (Bártová & Valentova, 2012Bártová, K., & Valentova, J. (2012). Evolutionary perspective of same-sex sexuality: Homosexuality and homosociality revisited. Anthropologie (Brno), 50(1), 61-70.; Zietsch et al., 2008Zietsch, B. P., Morley, K. I., Shekar, S. N., Verweij, K. J. H., Keller, M. C., Macgregor, S.,. . . Martin, N. G. (2008). Genetic factors predisposing to homosexuality may increase mating success in heterosexuals. Evolution and Human Behavior , 29(6), 424-433. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2008.07.002
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
). A redução da agressividade pode diminuir o risco de infanticídio, além de aumentar o cuidado parental, que também contribui para a maior taxa de sobrevivência da prole, enquanto a maior cooperação entre indivíduos e similares fortalece os vínculos sociais, levando a maior coesão do par (Bártová & Valentova, 2012Bártová, K., & Valentova, J. (2012). Evolutionary perspective of same-sex sexuality: Homosexuality and homosociality revisited. Anthropologie (Brno), 50(1), 61-70.). Por outro lado, em humanos (Homo sapiens), as SMS em fêmeas podem estar relacionadas a características “masculinas”, como uma libido maior, o que em geral pode aumentar o número de parceiros. Em ambos os casos, trata-se de características que levam a uma propensão às SMS, porém, se expressas em indivíduos que mantêm SSD exclusivas, levam, em média, a uma maior aptidão (Bártová, Štěrbová, Varella, & Valentova, 2020Bártová, K., Štěrbová, Z., Varella, M. A. C., & Valentova, J. V. (2020). Femininity in men and masculinity in women is positively related to sociosexuality. Personality and Individual Differences, 152, e109575. https://doi.org/10.1016/j.paid.2019.109575
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; J. M. Bailey et al., 1994Bailey, J. M., Gaulin, S., Agyei, Y., & Gladue, B. A. (1994). Effects of gender and sexual orientation on evolutionarily relevant aspects of human mating psychology. Journal of Personality and Social Psychology, 66(6), 1081-1093. https://doi.org/10.1037/0022-3514.66.6.1081
https://doi.org/https://doi.org/10.1037/...
; VanderLaan & Vasey, 2008VanderLaan, D. P., & Vasey, P. L. (2008). Mate retention behavior of men and women in heterosexual and homosexual relationships. Archives of Sexual Behavior , 37(4), 572-585. https://doi.org/10.1007/s10508-006-9139-y
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Werner (2006) associa as SMS a comportamentos de submissão: machos submissos apresentariam uma frequência maior de SMS, não apresentando uma boa aptidão reprodutiva; em contrapartida, machos extremamente dominantes também não teriam bons resultados reprodutivos, já que provavelmente pereceriam em decorrência de brigas e agressões. Nesse cenário, a condição reprodutivamente mais favorável seria uma genética que combinasse elementos de dominação com elementos de submissão, ao passo que, pelas leis da genética, os extremos continuariam presentes na população.

Outra hipótese testada em humanos sugere que a mesma genética que predispõe os machos ao comportamento sexual com indivíduos do mesmo sexo aumentaria as oportunidades reprodutivas das fêmeas aparentadas a eles (Camperio-Ciani et al., 2004Camperio-Ciani, A., Corna, F., & Capiluppi, C. (2004). Evidence for maternally inherited factors favouring male homosexuality and promoting female fecundity. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271(1554), 2217-2221. https://doi.org/10.1098/rspb.2004.2872
https://doi.org/https://doi.org/10.1098/...
; Iemmola & Camperio- Ciani, 2009Iemmola, F., & Camperio-Ciani, A. (2009). New evidence of genetic factors influencing sexual orientation in men: Female fecundity increase in the maternal line. Archives of Sexual Behavior, 38(3), 393-399. https://doi.org/10.1007/s10508-008-9381-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Resultados empíricos mostraram que, enquanto os machos não-heterossexuais têm cinco vezes menos filhos que os machos heterossexuais, as fêmeas àqueles aparentados têm significativamente mais filhos que aquelas aparentadas a machos heterossexuais (Iemmola & Camperio- Ciani, 2009Iemmola, F., & Camperio-Ciani, A. (2009). New evidence of genetic factors influencing sexual orientation in men: Female fecundity increase in the maternal line. Archives of Sexual Behavior, 38(3), 393-399. https://doi.org/10.1007/s10508-008-9381-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; Rahman et. al., 2008Rahman, Q., Collins, A., Morrison, M., Orrells, J. C., Cadinouche, K., Greenfield, S.,. . . Begum, S. (2008). Maternal inheritance and familial fecundity factors in male homosexuality. Archives of Sexual Behavior , 37(6), 962-969. https://doi.org/10.1007/s10508-007-9191-2
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Nesse caso, as SMS não seriam adaptativas, mas um subproduto de componentes genéticos que aumentariam o sucesso reprodutivo de fêmeas aparentadas. Esta hipótese é derivada da teoria do antagonismo sexual, que sugere que o mesmo componente genético pode trazer vantagens a um sexo e desvantagens ao outro.

