Resumo
This work studied the pretreatment of sugarcane molasses (CM) and corn steep liquor (CS) for the production of carotenoids by Sporidiobolus salmonicolor (CBS 2636). The acid pretreatment removed less micronutrients than that with activated carbon and led to high removals of Cu and Mn. Reduction in optical density of the prepared medium and removal of glucose from it were 22% and 7% for CM and 95% and 38% for CS, respectively. Total carotenoids obtained with substrates pretreated with acids (541 mg/L) were higher than the results obtained when the medium was treated with activated carbon (208 mg/L).
agroindustrial residues; clarification; fermentation
agroindustrial residues; clarification; fermentation
ARTIGO
Pré-tratamentos de melaço de cana-de-açúcar e água de maceração de milho para a bioprodução de carotenóides
Pretreatment of sugarcane molasses and corn steep liquor for the production of carotenoids
Eunice ValdugaI,*; Alexsandra ValérioI; Helen TreichelI; Marco Di LuccioI; Rosângela Assis JacquesII; Agenor Fúrigo JúniorIII
IDepartamento de Engenharia de Alimentos, Universidade Regional Integrada, Campus de Erechim, Av. Sete de Setembro, 1621, 99700-000, Erechim - RS, Brasil
IIUniversidade Federal do Pampa, 96412-420 Bagé - RS, Brasil
IIIDepartamento de Engenharia Química e de Alimentos, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900 Florianópolis SC, Brasil
ABSTRACT
This work studied the pretreatment of sugarcane molasses (CM) and corn steep liquor (CS) for the production of carotenoids by Sporidiobolus salmonicolor (CBS 2636). The acid pretreatment removed less micronutrients than that with activated carbon and led to high removals of Cu and Mn. Reduction in optical density of the prepared medium and removal of glucose from it were 22% and 7% for CM and 95% and 38% for CS, respectively. Total carotenoids obtained with substrates pretreated with acids (541 mg/L) were higher than the results obtained when the medium was treated with activated carbon (208 mg/L).
Keywords: agroindustrial residues; clarification; fermentation.
INTRODUÇÃO
Os substratos agroindustriais são bastante complexos e alguns de seus componentes podem ser responsáveis pela inibição da produção, ou ainda, dificultar sua posterior recuperação e/ou purificação de bioprodutos. Por exemplo, o melaço é um subproduto da indústria de açúcar que é utilizado com grande freqüência como fonte de carbono na indústria de fermentações1. Porém, altas concentrações de metais pesados no meio causam problemas críticos durante a fermentação, como a inibição do crescimento microbiano; influenciam o pH do substrato e estão envolvidos na inativação das enzimas associadas com a biossíntese do produto2.
A literatura relata alguns trabalhos que utilizaram diferentes pré-tratamentos de clarificação na bioprodução compostos. Porém, raras são as informações que relacionam a remoção de metais pesados e a composição química dos substratos agroindustriais in natura e/ou pré-tratados. Kasseno e Kokugan3 testaram os efeitos do pré-tratamento do melaço através da microfiltração com uma membrana cerâmica (0,05 µm) na fermentação de etanol. Os resultados mostraram que cerca de 99,5% de glicose poderiam ser metabolizados pelas células no melaço pré-tratado, enquanto apenas 83,1% de glicose são metabolizados pelas células no melaço não tratado. Roukas2 empregou resinas catiônicas, tratamento com ácido sulfúrico, tratamento com fosfato de cálcio, ferrocianeto de potássio e EDTA no pré-tratamento de melaço de beterraba e os resultados mostraram que o tratamento com ácido sulfúrico foi o que gerou as máximas concentrações do produto estudado. Ryan e Johnson4 estudaram os efeitos da modificação de uma membrana padrão de diálise, comercialmente disponível, através da redução de seus poros com a deposição de cristais de octanato de cálcio na membrana. A membrana modificada foi capaz de reduzir a concentração de potássio no melaço, aumentando o rendimento da fermentação, com perdas de açúcares bem menores durante a difusão. Treichel5 testou os efeitos dos pré-tratamentos do melaço e água de maceração de milho, com carvão ativo, terra diatomácea, ácido sulfúrico e ácido fosfórico, na produção da inulinase por Kluyveromyces marxianus NRRL Y-7571. O pré-tratamento mais adequado para os meios industriais foi com 8% (m/v) de carvão ativo, 1 h de agitação em frascos agitados a 70 ºC e 150 rpm. Bae e Shoda6 pesquisaram a produção de celulose por Acetobacter xylinum BPR-2001, usando melaço pré-tratado com ácido sulfúrico como fonte de carbono, obtendo-se um aumento na produção do biopolímero de 76% quando comparado com o melaço não tratado. Berwanger et al. 7 investigaram a produção de biopolímeros por Sphingomonas capsulata utilizando resíduo de proteína texturizada de soja (PTS) e melaço de cana-de-açúcar pré-tratado com ácido sulfúrico, sendo que a bioprodução com substratos agroindustriais pré-tratados foi 13% superior quando comparada com a do meio convencional (4% de sacarose).
