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70º aniversário do biodiesel em 2007: evolução histórica e situação atual no brasil

70th anniversary of biodiesel in 2007: historical evolution and current situation in Brazil

Resumo

Periodically, during petroleum shortages, vegetable oils and their derivatives have been proposed as alternatives to petroleum diesel fuel. Different approaches have been proposed, including the use of pure vegetable oils (or blends) or their derivatives. Indeed, the use of fatty-acid methyl or ethyl esters (usually known as "biodiesel") produced by alcoholysis of triacylglycerides or esterification of fatty acids was initially proposed in Belgium 70 years ago, when the first world patent was deposited. Recently, foreign dependence on diesel fuel and the petroleum crisis have increased the discussion in Brazil on starting to use alternatives to diesel fuel, being biodiesel the alternative of choice for a large petroleum diesel substitution program.

biodiesel; history; Brazilian program


biodiesel; history; Brazilian program

ASSUNTOS GERAIS

70º aniversário do biodiesel em 2007: evolução histórica e situação atual no brasil# # Publicação da Rede de Estudos em Oleoquímica

70th anniversary of biodiesel in 2007: historical evolution and current situation in Brazil

Paulo A. Z. SuarezI, * * e-mail: psuarez@unb.br ; Simoni M. Plentz MeneghettiII

IInstituto de Química, Universidade de Brasília, CP 4478, 70910-970 Brasília – DF, Brasil

IIInstituto de Química e Biotecnologia, Universidade Federal de Alagoas, Av. Lourival de Melo Mota, s/n, 57072-970 Maceió – AL, Brasil

ABSTRACT

Periodically, during petroleum shortages, vegetable oils and their derivatives have been proposed as alternatives to petroleum diesel fuel. Different approaches have been proposed, including the use of pure vegetable oils (or blends) or their derivatives. Indeed, the use of fatty-acid methyl or ethyl esters (usually known as "biodiesel") produced by alcoholysis of triacylglycerides or esterification of fatty acids was initially proposed in Belgium 70 years ago, when the first world patent was deposited. Recently, foreign dependence on diesel fuel and the petroleum crisis have increased the discussion in Brazil on starting to use alternatives to diesel fuel, being biodiesel the alternative of choice for a large petroleum diesel substitution program.

Keywords: biodiesel; history; Brazilian program.

INTRODUÇÃO

O ano de 2007 representa para o Brasil e o mundo um marco na área dos biocombustíveis, tanto por razões históricas como por ser crucial para o nosso atual programa de biodiesel. No que se refere à história, se comemora neste ano o 70º aniversário do primeiro pedido de patente de um processo de transformação de óleo vegetal no que hoje chamamos de biodiesel, fato esse que ocorreu na Bélgica em 19371. Já no tocante ao nosso atual programa de biodiesel, este ano é chave, pois, conforme a Lei Nº 11.097, de 13 de Janeiro de 2005, deveremos ser capazes de produzir aproximadamente 800 milhões de L de biodiesel por ano até o dia 31 de dezembro para garantir o B2 (mistura de 2% de biodiesel obrigatória em todo o diesel consumido no território nacional).

Neste artigo, apresentamos a evolução histórica nesta área, em nível mundial e no Brasil, além de uma análise crítica da atual situação nacional.

APROVEITAMENTO DE ÓLEOS E GORDURAS COMO COMBUSTÍVEIS

Os óleos e gorduras são misturas compostas essencialmente por ésteres de ácidos graxos e glicerina, e são conhecidos por triacilgliceróis (usualmente chamados de triglicerídeos)2. Esses são encontrados nos seres vivos e durante os processos de extração e armazenagem, os triglicerídeos são hidrolisados liberando os ácidos graxos e a glicerina.

