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Processos de transição com ingresso de bebês na educação infantil: revisão bibliográfica

Transition processes when infants enroll in ECEC: literature review

Processus de transition sur l’accueil des bébés dans les institutions d’éducation de la petite enfance: revue de littérature

Procesos de transición del ingreso de bebés en la Educación Infantil: una revisión bibliográfica

Resumo

Como consequência do complexo, multifacetado e contraditório processo de aquisição de direitos das mulheres trabalhadoras e das crianças, tem havido grande aumento de frequência de bebês em instituições de educação infantil. Interrogou-se, assim, como a literatura discute a transição de cuidados/educação mais centrados em contextos domiciliares para os compartilhados com a instituição. Esta revisão bibliográfica sistemática utilizou termos transição, adaptação, bebês e creche em cinco línguas e em seis bases de dados. Os resultados indicam crescimento da temática nas duas últimas décadas, com maior produção no Brasil e nos Estados Unidos. Atentando-se à complexidade do processo, autores focalizam processos e ações antes e após o ingresso nas instituições, além de mudanças de longo tempo. Discutem-se questões teóricas, relação família-instituição, papel do professor e estratégias de acolhimento.

Palavras-chave:
bebês; instituições de educação infantil; transição; transição entre salas; microtransições

Abstract

As consequence of the complex, multifaceted, and contradictory process of acquiring the rights of working women and children, the frequency of babies in institutions of early childhood education and care has greatly increased. It was therefore questioned how literature discusses the transition from care/education more centered in the home contexts to those shared with the institution. This systematic bibliographic review used the terms transition, adaptation, babies, and daycare, in five languages and in six databases. Results indicate a growth of the theme in the last two decades, with greater production in Brazil and the Unites States. Paying attention to the complexity of the process, authors focus on processes and actions before and after enrolling in the institutions, in addition to long time changes. Theoretical issues, family-institution relationship, the teacher’s role, and welcoming strategies are discussed.

Keywords:
babies; early childhood education and care; transition; class transitions; microtransition

Résumé

En raison du processus complexe, multiforme et contradictoire d’acquisition des droits des femmes qui travaillent et des enfants, il y a eu une forte augmentation de la fréquence des bébés dans les institutions d’éducation de la petite enfance. On s’est donc interrogé sur la manière dont la littérature traite de la transition des soins/éducation plus centrés sur le domicile à ceux partagés avec l’institution. Cette revue bibliographique systématique a utilisé les termes transition, adaptation, bébés et garderie en cinq langues et en six bases de données. Les résultats indiquent une croissance du thème au cours des deux dernières décennies, avec une plus grande production au Brésil et aux États-Unis. En prêtant attention à la complexité du processus, les auteurs se concentrent sur les processus et actions avant et après leur accueil dans les institutions, en plus des changements sur une longue période. Les questions théoriques, la relation famille-institution, le rôle de l’enseignant et les stratégies d’accueil sont discutés.

Mots-clés:
bebés; institutions d’éducation de la petite enfance; transition entre classes; microtransition

Resumen

Como consecuencia del complejo, multifacético y contradictorio proceso de adquisición de derechos -de las mujeres trabajadoras y los niños-, se ha producido un gran aumento en la frecuencia de bebés en las instituciones de educación infantil. Se cuestionó, por lo tanto, cómo la literatura discute la transición de acciones asistenciales/educativas más centradas en el hogar a las compartidas con la institución. Esta revisión bibliográfica sistemática utilizó los términos transición, adaptación, bebés y guardería, en cinco idiomas y seis bases de datos. Los resultados indican un crecimiento del tema en las últimas dos décadas, con mayor producción en Brasil y Estados Unidos. Considerando la complejidad del proceso, los autores se enfocan en procesos y acciones previas y luego de ingresar a las instituciones, además de un largo tiempo. Se discuten aspectos teóricos, relación familia-institución, rol del docente y estrategias para acoger el contexto.

Palabras clave:
bebés; instituciones de educación infantil; transición; transición entre clases; microtransiciones

Introdução

A história das instituições de educação infantil (IEI) - ligada à aquisição de direitos da criança, bem como de permanência das crianças em instituições de educação de qualidade -, está fortemente ligada ao histórico de lutas por conquistas e de direitos pelas mulheres. No século XX, houve grande movimentação na luta por direitos sociais e trabalhistas, com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho e, nessa condição, instou-se a necessidade de criar condições de cuidado/educação compartilhados de seus filhos (Amorim & Rossetti-Ferreira, 1999Amorim, K. S., & Rossetti-Ferreira, M. (1999). Creches com qualidade para a educação e o desenvolvimento integral da criança pequena. Psicologia: Ciência e Profissão, 19(2), 64-69. doi: 10.1590/S1414-98931999000200009.
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). Desdobrando-se das reivindicações, além de políticas de agências internacionais, iniciou-se uma série de mudanças nas instituições do tipo creche, que gradualmente passaram a ter objetivos educacionais/pedagógicos. Apesar disso, até meados de 1980 o atendimento à primeira infância ainda possuía fortes influências da filantropia e da assistência social (Rosemberg, 1992Rosemberg, F. (1992). A educação pré-escolar brasileira durante os governos militares. Cadernos de Pesquisa , (82), 21-30.).

Frente ao crescimento de movimentos político-sociais, que também colocavam na pauta a preocupação com o desenvolvimento integral da criança pequena, as instituições passaram a ter seu perfil redefinido, sendo inseridas no campo educacional (Amorim & Rossetti-Ferreira, 1999Amorim, K. S., & Rossetti-Ferreira, M. (1999). Creches com qualidade para a educação e o desenvolvimento integral da criança pequena. Psicologia: Ciência e Profissão, 19(2), 64-69. doi: 10.1590/S1414-98931999000200009.
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). A educação infantil tornou-se um direito da criança, uma opção da família e um dever do Estado por meio da Constituição Federal Brasileira (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Brasília, DF: Presidência da República.). Sua regulamentação se efetivou com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) (Lei nº 9.394, 1996Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996, 23 de dezembro). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, seção 1.), a qual incluiu oficialmente a Educação Infantil no capítulo da Educação, o que fomentou a expansão e a consolidação de novas concepções e práticas em relação à educação e ao cuidado de crianças pequenas em IEI.

A despeito da difusão desses serviços de atendimento à infância na sociedade brasileira, sua constituição se fez atendendo de modos distintos às diferentes classes socioeconômicas, etnias e regiões do país, existindo uma distribuição desigual entre as regiões, particularmente quando se consideram as crianças de 0 aos 3 anos e suas famílias (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2020). Relatório do 3º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação de Educação (PNE). Brasília, DF: Inep.).

Para além disso, ao longo de todo seu percurso histórico, os serviços ofertados à criança pequena em IEI têm sido atravessados por diversos discursos ideológicos, contextual e temporalmente situados. Essas múltiplas vozes, que englobam e estão permeadas por elementos de ordem socioeconômica, cultural e política, ecoam no corpo social por meio de concepções ideais acerca do exercício da maternidade, circunscrevendo as configurações do tipo de cuidado oferecido à criança pequena (Amorim & Rossetti-Ferreira, 1999Amorim, K. S., & Rossetti-Ferreira, M. (1999). Creches com qualidade para a educação e o desenvolvimento integral da criança pequena. Psicologia: Ciência e Profissão, 19(2), 64-69. doi: 10.1590/S1414-98931999000200009.
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), particularmente daquelas no primeiro ano de vida.

