Acessibilidade / Reportar erro

Arquitetura comparativa dos pulmões de camundongos normais e afetados pela Distrofia Muscular de Duchenne

Comparative lung architecture of normal and by Duchenne Muscular Dystrophy affected mice

Resumo:

A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética de caráter recessivo que caracterizada por fraqueza muscular progressiva de cintura pélvica e escapular evoluindo para insuficiência respiratória e, ou cardíaca. O camundongo mdx é um modelo amplamente utilizado para estudos da DMD. Apesar do fenótipo destes animais serem mais suave, estes apresentam o principal músculo respiratório, o diafragma com morfologia e bioquímica semelhante à DMD humana, fato este que pode comprometer a função respiratória e consequentemente os pulmões. Foi realizado um estudo anatômico descritivo do parênquima pulmonar dos pulmões de 5 animais modelo mdx comparando estes com os pulmões de 5 camundongos BALB/C57 (Mus musculus). Os pulmões foram analisados macroscopicamente e através de microscopia de luz e eletrônica de varredura. Os achados sugerem que o modelo mdx apresenta morfologia pulmonar semelhante aos camundongos BALB/C57 e que seu uso deve ser cauteloso e criterioso em ensaios clínicos que aborde este órgão.

Termos de Indexação:
Distrofia muscular; Duchenne; mdx; morfologia pulmonar; anatomia respiratória.

Abstract:

The Duchenne Muscular Dystrophy (DMD) is a recessive genetic disease characterized by progressive muscle weakness of the pelvic and scapular girdle and progressing to respiratory or heart failure. The mdx mouse is a model widely used for studies. Although they possess a milder phenotype, the morphology and biochemistry of the diaphragm are similar to human DMD. We performed a descriptive anatomical study of the pulmonary parenchyma of five mdx animal models and compared these with the lungs of 5 mice BALB/C57 (Mus musculus). The findings suggest that the mdx model has morphological features similar to BALB/C57 mice and it must be used with caution in clinical trials which involve the lung.

Index Terms:
Muscular dystrophy; Duchenne; mdx; lung morphology; respiratory anatomy.

Introdução

A anatomia descritiva constitui parte dos princípios primordiais da pesquisa, uma vez que esta descreve tecidos biológicos fornecendo dados morfológicos importantes para análises de estudos de afecções que envolvem alterações teciduais e reparo.

A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é uma doença neuromuscular, de origem hereditária de caráter recessivo, incidindo em meninos em 1 a cada 3500 nascidos. Sua evolução é rápida e severa caracterizada por uma mutação do gene que codifica a proteína 427 kDA chamada distrofina. A distrofina corresponde por cerca de apenas 0,002% da massa proteica da célula muscular estriada, e está localizada na superfície intracelular do sarcolema e se associa a várias glicoproteínas integrais da membrana, formando o complexo glicoproteína-distrofina (CDG) (Berne 2004Berne R.M. 2004. Fisiologia. Elsevier, Rio de Janeiro. 705p.) o qual é responsável pela permeabilidade da membrana das células musculares (Michele & Campbell 2003Michele D.E. & Campbell K.P. 2003. Distrophin-glycoprotein complex: Post- translational processing and dustroglycan function. J. Biol. Chem. 278:15457-15460.). Portanto a ausência desta proteína, nas células musculares na DMD promove morte gradual das mesmas, a medida que estas são submetidas à tensão pelas contrações musculares, e, por conseguinte, observa-se o aparecimento de fibrose (Bergman et al. 2002Bergman R.L., Inzana K.D., Monroe W.E., Shell L.G., Liu L.A., Engvall E. & Shelton G.D. 2002. Dystrophin-deficient muscular dystrophy in a Labrador Retriever. J. Am. Anim. Hosp. Assoc. 38:255-261.).

