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Professora Carolina

PROFESSORA CAROLINA

Maria Clotilde Magaldi

Coordenadoria de Assistência Social (COSEAS) - USP

Quando entrei na Universidade de São Paulo, em 1967, encontrei um movimento de reformulação geral da Universidade e do curso de Psicologia em particular, já deflagrado.

Discutia-se sobre a necessidade de melhoria do ensino, da busca de uma Universidade mais democrática e formadora de bons cidadãos.

Na Psicologia, a questão era também a reformulação do curso, através de uma mudança curricular que trouxesse aos alunos a chance de uma formação mais completa e abrangente, e que produzisse profissionais bem pensantes e engajados numa prática correta da profissão.

Logo no primeiro ano da escola participei do movimento estudantil, fazendo parte do centro acadêmico da Psicologia, na gestão presidida pelo amigo Elias da Rocha Barros. Nesse contexto, pude participar ativamente de muitas das discussões que envolveram o processo de reformulação do currículo do curso de Psicologia. E nesse processo tive a chance de estar na mesma mesa de discussão com a Professora Carolina, inúmeras vezes.

Da lembrança que tenho desse processo, uma das mais vivas e marcantes é exatamente da Professora Carolina. Impressionava-me como uma mulher da estatura daquela professora, que já na época tinha o respeito de todos e uma posição natural de liderança, nos desse ouvidos e discutisse conosco em uma postura tão igualitária. Éramos alunos verdadeiramente interessados na reformulação do curso, mas, no contexto da Universidade da época, éramos também bastante atrevidos.

Em nenhum momento a Professora Carolina valeu-se de sua autoridade para nos impor qualquer pensamento seu. Era uma interlocutora extraordinária, que nos levava a pensar, fazendo-nos melhores nos argumentos e mais conseqüentes nas escolhas e atitudes.

Impressionava-me pela sua consistência, insistindo para que participássemos com seriedade, fazendo-nos responsáveis, sem desviar-se de seus princípios, mas com uma imensa disponibilidade para mudar sua opinião, se fosse convencida por uma idéia diferente da sua.

A Professora Carolina tinha (e acredito que continua tendo) a particular capacidade de ser dona de uma imensa autoridade e, ao mesmo tempo, ser profundamente democrática.

Durante todo esse processo, nunca teve qualquer atitude que se pudesse chamar de tendenciosa, no sentido de propor um currículo que privilegiasse qualquer área particular da Psicologia.

Nas propostas que trazia, a "Carolina" (como a tratávamos entre nós) mostrava sempre uma preocupação verdadeiramente "formadora" do aluno de Psicologia, enfatizando a necessidade das matérias experimentais e de cunho biológico mas, com a mesma ênfase, pareando-as com as disciplinas das ciências humanas.

As discussões foram sempre muito sérias, mas eram divertidas também. Saímos para jantar, fazíamos graça, e a Professora Carolina nos acompanhou diversas vezes, junto com outros professores do então embrionário departamento de Psicologia Experimental. Conversávamos e nos divertíamos, e a Professora Carolina, com sua doce altivez, dividia conosco também esse espaço.

Fui, mais tarde, representante discente no Departamento de Psicologia Experimental (candidata por sugestão da própria Professora Carolina) e, também nessa condição, pude assistir a maneira como as discussões eram conduzidas por ela, agora em um outro contexto de trabalho.

Depois desses trinta anos, minha lembrança desenha uma figura extraordinariamente íntegra, dona de seus pensamentos, que jamais se curvou voluntariamente a qualquer situação que não considerasse ética. Uma pessoa delicada, mas nem um pouco frágil, uma mulher altiva, mas nem um pouco arrogante, uma professora interessada em fazer de cada aluno um profissional consciente.

Hoje trabalho na Universidade como diretora técnica da Divisão de Creches da COSEAS, cuidando da formação dos funcionários-educadores e do bom andamento das creches. E posso dizer que aprendi com a Professora Carolina a "prestar atenção" ao que o outro tem a dizer e a exigir dele o seu melhor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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