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Desenvolvimento e avaliação de um teste ELISA indireto para o diagnóstico sorológico do mormo em equídeos

Standardization and evaluation of an indirect ELISA for the serological diagnosis of glanders in horses

Resumos

O mormo é uma enfermidade infecto-contagiosa de caráter agudo ou crônico que acomete principalmente os equídeos, causando enormes prejuízos na cadeia produtiva do cavalo. Para controlar a enfermidade o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) instituiu medidas sanitárias obrigatórias em todo território nacional que incluem o diagnóstico oficial pela fixação do complemento (FC), maleinização e sacrifício dos animais positivos. Os kits atuais utilizados no diagnóstico da doença são importados, dificultando e encarecendo sua aplicação na rotina. Objetivou-se com este estudo padronizar um teste de ELISA indireto utilizando o extrato protéico de Burkholderia mallei isolada a partir de equídeo portador no estado de Pernambuco. As amostras foram cultivadas em ágar sangue 10%, incubada por 48h a 37°C; posteriormente caracterizou-se fenotípica e genotipicamente uma das colônias isoladas, e em seguida a cultivou em BHI para enriquecimento; logo após, esta foi repicada para o meio Dor-set Henley o qual foi incubado a 37ºC sob 60rpm por oito semanas. Para padronização do teste utilizou-se o Conjugado Proteína G Peroxidase Sigma na diluição de 1:90.000, com soros diluídos em 1:100 e o antígeno em 1:400. Utilizou-se 60 soros como controle negativo testados frente à FC para determinação do ponto de corte o qual ficou em 0,042nm. Feitas as padronizações, foram testadas 300 amostras, onde 99% (297) foram concordantes com os resultados obtidos na FC. Ao final, o ensaio apresentou 100% de sensibilidade e 98,2% de especificidade com valores preditivo positivo e negativo de 97,7% e 100%, respectivamente. O teste de concordância kappa foi 0,98 e a repetibilidade intra e interplaca ficaram em 8,8 e 10,3%, respectivamente. Diante dos resultados obtidos durante os ensaios, conclui-se que o teste de ELISA indireto pode ser utilizado como uma ferramenta de diagnóstico eficiente. Entretanto, mais ensaios devem ser realizados visando consolidar a confiabilidade do referido teste.

Mormo; Burkholderia mallei; sorologia; ELISA; diagnóstico


Glanders is an infectious-contagious disease of acute or chronic character which principally affects horses, causing enormous losses in the productive chain of this animal. To control the disease, the Ministry of Agriculture, Husbandry and Supply instituted mandatory sanitation measures in the entire national territory which include an official diagnosis through the complement fixation (CF) test, maleinization and sacrifice of the animals that are positive. Nowadays the kits used for the diagnosis of the disease are imported, making their routine application difficult and more expensive. The objective of this study was to standardize an indirect ELISA test, using the proteic extract of Burkholderia mallei isolated from a carrier horse in the state of Pernambuco. The samples were cultivated in 10% blood agar and incubated for 48h at 37°C; later, one of the isolated colonies was characterized phenotypically and genotypically and immediately cultivated in brain heart infusion (BHI) for enrichment; then it was peaked (repicada) for the Dor-set Henley medium which was incubated at 37ºC under 60rpm for eight weeks. To standardize the test the Protein G Peroxidase Sigma Conjugate was used in the dilution of 1:90.000, with serums diluted in 1:100 and the antigen in 1:400. Sixty serums were used as negative controls, tested before the CF to determine the cutting point which was 0.042nm. After establishing the standardization, 300 samples were tested, of which 99% (297) were in agreement with the results obtained in the CF. At the end, of assay presented 100% sensibility and 98.2% specificity, with predictive (preditivo) positive and negative values of 97.7% and 100% respectively. The Kappa concordance test was 0.98 and the intra and interplac repeatability were 8.8% and 10.3% respectively. From the results obtained, it is possible to affirm that the indirect ELISA test can be used as an efficient diagnosis tool. However, more essays must be carried out to consolidate the reliability of this test.