Dentre os sinais clínicos observa-se a fraqueza muscular progressiva inicial de cintura pélvica e posteriormente de cintura escapular e com a evolução da doença, observa-se o quadro clínico de insuficiência respiratória e/ou cardíaca, a principal causa "mortis" na DMD (Caromano 1999Caromano F.A.C. 1999. Características do portador de distrofia muscular de duchenne (DMD). Arq. Ciênc. Saúde Unipar 3:211-218., Kornegay et al. 1999Kornegay J.N., Bogan D.J., Bogan J.R., Childers M.K., Cundiff D.D., Petroski G.F. & Schueler R.O. 1999. Contraction force generated by tarsal joint flexion and extension in dogs with golden retriever muscular dystrophy. J. Neurol. Sci. 166:115-121., Strober 2006Strober J.B. 2006. Therapeutics in duchenne muscular dystrophy. Am. Soc. Exp. Neurotherap. 3:225-234.). Os sinais clínicos respiratórios se exacerbam com o aumento da carga mecânica sustentada a cada movimento respiratório, pela musculatura respiratória já enfraquecida promovendo a redução da complacência pulmonar e da mobilidade da caixa torácica e, por conseguinte hipercapnia, hipoventilação pulmonar, hipoxemia (secundária a hipercapnia) e clearence de secreções (Araujo et al. 2004Araujo A.P.Q.C., Deco M.C., Klôh B.S., Costa M.R., Góis F.V. & Guimarães A.F.C.M. 2004. Diagnosis delay of duchenne muscular dystrophy. Revta Bras. Saúde Mater. Infant. 4:179-183.).

O modelo murino da DMD, camundongo mdx (x-linked muscular dystrophy mouse), é um modelo amplamente utilizado em pesquisas e avaliações pré-clínicas (Bertassoli et al. 2013Bertassoli B.M., Lessa T.B., Santos A.C., Oliveira D.M., Feder D., Ambrósio C.E. & Assis Neto A.C. 2013. Análise morfológica do estômago de camundos distróficos "mdx". Revta Electrón. Vet. 14:1-9., Oliveira et al. 2013Oliveira D.M., Santos A.C., Bertassoli B.M., Viana D.C., Prado A.A.F. & Assis Neto A.C. 2013. Comparative study of the kidneys from dystrofic mice. J. Morphol. Sci. 30:186-190., Santos et al. 2013Santos A.C., Oliveira D.M., Bertassoli B.M., Viana D.C., Vasconcelos B.G. & Assis Neto A.C. 2013. Morphology features from mdx mice spleens, used for Ducchene Muscular Dystrophy studies. J. Morphol. Sci. 30:21-27.) apresentando facilidade em reprodução, uniformidade genética, economia, conveniência para experimentos em laboratórios. Este é caracterizado por uma total ausência da expressão da distrofina no músculo esquelético, ou seja, se tornando homólogos a DMD humana. Nestes animais, a mutação da distrofina ocorre no exon 23 e a inflamação do músculo esquelético inicia-se com 3 semanas de idade e atinge picos entre 8 e 16 semanas (Lynch et al. 2001Lynch G.S., Hinkle R.T. & Faulkner J.A. 2001. Force and power output of diaphragm muscle strips from mdx and control mice after clenbuterol treatment. Neuromusc. Disor. 11:192-196., Gosselin et al. 2003Gosselin L.E., Barkley J.E., Spencer M.J., McCormick K.M. & Farkas G.A. 2003. Ventilatory dysfunction in mdx mice: impact of tumor necrosis factor-alpha deletion. Muscle and Nerve 28:336-343.). Entretanto estes animais apresentam um fenótipo mais brando da DMD e após períodos de pico de inflamação, os músculos do mdx com exceção do músculo diafragma, voltam a apresentar sua função restaurada. Tal compensação funcional nestes animais tem sido atribuída a expressão de utrofina no sarcolema das células musculares de camundongos adultos, que atua restaurando proteínas do complexo distrofina, protegendo o fenótipo da distrofia muscular no camundongo mdx de forma dose-dependente (Zhou et al. 2008Zhou L., Rafael-Fortney J.A., Huang P., Zhao X.S., Cheng G., Zhou X., Kaminski H.J., Liu L. & Ransohoff R.M. 2008. Haploinsufficiency of utrophin gene worsens skeletal muscle inflammation and fibrosis in mdx mice. J. Neurol. Sci. 15:106-111., Huang et al. 2011Huang P., Cheng G., Lu H., Aronica M., Ransohoff R.M. & Zhou L. 2011. Impaired respiratory function in mdx and mdx/utrn(+/-) mice. Muscle and Nerve 43:263-267., Van Putten et al. 2012Van Putten M., Kumar D., Hulsker M., Hoogaars W.M., Plomp J.J., Van Opstal A., Van Iterson M., Admiraal P., Van Ommen G.J., Hoen P.A. & Aartsma-Rus A. 2012. Comparison of skeletal muscle pathology and motor function of dystrophin and utrophin deficient mouse strains. Neuromuscul. Disord. 22:406-417.).