Uma dessas vozes é a Teoria do Apego, que se constituiu historicamente como um forte paradigma a marcar os discursos e estudos sobre bebês que frequentam IEI (Bowlby, 2002Bowlby, J. (2002). Apego (3a ed.). São Paulo, SP: Martins Fontes.). De acordo com o autor, o apego é um tipo de vínculo, resultado da atividade de sistemas comportamentais ativados no momento em que o bebê se sente ameaçado ou padece de algum desconforto. Bowlby afirma que o estabelecimento do apego com uma figura central (geralmente a mãe) é crucial ao desenvolvimento socioemocional da criança e que as separações dessa figura, mesmo quando breves, podem ter efeitos deletérios, o que poderia se desdobrar em processos psicopatológicos no desenvolvimento posterior. Nessa perspectiva, a frequência de bebês em IEI se constituiria como fator de risco ao desenvolvimento da criança, e tal proposição suscita uma série de estudos acerca do desenvolvimento de apego inseguro em crianças que frequentam IEI (Vandell et al., 2010Vandell, D., Belsky, J., Burchinal, M., Steinberg, L., Vandergrift, N., & NICHD Early Child Care Research Network. (2010). Do effects of early child care extend to age 15 years? Results from the NICHD Study of Early Child Care and Youth Development. Child Development , 81(3), 737-756.).

No entanto, tais concepções de maternidade e de cuidado considerado ideal dos filhos têm sofrido questionamentos, com repercussões favorecendo o compartilhamento dos cuidados e da educação de crianças pequenas em IEI. Estudos evidenciam a necessidade de considerar a existência de inúmeros fatores atuantes na situação, como a estruturação de um ambiente adaptado à criança e que propicie autonomia ao bebê e a atenção para atividades em grupo e que possibilitem a interação com pares de idade (Ereky-Stevens, Funder, Katschnig, Malmberg, & Datler, 2018Ereky-Stevens, K., Funder, A., Katschnig, T., Malmberg, L. E., & Datler, W. (2018). Relationship building between toddlers and new caregivers in out-of-home childcare: Attachment security and caregiver sensitivity. Early Childhood Research Quarterly , 42, 270-279. doi: 10.1016/j.ecresq.2017.10.007.
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; Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (1993). Processos de adaptação na creche. Cadernos de Pesquisa , 86, 55-64.), para além do foco da separação da figura materna.

Outro aspecto que passou a ser ressaltado se refere ao processo de transição em que a criança pequena passa a frequentar a IEI (Amorim, Vitória, & Rossetti-Ferreira, 2000Amorim, K. S., Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (2000). A rede de significações como perspectiva para a análise do processo de bebês na creche. Cadernos de Pesquisa, 109(3), 115-143. doi: 10.1590/S0100-15742000000100006.
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; Peixoto et al., 2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.; Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (1993). Processos de adaptação na creche. Cadernos de Pesquisa , 86, 55-64.). Historicamente, no Brasil, esse processo é referido pelo termo “adaptação” do bebê à IEI coletiva (Amorim et al., 2000Amorim, K. S., Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (2000). A rede de significações como perspectiva para a análise do processo de bebês na creche. Cadernos de Pesquisa, 109(3), 115-143. doi: 10.1590/S0100-15742000000100006.
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; Rapoport & Piccinini, 2001aRapoport, A., & Piccinini, C. A. (2001a). Concepçöes de educadoras sobre a adaptaçäo de bebês à creche. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 17(1), 69-78. doi: 10.1590/S0102-37722001000100010.
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). No entanto, estudos verificaram que o ingresso e a frequência da criança na instituição envolvem processos que vão muito além de um fenômeno individual de adequação/acomodação da criança ao novo ambiente (Amorim, Eltink, Vitória, Almeida, & Rossetti-Ferreira, 2004Amorim, K. S., Eltink, C., Vitória, T., Almeida, L. S., & Rossetti-Ferreira, M. C. (2004). Processos de adaptação de bebês à creche. In M. C. Rossetti-Ferreira, K. S. Amorim, A. P. S. Silva & A. M. A. Carvalho (Orgs.), Rede de Significações e o estudo do desenvolvimento humano (pp. 137-156). Porto Alegre, RS: Artmed.). Os processos se iniciam com os familiares, antes mesmo da efetiva participação da criança na IEI. Com a frequência do bebê na instituição, interligam-se diferentes contextos (casa/IEI/local de trabalho dos pais/serviços de saúde etc.), desdobrando-se manifestações de diferentes ordens que se expressam através dos vários participantes. O termo transição permite, assim, considerar a situação em sua complexidade, indo além das transformações da criança e englobando também a família, as professoras e a própria IEI.

Considerando a complexidade que envolve essa situação da transição e diante do crescente ingresso de bebês em IEI, o objetivo deste trabalho foi realizar uma revisão bibliográfica sistemática integrativa (Grupo Ânima Educação, 2014Grupo Ânima Educação. (2014). Manual Revisão Bibliográfica Sistemática Integrativa: A pesquisa baseada em evidências. Belo Horizonte, MG: Grupo Anima Educação.), norteada pelo questionamento sobre o que vem sendo discutido na literatura em relação aos processos de transição envolvendo o ingresso e a frequência de bebês, dos 0 aos 3 anos, em IEI.

Método

Verificaram-se as terminologias que mais pudessem apreender o fenômeno em questão, identificando-se os termos “transição” e “adaptação”. Foram ainda utilizadas palavras que delimitassem a faixa etária pretendida e que se referiam à IEI. Assim, para as buscas, empregou-se a seguinte equação com os descritores equivalentes nas cinco línguas (português, inglês, espanhol, francês e italiano): (“transição” OR “adaptação” OR “adaptación” OR “transition” OR “transizione” OR “inserimento” OR “adaptation” OR “accueil”) AND (“bebês” OR “babies” OR “infant” OR “toddler” OR “bambini” OR “bebé”) AND (“creche” OR “daycare” OR “ECEC” OR “asilo nido” OR “crèche” OR “garderia”).

Realizaram-se buscas nas bases de dados nacionais e internacionais: Scientific Electronic Library Online (Scielo); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Scopus; e Education Resources Information Center (ERIC). De maneira complementar realizaram-se buscas por trabalhos nessas línguas, com os mesmos termos no Google Scholar e na rede ResearchGate.

Definiram-se como critérios de inclusão: (1) artigos sobre transição/adaptação de bebês para a/na instituição de educação infantil; (2) trabalhos cujas crianças tivessem idade inferior a três anos; e (3) artigos publicados em português, espanhol, inglês, italiano e francês. Como critérios de exclusão consideraram-se trabalhos que não estavam em formato de artigo científico, aqueles que estudavam crianças maiores de três anos de idade, além dos que não abordavam aspectos do processo com o ingresso de bebês na IEI.