Glanders; Burkholderia mallei; serology; ELISA; diagnosis


ANIMAIS DE PRODUÇÃO

Desenvolvimento e avaliação de um teste ELISA indireto para o diagnóstico sorológico do mormo em equídeos

Standardization and evaluation of an indirect ELISA for the serological diagnosis of glanders in horses

José Andreey A. TelesI; Ana C. CamposII; Karla P.C. da SilvaIII; André de S. SantosIV; Vânia L. de A. SantanaV; Roberto S. de CastroVI; Rinaldo A. MotaVI, * * Autor para correspondência: rinaldo.mota@hotmail.com

IPrograma de Pós-Graduação em Biociência Animal (PPGBA), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Dois Irmãos, Recife, PE 52171-900, Brasil. E-mail: andreey_teles@yahoo.com.br

IIPrograma de Pós-Graduação em Ciência Veterinária (PPGCV), UFRPE, Dois Irmãos, Recife, PE. E-mail: anabutron@gmail.com

IIIDepto Medicina Veterinária, Universidade Federal de Alagoas, Fazenda São Luiz s/n, Viçosa, AL 57700-000, Brasil. E-mail: karla.ufal@gmail.com

IVPrograma de Pós-Graduação em Ciência Animal Tropical (PPGCAT), Universidade Federal Rural de Pernambuco, Dois Irmãos, Recife, PE. E-mail: andresouza_santos@hotmail.com

VLaboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, Recife, PE 52171-120. E-mail: vania.lucia@agricultura.gov.br

VIDepartamento de Medicina Veterinária, UFRPE, Rua Dom Manuel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, Recife, PE 52171-120

RESUMO

O mormo é uma enfermidade infecto-contagiosa de caráter agudo ou crônico que acomete principalmente os equídeos, causando enormes prejuízos na cadeia produtiva do cavalo. Para controlar a enfermidade o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) instituiu medidas sanitárias obrigatórias em todo território nacional que incluem o diagnóstico oficial pela fixação do complemento (FC), maleinização e sacrifício dos animais positivos. Os kits atuais utilizados no diagnóstico da doença são importados, dificultando e encarecendo sua aplicação na rotina. Objetivou-se com este estudo padronizar um teste de ELISA indireto utilizando o extrato protéico de Burkholderia mallei isolada a partir de equídeo portador no estado de Pernambuco. As amostras foram cultivadas em ágar sangue 10%, incubada por 48h a 37°C; posteriormente caracterizou-se fenotípica e genotipicamente uma das colônias isoladas, e em seguida a cultivou em BHI para enriquecimento; logo após, esta foi repicada para o meio Dor-set Henley o qual foi incubado a 37ºC sob 60rpm por oito semanas. Para padronização do teste utilizou-se o Conjugado Proteína G Peroxidase Sigma na diluição de 1:90.000, com soros diluídos em 1:100 e o antígeno em 1:400. Utilizou-se 60 soros como controle negativo testados frente à FC para determinação do ponto de corte o qual ficou em 0,042nm. Feitas as padronizações, foram testadas 300 amostras, onde 99% (297) foram concordantes com os resultados obtidos na FC. Ao final, o ensaio apresentou 100% de sensibilidade e 98,2% de especificidade com valores preditivo positivo e negativo de 97,7% e 100%, respectivamente. O teste de concordância kappa foi 0,98 e a repetibilidade intra e interplaca ficaram em 8,8 e 10,3%, respectivamente. Diante dos resultados obtidos durante os ensaios, conclui-se que o teste de ELISA indireto pode ser utilizado como uma ferramenta de diagnóstico eficiente. Entretanto, mais ensaios devem ser realizados visando consolidar a confiabilidade do referido teste.