Mesmo apresentando um fenótipo mais suave, estes animais são muito utilizados em estudos científicos devido ao grave comprometimento do diafragma, o que favorece o uso deste modelo no estudo de complicações respiratórias, grande responsável por causa mortis na DMD (Huang et al. 2011Huang P., Cheng G., Lu H., Aronica M., Ransohoff R.M. & Zhou L. 2011. Impaired respiratory function in mdx and mdx/utrn(+/-) mice. Muscle and Nerve 43:263-267., Nelson et al. 2011Nelson C.A., Hunter R.B., Quigley L.A., Girgenrath S., Weber W.D., McCullough J.A., Dinardo C.J., Keefe K.A., Ceci L., Clayton N.P., Mcvie-Wylie A., Cheng S.H., Leonard J.P. & Wentworth B.M. 2011. Inhibiting TGF-β activity improves respiratory function in mdx mice. Am. J. Pathol. 178:2611-2621., Lessa et al. 2012Lessa T.B., Carvalho R.C., Franciolli A.L., De Oliveira L.J., Barreto R., Feder D., Bressan F.F., Miglino M.A. & Ambrósio C.E. 2012. Muscle reorganization through local injection of stem cells in the diaphragm of mdx mice. Acta Vet. Scand. 54:1-7.). Entretanto, nos perguntamos se tal ciclo evolucional da doença no camundongo mdx é capaz de afetar e modificar sua morfologia pulmonar.

Considerando que este modelo pré-clínico atualmente, vem sendo utilizado em diversos experimentos que abordam a melhora da função respiratória (Huang et al. 2011Huang P., Cheng G., Lu H., Aronica M., Ransohoff R.M. & Zhou L. 2011. Impaired respiratory function in mdx and mdx/utrn(+/-) mice. Muscle and Nerve 43:263-267., Rafael-Fortney et al. 2011Rafael-Fortney J.A., Chimanji N.S., Schill K.E., Martin C.D., Murray J.D., Ganguly R., Stangland J.E., Tran T., Xu Y., Canan B.D., Mays T.A., Delfín D.A., Janssen P.M. & Raman S.V. 2011. Early treatment with lisinopril and spironolactone preserves cardiac and skeletal muscle in Duchenne muscular dystrophy mice. Circulation 124(5):582-588., Van Putten et al. 2012Van Putten M., Kumar D., Hulsker M., Hoogaars W.M., Plomp J.J., Van Opstal A., Van Iterson M., Admiraal P., Van Ommen G.J., Hoen P.A. & Aartsma-Rus A. 2012. Comparison of skeletal muscle pathology and motor function of dystrophin and utrophin deficient mouse strains. Neuromuscul. Disord. 22:406-417.) o estudo da morfologia comparativa histológica e ultraestrutural dos pulmões de mdx por meio da microscopia de luz e eletrônica de varredura e a comparação com animais BALB/C57 (Mus musculus) tem o objetivo de aprimorar a interpretação e comparação de dados publicados além de identificar possíveis diferenças entre estes dois modelos.

Material e Métodos

Foram utilizados 5 camundongos mdx machos, com idade de 5 meses provenientes do Biotério da Faculdade de Medicina do ABC, 5 camundongos BALB/C57 (Mus musculus) machos, com idade de 5 meses provenientes do Biotério do Departamento de Patologia da FMVZ/USP, protocolo de bioética 2045/2010.

Os animais mdx e controles selecionados foram animais de idade avançada, pois estes já apresentaram picos de inflamação muscular e apresentam o principal músculo respiratório, o diafragma afetado. Segundo Grounds et al. (2008)Grounds M.D., Radley H.G., Lynch G.S., Nagaraju K. & De Luca A. 2008. Towards developing standard operating procedures for pre-clinical testing in the mdx mouse model of Duchenne muscular dystrophy. Neurobiol. Dis. 31:1-19. e Willmann et al. (2011)Willmann R., De Luca A., Benatar M., Grounds M., Dubach J., Raymackers J.M. & Nagaraju K. 2011. On behalf of the TREAT-NMD Neuromuscular Network. Enhancing translation: guidelines for standard pre-clinical experiments in mdx mice. Neuromuscul. Disor. 22:43-49., o músculo diafragma destes animais apresentam bioquímica, morfologia e função semelhantes a DMD em humanos, fato este que favorece o aparecimento de implicações respiratóriase portanto a investigação deste estudo.

