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Intoxicação espontânea por Baccharis coridifolia (Compositae) em equinos no Rio Grande do Sul

Spontaneous Baccharis coridifolia (Compositae) poisoning in horses in southern Brazil

Resumos

Descreve-se um surto de intoxicação espontânea por Baccharis coridifolia em equinos PSI. A intoxicação ocorreu em julho de 2008, em três de quatro animais que haviam sido transportados do estado do Paraná para uma propriedade no município de Aceguá, Rio Grande do Sul. A intoxicação ocorreu três dias após a entrada dos animais em uma área onde havia Baccharis coridifolia em brotação. A égua que não foi afetada não havia sido colocada no potreiro invadido pela planta. Os equinos estavam recebendo um terço da ração que normalmente consumiam para adaptação e permaneciam durante a noite na cocheira. Os sinais clínicos se caracterizaram inicialmente por desconforto abdominal, aumento da freqüência cardíaca e movimentos respiratórios, anorexia, hipermotilidade do intestino delgado e cólon, presença de gás no ceco e diarréia. A evolução da enfermidade variou de 18-36 horas, sendo que um dos animais afetados sobreviveu após tratamento sintomático. As lesões macroscópicas caracterizaram-se por congestão acentuada e hemorragias da mucosa glandular do estômago e presença de úlceras e edema acentuado da parede. Havia também, congestão, edema e hemorragias nas mucosas do íleo, ceco e cólon maior. Histologicamente observou-se degeneração e necrose do epitélio da porção aglandular do estômago, gastrite e enterite com necrose do epitélio de revestimento do estômago glandular, íleo, ceco e cólon observando-se acentuado infiltrado de células mononucleares e polimorfonucleares, edema da submucosa e dilatação de vasos linfáticos. Um equino intoxicado experimentalmente com 1g/kg de peso corporal de planta verde apresentou sinais clínicos, lesões macroscópicas e histológicas similares aos casos espontâneos.

Baccharis coridifolia; mio-mio; plantas tóxicas; equinos


An outbreak of spontaneous Baccharis coridifolia poisoning in horses in July 2008 is reported from southern Brazil. The poisoning affected three mares out of four that were transported from the state of Paraná to a farm in the municipality of Acegua, Rio Grande do Sul, and occurred 3 days after arrival of the animals in a paddock with sprouting B. coridifolia. The fourth mare introduced to another paddock without B. coridifolia was not affected. The mares had received only one third of the concentrate ration previously ingested and stayed during the night in a stall. Clinical signs were abdominal discomfort, increased cardiac and respiratory rate, anorexia, hypermotility of the gut, cecal tympany, and diarrhea. The clinical course was of 18-36 hours. One affected mare survived after symptomatic treatment. Gross lesions were severe congestion, hemorrhages, edema and ulcers of the glandular stomach. Congestion, edema and hemorrhages were also observed in ileum, cecum and large colon. Histologic examination revealed degeneration and necrosis of the aglandular epithelium of the stomach, gastritis and enteritis with infiltration by mononuclear cells and neutrophils, edema of the mucosa, and dilatation of lymphatic vessels. One horse was poisoned experimentally with 1g/kg body weight of B. coridifolia. Clinical signs and lesions were similar to those observed in the spontaneous cases.

Baccharis coridifolia; poisonous plants; horse


Intoxicação espontânea por Baccharis coridifolia (Compositae) em equinos no Rio Grande do Sul

Spontaneous Baccharis coridifolia (Compositae) poisoning in horses in southern Brazil

Joaquín L. de AldaI; Eliza Simone V. SallisII; Carlos Eduardo W. NogueiraIII; Mauro P. SoaresIV; Lorena AmaralV; Clairton Marcolongo-PereiraVI; Fernanda XavierVI; Friedrich Frey JrVII; Ana Lucia SchildIV, * * Autor para correspondência: alschild@terra.com.br

IMédico Veterinário Autônomo, Rua João Borsato 631, Portão Curitiba, PR 81070-160, Brasil

IIDepartamento de Patologia, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Campus Universitário s/n, Pelotas, RS 96010-900, Brasil