Para Menezes e Brito (2007Menezes, A. B. C., & Brito, R. C. S. (2007). Reflexão sobre a homossexualidade como subproduto da evolução do prazer. Psicologia em Estudo, 12(1), 133-139. https://doi.org/10.1590/s1413-73722007000100016
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), as SMS podem ser um subproduto do prazer, que tem como principal função evolutiva a formação de vínculos. Assim, a combinação entre ser um subproduto evolutivo do prazer e fatores sociais pode ter sido mais uma das causas para tal comportamento em humanos. Nessa linha de pensamento, Vasey (2006Vasey, P. L. (2006). The pursuit of pleasure: Homosexual behaviour, sexual reward and evolutionary history in Japanese macaques. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 191-219). Cambridge, England: Cambridge University Press .) especula que as frequentes SMS que ocorrem na população de macacas japonesas de Arashiyama sejam um subproduto das montas heterossexuais de fêmeas sobre machos, muito comuns nessa espécie (Gouzoules & Goy, 1983Gouzoules, H., & Goy, R. W. (1983). Physiological and social influences on mounting behavior of troop‐living female monkeys (Macaca fuscata). American Journal of Primatology , 5(1), 39-49. https://doi.org/10.1002/ajp.1350050105
https://doi.org/https://doi.org/10.1002/...
). Segundo Vasey (2002)Vasey, P. L. (2002). Same-sex sexual partner preference in hormonally and neurologically unmanipulated animals. Annual Review of Sex Research, 8, 141-179. https://doi.org/10.1080/10532528.2002.10559804
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
, essas montas são mecanismos utilizados pelas fêmeas para incitar os machos a copularem com elas. Entretanto, é importante destacar que nessas montas heterossexuais reversas (fêmea- macho), as macacas obtêm prazer ao esfregar a região vulvar nas costas do parceiro. Assim, as montas entre fêmeas seriam um subproduto das montas fêmea-macho.

Hipóteses não-adaptativas

Um terceiro grupo de hipóteses considera as SMS não-adaptativas. As SMS se expressariam apenas em situações de privação ou em decorrência de algum erro. Quanto a isso, destacam-se as hipóteses de “erro na identificação de parceiros” (Sales et al., 2018Sales, K., Trent, T., Gardner, J., Lumley, A. J., Vasudeva, R., Michalczyk, Ł.,. . . Gage, M. J. G. (2018). Experimental evolution with an insect model reveals that male homosexual behaviour occurs due to inaccurate mate choice. Animal Behaviour , 139, 51-59. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2018.03.004
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; Scharf & Martin, 2013Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
; Zhang & Odenwald, 1995Zhang, S. D., & Odenwald, W. F. (1995). Misexpression of the white (w) gene triggers male-male courtship in Drosophila. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 92(12), 5525-5529. https://doi.org/10.1073/pnas.92.12.5525
https://doi.org/https://doi.org/10.1073/...
) e o “efeito prisão”, derivado de um desbalanceamento no número de machos e fêmeas na população (Field & Waite, 2004Field, K. L., & Waite, T. A. (2004). Absence of female conspecifics induces homosexual behaviour in male guppies. Animal Behaviour , 68(6), 1381-1389. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2003.12.022
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; McGraw & Hill, 1999McGraw, K. J., & Hill, G. E. (1999). Induced homosexual behaviour in male house finches (Carpodacus mexicanus): The “Prisoner Effect”. Ethology Ecology and Evolution, 11(2), 197-201. https://doi.org/10.1080/08927014.1999.9522837
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
).

Pesquisas em invertebrados têm revelado a existência habitual de SMS em distintas espécies nas quais não foi possível encontrar uma explicação adaptativa. Dessa forma, uma hipótese promissora é a de que ocorra um erro na identificação de potenciais parceiros, em que machos montariam outros machos devido à dificuldade de diferenciá-los das fêmeas (Scharf & Martin, 2013Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Em nível proximal, pesquisas sugerem que fatores genéticos podem afetar a capacidade de diferenciação do sexo de outros indivíduos. Zhang e Odenwald (1995Zhang, S. D., & Odenwald, W. F. (1995). Misexpression of the white (w) gene triggers male-male courtship in Drosophila. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 92(12), 5525-5529. https://doi.org/10.1073/pnas.92.12.5525
https://doi.org/https://doi.org/10.1073/...
) demonstraram que a expressão atípica de um gene na mosca-do-vinagre (Drosophila melanogaster) pode refletir na ocorrência de SMS em machos. Contudo, aparentemente, também existe um componente de aprendizagem social na identificação correta de parceiros por essas moscas, já que indivíduos jovens e inexperientes apresentam maior dificuldade em diferenciar machos e fêmeas, possivelmente em decorrência da abundância de feromônios no ambiente. Com o passar do tempo, após a prática e observação de outros coespecíficos, a discriminação entre sexos se torna mais precisa (Macchiano, Razik, & Sagot, 2018Macchiano, A., Razik, I., & Sagot, M. (2018). Same-sex courtship behaviors in male-biased populations: Evidence for the mistaken identity hypothesis. Acta Ethologica, 21(3), 147-151. https://doi.org/10.1007/s10211-018-0293-8
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). A aprendizagem social nessa espécie de mosca pode indicar uma função do comportamento em questão, porém, a maior frequência de SMS em populações em que há mais machos que fêmeas apoiaria a hipótese do erro da identificação.