Termos de indexação: Mormo, Burkholderia mallei, sorologia, ELISA, diagnóstico.

ABSTRACT

Glanders is an infectious-contagious disease of acute or chronic character which principally affects horses, causing enormous losses in the productive chain of this animal. To control the disease, the Ministry of Agriculture, Husbandry and Supply instituted mandatory sanitation measures in the entire national territory which include an official diagnosis through the complement fixation (CF) test, maleinization and sacrifice of the animals that are positive. Nowadays the kits used for the diagnosis of the disease are imported, making their routine application difficult and more expensive. The objective of this study was to standardize an indirect ELISA test, using the proteic extract of Burkholderia mallei isolated from a carrier horse in the state of Pernambuco. The samples were cultivated in 10% blood agar and incubated for 48h at 37°C; later, one of the isolated colonies was characterized phenotypically and genotypically and immediately cultivated in brain heart infusion (BHI) for enrichment; then it was peaked (repicada) for the Dor-set Henley medium which was incubated at 37ºC under 60rpm for eight weeks. To standardize the test the Protein G Peroxidase Sigma Conjugate was used in the dilution of 1:90.000, with serums diluted in 1:100 and the antigen in 1:400. Sixty serums were used as negative controls, tested before the CF to determine the cutting point which was 0.042nm. After establishing the standardization, 300 samples were tested, of which 99% (297) were in agreement with the results obtained in the CF. At the end, of assay presented 100% sensibility and 98.2% specificity, with predictive (preditivo) positive and negative values of 97.7% and 100% respectively. The Kappa concordance test was 0.98 and the intra and interplac repeatability were 8.8% and 10.3% respectively. From the results obtained, it is possible to affirm that the indirect ELISA test can be used as an efficient diagnosis tool. However, more essays must be carried out to consolidate the reliability of this test.

Index terms: Glanders, Burkholderia mallei, serology, ELISA, diagnosis.

INTRODUÇÃO

O mormo é uma doença bacteriana causada por Burkholderia mallei, sendo considerada uma das mais antigas doenças que acometem os equídeos. A bactéria causa lesões primárias na porta de entrada e na cadeia linfática adjacente (Mota 2006). O diagnóstico do mormo pode ser realizado por meio da associação dos aspectos clínico-epidemiológicos e anátomo-histopatológicos. Entretanto, a identificação microbiológica, inoculação em animais de laboratório, reação imunoalérgica (maleinização), testes sorológicos como fixação do complemento (FC), ensaio imuno-enzimático (ELISA), contra imunoeletroforese, hemaglutinação indireta, reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e o teste de rosa bengala são exames complementares que auxiliam no fechamento do diagnóstico (Naureen et al. 2007). A doença ressurgiu no Brasil após várias décadas sem relatos oficiais (Mota et al. 2000). Para o diagnóstico oficial e controle do mormo no país, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) aprovou a Instrução Normativa nº 24 em abril de 2004, a qual preconiza a FC e o teste da maleína como exames complementares para a identificação de animais infectados (Brasil 2004).

Embora a FC tenha uma sensibilidade de aproximadamente 90% a 95%, as reações falso-negativas são ocasionalmente observadas no soro de animais jovens, gestantes e idosos e reações falso-positivas também ocorrem em aproximadamente 1% dos soros testados onde atribui-se ao uso de antígeno composto por células inteiras (Cravitz & Miller 1950, OIE 2008a). Além disso, existem entraves quanto a padronização insuficiente do antígeno, o que pode comprometer a qualidade da reação, resultando em limitações no que diz respeito à especificidade e sensibilidade da técnica. Alguns pesquisadores ainda questionam a eficácia e aplicabilidade do referido ensaio (Jana et al. 1982, Verma et al. 1990, Neubauer et al. 2005, Naureen et al. 2007).