IIIDepartamento de Clínica Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFPel, Pelotas, RS

IVLaboratório Regional de Diagnóstico, Faculdade de Veterinária, UFPel

VMédica Veterinária Residente do Hospital de Clínica Veterinária, UFPel, Pelotas, RS

VIPós-Graduandos em Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFPel, Pelotas, RS

VIIMédico Veterinário Autônomo, Rua Flores da Cunha 53, sala 31, Bagé, RS 96400-350, Brasil

RESUMO

Descreve-se um surto de intoxicação espontânea por Baccharis coridifolia em equinos PSI. A intoxicação ocorreu em julho de 2008, em três de quatro animais que haviam sido transportados do estado do Paraná para uma propriedade no município de Aceguá, Rio Grande do Sul. A intoxicação ocorreu três dias após a entrada dos animais em uma área onde havia Baccharis coridifolia em brotação. A égua que não foi afetada não havia sido colocada no potreiro invadido pela planta. Os equinos estavam recebendo um terço da ração que normalmente consumiam para adaptação e permaneciam durante a noite na cocheira. Os sinais clínicos se caracterizaram inicialmente por desconforto abdominal, aumento da freqüência cardíaca e movimentos respiratórios, anorexia, hipermotilidade do intestino delgado e cólon, presença de gás no ceco e diarréia. A evolução da enfermidade variou de 18-36 horas, sendo que um dos animais afetados sobreviveu após tratamento sintomático. As lesões macroscópicas caracterizaram-se por congestão acentuada e hemorragias da mucosa glandular do estômago e presença de úlceras e edema acentuado da parede. Havia também, congestão, edema e hemorragias nas mucosas do íleo, ceco e cólon maior. Histologicamente observou-se degeneração e necrose do epitélio da porção aglandular do estômago, gastrite e enterite com necrose do epitélio de revestimento do estômago glandular, íleo, ceco e cólon observando-se acentuado infiltrado de células mononucleares e polimorfonucleares, edema da submucosa e dilatação de vasos linfáticos. Um equino intoxicado experimentalmente com 1g/kg de peso corporal de planta verde apresentou sinais clínicos, lesões macroscópicas e histológicas similares aos casos espontâneos.

Termos de indexação:Baccharis coridifolia, mio-mio, plantas tóxicas, equinos.

ABSTRACT

An outbreak of spontaneous Baccharis coridifolia poisoning in horses in July 2008 is reported from southern Brazil. The poisoning affected three mares out of four that were transported from the state of Paraná to a farm in the municipality of Acegua, Rio Grande do Sul, and occurred 3 days after arrival of the animals in a paddock with sprouting B. coridifolia. The fourth mare introduced to another paddock without B. coridifolia was not affected. The mares had received only one third of the concentrate ration previously ingested and stayed during the night in a stall. Clinical signs were abdominal discomfort, increased cardiac and respiratory rate, anorexia, hypermotility of the gut, cecal tympany, and diarrhea. The clinical course was of 18-36 hours. One affected mare survived after symptomatic treatment. Gross lesions were severe congestion, hemorrhages, edema and ulcers of the glandular stomach. Congestion, edema and hemorrhages were also observed in ileum, cecum and large colon. Histologic examination revealed degeneration and necrosis of the aglandular epithelium of the stomach, gastritis and enteritis with infiltration by mononuclear cells and neutrophils, edema of the mucosa, and dilatation of lymphatic vessels. One horse was poisoned experimentally with 1g/kg body weight of B. coridifolia. Clinical signs and lesions were similar to those observed in the spontaneous cases.

Index terms:Baccharis coridifolia, poisonous plants, horse.

INTRODUÇÃO

Baccharis coridifolia (Compositae) é uma das plantas tóxicas mais importantes e comuns do Rio Grande do Sul, ocorrendo, também, no estado de São Paulo, e nos países do Cone Sul (Uruguai, Argentina e Paraguai), sendo conhecida como "mio-mio" no Brasil e "romerillo" nos países de língua espanhola. Habita campos nativos em áreas não úmidas (Tokarnia et al. 2000). No Rio Grande do Sul, B. coridifolia é mais difundida na região da fronteira com Uruguai e Argentina, mas ocorre, também, na Serra onde um surto foi descrito em ovinos no município de Caxias do Sul (Rozza et al.2006).