Hipóteses adaptativas como a redução da agressão intrassexual ou o estabelecimento de hierarquias têm sido testadas e rejeitadas em outros invertebrados (e.g., grilos Teleogryllus oceanicus: N. W. Bailey & French, 2012Bailey, N. W., & French, N. (2012). Same-sex sexual behaviour and mistaken identity in male field crickets, Teleogryllus oceanicus. Animal Behaviour, 84(4), 1031-1038. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2012.08.001
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
), pondo em evidência que, nessas espécies, as SMS são um comportamento não-adaptativo habitualmente induzido pelo erro na identificação (Scharf & Martin, 2013Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Em populações em que há desbalanço numérico entre os sexos, pode ocorrer o chamado “efeito prisão”, que decorre de um acréscimo de SMS em situações de pouca exposição ao outro sexo ou de total isolamento dele (McGraw & Hill, 1999McGraw, K. J., & Hill, G. E. (1999). Induced homosexual behaviour in male house finches (Carpodacus mexicanus): The “Prisoner Effect”. Ethology Ecology and Evolution, 11(2), 197-201. https://doi.org/10.1080/08927014.1999.9522837
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
). Field e Waite (2004Field, K. L., & Waite, T. A. (2004). Absence of female conspecifics induces homosexual behaviour in male guppies. Animal Behaviour , 68(6), 1381-1389. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2003.12.022
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
) demonstraram em lebistes (Poecilia reticulata) que, após um período de isolamento total, com apenas machos na população, quando o ambiente social retorna à composição que contemple os dois sexos, machos ainda podem apresentar SMS, sugerindo que o efeito não se extingue imediatamente. Evidências demonstram que o ambiente social e a sexualidade aprendida desempenham, ao menos em algumas espécies, um papel fundamental na escolha de parceiros (e.g., lebistes P. reticulata: Field & Waite, 2004Field, K. L., & Waite, T. A. (2004). Absence of female conspecifics induces homosexual behaviour in male guppies. Animal Behaviour , 68(6), 1381-1389. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2003.12.022
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
; tentilhão Carpodacus mexicanus: McGraw & Hill, 1999McGraw, K. J., & Hill, G. E. (1999). Induced homosexual behaviour in male house finches (Carpodacus mexicanus): The “Prisoner Effect”. Ethology Ecology and Evolution, 11(2), 197-201. https://doi.org/10.1080/08927014.1999.9522837
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
; libélula Ischnura elegans: Van Gossum, De Bruyn, & Stoks, 2005Van Gossum, H., De Bruyn, L., & Stoks, R. (2005). Reversible switches between male-male and male-female mating behaviour by male damselflies. Biology Letters, 1(3), 268-270. https://doi.org/10.1098/rsbl.2005.0315
https://doi.org/https://doi.org/10.1098/...
).

A condição ancestral indiscriminada

Em um recente estudo, Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) apresentaram uma hipótese inovadora para o surgimento e a manutenção das SMS. A novidade trazida pelos autores é a mudança de perspectiva a partir da qual pode ser observada a evolução do comportamento em questão. Como já discutimos, tradicionalmente, as SMS foram tratadas como um aparente paradoxo evolutivo. Em decorrência disso, tentou-se fornecer boas explicações, adaptativas ou não-adaptativas, de como, a despeito dos óbvios prejuízos à aptidão dos indivíduos, o comportamento em questão pode ter surgido e se fixado em uma miríade de linhagens repetidas vezes ao longo da história da vida. Uma investigação científica formulada nesses moldes invariavelmente pressupõe que as SSD sejam a condição ancestral a partir da qual as SMS evoluíram tantas vezes de forma independente - conceito que pode não ter sido rigorosamente examinado.

Para os autores do estudo supracitado, essa proposição não está garantida e, mais do que isso, pode ser falha. Eles oferecem uma hipótese alternativa segundo a qual a condição ancestral teria se caracterizado por um comportamento sexual indiscriminado, isto é, direcionado de ambos os sexos para ambos os sexos, sem grandes distinções. Para os autores, vários processos evolutivos - adaptativos ou não - teriam moldado a persistência e a expressão das SMS em diferentes linhagens, isentando, porém, tais processos de explicarem as origens desse comportamento.

Essa nova hipótese é transformadora e audaz porque, caso seja bem aceita pela comunidade científica, tem potencial para reformular a maneira como as SMS são investigadas. A partir dela, a abordagem pode mudar de “por que as SMS surgiram e se mantiveram em dada linhagem?” para “por que em determinada linhagem as SMS não se mantiveram?”.

Os pesquisadores argumentam que, quando observamos um determinado traço tão prevalente dentro de um clado - um agrupamento que inclui um ancestral comum e todos os seus descendentes, viventes e extintos -, uma hipótese razoável pelo princípio da parcimônia é a de que a característica em questão tenha mais provavelmente surgido na base do clado. Tal linha de raciocínio, tão basilar da sistemática filogenética, embora nem sempre esteja correta, é com frequência negligenciada nos estudos acerca das SMS. Nesse cenário, as SSD exclusivas seriam uma condição derivada, surgida como modificação do comportamento sexual indiscriminado.

Assim, a seleção somente teria excluído as SMS em contextos ecológicos e sociais em que seu custo teria se tornado proibitivo. Na ausência desses custos em linhagens específicas, as SMS teriam se mantido, pois a aptidão é frequentemente maximizada por comportamentos sexuais intermediários que equilibram os custos dos mecanismos de reconhecimento de parceiros com a vantagem do aumento das oportunidades de acasalamento. Dessa forma, a expressão de ambos os tipos de interações, as SSD e as SMS, em diferentes graus, em uma dada população ou mesmo ao longo da vida de um único organismo, pode ser a norma para a maioria das espécies animais, representando o legado de uma condição ancestral de comportamento sexual indiscriminado que em certos contextos teria oferecido vantagens adaptativas, enquanto em outros teria sido neutra.

