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Níveis e origem da acidificação das chuvas na região do Rio Grande, RS

Sources and levels of rain acidity in the region of the Rio Grande city, RS, Brazil

Resumo

The current article presents the first data on physical-chemical parameters of wet precipitation collected at single collection point in the city of Rio Grande, during the period of 12 months in 1997-1998. The employed technique of rainwater separation into several portions made clear the process of the atmosphere self-purification during a precipitation event. The pH of rainwater depends on the extent of industrial emissions and increases during a precipitation event. The first portion of rainwater shows an obvious neutralizing effect of soil and ocean-derived components, whose intensity depends on the duration of the preceding dry period.

precipitation; acidification; industrial emissions


precipitation; acidification; industrial emissions

ARTIGO

Níveis e origem da acidificação das chuvas na região do Rio Grande, RS

Nicolai Mirlean, Argeu Vanz e Paulo Baisch

Departamento de Geociências - Fundação Universidade do Rio Grande - CP 474 - 96201-900 - Rio Grande - RS

Recebido em 17/5/99; aceito em 18/1/00

Sources and levels of rain acidity in the region of the Rio Grande city, RS, Brazil. The current article presents the first data on physical-chemical parameters of wet precipitation collected at single collection point in the city of Rio Grande, during the period of 12 months in 1997-1998. The employed technique of rainwater separation into several portions made clear the process of the atmosphere self-purification during a precipitation event. The pH of rainwater depends on the extent of industrial emissions and increases during a precipitation event. The first portion of rainwater shows an obvious neutralizing effect of soil and ocean-derived components, whose intensity depends on the duration of the preceding dry period.

Keywords: precipitation; acidification; industrial emissions.

INTRODUÇÃO

A acidificação das chuvas é um problema ambiental bem conhecido em muitas partes do mundo, em particular nas regiões de maior concentração industrial1,2. A acidificação das chuvas está associada principalmente a presença de NOx e SO2 provindos dos processos de combustão, especialmente de combustíveis fósseis3,4. Na presença da radiação solar, as reações destes gases com a água da chuva, ocasionam a formação de ácidos nítrico e sulfúrico e como conseqüência diminui o pH da água de acordo com os níveis de poluição. O impacto das chuvas ácidas provoca a deterioração dos ambientes naturais, das águas, dos solos e vegetação; dos materiais empregados nas construções civis, monumentos antigos, entre outros5,11.

Na Europa e no nordeste dos Estados Unidos foram registradas amostras de chuvas com valores de pH acentuadamente baixos, especialmente, nas áreas mais industrializadas12,13. No Brasil, nas cidades de Niterói e do Rio de Janeiro foram encontrados valores de pH entre 4,3 e 5,314. No Rio Grande do Sul, a região metropolitana de Porto Alegre os valores mínimos encontrados na água das chuvas ficaram em torno de 4,0, com máximos de 7,6 e médios gerais de 5,515.

É esperado que nas cidades metropolitanas ocorram eventos de chuvas ácidas, pois geralmente associados a elas, encontram-se grandes parques industriais que liberam significativas quantidades de efluentes atmosféricos.

Na cidade do Rio Grande, até o momento, medidas regulares do pH da água da chuva não eram conhecidas, entretanto existem condições antrópicas (indústrias, atividades portuárias e outras) que podem provocar acidificação das precipitações atmosféricas líquidas. A preocupação dos efeitos das acidificações sobre as águas doces e os solos da região (arenosos distróficos - conhecidos como os mais vulneráveis a tais efeitos), e a proximidade com o oceano que pode causar a neutralização dos compostos químicos que provocam a chuva ácida16,18, foram fatores que motivaram a execução desses trabalho. As propostas deste estudo são determinar o nível de acidificação, localizar as fontes de poluição atmosférica e esclarecer os processos que causam as variações do pH ao longo do tempo, na região urbana/industrial da cidade do Rio Grande, RS.