Além do uso de óleos ou gorduras, de origem vegetal ou animal, in natura como combustível para motores à combustão interna, diversos derivados desses e de ácidos graxos foram propostos para esse fim, ao longo dos últimos 100 anos. As principais transformações químicas de óleos, gorduras ou ácidos graxos, em espécies que possam ser usadas como biocombustíveis, estão ilustradas na Figura 1. O processo de craqueamento ou pirólise de óleos, gorduras ou ácidos graxos, mostrado de forma genérica nas reações (i) e (ii) da Figura 1, ocorre em temperaturas acima de 350 ºC, na presença ou ausência de catalisador. Nesta reação, a quebra das moléculas leva à formação de uma mistura de hidrocarbonetos e compostos oxigenados, lineares ou cíclicos, tais como alcanos, alcenos, cetonas, ácidos carboxílicos e aldeídos, além de monóxido e dióxido de carbono e água. A segunda rota para transformar triglicerídeos em combustível é a transesterificação, ilustrada na reação (iii) da Figura 1, que envolve a reação destes com mono-álcoois de cadeias curtas em presença de um catalisador, dando origem a monoésteres de ácidos graxos. Outra rota é aquela conhecida por esterificação (reação (iv) da Figura 1), na qual um ácido graxo reage com um mono-álcool de cadeia curta, também na presença de catalisador, dando origem a monoésteres de ácidos graxos. O intuito deste artigo não é aprofundar a discussão sobre estes processos químicos, pois estão disponíveis na literatura vários artigos de revisão sobre o tema2-8.


BREVE HISTÓRICO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS DERIVADOS DE ÓLEOS E GORDURAS

A história do aproveitamento de óleos e gorduras e seus derivados começa no final do século XIX, quando Rudolph Diesel, inventor do motor à combustão interna que leva seu nome, utilizou em seus ensaios petróleo cru e óleo de amendoim3. Devido ao baixo custo e alta disponibilidade do petróleo nessa época, este passou a ser o combustível largamente usado nestes motores. Com o passar do tempo, tanto o motor quanto o combustível foram evoluindo na busca de maior eficiência e menor custo, a tal ponto que, atualmente, não mais é possível utilizar petróleo ou óleos vegetais in natura diretamente. Os problemas de abastecimento de petróleo no mercado mundial, gerados pelos conflitos armados que se iniciaram na década de 303, aliados à tentativa de países europeus de desenvolverem alternativas energéticas para as suas colônias tropicais, levaram à busca por soluções viáveis para a substituição do combustível fóssil.

Como resultado, alguns processos, como os ilustrados na Figura 1, foram estudados para a transformação de triglicerídeos e ácidos graxos em combustíveis líquidos, como a transesterificação, a esterificação e o craqueamento. Estes estudos visavam obter derivados com propriedades físico-químicas, tais como a viscosidade e densidade, mais próximas aos combustíveis líquidos usados em motores à combustão dos ciclos otto e diesel, permitindo assim sua mistura no combustível fóssil ou a sua substituição total sem a necessidade de alteração dos motores.

A mistura de ésteres metílicos ou etílicos de ácidos graxos, conhecida hoje como biodiesel, pode ser obtida pela trans-esterificação de triacilglicerídeos com metanol ou etanol. O biodiesel pode, ainda, ser obtido pela esterificação de ácidos graxos com metanol ou etanol. Para fins energéticos, esta reação foi estudada inicialmente na Bélgica e, em decorrência, surgiu em 1937 a primeira patente relatando a transesterificação de óleos vegetais em uma mistura de ésteres, metílicos ou etílicos de ácidos graxos, utilizando catalisadores básicos, como os hidróxidos de metais alcalinos1. Posteriormente, G. Chavanne, que pode ser considerado o inventor do biodiesel e autor desta patente, relatou que foram realizados diversos testes de uso em larga escala, tendo inclusive rodado mais de 20000 km com caminhões usando biodiesel obtido pela transesterificação de óleo de dendê com etanol9.

Nessa mesma época, outros países desenvolveram pesquisas. Por exemplo, o Instituto Francês do Petróleo realizou em 1940 diversos testes utilizando a tecnologia belga para produção de biodiesel a partir de dendê e etanol, tendo obtido resultados extremamente satisfatórios10. Já pesquisadores americanos desenvolveram um processo utilizando catalisadores ácidos seguidos de catalisadores básicos para evitar a formação de sabões e viabilizar a transformação de óleos brutos, com índices de acidez elevados, diretamente em biodiesel11.