A intoxicação por B. coridifolia parece ser conhecida desde a introdução de bovinos e equinos pelos colonizadores espanhóis na América do Sul. Em uma obra 1653 é mencionado que no Norte da Argentina e Paraguai cavalos morriam em 15 minutos após ingerir uma erva conhecida pelos índios como "mio" e que para evitar que os animais a ingerissem a planta era esfregada em seus focinhos (Cobo 1653), prática utilizada empiricamente até os dias de hoje para evitar a intoxicação.

As condições em que ocorre intoxicação por B. coridifolia em animais domésticos são bastante peculiares. Os surtos ocorrem quando animais que desconhecem a planta são transportados para locais onde a planta está presente nas pastagens (Barros 1991, Tokarnia et al. 2000, Riet-Correa & Méndez 2007, Rissi et al. 2005). Animais criados em áreas onde a planta existe não se intoxicam (Barros 1998). De modo geral, em bovinos, a morbidade está em torno de 20% e a mortalidade é próxima de 100% (Barros 1991, Rissi et al. 2005). Os animais começam a adoecer poucas horas após sua introdução nas áreas infestadas, especialmente se são introduzidos nas mesmas quando passam fome e sede durante o transporte.

Apesar da importância nas regiões em que ocorre pela alta letalidade, não há muitos relatos detalhados de surtos espontâneos da intoxicação nas diversas espécies domésticas, contudo existem muitos históricos ou comunicações verbais de sua ocorrência, principalmente em bovinos, nos laboratórios de diagnóstico que atuam no Estado (Rissi et al. 2005). Tem sido observado que apesar de mio-mio ser mais tóxica no outono quando está em floração (Tokarnia et al. 2000) os surtos em bovinos são mais freqüentes durante a fase de crescimento da planta nos meses de setembro a novembro (Barros 1998). O curso da doença é agudo e trabalhos de intoxicação experimental demonstraram que bovinos, ovinos e equinos morrem em até 48 horas após o início dos sinais clínicos (Costa et al. 1995, Tokarnia et al. 2000). Em um surto espontâneo relatado em bovinos no município de Rosário do Sul, Rio Grande do Sul, a evolução do quadro clínico variou de poucas horas até 3 dias (Rissi et al. 2005).

Em equinos não há relatos da intoxicação espontânea. A intoxicação foi reproduzida experimentalmente com a planta em floração na dose de 0,125 g/kg de peso corporal (Costa et al. 1995). No Laboratório Regional de Diagnóstico da Faculdade de Veterinária da UFPel (LRD) um caso foi diagnosticado no município de Dom Pedrito no ano 2007 em um equino que ficou encerrado em um curral ao redor do qual havia algumas plantas de B. coridifolia misturadas a outras plantas (Schild et al. 2008).

Em todas as espécies domésticas sensíveis a descrição de alguns surtos espontâneos e trabalhos de reprodução experimental demonstraram que as lesões induzidas pela ingestão de B. coridifolia são confinadas ao trato gastrintestinal (Costa et al. 1995, Barros 1998, Tokarnia et al. 2000, Méndez & Riet-Correa 2001, Rissi et al. 2005, Rozza et al. 2006).

O objetivo deste trabalho foi relatar um surto de intoxicação por B. coridifolia em equinos PSI introduzidos em uma área invadida pela planta no sul do Rio Grande do Sul, abordando seus aspectos epidemiológicos, clínicos e patológicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados epidemiológicos foram obtidos na propriedade onde ocorreram os casos de intoxicação. As três éguas (Eqünos 1, 2 e 3) que apresentaram sinais clínicos foram tratados sintomaticamente e encaminhados ao Hospital de Clínicas Veterinária, Faculdade de Veterinária, UFPel (HCV). Amostras de sangue foram colhidas para hemograma e determinação de fibrinogênio. Dois dos três equinos afetados morreram e foram necropsiados no LRD. Fragmentos de todos os órgãos das cavidades torácica e abdominal, incluindo estômago, intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo) e intestino grosso (ceco, cólon maior e cólon menor), baço e linfonodos e, ainda, sistema nervoso central, foram processados rotineiramente e corados por hematoxilina e eosina (HE).