MATERIAIS E MÉTODOS

O período de amostragens foi de novembro de 1997 a outubro de 1998, em um ponto fixo localizado no campus universitário (Fig. 1). O coletor foi instalado 6,0 metros acima da superfície do solo. A área adjacente ao ponto de coleta era aberta, ou seja, sem obstáculos que podiam mudar significativamente a direção do vento. A coleta da chuva foi feita através de um coletor de polipropileno em forma de funil, conectado a uma mangueira ligada ao sistema de fracionamento da chuva. Este sistema consiste em três balões volumétricos de capacidade de 25 ml conectados em série por mangueiras, os quais recebem diretamente a água da chuva do coletor externo e são preenchidos de modo seqüencial e independente. Através dessa metodologia, consegue-se separar, sem que ocorra mistura, a água da chuva em quatro partes, correspondentes as diferentes e sucessivas fases de um mesmo evento de precipitação. Relacionando a área do coletor com o volume de água da chuva de cada balão, pode-se calcular que fazem parte, respectivamente, do primeiro, do segundo e do terceiro mm da chuva de um mesmo evento. A amostra recolhida no quarto balão, o qual tinha capacidade volumétrica de vários litros, corresponde as águas da fase restante da precipitação.


No período de amostragem foram observados e coletados mais de 70 períodos chuvosos, dos quais, selecionou-se apenas 56, pois foram aqueles que apresentaram volume hídrico acima de 100 ml que correspondem as precipitações com mais de 4 mm.

Imediatamente após as coletas, as amostras foram filtradas através de filtros de papel (diâmetro de poro menor que 2 mm). Em seguida foram registrados os valores de pH, condutividade e volume para cada fração coletada.

Os dados meteorológicos foram obtidos junto a Estação Meteorológica da Fundação Universidade do Rio Grande localizada no mesmo campus universitário.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período de estudo foram observadas as seguintes variações nos parâmetros físicos das chuvas: os volumes totais das precipitações variaram de menos de 1 a 265mm para cada chuva, a intensidade das chuvas mudaram em intervalos 0.20 a 13 mm/h. Nas estações de verão e primavera foram registrados os maiores volumes de precipitações, quando comparadas ao inverno e outono (Fig. 2).


A precipitação anual encontrada durante o período de amostragem foi 2200 mm que é 1,7 vezes maior da registrada no ano anterior. Esta diferença é atribuída, provavelmente ao fenômeno do El Nino que influenciou o clima da região durante o período de realização desse trabalho.

A condutividade da chuva total ficou entre 4 e 39 mS que corresponde ao valor aproximado de totais de sais dissolvidos (TDS) de 2 a 20 mg/L, entretanto foram encontrados valores máximos de 394mS, (cerca de 200 mg/L de TDS).

As medidas de pH de todas as parcelas das chuvas variaram entre os intervalos de 3,6 a 7,8. Em geral, as chuvas apresentaram menor pH nas primeiras parcelas coletadas. Assumindo que as nuvens que chegam nesta região transportam somente vapor de água, pode-se admitir que a primeira parcela da chuva, devido ao processo natural de limpeza atmosférica, é mais concentrada em compostos dispersos no ar local e, consequentemente reflete a poluição atmosférica da área. Por isso, o pH da primeira parcela da chuva corresponde a concentração de compostos atmosféricos responsáveis pelas variações do pH das chuvas. O pH da chuva em equilíbrio com o gás carbônico atmosférico é 5,619,20, quando encontram-se valores maiores ou menores de 5,6 pode-se dizer que a atmosfera contém compostos, freqüentemente de origem antrópica, que modificam as características naturais. A Fig. 2 mostra que, para a primeira parcela da chuva, 20% dos valores de pH registrados são maiores de que 5,5 e 80% menores, enquanto que 62% do total dos casos, apresentam valores menores do que 5,0. Desta forma verifica-se que a região apresenta condições geradoras de chuva ácida e muito provavelmente de origem local. Na Fig. 2 observa-se também que o pH apresenta flutuações durante o período amostral. No período de janeiro a julho os valores de pH ficam abaixo de 5,0 aumentando até valores de 7,0 entre agosto e dezembro. Para as médias mensais das primeiras parcelas de chuva (Fig. 3) observa-se uma relação muito estreita entre os valores de pH e condutividade. Os valores de pH crescem de acordo com o crescimento da condutividade, sugerindo a presença de compostos básicos na atmosfera, provavelmente de aerossóis marinhos, tendo em vista a localização da cidade.


Entretanto, para a média das chuvas parciais anuais, o comportamento é inverso, visto que, a medida que o pH aumenta a condutividade diminui (Fig. 4).


Durante os períodos de chuva ocorre a remoção dos constituintes atmosféricos, como partículas, aerossóis, sais ácidos e compostos de SO2 e NOx da atmosfera, que provoca o retorno do pH à valores considerados normais.