Com o final da 2ª Guerra Mundial, houve uma normalização no mercado mundial de petróleo, fazendo com que o biodiesel tenha sido temporariamente abandonado. A partir da década de 80, quando sucessivas crises conjunturais ou estruturais fizeram com que pesquisadores e governantes se voltassem mais uma vez para a procura de alternativas renováveis para substituir o petróleo, o biodiesel retornou à cena, como a principal alternativa ao diesel.

Por outro lado, no processo de craqueamento ou pirólise de óleos vegetais, é possível obter uma mistura de compostos da classe dos hidrocarbonetos, similares aos encontrados no petróleo, e, também, compostos oxigenados. Por exemplo, o craqueamento do óleo de tungue foi usado na China neste período de guerra para obtenção de combustíveis para substituir a gasolina e o diesel12.

No Brasil, como nos outros países, também na década de 40 ocorreu uma das primeiras tentativas de aproveitamento energético dos óleos e gorduras em motores à combustão interna. Têm-se notícia de estudos e uso de óleos vegetais puros em motores diesel, sendo inclusive proibida a exportação destes para forçar uma queda no seu preço e, assim, viabilizar o seu uso em locomotivas13. Referente a este período de guerra, no Brasil, além do estudo e uso de óleos in natura, existem relatos apenas do estudo da reação de craqueamento, tendo sido publicado nesse período um interessante artigo de revisão14. No entanto, não se tem notícias de que a rota da transesterificação tenha sido estudada nesta época.

Posteriormente, em resposta ao desabastecimento de petróleo ocorrido nas décadas de 70 e 80, o governo federal criou, além do amplamente conhecido PROÁLCOOL15, o Plano de Produção de Óleos Vegetais para Fins Carburantes (PRO-ÓLEO)16, elaborado pela Comissão Nacional de Energia, através da Resolução nº 007, de 22 de outubro de 1980. Previa-se a regulamentação de uma mistura de 30% de óleo vegetal ou derivado no óleo diesel e uma substituição integral em longo prazo. No escopo deste programa de governo, foi proposta, como alternativa tecnológica, a trans-esterificação ou alcoólise de diversos óleos ou gorduras oriundos da atividade agrícola e do setor extrativista. Neste contexto, destacam-se os estudos da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC)16, em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio, da UFC17, e da Unicamp5. Gostaríamos de destacar os trabalhos realizados nessas duas universidades pelas equipes dos Profs. Expedito Parente18 e Ulf Schuchard19, respectivamente, que resultaram nas primeiras patentes brasileiras sobre os processos de transesterificação. No entanto, com a queda do preço do petróleo, este foi abandonado em 1986, mas, mesmo após o fim do PRO-ÓLEO como programa de governo, as pesquisas em biodiesel continuaram sendo realizadas por pesquisadores brasileiros.

No final do século XX, o Governo Federal volta a discutir o uso de biodiesel, sendo efetuados vários estudos por comissões interministeriais e em parceria com universidades e centros de pesquisa. Em 2002, a etanólise de óleos vegetais foi considerada como a rota principal para um programa de substituição do diesel de petróleo batizado na Portaria MCT nº 702, de 30 de outubro de 2002 como PROBIODIESEL. Foi proposto substituir até 2005 todo o diesel consumido no Brasil por B5 (5% biodiesel e 95% mistura de diesel) e, em quinze anos, por B2020. Embora possua limitações tecnológicas quando comparada à metanólise21,22, a etanólise do óleo de soja foi a rota escolhida, devido à grande produção dessas matérias-primas no Brasil23.

Deve-se destacar, também, que neste período o biodiesel deixou de ser um combustível puramente experimental e passou para as fases iniciais de produção industrial. Note-se que foi instalada a primeira indústria de ésteres de ácidos graxos no Estado de Mato Grosso em novembro de 2000, começando com uma produção de 1.400 t/mês de éster etílico de óleo de soja24.