Assim, verifica-se que a utilização de resíduos industriais tem tido grande interesse de estudo devido ao apelo ecológico e econômico, além de uma ampla aplicação, portanto requerendo em alguns casos, estudos de clarificação que viabilizem não só a obtenção dos produtos, mas também as etapas de recuperação e purificação sem aumento excessivo no custo do processo. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi estudar pré-tratamentos do melaço de cana-de-açúcar e água de maceração de milho para a bioprodução de carotenóides por Sporidiobolus salmonicolor (CBS 2636), através do desenvolvimento de diferentes pré-tratamentos para os substratos industriais, da caracterização dos substratos industriais in natura e pré-tratados e otimização da bioprodução de carotenóides em meio industrial pré-tratado.
PARTE EXPERIMENTAL
Substratos industriais testados
Os substratos industriais utilizados foram melaço de cana-de-açúcar, adquirido na Usina Ester na região da Grande Campinas/SP, água de maceração de milho (AMM) cedida pela Corn Products Mogi Guaçu/SP e hidrolisado de levedura (Prodex Lac®) adquirido da Indústria Prodesa - Mogi Mirim/SP.
Pré-tratamento com carvão ativo
Em ensaios de pré-tratamento com carvão ativo (Carvorite - ANF, ~45% retido pela malha de mesh 325, densidade aparente de 0,450 g/cm3) foram utilizadas concentrações de 4 e 8% (m/v). A água de maceração de milho e o melaço de cana-de-açúcar foram utilizados na concentração de 100 g/L. Os experimentos foram realizados em frascos, com agitação de 150 rpm por 1 h, a 70 e 90 ºC. Após o tratamento os substratos foram centrifugados (10.000 ×g, 5 ºC, 15 min) e filtrados em papel (Whatman nº1). Como a centrifugação não foi capaz de remover todo o carvão dos substratos, foi necessária uma operação final de polimento, realizada com filtração em membranas de acetato de celulose (Sartorius) de 0,8 e 0,2 µm, buscando separar o máximo possível de carvão do meio.
Pré-tratamento com ácido sulfúrico e fosfórico
Os ensaios com tratamento ácido foram realizados conforme metodologia descrita por Treichel5. A água de maceração de milho e o melaço de cana-de-açúcar foram utilizados na concentração de 100 g/L. Inicialmente, ajustou-se o pH do melaço e da água de maceração de milho para 3,0 utilizando ácido sulfúrico 1 N e ácido fosfórico 1 N, respectivamente.
Os substratos permaneceram em repouso por 24 h a 24 ºC, foram centrifugados (Eppendorf 5403) a 5000 rpm por 15 min e ajustou-se o pH para 4,0 no melaço e 5,5 para a água de maceração de milho, com solução de NaOH (Vetec) 2 N.