Optou-se por não realizar um recorte temporal em decorrência da quantidade de artigos encontrados (apenas 49, sem restrição de tempo e em cinco línguas distintas) e da intenção de realizar um breve mapeamento de como o início de frequência de bebês na IEI e o processo de transição foram sendo tratados na literatura ao longo das décadas. Uma equipe de pesquisadoras realizou as buscas do final de 2018 até o início de 2020, chegando aos 49 artigos. Primeiramente, realizou-se o levantamento de dados mais objetivos do material, anotando-os em uma tabela do Microsoft Excel, na qual foram indicados ano de publicação, palavras-chave, país de publicação, objetivos e principais resultados.

Na sequência, realizou-se um extenso trabalho de leitura dos artigos na íntegra e de fichamentos sistemáticos pelo grupo, com estrutura padronizada, resumos das principais ideias e conceitos dos artigos, além de detalhamentos dos procedimentos metodológicos e principais resultados. Tais fichamentos resultaram em um extenso documento que foi analisado, sendo feitas aproximações e diferenciações, com a construção de eixos temáticos relacionados ao processo, alguns dos quais são apresentados a seguir.

Vale antes informar que, apesar das buscas terem considerado os termos adaptação e transição, em função de se reconhecer a complexidade do processo, as autoras utilizarão a partir da agora o termo “transição”. O termo adaptação só será utilizado quando houver especificamente referência ao seu uso por autores identificados na revisão.

Resultados e discussão

Inicialmente, serão apresentados alguns dados quantitativos referentes aos 49 artigos. Em seguida, serão discutidos aspectos concernentes ao período de transição abordados pelos autores, em específico: primeiramente, quanto dura a transição com o ingresso dos bebês na IEI; e, depois, os diferentes tipos de transição discutidos.

No que diz respeito ao período de publicação, os primeiros trabalhos são das décadas de 1970 (4%) e 1980 (4%). Depois, houve um pequeno aumento de publicações na década de 1990 (8%), uma maior expressividade da temática na década de 2000 (29%) e, finalmente, um crescimento intenso a partir de 2010 (55%).

A partir da análise dos trabalhos recuperados, constatou-se que eles partem de diferentes abordagens teóricas, sendo assim divididos: Teoria do Apego (24,5%); Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner e outras abordagens sistêmicas (16,4%); psicanálise (Klein, Winnicott, Bick, Mahler) (18,3%); e histórico-cultural (10,2%). Apareceram também trabalhos na abordagem de Emmi Pikler (2,1%), estudos com referencial misto com junção da Teoria do Apego e Margareth Mahler (4,2%) e outros utilizando o conceito de “goodness-in-fit” (2,1%). Além disso, encontraram-se estudos da medicina e políticas públicas sobre a incidência de adoecimento físico e eficácia e políticas nacionais (6,2%), da área da educação sobre a transição para IEI em crianças/famílias imigrantes (4,2%), da sociologia da infância (2,1%), revisão bibliográfica sobre o processo de adaptação (2,1%) e outros (7,6%).

A análise dos referenciais teóricos indicou que a questão tem sido investigada predominantemente no campo da psicologia, com 47% dos trabalhos tendo como pressuposto e foco a área, com ênfase na questão dos processos da separação do bebê da figura materna (tanto a partir da Teoria de Apego, como de autores da psicanálise). Ainda, o que se verifica é que apesar da histórica dominância da Teoria do Apego nesse campo, produções com base nessa perspectiva têm sofrido intensa queda ao longo dos anos, não sendo mais dominante na forma de analisar o ingresso de bebês em IEI.

Outro ponto importante refere-se ao fato de que mesmo os estudos pautados na Teoria do Apego da atualidade o farão de um modo distinto, na medida em que predominantemente não discutem os possíveis malefícios da IEI. Assim, a partir de 2000, estudos da Teoria do Apego focalizam estratégias que facilitam a transição (como em Bossi, Brites, & Piccinini, 2017Bossi, T. J., Brites, S. A. N. D., & Piccinini, C. A. (2017). Adaptação de bebês à creche: aspectos que facilitam ou não esse período. Paidéia, 27(1), 448-456. doi: 10.1590/1982-432727s1201710.
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) e o papel dos pares na IEI (como Ereky-Stevens et al., 2018Ereky-Stevens, K., Funder, A., Katschnig, T., Malmberg, L. E., & Datler, W. (2018). Relationship building between toddlers and new caregivers in out-of-home childcare: Attachment security and caregiver sensitivity. Early Childhood Research Quarterly , 42, 270-279. doi: 10.1016/j.ecresq.2017.10.007.
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), sinalizando uma nova tendência, a qual confere importância a outras possibilidades para além da figura diádica bebê-adulto (mãe). Mais ainda, constata-se que vários estudos têm sido conduzidos inclusive de forma a problematizar e a se contrapor a trabalhos na perspectiva de John Bowlby.

Nota-se, assim, uma inversão ao longo do tempo, com uma emergência massiva de outras perspectivas com a continuação das publicações a partir da perspectiva histórico-cultural (Amorim et al., 2004Amorim, K. S., Eltink, C., Vitória, T., Almeida, L. S., & Rossetti-Ferreira, M. C. (2004). Processos de adaptação de bebês à creche. In M. C. Rossetti-Ferreira, K. S. Amorim, A. P. S. Silva & A. M. A. Carvalho (Orgs.), Rede de Significações e o estudo do desenvolvimento humano (pp. 137-156). Porto Alegre, RS: Artmed.) e a eclosão de estudos partindo de outras áreas, com ênfase na educação (Picchio & Mayer, 2019Picchio, M., & Mayer, S. (2019). Transitions in ECEC services: the experience of children from migrant families. European Early Childhood Education Research Journal, 27(2), 285-296. doi: 10.1080/1350293x.2019.1579552.
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) e, ainda, na Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner que, assim como trabalhos da abordagem histórico-cultural, consideram a importância de englobar os múltiplos fatores e contextos envolvidos no ingresso da criança na instituição (como em Peixoto et al., 2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.). Verifica-se, portanto, um fluxo e movimento, com mudanças nos campos e mesmo nas perspectivas de análise da situação.

Dentro das possibilidades e dos limites propostos pelas bases de dados acessadas, em relação à origem dos estudos realizados, os trabalhos foram desenvolvidos nos seguintes países: Brasil (30,6%), Estados Unidos (18,3%), Itália (12,2%), Portugal (10,2%), França (4%), Áustria (6%). Outros países produziram estudos acerca do tema de modo menos expressivo: Alemanha (4%), Noruega (2%), Holanda (2%), Cuba (2%), Colômbia (2%) e Austrália (2%), entre outros.