Além dos fatores econômicos e políticos discutidos anteriormente, a partir da década de 90, devido a um aumento da conscientização acerca dos problemas ambientais causados pela queima de combustíveis fósseis, o biodiesel também tem sido apontado como uma alternativa. De fato, diversos estudos apontam que o uso deste biocombustível diminui a emissão de gases relacionados com o efeito estufa, tais como hidrocarbonetos, monóxido e dióxido de carbono, além de materiais particulados e óxidos de enxofre, esses últimos responsáveis pela chuva ácida4.

O PROGRAMA ATUAL DE BIODIESEL

A partir de 2003 um novo impulso é dado a essa área e um Decreto Presidencial, de 2 de julho de 2003, criou um Grupo de Trabalho Interministerial, encarregado de apresentar estudos da viabilidade do uso como combustível de óleos, gorduras e derivados, e indicar as ações necessárias para a sua implementação. No relatório final, de 4 de dezembro de 2003, esta comissão considera que o biodiesel deve ser introduzido imediatamente na matriz energética brasileira e recomenda que: o uso não deve ser obrigatório, para poder acessar o mercado de carbono advindo do protocolo de Kyoto; não deve haver uma rota tecnológica ou matéria-prima preferencial para a produção de biodiesel e, deve ser incluído o desenvolvimento socioeconômico de regiões e populações carentes.

Para implementar estas sugestões, foi então criada, pelo Decreto Presidencial de 23 de dezembro de 2003, uma Comissão Executiva Interministerial (CEIB) composta por 14 ministérios e coordenada pela Casa Civil. Esta comissão possui como unidade executiva um Grupo Gestor formado por representantes de 10 ministérios, além de membros oriundos da Embrapa, ANP, BNDS e Petrobrás, e é coordenado pelo Ministério das Minas e Energia. Após um ano de amadurecimento, foi lançado o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) em sessão solene no Palácio do Planalto no dia 4 de dezembro de 2004, sendo o seu principal objetivo garantir a produção viável economicamente do biocombustível, tendo como tônica a inclusão social e o desenvolvimento regional.

A principal ação legal do PNPB foi a introdução de biocom-bustíveis derivados de óleos e gorduras na matriz energética brasileira pela Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Esta lei prevê o uso opcional de B2 até o início de 2008, quando passará a ser obrigatório. Entre 2008 e 2013, poderão ser usadas blendas com até 5% de biodiesel, quando o B5 será obrigatório. Sendo o consumo atual de diesel no Brasil de 40 bilhões de L, o mercado potencial para biodiesel é atualmente de 800 milhões de L, podendo chegar a 2 bilhões até 2013. No artigo 4º, essa lei define ainda que "Biodiesel: biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores à combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil". Por esta definição não existe nenhuma restrição quanto à rota tecnológica, sendo possível utilizar como biodiesel os produtos obtidos pelos processos de transesterificação, esterificação e craqueamento. No entanto, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), na Resolução ANP nº 42 de 24 de novembro de 2004, regulamentou apenas o uso de ésteres metílicos ou etílicos de ácidos graxos, sejam esses obtidos por transesterificação ou esterificação. A Resolução ANP nº 41 de 24 de novembro de 2004 regulamentou, ainda, que, para funcionar em nível comercial, as indústrias de biodiesel devem receber autorização dessa agência.

As regras tributárias do biodiesel referentes às contribuições federais (PIS/PASEP e COFINS) foram estabelecidas pela Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005, e os Decretos nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004, e nº 5.457, de 6 de junho de 2005. Ficou determinado que esses tributos fossem cobrados uma única vez e que o contribuinte é o produtor industrial de biodiesel, sendo o valor incidente igual ao coletado na produção de diesel de petróleo. Para garantir o desenvolvimento regional e socioeconômico, foram estabelecidos, conforme a oleaginosa adquirida pelo industrial, três níveis distintos de redução destes tributos: 100% no caso de mamona ou a palma produzida nas regiões Norte, Nordeste e no Semi-Árido pela agricultura familiar; 67,9% para qualquer matéria-prima que seja produzida pela agricultura familiar, independentemente da região e, 30,5% para mamona ou a palma produzida nas regiões Norte, Nordeste e no Semi-Árido pelo agronegócio. Os industriais que adquirirem matéria-prima em arranjos produtivos que incluam a agricultura familiar, com uma garantia de compra a preços pré-estabelecidos, recebem o Selo Combustível Social. Este selo, regulamentado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, nas Instruções Normativas nº 01 e 02 de 05 de julho e 30 de setembro de 2005, garante ao industrial, além das isenções fiscais, melhores condições de financiamento junto ao BNDES e outros bancos.

