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Craqueamento térmico de alcanos: uma aula prática de química orgânica para a graduação

Thermal cracking of alkanes: an undergratuate organic chemistry experiment

Resumo

In this work we describe an experiment for the thermal cracking of octane and heptane and the qualitative analyses of the products using the Baeyer test for unsaturated compounds and gas chromatographic analyses. The experiment is very simple and requires one period of two hours and is suitable for undergraduate organic chemistry experimental courses.

chemical education; alkanes; thermal cracking


chemical education; alkanes; thermal cracking

EDUCAÇÃO

Craqueamento térmico de alcanos: uma aula prática de química orgânica para a graduação

Thermal cracking of alkanes: an undergratuate organic chemistry experiment

Silvio Cunha* * e-mail: silviodc@ufba.br ; Magda Beretta; Miguel Fascio; Airam O. Santos; Manoel T. Rodrigues Jr.; Rodrigo M. Bastos

Instituto de Química, Universidade Federal da Bahia, Campus de Ondina, 40170-290 Salvador - BA

ABSTRACT

In this work we describe an experiment for the thermal cracking of octane and heptane and the qualitative analyses of the products using the Baeyer test for unsaturated compounds and gas chromatographic analyses. The experiment is very simple and requires one period of two hours and is suitable for undergraduate organic chemistry experimental courses.

Keywords: chemical education; alkanes; thermal cracking.

INTRODUÇÃO

O estudo do comportamento físico e químico dos alcanos é um dos primeiros temas apresentados no curso básico de química orgânica de graduação, notoriamente na parte teórica, onde se destaca a importância industrial do craqueamento desta classe de substância. Os livros textos de graduação tendem a valorizar o craqueamento catalítico dos alcanos, largamente empregado na indústria petroquímica na produção de gasolina, por exemplo, em detrimento ao craqueamento térmico. Entretanto, basta uma rápida inspeção na literatura especializada para compreendermos a importância do craqueamento térmico de alcanos na produção de alcenos, principalmente eteno1-4. Apesar desta relevância, não existem experimentos sobre craqueamento térmico nos livros textos modernos empregados nos cursos práticos de química orgânica, em franco contraste com a realidade industrial de regiões próximas a pólos petroquímicos e/ou refinarias de petróleo. Assim, o aluno incorpora o sentimento que este processo é possível apenas em escala industrial. Neste trabalho apresentamos uma proposta de experimento para a graduação, que temos utilizado na nossa instituição, onde n-alcanos são submetidos a craqueamento térmico e a mistura resultante é analisada tanto por teste químico de caracterização funcional, quanto por métodos físico-químicos.

Craqueamento dos alcanos

O experimento proposto é executado em uma aula prática de, no mínimo, 2 h, e a aparelhagem necessária está indicada na Figura 1. No arranjo experimental, deixa-se 10 mL do n-alcano passar por um tubo de cobre inclinado e previamente aquecido na região central, a uma velocidade não superior a 1-2 gotas/s. É importante salientar que o gotejamento só deve ser iniciado após aquecimento ao rubro da região central do tubo de cobre e resfriamento das regiões posterior e anterior da zona central de aquecimento. Para isto, flanelas umedecidas com água gelada são fixadas por meio de barbante nas regiões anterior e posterior da zona de aquecimento (ver Figura 1) para minimizar as perdas por volatilização e, principalmente, para garantir que a zona aquecida fique restrita a uma pequena fração do comprimento do tubo. Deve-se deixar as flanelas umedecidas com água gelada durante todo o experimento, coletando-se a água de resfriamento em recipientes apropriados (bacias de plástico, por exemplo). O tubo de cobre deve estar a uma inclinação de, aproximadamente, 30º para garantir um tempo de residência pequeno na região aquecida.


Dentre os alcanos disponíveis (grau PA) foram avaliados o hexano, o heptano e o octano. A procedência dos alcanos é crucial para o sucesso do experimento, pois muitas marcas disponíveis no mercado vêm contaminadas com alcenos. Os melhores resultados são obtidos com octano e heptano. Portanto, antes de iniciar o experimento faz-se o teste de Bayer para verificar a inexistência de alcenos como contaminantes dos alcanos. A formação dos alcenos após a passagem pelo tubo de cobre é facilmente percebida pelo descoramento de soluções de KMnO4 e Br2. A solução craqueada também assume uma coloração amarelada e com odor mais penetrante. Dependendo da disponibilidade de equipamentos, os alunos são estimulados a investigar outras propriedades físicas que possam ser empregadas para comprovar a ocorrência de transformação química. Assim, é medido o índice de refração das amostras antes e depois do craqueamento, bem como são obtidos os espectros na região do infravermelho e os cromatogramas. Nas condições aqui empregadas, apenas através dos cromatogramas são percebidas mudanças na composição química, com incremento/aparecimento de picos com menores tempos de retenção que os das amostras originais, sugerindo a formação de componentes mais leves, e também nota-se o aparecimento de picos com tempos de retenção maiores, como pode ser visto para o octano na Figura 2 (para as condições da análise, ver procedimento experimental). Em todas as vezes que o procedimento foi empregado, os testes de insaturação foram infalíveis. O conjunto de dados permite aos alunos deduzir a ocorrência de transformação e a presença de alcenos na amostra após o craqueamento. É importante ressaltar que o professor que dispuser de um cromatógrafo a gás acoplado a espectrômetro de massas pode aprofundar a caracterização da mistura dos produtos. Neste caso, recomenda-se que se faça o craqueamento repetido de uma mesma amostra, o que diminui a quantidade de líquido recuperado mas enriquece a mistura em alcenos.