Caracterização dos substratos industriais
Para caracterizar os substratos agroindustriais brutos e após os pré-tratamentos com carvão ativo e ácido (sulfúrico e/ou fosfórico) efetuaram-se as seguintes análises físico-químicas: minerais totais (cinzas): foram determinados por incineração em mufla (Novus) a 550 ºC de acordo com procedimentos descritos por IAL8; macronutrientes (Mg, Ca, Na, K) e micronutrientes (Mn, Fe, Zn, Cu.): foram determinados por espectrometria de absorção atômica em chama - FAAS (Varian Spectra AA-55), segundo metodologia descrita em AOAC9. Foram utilizadas lâmpadas de cátodo oco de Ca, Mg, K, Na, Mn, Zn, Fe, e Cu, como fonte de radiação. Os elementos foram medidos em condições de operação otimizadas por FAAS em chama ar/acetileno ou óxido nitroso/acetileno. As leituras de Ca, Mg, K, Na, Cu, Mn, Zn e Fe foram realizadas no FAAS, no modo absorção. Para eliminar possíveis interferências na determinação de Ca e Mg, foi adicionado cloreto de lantânio nas amostras e nas soluções padrões na proporção de 1% (m/v). O teor de fósforo foi determinado por espectrofotometria9. Os cálculos dos teores dos minerais nas amostras foram baseados em uma curva de calibração obtida com as soluções padrões; nitrogênio total foi determinado pelo método de Kjeldahl9; glicose (Gli) foi determinada pelo método enzimático: glicose PAP, liquiform (LABTEST Diagnóstica, 2005); densidade ótica (DO) foi avaliada em espectrofotômetro (Agilent 8553) a 600 nm.
Os efeitos das variáveis investigadas foram avaliados estatisticamente pela análise de variância seguida de Teste de Tukey (p<0,05), utilizando softwareStatistica versão 5.0 (Statsoft Inc, USA).
Bioprodução de carotenóides
A linhagem da levedura Sporidiobolus salmonicolor CBS 2636 ("Centraalbureau voor Schimmelcultures, Institute of the Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences - KNAW") foi utilizada nos ensaios para produção de carotenóides utilizando meios agroindustriais.
Inicialmente, a cultura liofilizada foi hidratada em meio YM ("Yeast Malt Extract"), a 25 ºC por 72 h. Posteriormente, a cultura foi transferida para tubos inclinados, contendo o meio YMA ("Yeast Malt Extract Agar")e incubados por 48 h a 25 ºC. Após este tempo de crescimento, os tubos contendo os microrganismos foram conservados a 4 ºC em refrigerador (Brastemp). A repicagem foi realizada a cada 2 meses.
O inóculo foi preparado em frascos de erlenmeyer de 250 mL, contendo 100 mL de meio YM, com a seguinte composição: 3 g/L de extrato de levedura (Merck), 3 g/L de extrato de malte (Acumedia), 5 g/L de bacto peptona (Merck) e 10 g/L de glicose (Nuclear). Após esterilização, estes frascos foram inoculados com suspensão de células, incubados a 25 ºC, 180 rpm por 48 h10. A concentração celular foi acompanhada e padronizada através de medida de densidade ótica (0,725 Unidades de Absorbância) em espectrofotômetro (Agilent, modelo 8553) a 650 nm.
Os ensaios da bioprodução de carotenóides foram realizados em agitador orbital (Nova Ética RDB-430) com controle de temperatura e agitação, no qual foram colocados erlenmeyeres de 250 mL, contendo 100 mL de meio, 10% de inóculo (D.O e incubados a 25 ºC, 180 rpm, pH inicial de 4,0, por 120 h e sem iluminação10.
Recuperação de carotenóides totais
Os ensaios de recuperação de carotenóides totais foram realizados conforme metodologia descrita por Valduga10. As células foram centrifugadas a 3.000 ×g, 5 ºC por 10 min (Eppendorf 5403) e submetidas a sucessivas macerações em almofariz, após congelamento com N2 líquido.Posteriormente, adicionou-se dimetilsufóxido DMSO na relação 2:1, seguido por aquecimento a 55 ºC/30 min (Fanem 102) e homogeneizações periódicas em Vortex (Phoenix AP-56). Em seguida, adicionou-se mistura de acetona:metanol (7:3, v/v), seguindo de centrifugações (3.000 'g, 5 ºC, 10 min). O sobrenadante foi separado e realizaram-se extrações sucessivas, até que o solvente e as células se apresentassem sem coloração. O solvente foi evaporado em evaporador rotativo (Tecnal TE-210) a 35 ºC e os pigmentos foram solubilizados em metanol.