Os animais foram eutanasiados por overdose anestésica e os pulmões coletados e fixados em solução de paraformaldeido a 4% e analisados macroscopicamente.

Para a microscopia de luz os fragmentos foram desidratados em série crescente de etanol (70-100%) e diafanizados em xilol para posterior inclusão em parafina, onde foram realizados cortes de 5mm em micrótomo (Leica RM 2065) coloração com Hematoxilina-Eosina e Picrossirius Red. As lâminas foram fotomicrografadas em Microscópio Olympus BX 60 acoplado a câmera Axio CAM HRc, utilizando-se o software Zeiss® KS 400.

Para a microscopia eletrônica de varredura (MEV), adaptou-se a metodologia descrita por Lessa et al. 2012Lessa T.B., Carvalho R.C., Franciolli A.L., De Oliveira L.J., Barreto R., Feder D., Bressan F.F., Miglino M.A. & Ambrósio C.E. 2012. Muscle reorganization through local injection of stem cells in the diaphragm of mdx mice. Acta Vet. Scand. 54:1-7. para o processamento dos pulmões. Foram confeccionados blocos e estes cortados em 10mm em micrótomo (Leica RM 2065) para obtenção das lâminas, e posteriormente desparafinizados em estufa a 60ºC por 2 horas. Em seguida as lâminas foram colocadas por 10 minutos no xilol para eliminação da parafina. Estas foram secas no aparelho de ponto crítico (Balzers CPD020). Na sequência as lâminas foram cobertas com ouro por meio de do processo de "sputtering" (EMITEC H K550) e a observação ultraestrutural e a fotodocumentação realizaram-se em microscópio eletrônico de varredura (LEO 435VP).

Resultados

Macroscopicamente, observou-se que o pulmão direito de todos os camundongos estudados nesta pesquisa apresentaram, assim como descrito por Fox et al. (2007)Fox J.G., Barthold S.W. & Davisson M.T. 2007. The Mouse in Biomedical Research. Elsevier. Cambridge, USA. 791p., uma anatomia peculiar apresentando quatro lobos, o inferior, médio, superior e retrocava, enquanto que o pulmão esquerdo apresentou somente um lobo pulmonar (Fig.1A e Aa).

Fig.1:
(A)Esquema representativo do pulmão de camundongo: lobo superior (1), lobo médio (2), lobo inferior (3), lobo retrocava (4). (Aa) Pulmão de camundongo mdx: coração (Co), lobo pulmonar cranial (Lcr), lobo pulmonar caudal (Lca). (B, C e Cc) Ampliação da imagem. (C) Imagem de microscopia eletrônica de varredura. (B) Camundongo mdx. (C e Cc) Camundongo BALB/C57: alvéolo (*) e setas (→) indicando espessamento da parede alveolar. (Cc) Sem presença de espessamento da parede alveolar. (D, E e Ee) Ampliação da imagem C, parênquima pulmonar. (D) Camundongo mdx. (E e Ee) Camundongo BALB/C57: alvéolo (*). (D) Setas (→) indicando espessamento da parede alveolar em camundongo mdx. (E) Vaso sanguíneo (Ca).

Na MEV observou-se em todos os camundongos do grupo de mdx um discreto espessamento na parede alveolar quando comparados com o grupo de animais de linhagem BALB/C57 (Fig.1B e C). Assim como na MEV, microscopicamente observamos um discreto espessamento na parede alveolar no grupo dos camundongos mdx, dado este não observado no grupo dos camundongos BALB/C57 (Fig.1D, E e Ee).

Na análise de Picrossírius sob luz polarizada, não se observou marcação de fibras colágenas em todos os animais BALB/C57 analisados (Fig.2A), entretanto em todos os modelos mdx (Fig.2B) foram observados através da birrefringência do tecido na cor vermelha, fibras colágenas, localizados por todo parênquima pulmonar.

Fig.2:
Comparação do parênquima pulmonar entre o camundongo BALB/C57 e mdx. Coloração de Picrossírius sob luz polarizada. (A) Parênquima pulmonar de camundongo BALB/C57. (B) Parênquima pulmonar de camundongo mdx com pontos vermelhos, indicando a presença de fibras colágenas.