No Brasil, afora o trabalho de Vitória e Rossetti-Ferreira (1993Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (1993). Processos de adaptação na creche. Cadernos de Pesquisa , 86, 55-64.), só foi possível localizar trabalhos a partir do ano de 2000. Uma hipótese com relação a essa década de lacuna é a de que os estudos posteriores se desdobraram dos movimentos e das novas legislações brasileiras acerca dos direitos da criança e da educação infantil. Como já citado, na Constituição Federal de 1988 (artigo 208, inciso IV), a educação infantil passou a ser considerada um direito da criança e um dever do Estado. Em 1990, com o estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve reconhecimento legal da infância como uma etapa peculiar de desenvolvimento, promulgação que foi sedimentada com o estabelecimento da LDB (1996), que reconheceu a educação infantil como parte do sistema educacional, situando a criança como cidadã e definindo como objetivo da educação infantil a promoção do desenvolvimento integral da criança. Com isso, colocou-se como emergente a condução de estudos que pudessem compreender tais processos em paralelo ao desenvolvimento de políticas públicas para essa faixa etária, com a criação de um grande número de instituições para suprimento da demanda.

Outro país com produção quantitativamente significativa foi os Estados Unidos, com atenção ao fato de os pesquisadores desse país terem produzido dois estudos na década de 1970 e, depois de uma longa lacuna de publicação de trabalhos, retornado à temática apenas a partir de 2000. Essa lacuna de produção poderia ser explicada pelo próprio contexto de debate do tema naquele país. Os estudos realizados na década de 1970 não apontaram para efeitos adversos relacionados à frequência à creche. Ao contrário, mostrava-se profícuo o tipo de atendimento oferecido à criança (e.g. McCutcheon & Calhoun, 1976McCutcheon, B., & Calhoun, K. (1976). Social and emotional adjustment of infants and toddlers to a day care setting. American Journal of Orthopsychiatry, 46(1), 104-108.).

Porém, após a repercussão da Teoria do Apego (Bowlby, 2002Bowlby, J. (2002). Apego (3a ed.). São Paulo, SP: Martins Fontes.) sobre os efeitos no desenvolvimento do apego frente às separações da figura materna no início da vida, a maioria dos estudos norte-americanos passou a se centrar nessa perspectiva, havendo investigação exaustiva do tema nos anos subsequentes. A hipótese apontada por LeVine (2014LeVine, R. (2014). Attachment theory as cultural ideology. In H. Otto & H. Keller (Ed.), Different Faces of Attachment: Cultural Variations on a Universal Human Need (pp. 50-65). Cambridge: Cambridge University Press. doi: 10.1017/CBO9781139226684.005.
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) é de que a redução de trabalhos tratando de aspectos negativos acerca da frequência das crianças pequenas em IEI se deu após os resultados do estudo em larga escala do Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development (NICHD, 1997NICHD. (1997). The Effects of Infants Child Care on Infant-Mother attachment security: Results of the NICHD of Early Child Care. Child Development , 68(5), 860-879. doi: 10.1111/j.1467-8624.1997.tb01967.x.
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) concluírem que a frequência às IEI por si só não apresentava efeitos deletérios.

Em contraponto a esse curso norte-americano, de acordo com Singer e Wong (2019Singer, E., & Wong, S. (2019). Emotional security and daycare for babies and toddlers in social-political contexts: Reflections of early years pioneers since the 1970s, Early Child Development and Care, 191(3), 461-474. Doi: 10.1080/03004430.2019.1622539.
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), a Itália possui ampla tradição no tema da transição. Desde a década de 1970, Susanna Mantovani se engajou em reivindicações de IEI para filhos de mães empregadas, visando ao oferecimento de um atendimento de qualidade, com a familiarização da criança ao ambiente e a consequente promoção de segurança da mesma. Com isso, surgiram as denominadas práticas de inserimento, nas quais o momento de início de frequência à instituição é concebido como crucial ao estabelecimento da confiança entre pais e professores e deve visar ao ganho de autonomia pelo bebê no novo ambiente. Bove (2012Bove, C. (2012). Accogliere i bambini e le famiglie nei servizi per l’infanzia: Le ‘culture’ dell’inserimento/ambientamento oggi. Rivista Italiana di Educazione Familiare, 1, 5-17.) aponta que o uso das estratégias de transição de bebês na/para a IEI já faz parte da cultura das instituições italianas. Com isso, entende-se que o estudo sobre a transição de bebês na IEI já vem sendo feito há algumas décadas na Itália, com o início de publicação em 1980 (e.g. Comotti & Varin, 1988Comotti, S., & Varin, D. (1988). Il processo di ricongiungimento dopo la separazione diurna nel contesto dell’asilo. Bambini [Children], 3, 50-64.), encontrando-se aqui trabalhos a partir de 2000 (e.g. Bove, 2012Bove, C. (2012). Accogliere i bambini e le famiglie nei servizi per l’infanzia: Le ‘culture’ dell’inserimento/ambientamento oggi. Rivista Italiana di Educazione Familiare, 1, 5-17.; Venturelli & Cigala, 2016Venturelli, E., & Cigala, A. (2016). Daily welcoming in childcare centre as a microtransition: An exploratory study. Early Child Development and Care, 186(4), 562-577.).

Ainda, pode-se citar Portugal com contribuições diretamente focalizadas nessa temática da transição. De forma dominante, verificou-se que os estudos foram desenvolvidos a partir de amplo projeto envolvendo pesquisadores das áreas de Educação e Psicologia, com 90 IEI da região do Porto que recebiam bebês com idades entre quatro e nove meses. Os grandes eixos de publicações do projeto tratam da relação família-creche, do bem-estar dos bebês e da implementação de estratégias de transição (e.g. Coelho et al., 2018Coelho, V., Barros, S., Burchinal, M. R., Cadima, J., Pessanha, M., Pinto, A. I., ... Bryant, D. M. (2018). Predictors of parent-teacher communication during infant transition to childcare in Portugal. Early Child Development and Care, 1-15. doi: 10.1080/03004430.2018.1439940.
https://doi.org/10.1080/03004430.2018.14...
).

No geral, observou-se crescimento na abordagem da temática da transição de bebês à IEI a partir da década de 2000, fato intrinsecamente ligado ao crescente ingresso da mulher no mercado de trabalho e consequente aumento das taxas de frequência de bebês em IEI. Além disso, destacou-se também a promulgação dos direitos da criança nesse período, desdobrando-se a necessidade de construção de conhecimentos sobre como melhor acolher essas crianças e suas famílias (Amorim et al., 2000Amorim, K. S., Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (2000). A rede de significações como perspectiva para a análise do processo de bebês na creche. Cadernos de Pesquisa, 109(3), 115-143. doi: 10.1590/S0100-15742000000100006.
https://doi.org/10.1590/S0100-1574200000...
). A partir do limite dado pelas bases de dados, verificou-se maior frequência de publicações por pesquisadores brasileiros e, depois, norte-americanos, italianos e portugueses. Tem ainda havido fluxo e movimento dos referenciais teóricos de base, com decréscimo da perspectiva da Teoria do Apego e crescimento de pressupostos que tratam da questão a partir da complexidade que a envolve, indicando a presença de novos paradigmas na forma de considerar os processos em questão.

Reconhece-se o limite desses apontamentos já que, por um lado, há necessariamente uma circunscrição dos artigos encontrados a partir das bases de dados selecionadas e utilizadas. Assim, o uso de outras bases pode indicar novas questões, de forma que outras revisões devem ser feitas para explorar outros campos e posições. Ainda, o período em análise pode não fazer jus aos trabalhos buscados pelas vias virtuais, podendo haver publicações de artigos que ainda não foram digitalizados, caracterizando uma limitação de recursos do nosso trabalho.