Determinação de carotenóides totais
A absorbância da amostra após extração foi medida em espectrofotômetro (Agilent 8553). A concentração total de carotenóides foi estimada através do valor medido da máxima absorbância a 448 nm, utilizando a equação descrita por Davies11. O coeficiente de absorbância utilizado foi o referente ao b-caroteno: E 1%1cm = 2550, para o solvente metanol12.
Delineamento experimental para estudar a influência do pré-tratamento dos substratos e da composição na bioprodução de carotenóides
Para estudar os efeitos da composição dos substratos industriais e do pré-tratamento na produção de carotenóides foram utilizados planejamentos fatoriais completos 23, com 3 pontos centrais (Planejamento 1 - sem pré-tratamento; Planejamento 2 pré-tratamento com carvão ativo (8%, 90 ºC, 1 h e 150 rpm) e Planejamento 3 - pré-tratamento com ácido) e avaliados estatisticamente com auxílio do softwareStatistica versão 5.0. As variáveis estudadas e seus respectivos níveis encontram-se descritos nas Tabelas 4, 5 e 8, respectivamente.
A partir dos resultados obtidos nos planejamentos fatoriais anteriores, as faixas de variações entre o limite inferior e superior de cada variável foram ajustadas e planejamentos fatoriais completos 22, com 2 pontos axiais para cada variável independente e 1 ponto central para cada variável independente repetido 3 vezes foram realizados para os pré-tratamentos com carvão ativo e ácidos (sulfúrico ou fosfórico).
As variáveis independentes estudadas para o pré-tratamento com carvão ativo foram concentração de água de maceração de milho (AMM) e hidrolisado de levedura (Prodex Lac®), e a variável fixada foi o melaço de cana-de-açúcar, sendo que os níveis das variáveis independentes encontram-se descritos na Tabela 5.
No pré-tratamento com ácidos, as variáveis independentes estudadas foram o melaço de cana-de-açúcar e hidrolisado de levedura, e a variável fixada foi a água de maceração de milho, sendo que os níveis das variáveis independentes encontram-se descritos na Tabela 8. Os ensaios de fermentação dos planejamentos fatoriais completos foram realizados conforme descrito anteriormente. A resposta ou variável dependente estudada foi a concentração de carotenóides totais (µg/L).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pré-tratamentos de substratos agroindustriais
Os resultados de densidade ótica (D.O) e glicose (GLI) no melaço de cana-de-açúcar e água de maceração de milho antes e após os pré-tratamentos com carvão ativo e com ácidos (sulfúrico/fosfórico) encontram-se descritos na Tabela 1.
Na análise estatística para a densidade ótica (D.O) verificou-se que, para a faixa estudada, o aumento na concentração de carvão ativo e na temperatura de pré-tratamento apresentou diferença significativa (p<0,05) nos substratos agroindustriais. Analisando estes resultados, nota-se que o pré-tratamento com 8% (m/v)/90 ºC por um período de 60 min acarretou perdas de 39 e de 53% na concentração de glicose no melaço de cana-de-açúcar e da água de maceração de milho, respectivamente. Em relação à densidade ótica a redução foi de 89% para o melaço de cana-de-açúcar e de 96% para a água de maceração de milho. Deste modo, obteve-se, nestas condições, uma redução de densidade ótica efetiva para viabilização da etapa de recuperação e extração dos carotenóides do caldo bruto fermentado.
Os pré-tratamentos com 4% de carvão/90 ºC/60 min e com 8% de carvão/70 ºC/60 min não se mostraram eficazes na remoção das impurezas, principalmente do melaço de cana-de-açúcar. Além de visivelmente não clarear o substrato, as partículas de carvão ativo permaneceram nos substratos após a etapa de filtração.
No pré-tratamento dos substratos com ácidos verificou-se uma redução de 7 e de 38% na concentração de glicose do melaço de cana-de-açúcar e da água de maceração de milho, respectivamente. Na densidade ótica, a redução foi de 22% para o melaço de cana-de-açúcar e de 95% para a água de maceração de milho. Observa-se que o ácido fosfórico apresenta maior efeito complexante de substâncias pigmentadas e de impurezas, contribuindo com a clarificação dos substratos agroindustriais.