Discussão

A estrutura e a forma do sistema respiratório podem variar entre as espécies e refletir na demanda de oxigênio (Miller et al. 1993Miller F.J., Mercer R.R. & Crapo J.D. 1993. Lower Respiratory Tract Structure of Laboratory Animals and Humans: Dosimetry Implications. Aerosol Sci. Technol. 18:257-271., Ibe et al. 2011Ibe C.S., Salami S.O. & Onyeanusi B.I. 2011. Macroscopic Anatomy of the Lower Respiratory System in a Nocturnal Burrowing Rodent: African giant pouched rat (Cricetomys gambianus Waterhouse, 1840). Anat. Histol. Embryol. 40:112-119.), sendo assim a arquitetura pulmonar se correlaciona afetando a capacidade difusora de oxigênio dos alvéolos para os eritrócitos nos capilares pulmonares (Barbier & Bachofen 2000Barbier A. & Bachofen H. 2000. The lung of the marmoset (Callithrix jacchus): ultrastructure and morphometric data. Resp. Physiol. 120:167-177.).

Conforme foi observado o parênquima pulmonar dos camundongos BALB/C57 apresentaram-se como um pulmão típico de mamíferos, sendo constituídos de bronquíolos, alvéolos, capilares sanguíneos circundados por musculatura lisa, corroborando assim com as afirmações de Junqueira & Carneiro (2004)Junqueira L.C. & Carneiro J. 2004. Histologia Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 487p., Plopper & Adams (2006)Plopper C.G. & Adams D.R. 2006. Respiratory System, p.153-169. In: Eurell J.A. & Frappier B.L. (Eds), Textbook of Veterinary Histology. 6th ed. Blackwell Publishing, UK. e Samuelson (2007)Samuelson D.A. 2007. Sistema respiratório, p.217-240. In: Samuelson D.A. (Ed.), Tratado de Histologia Veterinária. Elsevier, Rio de Janeiro., e validando desta forma os achados ultraestruturais deste estudo.

Macroscopicamente o pulmão dos camundongos estudados (mdx e BALB/C) apresentaram-se conforme descrito por Fox et al. (2007)Fox J.G., Barthold S.W. & Davisson M.T. 2007. The Mouse in Biomedical Research. Elsevier. Cambridge, USA. 791p.. Na coloração de Picrossírius sob luz polarizada, não observou alteração do parênquima pulmonar.

Nos animais de linhagem mdx a histologia apresentouse alterada com sacos alveolares mais delgados, não se assemelhando a descrição de Junqueira & Carneiro (2004)Junqueira L.C. & Carneiro J. 2004. Histologia Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 487p. e com os achados dos animais de linhagem BALB/C57. Na ultraestrutura observaram-se as paredes alveolares mais delgadas e os sacos alveolares preservados. Na coloração de Picrossírius Red sob luz polarizada, observaram-se através da birrefringência do tecido pontos na cor vermelha indicando as fibras colágenas, sugerindo áreas de possível formação de fibrose decorrente do processo inflamatório observado na DMD.

Histologicamente as características do parênquima pulmonar descritas por Junqueira & Carneiro (2004)Junqueira L.C. & Carneiro J. 2004. Histologia Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 487p., em humanos e por Santos et al. (2011)Santos A.C., Bertassoli B.M., Oliveira V.C., Souza A.F., Rosa R.A., Carvalho A.F. & Mançanares C.A.F. 2011. Morfologia da árvore brônquica de quatis (Nasua nasua Linnaeus, 1966). Biotemas 24:75-82. em quatis (Nasua nasua), mostram que o parênquima pulmonar se assemelham entre os mamíferos, incluindo os animais da linhagem BALB/C57 utilizados em nossos estudos e diferentemente dos camundongos mdx.

Relacionando os achados histológicos do camundongo mdx com a DMD, podemos observar que o aumento da carga mecânica sustentada a cada movimento respiratório pela musculatura enfraquecida, alterou discretamente a morfologia dos pulmões de mdx, sugerindo que no camundongo mdx pode ocorrer a redução da complacência pulmonar, hipercapnia, hipoventilação e hipoxemia, entretanto na idade analisada neste estudo, não foi observado alteração significativa da morfologia pulmonar. Em adição a estes achados, notamos pela coloração de Picrossírius a presença de fibras colágenas, indicando a presença de possível fibrose no parênquima pulmonar.