O teste de ELISA indireto é bastante utilizado com finalidade de identificar, inclusive quantificar anticorpos em amostras de soro, recebendo destaque especial quando se trata de estudos soroepidemiológicos (Madruga et al. 2001). Trata-se de um tipo de ensaio que mede a interação entre o antígeno e o anticorpo, não dependendo de um segundo fenômeno como precipitação, aglutinação ou fixação do complemento (Tizard 2002).

Considerando a necessidade de ampliar as possibilidades de diagnóstico do mormo no Brasil, realizou-se com esta pesquisa com o objetivo de desenvolver e avaliar um ensaio imunoenzimático (ELISA indireto) para o diagnóstico do mormo em equídeos.

MATERIAL E MÉTODOS

Obtenção da amostra de Burkholderia mallei. As amostras de B. mallei utilizadas no ensaio imunoenzimático foram obtidas por meio da punção aspirativa do conteúdo purulento de nódulos cutâneos de três equídeos com diagnóstico clínico de mormo no estado de Pernambuco. Para o isolamento da bactéria, as amostras biológicas foram cultivadas em ágar enriquecido com sangue de ovino a 10%. Posteriormente, as placas foram incubadas em estufa bacteriológica a 37°C por 48h (OIE 2008a). As colônias que apresentaram características morfológicas semelhantes a B. mallei foram coradas pelo método de Gram e submetidas às provas bioquímicas e moleculares de identificação (Burtnick et al. 2002, Mota et al. 2005).

Caracterização fenotípica e genotípica de Burkholderia mallei. As colônias isoladas foram submetidas a testes de identificação bioquímica de oxidase, catalase, Voges Proskauer (V.P.), Vermelho de Metila (V.M.), produção de H2S (gás sulfídrico), motilidade, indol, hidrólise da arginina, gás de D-glucose, liquefação da gelatina, urease, fermentação de carboidratos (glicose, maltose, galactose, lactose, frutose, manose, sacarose e manitol) de acordo com Mota et al. (2005). Após a caracterização fenotípica, as amostras foram submetidas à técnica de ribotipagem-PCR e RAPD-PCR utilizando-se o primer 5'-TGC CGA GCT G-3' (Leelayuwat et al. 2000).

Produção e extração da PPD-maleína. Para a produção do derivado protéico purificado (PPD-maleína), as amostras foram ressuspendidas em solução salina (0,85%) e inoculadas em caldo Dorset Henley. Posteriormente, o meio foi incubado a 37°C sob agitação durante oito semanas. Após o período incubação, realizou-se a esterilização em banho-maria a 100°C por três horas e em seguida a filtração em membrana 0,22μm para remover as células bacterianas e substâncias indesejadas.

Adicionou-se ao filtrado o ácido tricloroacético para precipitação das proteínas, permanecendo em repouso por 24 horas em temperatura ambiente. O sobrenadante da mistura foi decantado e descartado e o precipitado foi centrifugado por 15 minutos a 2.500g. O precipitado foi lavado quatro vezes em solução de NaCl a 5% (pH 3,0). Em seguida o precipitado foi dissolvido com um mínimo de solvente alcalino, resultando em um pH 6,7. O produto final foi um fluído castanho escuro, o que caracteriza a maleína concentrada (Silva 2010).

A maleína concentrada foi centrifugada e o sobrenadante diluído em igual quantidade de solução tampão de glicose. A PPD-maleína de concentração 1,69mg/mL (dosado no Qubit® Fluorometer Invitrogen) foi então colocada em ampolas esterilizadas, rotuladas e refrigeradas (Verma et al. 1994, OIE 2008b).

Sensibilização dos animais. Para obtenção de soros controle positivo, cinco éguas foram sensibilizados por via sub-cutânea (SC) com 1mL do antígeno inativado na concentração de 5mg/mL e tiveram seu sangue coletado nos momentos zero (dia da inoculação), com 15 e 60 dias após a inoculação.