Acredita-se que o craqueamento térmico de alcanos envolve um mecanismo radicalar e reações em cadeia1,4, como ilustrado no Esquema 1 para uma das rotas possíveis do craqueamento térmico do octano, onde estão indicadas a etapa de iniciação (passo a) e as etapas de propagação (passos b-e) da cadeia. Assim, o experimento proporciona a discussão deste tema, em consonância com o conteúdo apresentado na parte teórica do curso.


CONCLUSÃO

O experimento proposto, inexistente nos livros textos destinados à graduação, introduz o graduando nos aspectos experimentais do processo de craqueamento, emprega reagentes, vidrarias e equipamentos simples e de fácil acesso na etapa de execução. A etapa de caracterização da transformação é exeqüível mesmo em laboratórios de ensino sem acesso a um cromatógrafo pois o teste de insaturação é adequado para a identificação de formação de alcenos e, portanto, da modificação estrutural promovida pelo craqueamento. Em laboratórios de ensino com acesso a um cromatógrafo a gás é possível avaliar a ocorrência de transformação da amostra após o craqueamento através dos cromatogramas, pois estes possibilitam a detecção de substâncias inexistentes nas amostras iniciais. Adicionalmente, o experimento proposto permite a inter-relação de aspectos práticos e industriais, a discussão de mecanismo radicalar e o emprego de diversas técnicas de caracterização de substâncias orgânicas.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

O tubo de cobre medindo 2 m de cumprimento e 0,5 cm de diâmetro interno pode ser adquirido em lojas populares que vendem acessórios para fogão. Antes de ser empregado neste experimento, foi lavado com água e depois com acetona, e deixado secar por um dia na posição vertical. A extremidade superior é levemente retorcida para conectar com a ponta de pipeta de Pasteur. As flanelas são fixadas com barbante a cerca de 30 cm de distância uma da outra (ver Figura 1) em torno do ponto de aquecimento do tubo. O tubo de cobre foi fixado a suportes universais por meio de garras, mantendo uma inclinação de aproximadamente 30º. O octano e o heptano empregados, grau PA, foram submetidos ao teste de Bayer e/ou Br2/CCl4 segundo os procedimentos descritos na literatura5.

Craqueamento

CUIDADO: OS ALCANOS EMPREGADOS NESTE EXPERIMENTO SÃO INFLAMÁVEIS. Em um funil de adição de 60 mL adaptado na aparelhagem de craqueamento previamente montada (ver Figura 1) adicionar 10 mL do n-alcano. Na outra extremidade colocar o frasco coletor, que pode ser uma proveta de 10 mL ou um tudo de ensaio de igual capacidade. Preaquecer a região central do tubo de cobre até ao rubro, mantendo sempre as flanelas bem umedecidas com água gelada. Gotejar o alcano a uma velocidade de 1-2 gotas/s, coletando o líquido na outra extremidade (recupera-se, em média, 9 mL). Tomar uma alíquota da solução resultante e realizar o teste de Bayer e/ou Br2/CCl4. Determinar o percentual de líquido recuperado e anotar qualquer mudança macroscópica percebida.

Análise cromatográfica

Os cromatogramas foram obtidos em um aparelho GC HP-5890, coluna DB-5, 30 m x 0,25 mm x 0,25 µm, detetor de ionização de chama (temperatura 300 ºC, H2 30 mL min-1, N2 30 mL min-1, Ar Sintético 300 mL min-1). Condições da análise: temperatura do injetor 200 ºC, temperatura inicial da coluna 40 ºC, final 200 ºC, 1 ºC min-1, gás de arraste H2 (1 mL min-1). Foram injetados 0,5 µL da amostra ("split" 1:100 e atenuação 4).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos alunos dos cursos de Química Orgânica II (2002 e 2004) do IQ-UFBA que realizaram os experimentos propostos nas suas versões preliminares. Agradecem também a S. T. Oliva por ter permitido introduzir este experimento nas suas aulas, quando da sua contribuição ao DQO-IQ-UFBA como Professor Substituto. A. O. Santos agradece à CAPES; M. T. Rodrigues Jr. e R. M. Bastos ao CNPq pelas bolsas de mestrado.

Recebido em 7/6/04; aeito em 11/8/04; publicado na web em 23/11/04

  • 1. Weissermel, K.; Arpe, H.-J.; Industrial Organic Chemistry, 3rd ed., VCH Verlagsgesellschaft mbH: Weinhein, 1997.
  • 2. Chenier, P. J.; Survey of Industrial Chemistry, 2nd ed., Wiley-VCH: New York, 1992.
  • 3. Kirk-Othmer Encyclopedia of Chemical Technology, 3rd ed., John Wiley & Sons: New York, 1980, vol. 12.
  • 4. Wittcoff, H. A.; Reuben, B. G.; Industrial Organic Chemicals, John Wiley & Sons: New York, 1996.
  • 5. Soares, B. G.; Souza, N. A.; Pires, D. X.; Química Orgânica: Teoria e Técnicas de Preparação, Purificação e Identificação de Compostos Orgânicos, Ed. Guanabara S.A.: Rio de Janeiro, 1988.
  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Revisado
      11 Ago 2004
    • Recebido
      07 Jun 2004
    • Aceito
      23 Nov 2004
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