A intoxicação foi reproduzida experimentalmente em dois equinos (Equinos 4 e 5) de 1,5 anos de idade pesando 350 kg de peso corporal (pc). Os animais após jejum de 24 horas, receberam por ingestão forçada 1g/kg de pc e 0,5g/kg de pc de folhas frescas de B. coridifolia, respectivamente. Os equinos foram acompanhados clinicamente durante todo o período até o aparecimento dos sinais e evolução do quadro clínico. Amostras de sangue foram coletadas para realização de hemograma, hematócrito e dosagem de proteínas séricas.

RESULTADOS

Epidemiologia

O surto ocorreu em uma propriedade do município de Aceguá, Rio Grande do Sul. De quatro éguas que foram transferidas de Curitiba, Paraná, três (Equinos 1, 2 e 3) apresentaram sinais clínicos uma semana após a chegada a propriedade. Os animais eram da raça PSI, tinham aproximadamente 4 anos de idade e foram colocadas em um lote de 46 éguas vazias em manejo reprodutivo de manipulação de fotoperíodo artificial. Uma das éguas afetadas havia nascido na propriedade e após o desmame, aos 6 meses de idade, havia sido transferida para o Paraná.

As três éguas afetadas tinham sido soltas no lote que estava em uma área de campo nativo melhorado com azevém no qual havia aproximadamente 5% de mio-mio em fase de brotação nas áreas mais altas do potreiro sendo observado na mesma altura do pasto. Como estavam em fase de adaptação, as éguas transferidas recebiam um terço da ração que costumavam receber e permaneciam no campo sendo recolhidas à noite para a cocheira. Os sinais clínicos iniciaram três dias após os animais serem introduzidos na área de campo onde havia B. coridifolia. A quarta égua, que não foi colocada na área invadida pela planta, não se intoxicou.

Sinais clínicos

Os animais apresentaram inicialmente desconforto abdominal caracterizado por aumento da freqüência cardíaca, anorexia e hipermotilidade do intestino delgado e cólon e presença de gás no ceco. O primeiro equino afetado (Equino 1) foi tratado com 1,1mg/kg de pc de flunexin meglumine e houve estabilização do quadro nas duas horas seguintes. Seis horas após o início dos sinais clínicos apresentou apatia, temperatura de 39,7°C, sudorese intensa, mucosas cianóticas, taquipnéia, taquicardia, timpanismo e redução da motilidade intestinal. Neste momento foi tratado com fluidoterapia, dexametazona, xilazina e recebeu por sonda nasogástrica dois litros de óleo mineral, antifisético e água. Durante todo o período de apresentação de sinais clínicos o animal não defecou e na palpação retal as fezes estavam moles e continham muco. O hemograma não apresentou alteração da série branca, o hematócrito era de 63% e a dosagem de proteína plasmática total foi de 5,3g/dl. Este equino morreu aproximadamente 18 horas após o início dos sinais clínicos.

A segunda égua afetada (Equino 2) apresentou sinais clínicos semelhantes, entretanto apresentou diarréia profusa. Além do tratamento anterior recebeu via sonda nasogástrica 1kg carvão ativado, 4 litros óleo mineral e 4mg/kg de omeprazole via oral. Este equino morreu aproximadamente 36 horas após o aparecimento dos sinais clínicos. O hemograma não apresentou alteração da série branca, o hematócrito era de 58%, a dosagem de proteína plasmática total foi de 5,6g/dl e o fibrinogênio de 800mg/dl.