Os resultados dos minerais (micro e macronutrientes) dos substratos antes e após os pré-tratamentos com carvão ativo e com ácidos (sulfúrico/fosfórico) encontram-se descritos nas Tabelas 2 e 3, respectivamente.
Observa-se que o melaço bruto sem pré-tratamento (100 g/L, m/v) apresenta altos níveis de metais, principalmente de potássio (1800 mg/L), cálcio (769 mg/L), sódio (435 mg/L), nitrogênio (428 mg/L), magnésio (246 mg/L) e ferro (13 mg/L). A água de maceração de milho é rica em nitrogênio (3730 mg/L), potássio (1840 mg/L), magnésio (723 mg/L), manganês (55 mg/L) e zinco (11 mg/L).
Nos pré-tratamentos com carvão ativo (Tabela 2), verifica-se que, de maneira geral, o aumento na concentração de carvão ativo e na temperatura de pré-tratamento acarretou diferença significativa (p<0,05) nos teores de minerais dos substratos agroindustriais. O mesmo foi verificado por Mussatto e Roberto13 ao remover compostos inibidores (hidroximetilfurfural e compostos fenólicos) do hidrolisado de palha de arroz.
Analisando os resultados, nota-se que o pré-tratamento com 8% (m/v) de carvão ativo, a 90 ºC por um período de 60 min acarretou perdas consideráveis nos teores de zinco (92%), nitrogênio (80%), fósforo (80%), cobre (70%) e ferro (70%) para a água de maceração de milho. No melaço de cana-de-açúcar as diminuições foram superiores para sódio (80%), nitrogênio (79%), zinco (54%) e ferro (42%). Em relação ao potássio e magnésio, considerados nutrientes importantes em processos fermentativos, as perdas foram de aproximadamente 18 e 24% na água de maceração de milho, e de 35 e 8% no melaço, respectivamente.
As perdas dos nutrientes dos substratos devem-se principalmente a fatores relatados por Ahmedna et al.14, como a capacidade de adsorção do carvão ativo, o que está vinculado à granulometria, à área superficial, à densidade, ao pH, ao teor de cinzas e à estrutura interna dos poros; a presença de grupos funcionais em sua superfície (grupos carboxila, carbonila, lactonas, ácidos carboxílicos, entre outros), decorrente do processo de ativação a que o carvão foi submetido, os quais exercem grande influência no processo de adsorção, uma vez que promovem uma seletividade na remoção de compostos.
No pré-tratamento dos substratos com ácidos (Tabela 3) verificou-se que não houve diferença significativa (p>0,05) no teor de zinco para a água de maceração de milho, e nos teores de cobre e ferro do melaço de cana-de-açúcar. Constatou-se que a redução dos nutrientes foi inferior quando comparada aos pré-tratamentos com carvão ativo, com perdas inferiores a 30%. As maiores reduções foram verificadas para o cobre (48%) e manganês (43%) na água de maceração de milho. Estes resultados são razoáveis, uma vez que a maioria dos metais possui elevada solubilidade em soluções ácidas15, portanto não precipitam e ao fato da remoção de metais pelo processo de adsorção (extração sólido-líquido) do tipo batelada ser mais eficiente que na extração líquido-líquido16-18.
Bioprodução de carotenóides: efeitos dos pré-tratamentos dos substratos e da composição do meio
Substratos agroindustriais sem pré-tratamento
O primeiro planejamento realizado consistiu em utilizar os substratos melaço de cana-de-açúcar e água de maceração de milho sem o pré-tratamento de clarificação, para que fosse possível verificar o comportamento da produção de carotenóides. A matriz do planejamento completo 23, com os substratos agroindustriais sem pré-tratamento, e o respectivo resultado em termos de produção de carotenóides está apresentado na Tabela 4, que mostra também os valores codificados de cada nível utilizado.