Para afirmarem que as SMS podem ser a condição ancestral mais provável, os autores se baseiam no fato de que isso parece ser o mais plausível para um ancestral multicelular, anisogamético (i.e., gametas de tamanho e forma diferentes) e séssil (i.e., que vive preso a um substrato). Além disso, as SSD exclusivas requerem mecanismos de reconhecimento de parceiros do sexo oposto, que só poderiam ocorrer em decorrência do surgimento do dimorfismo sexual, seja ele referente ao tamanho ou formato do corpo, à coloração, ou aos sinais químicos ou auditivos. Em suma, embora graus crescentes de SSD possam maximizar a probabilidade de fertilização e, por extensão, a aptidão, isso não significa mais que a SSD seja a única estratégia viável para o aprimoramento da aptidão. Assim, segundo Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
), não haveria SSD exclusivas sem o prévio aparecimento de características que possibilitaram a identificação sexual dos parceiros. Assim, a SSD seria uma estratégia derivada, adaptativa em contextos específicos, e não a estratégia basal.

A sustento da própria hipótese, Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) também questionam a validade efetiva das considerações acerca dos custos reais das SMS, sugerindo que as ponderações a respeito dos custos e benefícios presentes na literatura podem ser pouco suportadas. Explicações adaptativas para a manutenção das SMS assumem que os benefícios trazidos tenham de ser consideráveis para que sejam compensados os enormes custos decorrentes delas, enquanto explicações não-adaptativas assumem que as SMS serão excluídas do pool de variações quando possível. Por outro lado, pode-se pensar que o investimento em um sistema de reconhecimento de parceiros pode também ser uma condição derivada significativamente custosa, por ser potencialmente limitante nas oportunidades sexuais em decorrência de uma hiperseletividade, quando comparada a uma estratégia sexual mais generalista que garanta probabilidades de fertilização suficientemente altas e um custo suficientemente baixo. É possível defender que, quando é considerada a possibilidade de comportamentos sexuais indiscriminados ancestrais, as SMS não precisam conferir grandes benefícios para persistirem (Monk et al., 2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
).

Recentemente, em uma tentativa de testar a inovadora hipótese, Lerch e Servedio (2021Lerch, B. A., & Servedio, M. R. (2021). Same-sex sexual behaviour and selection for indiscriminate mating. Nature Ecology and Evolution, 5(1), 135-141.https://doi.org/10.1038/s41559-020-01331-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) construíram um modelo de reprodução sexual para fornecer um marco teórico à evolução das SMS a partir da condição ancestral de comportamento sexual indiscriminado (Monk et al., 2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
). O modelo por eles criado parte de certas premissas e maneja diferentes parâmetros, cuja manipulação poderia afetar o comportamento sexual resultante. Assim, é assumido pelo modelo que existem dois sexos e que a reprodução ocorre em episódios discretos. A probabilidade de encontrar outro individuo, sinalizar o próprio sexo, discriminar o sexo do outro indivíduo, ou morrer entre episódios reprodutivos é manipulada no modelo.

Manejando essas variáveis, Lerch e Servedio (2021Lerch, B. A., & Servedio, M. R. (2021). Same-sex sexual behaviour and selection for indiscriminate mating. Nature Ecology and Evolution, 5(1), 135-141.https://doi.org/10.1038/s41559-020-01331-w
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) encontraram uma ampla gama de condições em que o acasalamento indiscriminado é a estratégia ótima e demonstraram que, quando existe um alto custo para a discriminação sexual e uma má sinalização pelo sexo procurado, o acasalamento indiscriminado é a estratégia ideal. Por outro lado, eles constataram que uma taxa de mortalidade intermediária entre episódios reprodutivos favorece a evolução da discriminação sexual. Assim, quando a morte é rara, espera-se que os membros do sexo que procura tenham muitas oportunidades reprodutivas durante a vida. Nestas condições, a melhor estratégia é viver o máximo possível, sem tentar discriminar sexualmente. O custo das SMS, neste caso, é baixo porque um acasalamento com “falha” ou baixa aptidão devido às SMS provavelmente será compensado mais tarde ao longo da vida.

Contudo, os próprios autores destacam que o modelo criado para explicar a evolução das SMS não leva em consideração variáveis como a dinâmica social complexa e as interações com os genes, motivo pelo qual não deveria ser aplicado aos humanos, mas é uma boa explicação, por exemplo, para a alta prevalência de SMS em artrópodes, normalmente interpretada como erro na identificação do sexo (Scharf & Martin, 2013Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
).