Após essas considerações, tratar-se-á do modo como a transição foi investigada e discutida nos vários trabalhos.

Quanto tempo dura o processo de transição com o ingresso na IEI?

Uma das perguntas frequentemente feitas por pais, professores, pesquisadores e pessoas envolvidas nesse início de compartilhamento dos cuidados e da educação de bebês com uma IEI é: quanto tempo dura essa transição? A análise da revisão não indicou uma definição acurada desse tempo por parte dos pesquisadores, na medida em que esse período se mostrou extremamente variável nas pesquisas, que apontavam desde os dez primeiros dias de frequência (Ahnert, Gunnar, Lamb, & Barthel, 2004Ahnert, L., Gunnar, M. R., Lamb, M. E., & Barthel, M. (2004). Transition to Child Care: Associations with Infant-Mother Attachment, Infant Negative Emotion, and Cortisol Elevations. Child Development, 75(3), 639-650. doi: 10.1111/j.1467-8624.2004.00698.x.
https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004...
; Datler, Datler, & Funder, 2010Datler, W., Datler, M., & Funder, A. (2010). Struggling against a feeling of becoming lost: A young boy’s painful transition to daycare. Infant Observation, 13(1), 65-87. doi: 10.1080/13698031003606659.
https://doi.org/10.1080/1369803100360665...
); o primeiro mês (Klette & Killén, 2018Klette, T., & Killén, K. (2018). Painful transitions: A study of 1-year-old toddlers’ reactions to separation and reunion with their mothers after 1 month in childcare. Early Child Development and Care, 1-8. doi: 10.1080/03004430.2018.1424150.
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); ao longo de três meses (Amorim et al., 2000Amorim, K. S., Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (2000). A rede de significações como perspectiva para a análise do processo de bebês na creche. Cadernos de Pesquisa, 109(3), 115-143. doi: 10.1590/S0100-15742000000100006.
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); e até por 24 meses (Bernal, Attanasio, Peña, & Vera-Hernández, 2019Bernal, R., Attanasio, O., Peña, X., & Vera-Hernández, M. (2019). The effects of the transition from home-based childcare to center-based childcare in Colombia. Early Childhood Research Quarterly, 47, 418-431.). Com essa diversidade e sem indicações de hipóteses quanto ao período, os trabalhos não possibilitaram uma definição do tempo de processo.

Em contraponto a essa perspectiva de tempo, Amorim et al. (2004Amorim, K. S., Eltink, C., Vitória, T., Almeida, L. S., & Rossetti-Ferreira, M. C. (2004). Processos de adaptação de bebês à creche. In M. C. Rossetti-Ferreira, K. S. Amorim, A. P. S. Silva & A. M. A. Carvalho (Orgs.), Rede de Significações e o estudo do desenvolvimento humano (pp. 137-156). Porto Alegre, RS: Artmed.) e Rapoport e Piccinini (2001a)Rapoport, A., & Piccinini, C. A. (2001a). Concepçöes de educadoras sobre a adaptaçäo de bebês à creche. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 17(1), 69-78. doi: 10.1590/S0102-37722001000100010.
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discutem que o processo de transição não se dá em um tempo definido, dependendo de cada caso, que seria circunscrito por uma série de fatores (idade da criança, constituição familiar, percepções dos pais sobre o ocorrido, organização das IEI, entre outros) que constituem as redes de significações do fenômeno em questão (Amorim et al., 2000Amorim, K. S., Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (2000). A rede de significações como perspectiva para a análise do processo de bebês na creche. Cadernos de Pesquisa, 109(3), 115-143. doi: 10.1590/S0100-15742000000100006.
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). Além disso, vários autores (e.g. Behar, 2017Behar, M. P. T. (2017). Étude des micro-transitions quotidiennes et construction des repères en crèche: des profissionnelles en recherche. In S. Rayna & P. Garnier (Eds.), Transitions dans la petite enfance en Europe et au Quebec. Bruxelles: P. I. E. Peter Lang.) discutem que as transições ocorrem não somente no período inicial de frequência da criança na instituição, mas também em função de mudanças na instituição ou na vida dos familiares. Ainda, podem se manifestar em um único dia, a partir das alterações de rotina.

A seguir, serão discutidos como os diferentes processos de transição têm sido abordados na literatura.

Transição inicial

A transição inicial, com o ingresso dos bebês nas IEI, é o que predominantemente vem sendo estudado na literatura, estando presente em 85% dos trabalhos (e.g. Coelho et al., 2018Coelho, V., Barros, S., Burchinal, M. R., Cadima, J., Pessanha, M., Pinto, A. I., ... Bryant, D. M. (2018). Predictors of parent-teacher communication during infant transition to childcare in Portugal. Early Child Development and Care, 1-15. doi: 10.1080/03004430.2018.1439940.
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etc.). Um dos focos das investigações se referia às pessoas e aos aspectos das relações envolvidos na transição. Nesse sentido, foi entendida como facilitadora uma relação entre pais e professores, em que tivesse se dado o estabelecimento de comunicação sobre acontecimentos, hábitos e comportamentos relacionados ao bebê (Coelho et al., 2018; Grande, Nunes, Coelho, Cadima, & Barros, 2017Grande, C. R., Nunes, I. B., Coelho, V., Cadima, J., & Barros, S. (2017). A experiência do bebé na creche: Percepções de mães e de educadoras no período de transição do contexto familiar para a creche. Análise Psicológica, 35(3), 247-262. doi: 10.14417/ap.1174.
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).

Tal processo foi entendido como propulsor de um primeiro acolhimento, na medida em que iniciavam a construção de relações fundamentais entre família e instituição. Esse processo poderia se dar por meio da realização de entrevistas com os pais que almejavam colocar o filho na instituição, as quais eram realizadas às vezes ainda durante o período gestacional. Nas entrevistas, poderiam ser tratados assuntos como os hábitos das crianças (Vallejo, Rodríguez, Herrera, & Aguilera, 2000Vallejo, O. G., Rodríguez, L. P., Herrera, I. F., & Aguilera, S. A. (2000). Comportamiento del proceso de adptación en un círculo infantil. Revista Cubana de Medicina General Integral, 16(1), 63-67.), por exemplo, em relação à alimentação (Bossi et al., 2017Bossi, T. J., Brites, S. A. N. D., & Piccinini, C. A. (2017). Adaptação de bebês à creche: aspectos que facilitam ou não esse período. Paidéia, 27(1), 448-456. doi: 10.1590/1982-432727s1201710.
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). Ainda, foram explorados temas como desejos, temores e expectativas dos pais, a importância do uso do objeto transicional, modos de realizar os cuidados, o projeto da equipe do berçário, além de explicar a importância da transição, de modo a permitir que mãe e filho se separem gradualmente.