O valor de carotenóides totais máximo obtido foi de 479 µg/L para o ensaio 6. Porém, verificou-se nos ensaios, também a extração de pigmentos dos substratos agroindustriais (clorofila, xantofilas, melanoidinas etc.), o que indica a necessidade de pré-tratamento de remoção de impurezas e/ou metais pesados da água de maceração de milho e do melaço de cana-de-açúcar, para que estes substratos sejam utilizados na bioprodução de carotenóides. Segundo Roukas2, altas concentrações de metais pesados e de impurezas no meio causam problemas críticos durante a fermentação, tais como inibição do crescimento microbiano, influenciam no pH do substrato e do meio de fermentação, e estão envolvidos na inativação das enzimas associadas com a biossíntese do produto.
Substratos agroindustriais pré-tratados com carvão ativ
Inicialmente, realizou-se um planejamento completo 23, com os substratos agroindustriais pré-tratados com carvão ativo (4%, 70 ºC, 1 h e 150 rpm), seguidos de centrifugações (10.000 ×g, 5 ºC, 15 min) e filtrações (celulose, Whatman nº1). Observou-se que as micropartículas de carvão ativo permaneciam no meio mesmo após a filtração, podendo ter ocasionado um efeito inibidor na produção de biomassa e carotenóides, uma vez que estas micropartículas permaneceram aderidas nas células, dificultando as etapas de recuperação e extração dos carotenóides totais. Nesse sentindo, o pré-tratamento com carvão ativo mais adequado para o melaço e a água de maceração de milho foi obtido com 8% (m/v) de carvão ativo, 1 h de agitação em frascos agitados (150 rpm) à 90 ºC, seguidos de centrifugações (10.000 'g, 5 ºC, 15 min), filtração em papel (Whatman nº1) e membranas de acetato de celulose de 0,8 e 0,2 µm.
A matriz do segundo planejamento completo 23, com os substratos agroindustriais pré-tratados com carvão ativo (8%, 90 ºC, 1 h e 150 rpm) e os respectivos resultados em termos de concentração de carotenóides totais estão apresentados na Tabela 5, que mostra também os valores codificados de cada nível utilizado.
A Tabela 6 apresenta os coeficientes e regressão, desvio padrão, valores de p e t, e a Equação 1 o modelo codificado não linear de primeira ordem, que descreve a concentração de carotenóides totais em função das variáveis independentes analisadas (melaço de cana-de-açúcar, água de maceração de milho e hidrolisado de levedura), dentro da faixa estudada. O modelo foi validado pela análise de variância (Tabela 7), onde o coeficiente de correlação obtido foi de 0,99 e o F calculado foi 16,6 vezes maior que o valor tabelado. Os parâmetros que não foram significativos foram adicionados à falta de ajuste para a análise de variância.
onde Ctotais é a concentração de carotenóides totais (µg/L), X1 é a concentração de melaço de cana-de-açúcar, X2 é a concentração de água de maceração de milho e X3 é a concentração de hidrolisado de levedura.
Observa-se pela Tabela 6, que todas as variáveis independentes estudadas exercem influência significativa positiva (p<0,05), o que indica que um deslocamento dos níveis de concentrações de hidrolisado de levedura, água de maceração de milho e melaço de cana-de-açúcar para valores superiores acarretaria em um incremento no teor de carotenóides totais. Porém, constatou-se que quando os níveis de hidrolisado de levedura e água de maceração de milho foram aumentados (terceiro planejamento fatorial completo 22), não foi possível otimizar a concentração de carotenóides totais, pois ocorreu inibição do crescimento celular e da produção de carotenóides totais. Possivelmente a inibição está relacionada à composição destes substratos e/ou à bioprodução de compostos secundários, pois a água de maceração de milho e o melaço de cana-de-açúcar (variável fixada) possuem uma composição bastante complexa (Tabela 2), contendo nutrientes (nitrogênio, potássio, magnésio, manganês, ferro etc), que individualmente podem influenciar positivamente na bioprodução de carotenóides, porém a interação e o aumento da concentração destes pode resultar em um excesso de alguns destes nutrientes e causar uma inibição indesejada, tanto no crescimento microbiano como sobre as enzimas associadas com a biossíntese de carotenóides. Isto também pode ter ocorrido devido à quantidade de micropartículas de carvão que permanecem no meio, mesmo após a filtração em membranas (0,2 µm), o que pode ter dificultado a transferência de nutrientes, potencializando o efeito inibidor do crescimento e da bioprodução de carotenóides.