Considerações finais

As interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo (SMS) são tradicionalmente consideradas um paradoxo evolutivo, já que cópulas não viáveis em termos reprodutivos parecem não compensar os investimentos na busca e na conquista de parceiros. Tentativas de explicar como um comportamento supostamente deletério à reprodução teria surgido e se mantido em várias linhagens envolvem hipóteses adaptativas, não-adaptativas e neutras (Tabela 1). Mediante análises comparativas das distintas espécies que apresentam esse comportamento, observamos que as SMS não representam um fenômeno uniforme (Leca & Vasey, 2016Leca, J. B., & Vasey, P. L. (2016). Phylogeny of homosexual behavior. In T. K. Shackelford & V. A. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-3). Berlin, Germany: Springer . https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
). Por exemplo, em mamíferos, as hipóteses adaptativas pressupõem que as SMS têm uma função de comunicação social, como a diminuição do conflito intrassexual ou a do treino para o sexo adulto, enquanto em insetos, como na mosca-do-vinagre, a hipótese prevalente é a do erro na identificação dos parceiros. Todas essas consideram que as SMS teriam surgido convergente e independentemente nas mais diversas linhagens, a partir de uma condição ancestral que, invariavelmente, seria de interações sexuais entre indivíduos de sexos diferentes (SSD).

Em recente estudo, porém, Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) apresentaram uma hipótese alternativa e inovadora para o surgimento e a manutenção das SMS, segundo a qual a condição ancestral teria se caracterizado por um comportamento sexual indiscriminado, isto é, direcionado de ambos os sexos para ambos os sexos, sem grandes distinções. Questionar a proposição comum a todas as hipóteses anteriores de que as SSD sejam a condição ancestral, como foi feito na pesquisa citada, pode levar a cenários potencialmente mais parcimoniosos para a explicação da manutenção desse comportamento nos mais diversos grupos de animais, levando a uma verdadeira quebra de paradigma acerca da origem de uma fatia importante da compreensão da complexidade do comportamento sexual, contribuindo também para um mais profundo entendimento dos papéis que tais repertórios comportamentais podem ter desempenhado em âmbito ecológico ao longo da evolução humana e dos demais animais.

É importante chamar atenção para o fato de que as diferentes hipóteses que explicam a manutenção das SMS não são necessariamente excludentes entre si. Na história da vida, são comuns, por exemplo, casos de reversões, isto é, modificações em que uma condição mais recente evolui de forma a se assemelhar a uma condição anterior. Num cenário como esse, as SMS em determinada linhagem podem ter sido perdidas e readquiridas secundariamente por pressões seletivas completamente distintas. Dessa forma, deve-se considerar que cada uma das diferentes hipóteses que procuram explicar a manutenção das interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo possa coexistir com a hipótese apresentada por Monk et al. (2019Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
) e que possam ser verdadeiras, individualmente ou nas mais diversas combinações, em específicas linhagens. É evidente que a hipótese inovadora de Monk et al. (2019)Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
https://doi.org/https://doi.org/10.1038/...
, até o presente momento, consiste em um elegante e plausível exercício especulativo, mas que pode vir a se confirmar mediante futuros estudos filogenéticos que incluam ampla variedade de linhagens animais.

A sexualidade, o comportamento sexual e as diferenças sexuais são tópicos controversos, porém de grande interesse para cientistas de várias áreas, tais como a psicologia, biologia, medicina, sexologia ou a antropologia. A melhor compreensão da evolução do comportamento sexual e, em particular, das interações sexuais entre indivíduos do mesmo sexo contribui para a superação de crenças populares e saberes acadêmicos errôneos, aproximando-nos do reconhecimento da natural diversidade sexual em humanos e nos demais animais (Bagemihl, 1999Bagemihl, B. (1999). Biological exuberance: Animal homosexuality and natural diversity. New York, NY: St. Martins Press. https://doi.org/10.2307/1313652
https://doi.org/https://doi.org/10.2307/...
; Roughgarden, 2004Roughgarden, J. (2004). Evolution’s rainbow: Diversity, gender, and sexuality in nature and people. Berkeley, CA: University of California Press. https://doi.org/10.1641/0006-3568(2005)055[0178:dahg]2.0.co;2
https://doi.org/https://doi.org/10.1641/...
).