Ainda acerca do contato com familiares e a criança antes do início de frequência, autores como Peixoto et al. (2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.) mencionam que se deve dar abertura à criança e à sua família para que conheçam o contexto da IEI e a própria sala em que a criança passará a frequentar. Ou, ainda, a primeira aproximação dos professores com os bebês e suas famílias poderia se dar em um playgroup (grupo de brincadeiras) (Mize & Pettit, 2010Mize, J., & Pettit, G. S. (2010). The mother-child playgroup as socialisation context: A short-term longitudinal study of mother-child-peer relationship dynamics. Early Child Development and Care, 180(10), 1271-1284.). Isso sugere que, antes do ingresso efetivo na instituição, o(a) professor(a) possa vir a interagir com os familiares e as crianças, o que pode se desdobrar na criação de vínculos facilitando a transição inicial. Isso é particularmente significativo em situações em que haja alguma dificuldade de separação entre mãe-criança e que poderia levar a uma não adaptação do bebê, esse vindo a ser retirado da IEI (Martins, Becker, Leão, Lopes, & Piccinini 2014Martins, G. F., Becker, S. M. S., Leão, L. C. S., Lopes, R. C. S., & Piccinini, C. A. (2014). Fatores associados à não adaptação do bebê na creche: Da gestação ao ingresso na instituição. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(3), 241-250.).

No começo da frequência à instituição, Peixoto et al. (2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.) mencionam a importância dos bebês portarem objetos de conforto e defendem a necessidade da entrada da criança ser realizada segundo uma calendarização pré-estabelecida e em acordo com a família. Nesse sentido, um aspecto bastante enfatizado por vários se refere a um menor tempo de permanência inicial dos bebês na instituição, com aumento gradual ao longo da primeira semana de frequência (Grande et al., 2017Grande, C. R., Nunes, I. B., Coelho, V., Cadima, J., & Barros, S. (2017). A experiência do bebé na creche: Percepções de mães e de educadoras no período de transição do contexto familiar para a creche. Análise Psicológica, 35(3), 247-262. doi: 10.14417/ap.1174.
https://doi.org/10.14417/ap.1174...
; Klette & Killén, 2018Klette, T., & Killén, K. (2018). Painful transitions: A study of 1-year-old toddlers’ reactions to separation and reunion with their mothers after 1 month in childcare. Early Child Development and Care, 1-8. doi: 10.1080/03004430.2018.1424150.
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; Peixoto et al., 2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.), a depender das condições da criança, contando com uma organização flexível em relação aos horários.

Tal flexibilidade não se daria apenas em relação à permanência do bebê, mas também em relação à presença dos pais. Nessa perspectiva, alguns trabalhos mencionam experiências concretas tidas como facilitadoras da transição com a permanência de um familiar na instituição quando necessário (Bossi et al., 2017Bossi, T. J., Brites, S. A. N. D., & Piccinini, C. A. (2017). Adaptação de bebês à creche: aspectos que facilitam ou não esse período. Paidéia, 27(1), 448-456. doi: 10.1590/1982-432727s1201710.
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; Rapoport, Bossi, & Piccinini, 2018Rapoport, A., Bossi, T. J., & Piccinini, C. A. (2018). Adaptação de bebês à creche aos 4-5 meses de idade: As 10 primeiras semanas. Psico, 49(1), 81-93.): a presença da mãe dentro da sala junto com a criança, nas duas primeiras semanas de frequência (Ahnert et al., 2004Ahnert, L., Gunnar, M. R., Lamb, M. E., & Barthel, M. (2004). Transition to Child Care: Associations with Infant-Mother Attachment, Infant Negative Emotion, and Cortisol Elevations. Child Development, 75(3), 639-650. doi: 10.1111/j.1467-8624.2004.00698.x.
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) e a troca de informações sobre o processo (Peixoto et al., 2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.). Todas essas propostas ressaltam a importância da IEI oferecer um atendimento de caráter mais aberto, ou seja, um ambiente que se proponha democrático, aberto à participação da família e da comunidade, tanto no atendimento, quanto no compartilhamento de opiniões e decisões (Ministério da Educação, 2009Ministério da Educação. (2009). Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Brasília, DF: Ministério da Educação.).

Considerando tais processos, destaca-se a questão das relações a serem estabelecidas: muitos trabalhos tratam, especificamente, do papel dos professores, conferindo-lhes grande responsabilidade. Dentre os pontos concernentes ao professor ressaltam-se: a elaboração de um planejamento e ações pedagógicas que considerem os aspectos emocionais dos bebês (Stork, 1988Stork, H. (1988). L’accueildes enfants de moins de trois ans dans différents pays. Enfance, 41(2), 3-16. Doi: 10.3406/enfan.1988.1858.
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); o favorecimento do desenvolvimento afetivo e psicomotor da criança (Cristofoleti & Campos, 2016Cristofoleti, R. C., & Campos, P. C. (2016). O processo de adaptação da criança na creche: Seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e psicomotor. Kiri-Kerê - Pesquisa em Ensino, 1, 66-86.); o desenvolvimento de práticas que considerem as características individuais das crianças, para apoiá-las de acordo com suas necessidades (Recchia & Dvorakova, 2012Recchia, S. L., & Dvorakova, K. (2012). How Three Young Toddlers Transition From an Infant to a Toddler Child Care Classroom: Exploring the Influence of Peer Relationships, Teacher Expectations, and Changing Social Contexts. Early Education and Development, 23(2), 181-201. Doi: 10.1080/10409289.2012.630824.
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); a renovação de modelos pedagógicos a partir das necessidades e competências das famílias (Bove, 2012Bove, C. (2012). Accogliere i bambini e le famiglie nei servizi per l’infanzia: Le ‘culture’ dell’inserimento/ambientamento oggi. Rivista Italiana di Educazione Familiare, 1, 5-17.); e a organização das crianças em pequenos grupos e a constância do professor, como uma pessoa de referência, que servirá como apoio (Picchio & Mayer, 2019Picchio, M., & Mayer, S. (2019). Transitions in ECEC services: the experience of children from migrant families. European Early Childhood Education Research Journal, 27(2), 285-296. doi: 10.1080/1350293x.2019.1579552.
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).

Em meio a esses processos, um aspecto destacado é a necessidade de se organizar para que o momento de chegada e saída dos pais e da criança às IEI seja feito de forma não abrupta (Comotti & Varin, 1988Comotti, S., & Varin, D. (1988). Il processo di ricongiungimento dopo la separazione diurna nel contesto dell’asilo. Bambini [Children], 3, 50-64.). Autores compreendem que esses momentos, além das refeições, são os mais críticos na nova rotina dos bebês, para os quais deveria ser disponibilizado um maior número de profissionais (Klette & Killén, 2018Klette, T., & Killén, K. (2018). Painful transitions: A study of 1-year-old toddlers’ reactions to separation and reunion with their mothers after 1 month in childcare. Early Child Development and Care, 1-8. doi: 10.1080/03004430.2018.1424150.
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; Rapoport et al., 2018Rapoport, A., Bossi, T. J., & Piccinini, C. A. (2018). Adaptação de bebês à creche aos 4-5 meses de idade: As 10 primeiras semanas. Psico, 49(1), 81-93.), além de garantida a participação de uma pessoa de referência na sala, para apoio das crianças (Mauvais, 2003Mauvais, P. (2003). Socialisation Précoce et Accueil du Trés Jeune Enfant en Collectivité. Devenir, 15(3), 279-288. doi: 10.3917/dev.033.0279.
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).