O terceiro equino (Equino 3) apresentou sinais clínicos mais discretos, sendo realizado o mesmo tratamento, com melhora do quadro hemodinâmico e gastrintestinal. A freqüência cardíaca manteve-se aumentada assim como as mucosas estavam congestas até 72hs após o início dos sinais e as fezes adquiriram consistência firme após 5 dias. Este equino manteve discreta alteração hemodinâmica, pulso e calor nos cascos e discreta claudicação de apoio por 10 dias. A partir do 15º dia não demonstrou mais nenhuma alteração, sendo avaliado até o 21º dia. Não ocorreu alteração da série branca na avaliação do hemograma, o hematócrito era de 51%, a dosagem de proteína plasmática total foi de 6,2g/dl e o fibrinogênio de 600mg/dl.

O equino intoxicado experimentalmente com 1g/kg de pc de folhas frescas de B. coridifolia (Equino 4) apresentou, 3 horas após a administração da planta, aumento da freqüência cardíaca e movimentos respiratórios e posteriormente prostração, discreto desconforto abdominal, mucosas congestas e na fibroscopia o estômago apresentava congestão da mucosa e havia descamação na região do margus plicatus. Nove horas após a ingestão da planta as alterações clínicas eram mais acentuadas, havia febre e as fezes estavam amolecidas. Doze horas após foi observado sialorréia, diarréia, prostração e desconforto abdominal. Após dezoito horas da ingestão da planta foi observado agravamento do quadro clínico com diarréia profusa, desconforto abdominal com alternância de decúbito esternal e lateral, depressão, tremores, comportamento de levantar, cavar e deitar. Quando em estação o equino ficava com a cabeça abaixo da linha dorsal. Posteriormente permaneceu em decúbito lateral, apresentou movimentos de pedalagem e nistagmo e a morte ocorreu após alguns minutos.

No hemograma ocorreu uma discreta diminuição no número total de leucócitos, o hematócrito era de 68%, a proteína plasmática total foi de 4,8g/dl e o fibrinogênio de 800mg/dl.

O potro que recebeu 0,5g/kg de pc da planta fresca (Equino 5), apresentou sinais clínicos de desconforto abdominal e congestão das mucosas 12 horas após ter recebido a planta. O hemograma não demonstrou alteração na série branca, o hematócrito era de 66%, a proteína plasmática total foi de 5,0g/d e o fibrinogênio de 600mg/dl. Aproximadamente 36 horas esses sinais regrediram completamente.

Patologia

Nas necropsias os Equinos 1 e 2 apresentavam lesões similares. Havia desidratação e na abertura da cavidade abdominal as alças intestinais estavam distendidas pela presença de gás e havia edema e congestão e focos de hemorragias nas serosas e mesentério. Na abertura do estômago a superfície mucosa estava congesta, rugosa, com erosões e úlceras em ambos os casos e havia edema acentuado da parede do estômago (Fig.1). O conteúdo dos intestinos era líquido e a mucosa, principalmente do jejuno, íleo, ceco e cólon estavam congestas e recobertas por fibrina e muco. No ceco do Equino 1 havia, ainda, ulcerações na mucosa deixando desnuda a submucosa hemorrágica. As placas de Peyer na porção final do intestino delgado estavam reativas. Na cavidade torácica os pulmões estavam congestos no Equino 1. No Equino 4 as lesões macroscópicas caracterizaram-se por congestão e hemorragias na mucosa do estômago glandular e ulceração da região do margus plicatus. No intestino delgado o conteúdo do jejuno e íleo era líquido e vermelho e a mucosa estava congesta. No ceco e cólon maior o conteúdo era líquido. Havia edema da serosa do ceco e a mucosa apresentava edema acentuado e ulceração em toda a extensão do órgão (Fig.2). No cólon maior havia congestão acentuada da mucosa e o conteúdo do cólon menor era líquido.