Referências

  • Abbott, D. H. (1984). Behavioral and physiological suppression of fertility in subordinate marmoset monkeys. American Journal of Primatology, 6(3), 169-186. https://doi.org/10.1002/ajp.1350060305
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1002/ajp.1350060305
  • Ades, C. (2010). Do bicho que vive de ar, em diante: Uma pequena história da Etologia no Brasil. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 78(1), 90-104.
  • Adriaens, P. R., & De Block, A. (2016). Lesser-known theories of homosexuality. In T. K. Shackelford & V. A. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-9). Berlin, Germany: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6_55-1
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6_55-1
  • Alcock, J. (2011). Comportamento animal: Uma abordagem evolutiva (9a ed). São Paulo, SP: Artmed.
  • Apostolou, M. (2020). The evolution of same-sex attraction. Berlin, Germany: Springer .
  • Bagemihl, B. (1999). Biological exuberance: Animal homosexuality and natural diversity. New York, NY: St. Martins Press. https://doi.org/10.2307/1313652
    » https://doi.org/https://doi.org/10.2307/1313652
  • Bailey, J. M., Gaulin, S., Agyei, Y., & Gladue, B. A. (1994). Effects of gender and sexual orientation on evolutionarily relevant aspects of human mating psychology. Journal of Personality and Social Psychology, 66(6), 1081-1093. https://doi.org/10.1037/0022-3514.66.6.1081
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1037/0022-3514.66.6.1081
  • Bailey, J. M., Vasey, P. L., Diamond, L. M., Breedlove, S. M., Vilain, E., & Epprecht, M. (2016). Sexual orientation, controversy, and science. Psychological Science in the Public Interest, 17(2), 45-101. https://doi.org/10.1177/1529100616637616
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177/1529100616637616
  • Bailey, N. W., & French, N. (2012). Same-sex sexual behaviour and mistaken identity in male field crickets, Teleogryllus oceanicus. Animal Behaviour, 84(4), 1031-1038. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2012.08.001
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2012.08.001
  • Bailey, N. W., & Zuk, M. (2009). Same-sex sexual behavior and evolution. Trends in Ecology and Evolution, 24(8), 439-446. https://doi.org/10.1016/j.tree.2009.03.014
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.tree.2009.03.014
  • Bártová, K., & Valentova, J. (2012). Evolutionary perspective of same-sex sexuality: Homosexuality and homosociality revisited. Anthropologie (Brno), 50(1), 61-70.
  • Bártová, K., Štěrbová, Z., Varella, M. A. C., & Valentova, J. V. (2020). Femininity in men and masculinity in women is positively related to sociosexuality. Personality and Individual Differences, 152, e109575. https://doi.org/10.1016/j.paid.2019.109575
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.paid.2019.109575
  • Bateson, P., & Laland, K. N. (2013). Tinbergen’s four questions: An appreciation and an update. Trends in Ecology and Evolution , 28(12), 712-718. https://doi.org/10.1016/j.tree.2013.09.013
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.tree.2013.09.013
  • Bobrow, D., & Bailey, J. M. (2001). Is male homosexuality maintained via kin selection? Evolution and Human Behavior, 22(5), 361-368. https://doi.org/10.1016/S1090-5138(01)00074-5
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S1090-5138(01)00074-5
  • Brito, D., Rocha, F. S., Oliveira, L. C., & Carvalho, F. M. V. (2004). Cooperative breeding: To help or not to help, that is the question. Bios, 12(12), 1-11.
  • Brooks, R. (2021). Darwin’s closet: The queer sides of The descent of man (1871). Zoological Journal of the Linnean Society, 191, 323-346. https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlaa175
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlaa175
  • Buss, D. M., & Schmitt, D. P. (2019). Mate preferences and their behavioral manifestations. Annual Review of Psychology, 70, 77-110. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103408
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-103408
  • Camperio-Ciani, A., Corna, F., & Capiluppi, C. (2004). Evidence for maternally inherited factors favouring male homosexuality and promoting female fecundity. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 271(1554), 2217-2221. https://doi.org/10.1098/rspb.2004.2872
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1098/rspb.2004.2872
  • Clutton-Brock, T. H., & Huchard, E. (2013). Social competition and selection in males and females. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 368(1631). https://doi.org/10.1098/rstb.2013.0074
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1098/rstb.2013.0074
  • Darwin, C. (1859). On the Origin of Species: A facsimile of the first edition. Cambridge, MA: Harvard University Press. https://doi.org/10.4324/9780203509104
    » https://doi.org/https://doi.org/10.4324/9780203509104
  • Darwin, C. (1871). The descent of man, and selection in relation to sex. London, England: John Murray. https://doi.org/10.1038/011305a0
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1038/011305a0
  • Dawkins, M. S. (2014). Tribute to Tinbergen: Questions and how to answer them. Ethology, 120(2), 120-122. https://doi.org/10.1111/eth.12186
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/eth.12186
  • Farvid, P. (2015). Heterosexuality. In C. Richards & M. J. Barker (Eds.), The Palgrave handbook of the psychology of sexuality and gender (pp. 92-108). London, England: Palgrave Macmillan. https://doi.org/10.1057/9781137345899_7
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1057/9781137345899_7
  • Felsenstein, J. (1985). Phylogenies and the comparative method. The American Naturalist, 125(1), 1-15. https://doi.org/10.1086/284325
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1086/284325
  • Field, K. L., & Waite, T. A. (2004). Absence of female conspecifics induces homosexual behaviour in male guppies. Animal Behaviour , 68(6), 1381-1389. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2003.12.022
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2003.12.022