A despeito de destacarem inúmeras atribuições aos professores, poucos trabalhos tratam das dificuldades dos professores ao enfrentamento e à necessidade que teriam também de suporte emocional e profissional, diante das elevadas exigências emocionais e físicas no período de transição (Wittenberg, 2001Wittenberg, I. (2001). The Transition from Home to Nursery School. Infant Observation , 4(2), 23-35. doi: 10.1080/13698030108401621.
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). Um dos trabalhos caminha nesse sentido, destacando a importância da formação inicial e continuada dos profissionais (Peixoto et al., 2017Peixoto, C., Barros, S. Coelho, V., Cadima, J., Pinto, A. I., & Pessanha, M. (2017). Transição para a creche e bem-estar emocional dos bebês em Portugal. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 427-436.).

Em relação à organização das instituições, alguns estudos indicam a importância de garantir a qualidade dos espaços coletivos. Mauvais (2003Mauvais, P. (2003). Socialisation Précoce et Accueil du Trés Jeune Enfant en Collectivité. Devenir, 15(3), 279-288. doi: 10.3917/dev.033.0279.
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) sugere que os espaços sejam abertos e protegidos, favorecendo a intimidade e a comunicação, além de assegurar tanto os cuidados proximais (como de higiene) como distais (respeitando a liberdade da criança). O tamanho da sala deve ser considerado - quanto menor a criança, menor deve ser o espaço (Mauvais, 2003; Wittenberg, 2001Wittenberg, I. (2001). The Transition from Home to Nursery School. Infant Observation , 4(2), 23-35. doi: 10.1080/13698030108401621.
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).

Ademais, discute-se sobre elementos da rotina inicial das crianças em transição. Sugestões apontadas por Mauvais (2003Mauvais, P. (2003). Socialisation Précoce et Accueil du Trés Jeune Enfant en Collectivité. Devenir, 15(3), 279-288. doi: 10.3917/dev.033.0279.
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) incluem a necessidade de uma previsibilidade em eventos do cotidiano, podendo envolver rituais de músicas e ludicidade no período, de modo a estreitar relações dos bebês com as professoras e entre eles (Picchio & Mayer, 2019Picchio, M., & Mayer, S. (2019). Transitions in ECEC services: the experience of children from migrant families. European Early Childhood Education Research Journal, 27(2), 285-296. doi: 10.1080/1350293x.2019.1579552.
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). Outra prática diz respeito à incorporação das rotinas de cuidado desenvolvidas na família às rotinas dos bebês que ingressam na IEI (Peixoto et al., 2015Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I., Cadima, J., Barros, S., & Pessanha, M. (2015). Transição de bebés do contexto familiar para a creche: Práticas e ideias dos profissionais. Sensos-e, 1(2), 1-13.). Finalmente, alguns dos artigos tratam de elementos a serem considerados na participação dos bebês na composição de um grupo e da importância de uma atenção mais individualizada a ser oferecida até que o bebê se habitue ao grupo (Vallejo et al., 2000Vallejo, O. G., Rodríguez, L. P., Herrera, I. F., & Aguilera, S. A. (2000). Comportamiento del proceso de adptación en un círculo infantil. Revista Cubana de Medicina General Integral, 16(1), 63-67.; Wittenberg, 2001Wittenberg, I. (2001). The Transition from Home to Nursery School. Infant Observation , 4(2), 23-35. doi: 10.1080/13698030108401621.
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).

Outras transições dentro da inicial

Ao considerarem a ocorrência de diferentes transições nas vivências da criança, Vitória e Rossetti-Ferreira (1993Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (1993). Processos de adaptação na creche. Cadernos de Pesquisa , 86, 55-64.) afirmam ainda a necessidade de se pensar estratégias não só para a transição com o ingresso na IEI, mas também nas transições que ocorrem ao longo das vivências na IEI. Essa questão é colocada por autores como Rapoport e Piccinini (2001b)Rapoport, A., & Piccinini, C. A. (2001b). O ingresso e adaptação de bebês e crianças pequenas à creche: Alguns aspectos críticos. Psicologia: Reflexão e crítica, 14(1), 81-95. doi: 10.1590/S0102-79722001000100007.
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, que discutem processos de estranhamento em bebês que já pareciam adaptados, tratando a ocorrência como “retrocessos” (mais frequentemente na idade de 4-5 meses). Segundo os autores, os bebês passaram a apresentar comportamentos semelhantes aos do ingresso na instituição, mas que se manifestaram após afastamento da criança por doença ou devido a fatos ocorridos na vida familiar. Rutanen, Amorim, Dentz, White e Marwick (2018Rutanen, N., Amorim, K. S., Dentz, M. V., White, J., & Marwick, H. (2018). Parent and staff expectations, aspirations and experiences of transition to ECEC. Trabalho apresentado na 28th EECERA Annual Conference (p. 211). Budapeste, HU.) também discutem a reincidência de estranhamento após afastamentos ou outras situações e tratam desses processos como sendo “novas transições”, dentro da transição maior.

As microtransições

Para além das transições discutidas acima, outras transições envolvem, em um mesmo dia, a passagem de uma atividade a outra e que perduram por menor período de tempo. Venturelli e Cigala (2016Venturelli, E., & Cigala, A. (2016). Daily welcoming in childcare centre as a microtransition: An exploratory study. Early Child Development and Care, 186(4), 562-577.) discutem o momento da chegada, quando ocorre a formalização da separação temporária entre os pais e a criança. Segundo as autoras, usualmente, pesquisadores e profissionais trabalham essa situação numa perspectiva de relação diádica (mãe-bebê), partindo da Teoria do Apego. Para as autoras, tal abordagem é vista como “fragmentada” e discutida a partir da necessidade de considerar essa microtransição a partir do conjunto das relações, concebidas como o espaço relacional em que todos os participantes têm um papel ativo e dinâmico na situação, mesmo que diferente e até mesmo oposto. Observando o conjunto de atores envolvidos no processo e as modalidades interativas que podem se apresentar diariamente por meio de gestos, expressões e vocalizações dos bebês, pode-se identificar a competência da criança nessa microtransição e os recursos interativos que poderiam ser mais funcionais, ajudando a criança a desenvolver o sentimento de pertencimento ao contexto institucional.

Comotti e Varin (1988Comotti, S., & Varin, D. (1988). Il processo di ricongiungimento dopo la separazione diurna nel contesto dell’asilo. Bambini [Children], 3, 50-64.), por outro lado, analisam as reações negativas das crianças na microtransição da saída da IEI, com a chegada dos pais para buscar a criança. Os autores sustentam os pressupostos da Teoria do Apego para identificar comportamentos evitativos ou negativos quando do reencontro com os pais. Sugere-se que a equipe de professores deva dar suporte a partir de uma mediação transitória para que a criança não saia de forma abrupta do ambiente ao qual deverá retornar em breve.