Quando se utilizaram substratos agroindustriais pré-tratados com carvão ativo (8% /90 ºC/60 min), a máxima concentração de carotenóides totais obtida foi de 208,6 mg/L, no ensaio número 7 (Tabela 5), com concentração de melaço de cana-de-açúcar de 10 g/L, água de maceração de milho de 10 g/L, hidrolisado de levedura de 10 g/L, agitação de 180 rpm, 25 ºC e pHinicial de 4,0.
Substratos agroindustriais pré-tratados com ácidos
Através dos resultados do planejamento completo 23 com os substratos agroindustriais pré-tratados com ácidos, na faixa de concentração investigada (melaço de 10 a 40 g/L; AMM de 0 a 10 g/L e hidrolisado de levedura de 0 a 10 g/L), verificou-se que o teor de carotenóides totais diminui com o aumento das concentrações de melaço de cana-de-açúcar e hidrolisado de levedura. Os efeitos das variáveis demonstraram que a concentração de melaço de cana-de-açúcar foi a variável de maior influência na produção de carotenóides, seguida do hidrolisado de levedura e da interação destas duas variáveis independentes. Este fato pode ser melhor observado na Figura 1, onde os efeitos das variáveis estão representados. Estas três variáveis tiveram efeito negativo significativo no intervalo de confiança de 95%, o que indica que um deslocamento dos níveis de concentrações de melaço e hidrolisado de levedura para valores inferiores acarretaria em um incremento na produção de carotenóides totais. Como o objetivo principal desta etapa foi de incrementar a concentração de carotenóides totais (µg/L), o planejamento fatorial completo 22 foi baseado nas respostas desta variável dependente. Portanto, a concentração de água de maceração de milho foi fixada em 5 g/L, por esta variável independente não apresentar significância (p<0,05) sobre a concentração de carotenóides totais. Os níveis das variáveis independentes melaço de cana-de-açúcar e hidrolisado de levedura foram deslocados para valores inferiores.
A matriz do segundo planejamento fatorial completo 22, com os substratos agroindustriais pré-tratados com ácidos, e o respectivo resultado em termos de concentração de carotenóides totais está apresentado na Tabela 8, que mostra também os valores codificados de cada nível utilizado.
A Tabela 9 apresenta os coeficientes de regressão, desvio padrão e valores de p e t, para os carotenóides totais e a Equação 2 o modelo codificado não linear de segunda ordem, que descreve a resposta da concentração de carotenóides totais em função das variáveis independentes analisadas (melaço de cana-de-açúcar e hidrolisado de levedura), dentro da faixa estudada. Verifica-se que a produção de carotenóides totais foi influenciada significativamente pelos efeitos quadráticos do melaço de cana-de-açúcar pré-tratado com ácido (ácido sulfúrico) e do hidrolisado de levedura. O modelo foi validado pela análise de variância (Tabela 10), com coeficiente de correlação de 0,97 e F calculado de 12,8 vezes maior que o valor tabelado. Os parâmetros que não foram significativos foram adicionados à falta de ajuste para a análise de variância.
onde Ctotais é a concentração de carotenóides totais (µg/L), X1 é a concentração de melaço de cana-de-açúcar e X3 é a concentração de hidrolisado de levedura.
A máxima concentração de carotenóides totais encontra-se nos ensaios correspondendo ao ponto central de concentração dos dois substratos (Tabela 8) que compõem o meio de fermentação e com a concentração de água de maceração de milho fixada em 5 g/L, caracterizando a otimização da produção de carotenóides em substratos agroindustriais pré-tratados com ácidos, o qual pode ser visualizado pela curva de contorno (Figura 2).
Em relação aos substratos pré-tratados com ácidos, observa-se que a concentração de carotenóides totais ao final da fermentação (120 h) é superior à obtida com os substratos pré-tratados com carvão, de 541,5 e 208,6 µg/L, respectivamente. Isto pode ter ocorrido devido à quantidade de micropartículas de carvão que permanecem no meio, mesmo após a filtração em membranas (0,2 µm), o que pode ter ocasionado um efeito inibidor e ter prejudicado a transferência de massa entre as células e o meio, conforme comentado anteriormente. Além disso, durante os pré-tratamentos com carvão ativo pode ocorrer não somente a retirada de compostos indesejáveis, mas também a remoção de nutrientes importantes para a fermentação (nitrogênio, magnésio, manganês, potássio e açúcares), como foi verificado na Tabela 2.