Histologicamente no estômago glandular havia necrose do epitélio com infiltrado acentuado de células inflamatórias mononucleares e neutrófilos necróticos. Na submucosa havia edema, mais acentuado no Equino 2 e dilatação dos vasos linfáticos. Na porção aglandular, principalmente no Equino 1 havia vacuolização das células do epitélio de revestimento, com formação de vesículas e pústulas (Fig.3) e em áreas focais havia separação do epitélio da lâmina própria, a qual apresentava congestão e hemorragias e infiltrado inflamatório de células mononucleares e polimorfonucleares. A mucosa em toda a extensão do intestino delgado estava necrótica, com perda das vilosidades e com infiltrado inflamatório de neutrófilos e células mononucleares. Na submucosa havia edema, dilatação de linfáticos e também, infiltrado inflamatório de neutrófilos e células monucleares (Fig.4). O ceco apresentava necrose do epitélio com infiltrado acentuado de células mononucleares e polimorfonucleares na lâmina própria, edema da submucosa, dilatação de vasos linfáticos e hemorragias que eram mais acentuadas no Equino 1. Havia necrose das placas de Peyer e dos folículos dos linfonodos mesentéricos.



No Equino 4 as lesões histológicas eram similares às observadas nos Equinos 1 e 2. Havia vacuolização das células epiteliais do estômago aglandular com formação de vesículas e áreas de ulceração, infiltração de células inflamatórias mononucleares e polimorfonucleares na lâmina própria, congestão e hemorragias. Havia necrose do epitélio superficial da mucosa em todas as áreas do intestino, com infiltrado inflamatório de células mononucleares e polimorfonucleares, edema da submucosa, dilatação de vasos linfáticos, hemorragias e necrose das placas de Peyer.

DISCUSSÃO

O diagnóstico de intoxicação por Baccharis coridifolia foi realizado pelos sinais clínicos e lesões macroscópicas e histológicas associados à epidemiologia e, também ao quadro clínico-patológico reproduzido experimentalmente. Tem sido demonstrado que a intoxicação por mio-mio ocorre poucas horas após animais transportados, que desconhecem a planta, serem colocados em áreas invadidas pela mesma (Barros et al. 1998, Tokarnia et al. 2000).

Neste surto os sinais clínicos foram observados três dias após os animais terem sido colocados na área invadida pela planta. É provável que os animais tenham ingerido B. coridifolia misturado à vegetação algum tempo depois de terem entrado no potreiro, já que a planta não estava uniformemente distribuída na área e, por estar em período de brotação, encontrava-se na mesma altura do azevém. Tem sido mencionado que os animais que desconhecem o mio-mio não devem ser colocados em áreas invadidas principalmente se estão com fome (Barros 1998, Tokarnia et al. 2000). Neste caso os animais tiveram a alimentação complementar reduzida para um terço do que costumavam receber por estarem em adaptação. Este, provavelmente, foi um fator que contribuiu para a ocorrência da intoxicação.

Surtos espontâneos da intoxicação foram descritos em bovinos (Rissi et al. 2005) e ovinos (Rozza et al. 2006). Em equinos há descrição da doença reproduzida experimentalmente (Costa et al. 1995). Dados do LRD mencionam a ocorrência da intoxicação nesta espécie no ano 2007, porém não há descrição do quadro clínico e de lesões macroscópicas e histológicas (Schild et al. 2008).

É provável que a intoxicação nesta espécie seja menos freqüente porque, em geral, os equinos das propriedades rurais da região onde a planta ocorre são criados nas áreas desde o nascimento, sendo animais utilizados para o trabalho. Poucos são adquiridos e transportados de áreas livres para áreas invadidas pela planta e práticas de esfregação da mesma no focinho e boca dos animais e a queima forçando os animais a aspirarem a fumaça são práticas utilizadas pelos produtores e veterinários, as quais, aparentemente, têm alguma eficiência no controle da intoxicação (Barros 1998, Almeida et al. 2009). Neste surto não foi realizada nenhuma dessas práticas para evitar que os animais ingerissem a planta.

A intoxicação ocorreu nos últimos dias do mês de julho e a planta estava em fase de brotação quando é menos tóxica. Os surtos de intoxicação por mio-mio descritos em bovinos e ovinos têm sido observados mais freqüentemente na primavera, quando a planta está em brotação (Rissi et al. 2005, Rozza et al. 2006). A temperatura média na região no mês de julho de 2008 foi de 14,8°C enquanto a média normal em um período de 30 anos é de 12,3°C, o que pode ter favorecido o crescimento da planta nesta época do ano. De acordo com o proprietário e com o veterinário responsável a transferência de éguas para o estabelecimento de Aceguá é uma prática utilizada há muitos anos e esta foi a primeira ocorrência da intoxicação na propriedade.