Bove e Cescato (2014Bove, C., & Cescato, S. (2014). Cultures of education and rituals of transition from home to the infant toddler center. Observing interactions and professional development. Ricerche di Pedagogia e Didattica. Journal of Theories and Research in Education, 8(2), 27-44. doi: 10.6092/issn.1970-2221/4035.
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) afirmam a importância não somente do momento da chegada da criança na instituição, mas também do reencontro com os pais, particularmente nos casos de crianças oriundas de famílias imigrantes, problematizando os rituais de transição no contexto multicultural. Nessa realidade, os conhecimentos prévios dos profissionais sobre a transição e o acolhimento podem se tornar insuficientes, de modo que os professores têm que buscar novos recursos para a superação de problemas diante da dificuldade de comunicação e entendimento da cultura das famílias.

Outras microtransições são ainda consideradas e englobam transições tanto entre diferentes momentos da rotina como entre duas atividades. A autora aponta que referências temporais devem se apoiar em referências espaciais, por meio da organização do material e do local por onde transitam os bebês (favorecendo a psicomotricidade). Explicações dadas na transição de atividades também são importantes para a referência das crianças, bem como se mostra fundamental a preparação da própria atividade (Behar, 2017Behar, M. P. T. (2017). Étude des micro-transitions quotidiennes et construction des repères en crèche: des profissionnelles en recherche. In S. Rayna & P. Garnier (Eds.), Transitions dans la petite enfance en Europe et au Quebec. Bruxelles: P. I. E. Peter Lang.).

Transição entre turmas na IEI

Alguns autores tratam da transição das crianças entre as salas. Dois dos trabalhos se referem a um programa de continuidade, no qual o mesmo professor acompanharia as crianças ao longo dos primeiros três anos iniciais (e.g. Recchia & Dvorakova, 2012Recchia, S. L., & Dvorakova, K. (2012). How Three Young Toddlers Transition From an Infant to a Toddler Child Care Classroom: Exploring the Influence of Peer Relationships, Teacher Expectations, and Changing Social Contexts. Early Education and Development, 23(2), 181-201. Doi: 10.1080/10409289.2012.630824.
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). Segundo os autores, essa permanência do mesmo professor se mostra importante, uma vez que, em tal condição, as crianças se adaptam à nova sala em menor período de tempo. Uma relação segura com um adulto já conhecido também pode vir a representar aspecto facilitador das interações entre os pares.

Para além da figura do professor, autores sugerem que a mudança de sala deva acontecer com um grupo de crianças que já convivia entre si, os pares podendo representar fonte de apoio seguro (Recchia & Dvorakova, 2012Recchia, S. L., & Dvorakova, K. (2012). How Three Young Toddlers Transition From an Infant to a Toddler Child Care Classroom: Exploring the Influence of Peer Relationships, Teacher Expectations, and Changing Social Contexts. Early Education and Development, 23(2), 181-201. Doi: 10.1080/10409289.2012.630824.
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), evitando, assim, que sejam modificados todos os vínculos nessa mudança (Vitória & Rossetti-Ferreira, 1993Vitória, T., & Rossetti-Ferreira, M. (1993). Processos de adaptação na creche. Cadernos de Pesquisa , 86, 55-64.). Por outro lado, McGaha, Cummings, Lippard e Dallas (2011McGaha, C. G., Cummings, R., Lippard, B., & Dallas, K. (2011). Relationship Building: Infants, Toddlers, and 2-Year-Olds. Early Childhood Research & Practice, 13(1).) discutem as vantagens de momentos do dia em que diferentes turmas realizam atividades conjuntamente, na medida em que esses instantes facilitam a transição para a turma seguinte.

Considerações finais

Este trabalho objetivou analisar como a literatura tem investigado os processos de transição de cuidados/educação dos bebês de um contexto dominantemente domiciliar para o compartilhado com a IEI. Esse objeto de estudo resulta não só do aumento da atuação da mulher no mercado de trabalho, com a crescente necessidade de compartilhamento de cuidado/educação de bebês, mas também pelo reconhecimento dos direitos da criança aos cuidados/educação em IEI.

De acordo com os resultados, verificou-se um crescimento progressivo do estudo da temática a partir da década de 2000. No entanto, esse resultado pode não desvelar a realidade em relação à existência de publicações anteriores na temática, em função de vários elementos, primeiramente em decorrência de que há sempre uma circunscrição dos artigos encontrados a partir das bases de dados selecionadas e utilizadas. Ainda, o período em análise pode não fazer jus aos trabalhos buscados pelas vias virtuais, podendo haver publicações que ainda não foram digitalizadas, caracterizando uma limitação deste trabalho.

Ao longo das décadas, tem havido uma mudança nos referenciais teóricos de base que analisam o processo, com decréscimo de publicações que centravam foco na questão das relações mãe-bebê e sua “separação”, passando a abarcar o processo a partir de um conjunto de elementos que buscam apreender a complexidade da questão dentro dos processos histórico-culturais de que participa.

No geral, não se verificou um consenso em termos de duração da transição, o processo podendo ser considerado como mais breve ou mesmo levar semanas e meses, fato provavelmente relacionado à complexidade que o envolve, dado o entrelaçamento ligado à participação de inúmeras pessoas e instituições (família, escola, legislações etc.).

Autores apontam estratégias significativas de aproximação dos professores com as famílias e crianças, tanto por entrevistas como por visitas da família/criança à IEI. Orienta-se quanto ao tempo de permanência da criança e da família no início da frequência, servindo como ponto de ancoragem à familiarização da criança e da família ao novo ambiente, como também à construção das relações entre profissionais, familiares e bebês. Estudos destacam o papel do professor no apoio e na construção de estratégias para enfrentamento do processo junto à família e à criança, havendo sugestões de formação inicial e continuidade em relação a esse processo. Porém, poucos se debruçam quanto ao peso dado ao profissional e ao papel organizacional da própria instituição.

Autores indicam que a transição não envolve somente os primeiros dias de participação na IEI, podendo ser recorrentes após doença, mudanças na família e instituição, além de mudanças de turma ou, ainda, em alterações dentro da própria rotina diária da criança. Particular atenção é dada aos momentos de chegada e saída da criança, prevendo-se planejamento desse processo com o estabelecimento de estratégias claras e flexíveis, a fim de transmitir segurança às crianças e às famílias para as transições serem mais bem-sucedidas.

Destaca-se que, durante a análise da revisão, deparamo-nos com algumas limitações. Particularmente pela restrição estrutural das bases de dados, houve limite de acesso a trabalhos de países em que o tópico do processo de transição de bebês é discutido há mais tempo, como Itália e França. Apesar disso, a análise dos trabalhos encontrados apontou aos diferentes tipos de transição vivenciados pelos vários participantes envolvidos. Além disso, foi possível visualizar as mudanças no campo - teóricas e práticas -, além da verificação de estratégias analisadas, o que permite o desdobramento da discussão com maior densidade teórica, além de contribuições para a prática em IEI.

Verificaram-se avanços em termos da construção de conhecimentos por meio de amplas e interligadas discussões sobre os diferentes momentos da transição dos bebês para IEI, apesar de ainda haver a necessidade de investigações em relação à aplicabilidade e eficácia de estratégias na prática das IEI e nas experiências das famílias envolvidas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Revisado
    23 Abr 2022
  • Aceito
    08 Out 2022
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