Estudos realizados para avaliar a capacidade e volumes pulmonares na DMD, constataram uma diminuição na capacidade difusora de oxigênio (Caromano et al. 1999Caromano F.A.C. 1999. Características do portador de distrofia muscular de duchenne (DMD). Arq. Ciênc. Saúde Unipar 3:211-218., Gozal 2000Gozal D. 2000. Pulmonary manifestations of neuromuscular disease with special reference to Duchenne muscular dystrophy and spinal muscular atrophy. Ped. Pulmonol. 29:141-150., Fonseca et al. 2007Fonseca J.G., Machado M.J.F. & Ferraz C.L.M.S. 2007. Distrofia muscular de Duchenne: complicações respiratórias e seu tratamento, Revta Ciênc. Med. 16:109-120., Birnkrant et al. 2010Birnkrant D.J., Bushby K.M.D., Amin R.S., Bach J.R., Benditt J.O., Michelle M.E, Finder J.D., Kalra M.S., Kissel J.T., Koumbourlis A.C. & Kravitz R.M. 2010. The Respiratory Management of Patients With Duchenne Muscular Dystrophy: a DMD care considerations working group specialty article. Ped. Pulmonol. 45:739-748.). O modelo mdx, analisado neste estudo, apresentou discretas alterações no parênquima pulmonar, confirmando a correlação descrita entre a arquitetura pulmonar e a capacidade difusora de oxigênio.

Entretanto, não só a arquitetura pulmonar pode influenciar na capacidade difusora de oxigênio e acarretar alterações morfológicas pulmonares, como relata Huang et al. (2000)Huang P., Zhao X.S., Fields M., Ransohoff R.M.& Zhou L. 2000. Imatinib attenuates skeletal muscle dystrophy in mdx mice. FASEB J. 23:2539-2548., onde a perda gradual da força muscular respiratória faz com que o paciente com DMD a apresentar diminuição da tosse e da ventilação, pneumonia, atelectasia e insuficiência respiratória.

Ferro et al. (2010)Ferro C.C., Chagas V.L.A., Oliveira M.F., Oliveira P.L. & Schanaider A. 2010. Atividade da catalase no pulmão, rim e intestino delgado não isquemiado de ratos após reperfusão intestinal. Revta. Col. Bras. Cirur. 37:31-38., em estudo sobre a atividade da catalase no pulmão, rim e intestino delgado não esquemiado de ratos após perfusão intestinal, constatou pequena congestão vascular, presença de infiltrado polimorfonuclear, acentuada congestão nos septos alveolares e áreas de atelectasias configurando uma inflamação. Móran et al. (2011)Móran G., Ojeda G. Diedrichs K., Ortloff A., Barria M. & Folch H. 2011. Inhalation of Aspergillus fumigatus spores induces airway inflammation in mice in a similar manner as observed in Recurrent Airway Obstruction in horses. Arch. Med. Vet. 43:163-171. em um estudo sobre a inalação de Aspergillus fumigatus em ratos para induzir uma inflamação pulmonar observou nos achados histológicos a presença de severa atelectasia, infiltrado perimorfonuclear, peribronquiolar e alveolar. Tal descrição se assemelha aos achados histológicos encontrados dos animais mdx e difere dos BALB/C57.

Conclusões

Diante os dados verificados nesta pesquisa sugerimos que o ciclo evolucional da DMD no camundongo mdx não é capaz de alterar significamente a morfologia pulmonar do camundongo mdx aos 5 meses de idade mesmo, tendo sido observado achados sugestivos de processo inflamatório como espessamento alveolar e congestão dos septos alveolares.

Tal resultado indica que o uso deste modelo deve ser cauteloso e criterioso em relação a experimentos que abordem o pulmão do mdx uma vez que a arquitetura morfológica pulmonar deste modelo aos 5 meses de idade se assemelha com os animais de linhagem BALB/C57.

Agradecimentos

À FAPESP-Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo apoio financeiro, Processo FAPESP 2012/04506-3.