Padronização do ELISA. O ELISA-i foi padronizado de forma a se obter as melhores condições de diferenciação entre soros positivos e negativos e maior rendimento dos reagentes. O antígeno utilizado foi a maleína diluída seriadamente (1/100, 1/200, 1/400 e 1/800) e titulada frente às diluições 1/50, 1/100 e 1/200 dos soros. Como controles foram utilizados um pool de cinco soros negativos e de cinco soros positivos definidos através do teste de fixação do complemento. O conjugado de proteína-G peroxidase (Sigma-Aldrich, USA) foi titulado frente ao antígeno e aos soros nas diluições 1/80000, 1/90000 e 1/100000.

O teste foi realizado em placas de poliestireno de 96 poços com alta capacidade de adsorção (Greiner Bio-one). As placas foram sensibilizadas com o antígeno (PPD-maleína) e incubadas em câmara úmida durante duas horas a 37°C. Foram realizadas três lavagens com PBS contendo 0,1% tween 20 (v/v) (PBS-T) e as reações foram bloqueadas pela adição de solução salina tamponada com fosfato (PBS) contendo leite em pó desnatado (LPD) a 4% (p/v) seguida de incubação por 1 hora a 37ºC em câmara úmida. Após três lavagens com PBS-T, 100mL das amostras de soros diluídas em PBS contendo LPD a 2% (p/v) e 10mM de ácido etileno diamino tetracético (EDTA) (p/v) foram distribuídas em cada poço e as placas foram incubadas em câmara úmida por 1 hora a 37ºC. Após nova lavagem com solução salina tamponada com fosfato contendo Tween 20 (PBS-T), 100mL do conjugado de proteína G-peroxidase diluído foram distribuídos por poço e as placas foram incubadas por mais uma hora e posteriormente lavadas cinco vezes com PBS-T. Em seguida, 100mL de solução tampão citrato-fosfato 0,1M, pH 5,0 contendo 0,1mg/mL de 3,3', 5,5'- tetramethylbenzidine (TMB) e 0,02% de peróxido de hidrogênio (v/v) foram adicionados à reação. Após 15 minutos, a reação foi bloqueada com 100mL de ácido sulfúrico (H2SO4) 2N. A leitura da densidade óptica (DO) foi realizada em leitor de microplacas com filtro ajustado em 450nm.

A repetibilidade do teste foi avaliada pelo cálculo do coeficiente de variação entre cinco repetições numa mesma placa (intraplaca) e entre cinco placas (interplacas), utilizando cinco soros negativos e cinco positivos, conforme recomendações da OIE (2010).

Para estimativa preliminar do ponto de corte foi realizada uma análise do desvio padrão das médias de 60 soros classificados como negativos no teste de fixação do complemento, empregando o teste t de Student (Frey et al. 1998) com intervalo de confiança de 95%.

Após a padronização das concentrações dos antígenos, soro e conjugado, o ELISA foi avaliado considerando-se seus valores intrínsecos (sensibilidade e especificidade), bem como o indicador de concordância ajustado (Kappa=k) (Pereira 1995), com base no teste de 300 amostras de soros equinos classificadas previamente como positivas (129 amostras) e negativas (171 amostras) na fixação do complemento (FC), obtidas em dois laboratórios de diagnóstico credenciados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para diagnóstico do mormo.

RESULTADOS

Características fenotípicas e genotípicas. A interpretação dos testes fenotípicos demonstrou que o agente comportou-se como oxidase (+), catalase (+), Voges Proskauer (-), Vermelho de Metila (-), produção de H2S (-), motilidade (-), indol (-), hidrólise da arginina (+), gás de D-glucose (+), liquefação da gelatina (-), urease (-), glicose (+), maltose (-), galactose (+), lactose (+), frutose (+), manose (+), sacarose (-) e manitol (+). Genotipicamente, a cepa selecionada para o ELISA apresentou padrão de amplificação de 1000pb da região espaçadora intergênica 16S-23S rRNA.