  • Furuichi, T., Connor, R., & Hashimoto, C. (2014). Non-conceptive sexual interactions in monkeys, apes, and dolphins. In J. Yamagiwa & L. Karczmarski (Eds.), Primates and Cetaceans: Field research and conservation of complex mammalian societies (pp. 385-408). Tokyo, Japan: Springer Japan. https://doi.org/10.1007/978-4-431-54523-1_20
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-4-431-54523-1_20
  • Gouzoules, H., & Goy, R. W. (1983). Physiological and social influences on mounting behavior of troop‐living female monkeys (Macaca fuscata). American Journal of Primatology , 5(1), 39-49. https://doi.org/10.1002/ajp.1350050105
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1002/ajp.1350050105
  • Gunst, N., Leca, J.-B., & Vasey, P. L. (2013). Development of sexual and socio-sexual behaviours in free-ranging juvenile male Japanese macaques, Macaca fuscata. Behaviour, 150(11), 1225-1254. https://doi.org/10.1163/1568539X-00003088
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1163/1568539X-00003088
  • Harvey, P. H., & Pagel, D. M. (1991). The comparative method for studying an adaptation. In The comparative method in evolutionary biology (pp. 1-34). Oxford, London: Oxford University Press.
  • Iemmola, F., & Camperio-Ciani, A. (2009). New evidence of genetic factors influencing sexual orientation in men: Female fecundity increase in the maternal line. Archives of Sexual Behavior, 38(3), 393-399. https://doi.org/10.1007/s10508-008-9381-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-008-9381-6
  • Izar, P. (2018). Fundamentos da evolução do comportamento. In M. E. Yamamoto & J. V. Valentova (Eds.), Manual de psicologia evolucionista (pp. 56-74). Natal, RN: EDUFRN.
  • Kirkpatrick, R. C. (2000). The evolution of human homosexual behavior. Current Anthropology, 41(3), 385-413. https://doi.org/10.1086/300145
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1086/300145
  • Koenig, W. D., Walters, E. L., & Barve, S. (2019). Does helping-at-the-nest help? The case of the acorn woodpecker. Frontiers in Ecology and Evolution, 7, 1-9. https://doi.org/10.3389/fevo.2019.00272
    » https://doi.org/https://doi.org/10.3389/fevo.2019.00272
  • Lane, S. M., Haughan, A. E., Evans, D., Tregenza, T., & House, C. M. (2016). Same-sex sexual behaviour as a dominance display. Animal Behaviour , 114, 113-118. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2016.01.005
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2016.01.005
  • Leca, J. B., & Vasey, P. L. (2016). Phylogeny of homosexual behavior. In T. K. Shackelford & V. A. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-3). Berlin, Germany: Springer . https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
  • Leca, J.-B., Gunst, N., & Vasey, P. L. (2014). Male homosexual behavior in a free-ranging all-male group of Japanese macaques at Minoo, Japan. Archives of Sexual Behavior , 43(5), 853-861. https://doi.org/10.1007/s10508-014-0310-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-014-0310-6
  • Lerch, B. A., & Servedio, M. R. (2021). Same-sex sexual behaviour and selection for indiscriminate mating. Nature Ecology and Evolution, 5(1), 135-141.https://doi.org/10.1038/s41559-020-01331-w
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1038/s41559-020-01331-w
  • Lilley, M. K., Ham, J. R., & Hill, H. M. (2020). The development of socio-sexual behavior in belugas (Delphinapterus leucas) under human care. Behavioural Processes, 171, artigo e104025. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2019.104025
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.beproc.2019.104025
  • Losos, J. B. (2011). Seeing the forest for the trees: The limitations of phylogenies in comparative biology. American Naturalist, 177(6), 709-727. https://doi.org/10.1086/660020
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1086/660020
  • Macchiano, A., Razik, I., & Sagot, M. (2018). Same-sex courtship behaviors in male-biased populations: Evidence for the mistaken identity hypothesis. Acta Ethologica, 21(3), 147-151. https://doi.org/10.1007/s10211-018-0293-8
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10211-018-0293-8
  • Mann, J. (2006). Establishing trust: Socio-sexual behaviour and the development of male-male bonds among Indian Ocean bottlenose dolphins. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 107-130). Cambridge, England: Cambridge University Press.
  • Manson, J. H., Perry, S., & Parish, A. R. (1997). Nonconceptive sexual behavior in bonobos and capuchins. International Journal of Primatology, 18(5), 767-786.
  • McGraw, K. J., & Hill, G. E. (1999). Induced homosexual behaviour in male house finches (Carpodacus mexicanus): The “Prisoner Effect”. Ethology Ecology and Evolution, 11(2), 197-201. https://doi.org/10.1080/08927014.1999.9522837
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/08927014.1999.9522837
  • Menezes, A. B. C., & Brito, R. C. S. (2007). Reflexão sobre a homossexualidade como subproduto da evolução do prazer. Psicologia em Estudo, 12(1), 133-139. https://doi.org/10.1590/s1413-73722007000100016
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1590/s1413-73722007000100016
  • Monk, J. D., Giglio, E., Kamath, A., Lambert, M. R., & McDonough, C. E. (2019). An alternative hypothesis for the evolution of same-sex sexual behaviour in animals. Nature Ecology and Evolution , 3(12), 1622-1631. https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1038/s41559-019-1019-7
  • Pfau, D., Jordan, C. L., & Breedlove, S. M. (2021). The de-scent of sexuality: Did loss of a pheromone signaling protein permit the evolution of same-sex sexual behavior in primates? Archives of Sexual Behavior , 50(6), 2267-2276. https://doi.org/10.1007/s10508-018-1377-2
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-018-1377-2
  • Poiani, A. (2010). Animal homosexuality: A biosocial perspective. Cambridge, England: Cambridge University Press .
  • Preston‐Mafham, K. (2006). Post‐mounting courtship and the neutralizing of male competitors through “homosexual” mountings in the fly Hydromyza livens F. (Diptera: Scatophagidae). Journal of Natural History, 40(1-2), 101-105. https://doi.org/10.1080/00222930500533658
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/00222930500533658