Referencias

  • Araujo A.P.Q.C., Deco M.C., Klôh B.S., Costa M.R., Góis F.V. & Guimarães A.F.C.M. 2004. Diagnosis delay of duchenne muscular dystrophy. Revta Bras. Saúde Mater. Infant. 4:179-183.
  • Barbier A. & Bachofen H. 2000. The lung of the marmoset (Callithrix jacchus): ultrastructure and morphometric data. Resp. Physiol. 120:167-177.
  • Bergman R.L., Inzana K.D., Monroe W.E., Shell L.G., Liu L.A., Engvall E. & Shelton G.D. 2002. Dystrophin-deficient muscular dystrophy in a Labrador Retriever. J. Am. Anim. Hosp. Assoc. 38:255-261.
  • Berne R.M. 2004. Fisiologia. Elsevier, Rio de Janeiro. 705p.
  • Bertassoli B.M., Lessa T.B., Santos A.C., Oliveira D.M., Feder D., Ambrósio C.E. & Assis Neto A.C. 2013. Análise morfológica do estômago de camundos distróficos "mdx". Revta Electrón. Vet. 14:1-9.
  • Birnkrant D.J., Bushby K.M.D., Amin R.S., Bach J.R., Benditt J.O., Michelle M.E, Finder J.D., Kalra M.S., Kissel J.T., Koumbourlis A.C. & Kravitz R.M. 2010. The Respiratory Management of Patients With Duchenne Muscular Dystrophy: a DMD care considerations working group specialty article. Ped. Pulmonol. 45:739-748.
  • Caromano F.A.C. 1999. Características do portador de distrofia muscular de duchenne (DMD). Arq. Ciênc. Saúde Unipar 3:211-218.
  • Ferro C.C., Chagas V.L.A., Oliveira M.F., Oliveira P.L. & Schanaider A. 2010. Atividade da catalase no pulmão, rim e intestino delgado não isquemiado de ratos após reperfusão intestinal. Revta. Col. Bras. Cirur. 37:31-38.
  • Fonseca J.G., Machado M.J.F. & Ferraz C.L.M.S. 2007. Distrofia muscular de Duchenne: complicações respiratórias e seu tratamento, Revta Ciênc. Med. 16:109-120.
  • Fox J.G., Barthold S.W. & Davisson M.T. 2007. The Mouse in Biomedical Research. Elsevier. Cambridge, USA. 791p.
  • Gosselin L.E., Barkley J.E., Spencer M.J., McCormick K.M. & Farkas G.A. 2003. Ventilatory dysfunction in mdx mice: impact of tumor necrosis factor-alpha deletion. Muscle and Nerve 28:336-343.
  • Gozal D. 2000. Pulmonary manifestations of neuromuscular disease with special reference to Duchenne muscular dystrophy and spinal muscular atrophy. Ped. Pulmonol. 29:141-150.
  • Grounds M.D., Radley H.G., Lynch G.S., Nagaraju K. & De Luca A. 2008. Towards developing standard operating procedures for pre-clinical testing in the mdx mouse model of Duchenne muscular dystrophy. Neurobiol. Dis. 31:1-19.
  • Huang P., Cheng G., Lu H., Aronica M., Ransohoff R.M. & Zhou L. 2011. Impaired respiratory function in mdx and mdx/utrn(+/-) mice. Muscle and Nerve 43:263-267.
  • Huang P., Zhao X.S., Fields M., Ransohoff R.M.& Zhou L. 2000. Imatinib attenuates skeletal muscle dystrophy in mdx mice. FASEB J. 23:2539-2548.
  • Ibe C.S., Salami S.O. & Onyeanusi B.I. 2011. Macroscopic Anatomy of the Lower Respiratory System in a Nocturnal Burrowing Rodent: African giant pouched rat (Cricetomys gambianus Waterhouse, 1840). Anat. Histol. Embryol. 40:112-119.
  • Junqueira L.C. & Carneiro J. 2004. Histologia Básica. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. 487p.
  • Kornegay J.N., Bogan D.J., Bogan J.R., Childers M.K., Cundiff D.D., Petroski G.F. & Schueler R.O. 1999. Contraction force generated by tarsal joint flexion and extension in dogs with golden retriever muscular dystrophy. J. Neurol. Sci. 166:115-121.
  • Lessa T.B., Carvalho R.C., Franciolli A.L., De Oliveira L.J., Barreto R., Feder D., Bressan F.F., Miglino M.A. & Ambrósio C.E. 2012. Muscle reorganization through local injection of stem cells in the diaphragm of mdx mice. Acta Vet. Scand. 54:1-7.