Padronização do ELISA. Após a realização de ensaios confrontando as diversas diluições possíveis tanto do antígeno quanto dos soros e do conjugado, verificou-se que as melhores diluições foram 1/400 do antígeno, com os soros diluídos em 1/100 e o conjugado de proteína-G peroxidase na diluição de 1/90000. Com isso, obteve-se uma intensa diferenciação entre as amostras positivas e negativas com razão positivo/negativo (P/N) de 47. A razão P/N foi calculada a partir da divisão da média do valor das amostras positivas pela média das amostras negativas.

Quanto à dosagem protéica da maleína concentrada, o valor observado foi de 1,69mg/mL e a mesma após ter sido distribuída nos poços das microplacas apresentou concentração de 0,0004mg/µL.

O ponto de corte estimado a partir do teste de 60 soros classificados como negativos na fixação do complemento (FC) foi de 0,042nm. O ELISA demonstrou boa repetibilidade com coeficiente de variação (CV) intraplaca de 8,8% e interplacas de 10,3%.

Os resultados dos soros testados no ELISA-i estão apresentados no Quadro 1, onde se observou sensibilidade de 100% e especificidade de 98,2% com ótima concordância (k=0,98 - concordância ótima) com a técnica de FC. Com relação aos valores preditivo positivo e negativo, estes foram 97,7% e 100% respectivamente.


Quanto à leitura realizada nos soros dos cinco animais obtidos na segunda coleta, observou-se um aumento dos anticorpos em todos os animais quando comparado com a primeira, seguido de um decréscimo aos 60 dias (terceira leitura) da inoculação da bactéria inativada. O animal número 02 apresentou uma resposta imune diferente dos demais nos três momentos. Este animal apresentou-se ainda como negativo frente ao teste de FC, porém ao ser analisado no ELISA-i o mesmo apresentou resultado positivo.

Os valores das densidades ópticas (DO) dos cinco soros de equinos submetidos à inoculação da bactéria inativada estão representados na Figura 1.


DISCUSSÃO

O resultado obtido na análise fenotípica permitiu identificar os isolados como Burkholderia mallei, pois as colônias apresentaram características bioquímicas idênticas às observadas anteriormente por Yabuuchi et al. (1992), Al-Ani et al. (1998), Mota et al. (2005), Silva et al. (2008, 2009). Os achados genotípicos também foram compatíveis com os achados descritos por Silva et al. (2009).

Nesse estudo, a concentração protéica da PPD-maleína utilizada para sensibilizar as placas do ELISA foi de 1,69mg/mL, mostrando-se suficiente para uso no teste sorológico. Valor semelhante também foi observado por Santurio et al. (2006) que padronizaram um ELISA indireto (ELISA-i) para o diagnóstico da pitiose equina e utilizaram 1mg/mL, contudo, Dantas (2004) ao padronizar um ELISA indireto para Maedi-Visna utilizou concentração de 0,5mg/mL e conseguiu obter resultados satisfatórios em sua pesquisa.

Os valores do coeficiente de variação (CV) tanto intra quanto interplaca apresentaram compatibilidade com as informações da OIE (2006) que preconiza que um teste com boa repetibilidade deve apresentar CV com valores abaixo de 20%, o que é necessário para ser padronizado.