No presente caso os animais apresentaram sinais clínicos de cólica, que é uma das afecções mais comuns nos equinos (Godoy & Neto 2007), em conseqüência das lesões observadas ao longo do trato gastrintestinal. A morte ocorreu provavelmente por choque endotoxêmico que em equinos se deve à lesões intestinais agudas acentuadas (Moore 2001). Em bovinos é sugerido que a morte pela intoxicação ocorre devido a um desequilíbrio eletrolítico em função da acentuada desidratação observada nos animais e que haveria uma associação com bactérias encontradas na superfície das lesões no trato gastrintestinal que levaria a septicemia (Rissi et al. 2005). Nos equinos deste trabalho havia, também, grande quantidade de conteúdo intestinal líquido que levou a desidratação acentuada dos animais, evidenciada pelo hematócrito aumentado nos equinos afetados, incluindo o Equino 4 intoxicado experimentalmente.

Causas de cólica em equinos são inúmeras, o que em muitas circunstâncias dificulta o diagnóstico (White 1990, Godoy & Neto, 2007). No presente caso o fato de que somente foram afetados os animais que haviam sido transportados, o aparecimento súbito dos sinais clínicos, o aumento do fibrinogênio sem alteração da série branca, que caracteriza um quadro asséptico, as lesões macroscópicas e histológicas observadas e a presença da planta no potreiro levaram a suspeita da intoxicação. A reprodução experimental foi realizada para confirmar o diagnóstico uma vez que o quadro clínico iniciou alguns dias após a chegada dos equinos à propriedade, fato incomum nos casos de intoxicação por B. coridifolia. Em um surto em ovinos diagnosticado no município de Caxias do Sul alguns animais adoeceram 5 dias após chegarem a área onde a planta ocorria, mesmo tendo sido retirados da mesma um dia e meio após a introdução (Rozza et al. 2006).

As lesões macroscópicas e histológicas observadas foram similares tanto nos equinos intoxicados espontaneamente como no intoxicado experimentalmente, variando apenas na intensidade. As lesões mais importantes estavam localizadas no estômago, porção final do intestino delgado, ceco e cólon maior. Isto foi observado também em trabalho anterior de reprodução experimental da intoxicação nesta espécie animal (Costa et al. 1995). Em coelhos também são afetados o ceco e o cólon, além do estômago sugerindo que em monogástricos as lesões atingem todo o sistema digestivo (Rodrigues & Tokarnia 1995, Rozza et al. 2006).

No presente caso 0,5g/kg de pc da planta verde não foram suficientes para causar a morte, provavelmente em conseqüência do estágio vegetativo da mesma que é menos tóxica durante a brotação (Tokarnia et al. 2000). A planta durante a floração administrada na dose de 0,125 g/kg de pc intoxicou um equino em 12 horas causando a morte em aproximadamente 40 horas após a administração (Costa et al. 1995).

O tratamento utilizado não foi eficiente para evitar as duas primeiras mortes, entretanto, aparentemente auxiliou na recuperação do Equino 3 que apresentou sinais clínicos mais discretos. Por outro lado o Equino 5 que recebeu 0,5g/kg de pc da planta fresca apresentou sinais clínicos discretos e recuperou-se sem tratamento.

A intoxicação por mio-mio nas regiões onde a planta ocorre, principalmente em bovinos, é bem conhecida por produtores e veterinários. Chama-se atenção para a ocorrência da intoxicação espontânea também em equinos. Aparentemente, os cuidados tomados na transferência de bovinos que desconhecem a planta para áreas invadidas devem ser tomados, também, com a espécie eqüina, evitando-se desta forma prejuízos econômicos consideráveis, especialmente quando esses animais têm alto valor comercial.

Recebido em 2 de dezembro de 2008.

Aceito para publicação em 23 de dezembro de 2008.

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Maio 2009

    Histórico

    • Aceito
      23 Dez 2008
    • Recebido
      02 Dez 2008
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