  • Rahman, Q., & Hull, M. S. (2005). An empirical test of the kin selection hypothesis for male homosexuality. Archives of Sexual Behavior , 34(4), 461-467. https://doi.org/10.1007/s10508-005-4345-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-005-4345-6
  • Rahman, Q., Collins, A., Morrison, M., Orrells, J. C., Cadinouche, K., Greenfield, S.,. . . Begum, S. (2008). Maternal inheritance and familial fecundity factors in male homosexuality. Archives of Sexual Behavior , 37(6), 962-969. https://doi.org/10.1007/s10508-007-9191-2
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-007-9191-2
  • Roughgarden, J. (2004). Evolution’s rainbow: Diversity, gender, and sexuality in nature and people. Berkeley, CA: University of California Press. https://doi.org/10.1641/0006-3568(2005)055[0178:dahg]2.0.co;2
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1641/0006-3568(2005)055[0178:dahg]2.0.co;2
  • Sales, K., Trent, T., Gardner, J., Lumley, A. J., Vasudeva, R., Michalczyk, Ł.,. . . Gage, M. J. G. (2018). Experimental evolution with an insect model reveals that male homosexual behaviour occurs due to inaccurate mate choice. Animal Behaviour , 139, 51-59. https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2018.03.004
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.anbehav.2018.03.004
  • Scharf, I., & Martin, O. Y. (2013). Same-sex sexual behavior in insects and arachnids: Prevalence, causes, and consequences. Behavioral Ecology and Sociobiology, 67(11), 1719-1730. https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s00265-013-1610-x
  • Tinbergen, N. (1963). On aims and methods of ethology. Zeitschrift Für Tierpsychologie, 20, 410-433. https://doi.org/10.1163/157075605774840941
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1163/157075605774840941
  • Valentova, J. V., & Varella, M. A. C. (2016). Sexual orientation and human sexuality. In V. Weekes-Shackelford & T. K. Shackelford (Eds.), Encyclopedia of evolutionary psychological science (pp. 1-9). Berlin, Germany: Springer . https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6
  • Valentova, J. V., & Veloso, H. V. C. (2018). Estratégias sexuais e reprodutivas. In M. E. Yamamoto & J. V. Valentova (Eds.), Manual de psicologia evolucionista (pp. 303-328). Natal, RN: EDUFRN .
  • Van Gossum, H., De Bruyn, L., & Stoks, R. (2005). Reversible switches between male-male and male-female mating behaviour by male damselflies. Biology Letters, 1(3), 268-270. https://doi.org/10.1098/rsbl.2005.0315
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1098/rsbl.2005.0315
  • VanderLaan, D. P., & Vasey, P. L. (2008). Mate retention behavior of men and women in heterosexual and homosexual relationships. Archives of Sexual Behavior , 37(4), 572-585. https://doi.org/10.1007/s10508-006-9139-y
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-006-9139-y
  • Vanderlaan, D. P., & Vasey, P. L. (2012). Relationship status and elevated avuncularity in Samoan fa’afafine. Personal Relationships, 19(2), 326-339. https://doi.org/10.1111/j.1475-6811.2011.01364.x
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/j.1475-6811.2011.01364.x
  • Vasey, P. L. (1995). Homosexual behavior in primates: A review of evidence and theory. International Journal of Primatology , 16(2), 173-204. https://doi.org/10.1007/BF02735477
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/BF02735477
  • Vasey, P. L. (2002). Same-sex sexual partner preference in hormonally and neurologically unmanipulated animals. Annual Review of Sex Research, 8, 141-179. https://doi.org/10.1080/10532528.2002.10559804
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/10532528.2002.10559804
  • Vasey, P. L. (2006). The pursuit of pleasure: Homosexual behaviour, sexual reward and evolutionary history in Japanese macaques. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 191-219). Cambridge, England: Cambridge University Press .
  • Vasey, P. L. (2007). Function and phylogeny. Journal of Psychology & Human Sexuality, 18(2-3), 215-244. https://doi.org/10.1300/J056v18n02_07
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1300/J056v18n02_07
  • Vasey, P. L., & Vanderlaan, D. P. (2012). Sexual orientation in men and avuncularity in Japan: Implications for the kin selection hypothesis. Archives of Sexual Behavior , 41(1), 209-215. https://doi.org/10.1007/s10508-011-9763-z
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10508-011-9763-z
  • Vasey, P. L., Rains, D., VanderLaan, D. P., Duckworth, N., & Kovacovsky, S. D. (2008). Courtship behaviour in Japanese macaques during heterosexual and homosexual consortships. Behavioural Processes , 78(3), 401-407. https://doi.org/10.1016/j.beproc.2008.02.006
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.beproc.2008.02.006
  • Vervaecke, H., & Roden, C. (2006). Going with the herd: Same-sex interaction and competition in American bison. In V. Sommer & P. L. Vasey (Eds.), Homosexual behaviour in animals: An evolutionary perspective (pp. 131-153). Cambridge, England: Cambridge University Press .
  • Wilson, E. O. (1975). Sociobiology: The new synthesis. Cambridge, MA: Belknap Press.
  • Wrangham, R. W. (1993). The evolution of sexuality in chimpanzees and bonobos. Human Nature, 4(1), 47-79. https://doi.org/10.1007/BF02734089
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/BF02734089
  • Yamamoto, M. E., & Ades, C. (2002). Vocabulário inglês/português de termos da área de etologia. Revista de Etologia, 4(2), 75-94.
  • Zhang, S. D., & Odenwald, W. F. (1995). Misexpression of the white (w) gene triggers male-male courtship in Drosophila. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 92(12), 5525-5529. https://doi.org/10.1073/pnas.92.12.5525
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1073/pnas.92.12.5525
  • Zietsch, B. P., Morley, K. I., Shekar, S. N., Verweij, K. J. H., Keller, M. C., Macgregor, S.,. . . Martin, N. G. (2008). Genetic factors predisposing to homosexuality may increase mating success in heterosexuals. Evolution and Human Behavior , 29(6), 424-433. https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2008.07.002
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.evolhumbehav.2008.07.002

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2021
  • Revisado
    02 Fev 2022
  • Aceito
    09 Maio 2022
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br