  • Lynch G.S., Hinkle R.T. & Faulkner J.A. 2001. Force and power output of diaphragm muscle strips from mdx and control mice after clenbuterol treatment. Neuromusc. Disor. 11:192-196.
  • Michele D.E. & Campbell K.P. 2003. Distrophin-glycoprotein complex: Post- translational processing and dustroglycan function. J. Biol. Chem. 278:15457-15460.
  • Miller F.J., Mercer R.R. & Crapo J.D. 1993. Lower Respiratory Tract Structure of Laboratory Animals and Humans: Dosimetry Implications. Aerosol Sci. Technol. 18:257-271.
  • Móran G., Ojeda G. Diedrichs K., Ortloff A., Barria M. & Folch H. 2011. Inhalation of Aspergillus fumigatus spores induces airway inflammation in mice in a similar manner as observed in Recurrent Airway Obstruction in horses. Arch. Med. Vet. 43:163-171.
  • Nelson C.A., Hunter R.B., Quigley L.A., Girgenrath S., Weber W.D., McCullough J.A., Dinardo C.J., Keefe K.A., Ceci L., Clayton N.P., Mcvie-Wylie A., Cheng S.H., Leonard J.P. & Wentworth B.M. 2011. Inhibiting TGF-β activity improves respiratory function in mdx mice. Am. J. Pathol. 178:2611-2621.
  • Oliveira D.M., Santos A.C., Bertassoli B.M., Viana D.C., Prado A.A.F. & Assis Neto A.C. 2013. Comparative study of the kidneys from dystrofic mice. J. Morphol. Sci. 30:186-190.
  • Plopper C.G. & Adams D.R. 2006. Respiratory System, p.153-169. In: Eurell J.A. & Frappier B.L. (Eds), Textbook of Veterinary Histology. 6th ed. Blackwell Publishing, UK.
  • Rafael-Fortney J.A., Chimanji N.S., Schill K.E., Martin C.D., Murray J.D., Ganguly R., Stangland J.E., Tran T., Xu Y., Canan B.D., Mays T.A., Delfín D.A., Janssen P.M. & Raman S.V. 2011. Early treatment with lisinopril and spironolactone preserves cardiac and skeletal muscle in Duchenne muscular dystrophy mice. Circulation 124(5):582-588.
  • Samuelson D.A. 2007. Sistema respiratório, p.217-240. In: Samuelson D.A. (Ed.), Tratado de Histologia Veterinária. Elsevier, Rio de Janeiro.
  • Santos A.C., Bertassoli B.M., Oliveira V.C., Souza A.F., Rosa R.A., Carvalho A.F. & Mançanares C.A.F. 2011. Morfologia da árvore brônquica de quatis (Nasua nasua Linnaeus, 1966). Biotemas 24:75-82.
  • Santos A.C., Oliveira D.M., Bertassoli B.M., Viana D.C., Vasconcelos B.G. & Assis Neto A.C. 2013. Morphology features from mdx mice spleens, used for Ducchene Muscular Dystrophy studies. J. Morphol. Sci. 30:21-27.
  • Strober J.B. 2006. Therapeutics in duchenne muscular dystrophy. Am. Soc. Exp. Neurotherap. 3:225-234.
  • Van Putten M., Kumar D., Hulsker M., Hoogaars W.M., Plomp J.J., Van Opstal A., Van Iterson M., Admiraal P., Van Ommen G.J., Hoen P.A. & Aartsma-Rus A. 2012. Comparison of skeletal muscle pathology and motor function of dystrophin and utrophin deficient mouse strains. Neuromuscul. Disord. 22:406-417.
  • Willmann R., De Luca A., Benatar M., Grounds M., Dubach J., Raymackers J.M. & Nagaraju K. 2011. On behalf of the TREAT-NMD Neuromuscular Network. Enhancing translation: guidelines for standard pre-clinical experiments in mdx mice. Neuromuscul. Disor. 22:43-49.
  • Zhou L., Rafael-Fortney J.A., Huang P., Zhao X.S., Cheng G., Zhou X., Kaminski H.J., Liu L. & Ransohoff R.M. 2008. Haploinsufficiency of utrophin gene worsens skeletal muscle inflammation and fibrosis in mdx mice. J. Neurol. Sci. 15:106-111.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2015
  • Aceito
    12 Dez 2015
Colégio Brasileiro de Patologia Animal - CBPA Pesquisa Veterinária Brasileira, Caixa Postal 74.591, 23890-000 Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel./Fax: (55 21) 2682-1081 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: pvb@pvb.com.br