Os valores de sensibilidade e especificidade encontrados nesse estudo foram de 100% e 98,2%, respectivamente, caracterizando o teste de ELISA-i como sendo um ensaio que não apresenta resultados falso-negativos. Valores semelhantes também foram encontrados por Médici, Alfieri & Alfieri (2000) que estudaram 983 soros bovinos para avaliar um ELISA comercial para o diagnóstico do Herpesvírus Bovino tipo 1 (HBV-1) e encontraram 100% de sensibilidade e 94,88% de especificidade. Santurio et al. (2006) também estudaram 116 soros de equinos para padronização de ELISA-i para pitiose e encontraram 97,72% de sensibilidade e 90,27% de especificidade. Semelhança com os valores obtidos neste estudo também foi verificado por Paredes et al. (1999) que ao analisaram 937 amostras de soro suíno para a padronização de um ELISA-i para peste suína clássica (PSC) e obtiveram 98,21% de sensibilidade e 92,86% de especificidade, definindo que o ELISA-i é um teste apropriado para o diagnóstico da PSC. Apesar dos valores preditivo positivo (VPP) e preditivo negativo (VPN) terem sido distintos, o elevado percentual do segundo assegura que animais que venham ser negativos no teste de ELISA-i, realmente não tenham a doença. Seguindo-se o que é preconizado pela OIE (2006) quanto à padronização e avaliação de testes diagnósticos, os valores de sensibilidade e especificidade de um ensaio são considerados ótimos quando superam os apresentados pelo gold test, como é o caso dessa pesquisa.

Mesmo havendo uma ótima concordância do ELISA-i quando comparado com o teste de fixação de complemento (FC) que possui sensibilidade em torno dos 90% a 95%, este último tem o risco de apresentar reações falso-negativas ocasionalmente observadas no soro de alguns animais (jovens, gestantes ou idosos), além de reações falso-positivas que podem ocorrer em aproximadamente 1% dos soros testados ao se utilizar antígeno de células inteiras, o que o leva a ser superado pelos resultados obtidos no ELISA-i (Cravitz & Miller 1950, Verma et al. 1990). O animal gestante que apresentou resultado positivo no ELISA e negativo na Fixação de Complemento, provavelmente deve-se à limitação desse último teste, que pode apresentar resultados falsos-negativos, especialmente em soros de burros, mulas e animais gestantes (Gregory & Waag, 2008).

A diferença de DO observada nos resultados do ELISA-i frente aos soros dos cinco equinos submetidos à inoculação da bactéria inativada deve-se, provavelmente ao padrão de resposta inflamatória de cada animal. A intensidade dessa resposta irá depender do grau de infecção de cada equino (Amemiya et al. 2002).

A redução na quantidade de anticorpos, observada nos animais 60 dias após a inoculação com a B. mallei inativada provavelmente está relacionada ao período de soroconversão causado pelas proteínas desse agente que é de no máximo dois meses (Hagebock et al. 1993). Entretanto, exposições constantes de animais às proteínas do agente podem promover uma soroconversão permanente (Gregory & Waag 2008).

As vantagens do desenvolvimento de um teste sorológico com antígeno nacional é o baixo custo de produção e, consequentemente, um provável aumento na aquisição do kit para diagnóstico o que poderá promover elevação do número de exames realizados, contribuindo com a redução dos casos da doença e até mesmo acelerar o processo de erradicação da doença no território nacional. Além disso, tendo em vista que espécies do gênero Burkholderia podem sofrer alterações em seu genótipo, principalmente quando se trata de cepas oriundas de regiões geográficas distintas (Silva et al. 2009), acredita-se que um kit nacional produzido a partir de cepas nacionais possa reduzir significativamente os índices de resultados falso-positivos observados atualmente na FC.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos no ELISA-i, acredita-se que o teste é promissor para o diagnóstico sorológico do mormo em equídeos no Brasil. Sua versatilidade e praticidade, além do tempo empregado para realização o classificam como um teste que pode substituir a FC. Entretanto, ainda é necessária a realização de outros ensaios com maior número de amostras para realizar a etapa de padronização.

Agradecimentos.- Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (processo nº 578044/2008-0), à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Pernambuco (FACEPE, Proc. APQ-0772-5.05/06) pelo financiamento desta pesquisa e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) pelo apoio.

Recebido em 12 de abril de 2012.

Aceito para publicação em 4 de maio de 2012.

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Abr 2012
    • Aceito
      04 Maio 2012
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