As medidas de pH e condutividade da água da chuva de um determinado ponto de coleta (nesse estudo, o coletor está situado a uma distância aproximadamente igual das fontes de poluição e do oceano), dependem das condições de circulação atmosférica. Comparando a direção do vento do período inicial da chuva, com as medidas físico-químicas, pode-se determinar a fonte da poluição em relação a localização do ponto de coleta. A Fig. 5 mostra a variações de pH na primeira parcela da chuva (dados de 56 coletas) relacionadas com as direções dos ventos no momento do início da chuva. Observa-se que a metade do círculo das direções de vento são caracterizados por valores de pH menores que 5,0. Ao mesmo tempo, constata-se que o valor médio mais baixo de pH (4,3) está localizado no setor SE (Fig. 5). Nessa direção que se encontram os maiores assentamentos industriais da região (Fig.1), assim, pode-se considerar que a acidificação das chuvas é provocada pelas emissões atmosféricas dessas indústrias.


Durante os períodos de precipitação, outras massas atmosféricas podem chegar ao local de coleta, as quais somadas com os processos de limpeza atmosférica, causam modificações nos parâmetros físico-químicos da água da chuva. Na Fig. 5 são plotados os valores de pH das últimas parcelas das chuvas em relação as direções dos ventos. Foram usadas somente as chuvas que apresentaram o vento atuando sempre na mesma direção. Para o caso dos ventos de N e NE observa-se que os valores de pH das chuvas não mudaram significativamente, permanecendo próximos a 5,3, que é um valor aproximado ao da água destilada em equilíbrio com o gás carbônico atmosférico. As chuvas dos setores NE-SW mostraram aumento significativo nas medidas de pH para a última parcela da precipitação, passando de 4,3 a 5,2 quando verificou-se a direção do vento de SE. Contudo, não foi registrado nenhum valor de pH maior de 5,6 para a última parcela da chuva nos setores E, SE e S. Os ventos desses setores são provenientes do oceano atlântico, portanto esperava-se um aumento do pH pela influência dos sais marinhos cíclicos. Os resultados indicam que não há aerossóis marinhos suficientes para neutralizar as precipitações atmosféricas, provavelmente devido as condições morfológicas e oceanograficas dessa região costeira.

Praticamente para todas as direções de vento, o pH das últimas parcelas das chuvas tendem a assumir valores entre 5,0 e 5,3. O valor médio do pH das últimas parcelas das chuvas registradas durante o período de amostragem é 5,2. Admite-se que esse valor, represente o background de pH da chuva para essa região. Estudos realizados em regiões formadas por rochas ácidas (riolitos, granitos) encontram valores em torno de 5,0 para as águas das chuvas21. A região de estudo, inserida em uma planície costeira é constituída essencialmente, por planosolos arenosos e ácidos22. Ademais as rochas cristalinas mais próximas da área de trabalho são pobres em cátions neutralizantes (composição granítica), por isso admite-se como aceitavel o valor de 5,2 para o background do pH para a região.

As variações de pH mais acentuadas foram registradas para as primeiras parcelas das chuvas, indicando que a atmosfera está influenciada por íons neutralizantes, como o Ca++, Mg++ entre outros. Na Fig. 6 são apresentadas as medidas do pH em relação ao número de dias anteriores sem precipitações. Verifica-se que existe uma relação direta entre estas duas medidas: o pH da primeira parcela da chuva é maior quanto maior for o número de dias sem precipitações. Este fato pode ser explicado pela quantidade de sais de origem marinha presentes na atmosfera que neutralizam os compostos ácidos lançados pelas indústrias durante as primeiras fases da precipitação.


CONCLUSÕES

A análise dos resultados das precipitações permitiu identificar eventos de chuvas ácidas para a região de Rio Grande. Os valores de pH registrados para as chuvas gerais ficaram entre 3,6 e 7,8, sendo que os valores mais baixos foram verificados nas primeiras parcelas das chuvas. O valor do pH da parcela final de cada chuva ficou muito próximo de 5,2, considerado como o background do pH para as chuvas da região. A relação entre os parâmetros físico-químicos e os dados meteorológicos permitiu indicar que as chuvas ácidas em Rio Grande são provocadas pelas emissões atmosféricas de seu parque industrial. Apesar da proximidade da área de estudo ao oceano, durante os eventos chuvosos estudados, não foram registradas influências muito significativas das massas atmosféricas marinhas no aumento do valor de pH. A influência marinha se faz presente apenas na primeira parcela das chuvas e a intensidade de neutralização depende do número de dias anterior ao evento chuvoso.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2000
  • Data do Fascículo
    Out 2000

Histórico

  • Aceito
    18 Jan 2000
  • Recebido
    17 Maio 1999
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