Na literatura, alguns trabalhos relatam a utilização de substratos agroindustriais na bioprodução de carotenóides. Shih e Hang19 usaram resíduo da produção de chucrutes como substrato para o meio de fermentação de Rhodotorula rubra e a produção de carotenóides totais foi de 1041 µg/L. Mantzouridou et al.20 avaliaram o efeito da aeração (0.51.5 vvm) e agitação (150500 rpm) na produção de b-caroteno por Blakeslea trispora em biorreator, em meio de fermentação composto por água de maceração de milho (80 g/L), óleo de oliva (10 g/L) e óleo de soja (10 g/L) suplementado com glicose (50 g/L), extrato de levedura (1,0 g/L), hidrolisado de caseína (2,0 g/L), asparagina (2,0 g/L), KH2PO4 (1,5 g/L), MgSO4 (0,5 g/L) e tiamina (0,5 g/L). A máxima produção de b-caroteno foi de 1,6 kg/m3 após 19 dias de fermentação, a 150 rpm, 1,5 vvm de aeração, 26 ºC e pH inicial de 7,0. Simova et al.21 estudaram a produção de carotenóides por Rhodotorul rubra GED8co-cultivada com Lactobacillus bulbaricus 2-11 e Streptococcus thermophilus 15HA, em meio de fermentação composto de ultrafiltrado de soro de leite (45 g/L de lactose), suplementado com (NH4)2SO4 (6,0 g/L), KH2PO4 (5,5 g/L), NA2HPO4.(3,0 g/L), Mg SO4 (0,5 g/L) e extrato de levedura (5,0 g/L). A máxima produção de carotenóides totais foi de 4,7 mg/L. Em outro estudo Buzzini e Martini22 avaliaram a produção de carotenóides por Rhodotorula glutinis em diferentes substratos agroindustriais (mosto de uva, xarope de glicose, melaço de beterraba, hidrolisado de farinha de milho e soja). A máxima concentração de carotenóides foi de 5,95 mg/L ou 630 mg/g em relação ao peso celular seco, após 120 h de crescimento a 30 ºC e 180 rpm, quando se utilizou mosto concentrado de uva (820 g/L carboidratos totais).
CONCLUSÕES
O pré-tratamento com carvão ativo mais adequado para os substratos agroindustriais melaço de cana-de-açúcar e água de maceração de milho foi com 8% (m/v) de carvão ativo, 1 h de agitação (150 rpm) em frascos agitados a 90 ºC, seguidos de centrifugação (10.000 xg, 5 ºC, 15 min) e filtração (celulose, Whatman nº 1 e membrana de acetato de celulose 0,2 µm).
Na bioprodução de carotenóides com substratos pré-tratados com carvão ativo, a máxima concentração de carotenóides totais obtida foi de 208,6 µg/L, com concentrações de melaço de cana-de-açúcar de 10 g/L, água de maceração de milho de 10 g/L e hidrolisado de levedura de 10 g/L, agitação de 180 rpm, temperatura de 25 ºC e pH inicial de 4,0.
O planejamento completo composto central rotacional permitiu a obtenção de um modelo de segunda ordem que caracterizou a otimização da concentração de carotenóides em substratos industriais pré-tratados com ácidos (sulfúrico e/ou fosfórico), obtendo-se um teor de carotenóides totais de 541,5 µg/L, com concentrações de melaço de cana-de-açúcar de 10 g/L, água de maceração de milho 5 g/L e hidrolisado de levedura de 5 g/L, agitação de 180 rpm, temperatura de 25 ºC e pH inicial de 4,0.
Recebido em 15/9/06; aceito em 10/4/07; publicado na web em 5/10/07
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jan 2008 -
Data do Fascículo
2007
Histórico
-
Aceito
10 Abr 2007 -
Recebido
15 Set 2006