Para incentivar o mercado de biodiesel antes do início da obrigatoriedade, foi idealizada a realização de leilões de biodiesel, a cargo da ANP, onde a Petrobrás garante, para industriais que possuam o Selo Social, a compra de biodiesel até o volume necessário para o B2. Até o momento já ocorreram quatro leilões, com previsão de atendimento da demanda dos 800 milhões de L necessários para garantir o B2 em janeiro de 2008.

Apesar de ainda não ser regulamentado o uso de combustível derivado de óleos e gorduras que não seja o Biodiesel, existem diversos estudos sendo realizados no Brasil. Dentre estas iniciativas na área dos combustíveis alternativos ao biodiesel, podem ser citadas: mistura de álcool e outros compostos oxigenados diretamente ao diesel25; mini-usina para craqueamento de óleos e gorduras em pequena escala visando a auto-suficiência energética de fazendas e comunidades isoladas26,27 e, o hidrocraqueamento de óleos e gorduras misturado com correntes de diesel no processo de hidrodessulfurização em refinarias de petróleo, processo desenvolvido pela Petrobrás e conhecido por H-BIO28. Cabe salientar que a Resolução ANP nº 19 de 2007 permite o uso desses combustíveis (ou de outros combustíveis sólidos, líquidos ou gasosos) em caráter experimental, em frotas cativas ou para consumo próprio, desde que monitorado por essa agência.

A POLÍTICA DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NA ÁREA DE BIODIESEL NO BRASIL

Em termos de desenvolvimento científico e tecnológico, deve-se destacar a ação que organizou e gerencia a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB), criada e implementada em março de 2004 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com o intuito de articular os diversos agentes envolvidos na pesquisa, no desenvolvimento e na produção de biodiesel de forma a identificar e eliminar os gargalos tecnológicos da área. Esta rede, que está dividida em grupos temáticos (agricultura, produção, armazenamento, co-produtos e controle de qualidade), congrega cerca de 250 pesquisadores da área. Pode-se dizer que constitui um dos raríssimos exemplos, na nossa história, no qual um governo buscou estruturar uma base científico-tecnológica desse porte para dar apoio e orientar um programa político-social e econômico como o PNPB29.

O financiamento de projetos de universidades e centros de pesquisa vinculados nesta rede já contou com R$ 12 milhões dos Fundos Setoriais de C&T entre os anos de 2003 e 2004. Prevê-se um novo aporte substancial de recursos, da ordem de R$ 32 milhões em 2007 e 2008. No entanto, apesar desse esforço governamental, uma realidade constante da ciência brasileira parece estar se repetindo na área do biodiesel: a difícil transformação do conhecimento científico em inovação tecnologia, buscando, em última instância, melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Numa pesquisa realizada na base científica SCOPUS (www.scopus.com), no dia 22 de dezembro de 2006, com a palavra-chave "Biodiesel" foram encontrados 1796 artigos científicos e 675 patentes internacionais. Refinando esta pesquisa com o país dos autores, a relação brasileira de artigo publicado/patente depositada foi de 36/6, enquanto que a dos Estados Unidos foi de 299/267, a da Franca 21/22, a da Alemanha 69/148 e a da Itália 34/22. A produção nacional de artigos comparada aos demais países, exceto Estados Unidos, é bastante similar, mostrando que nossos pesquisadores são competitivos em relação aos seus pares do primeiro mundo. No entanto, o baixo número de patentes evidencia a dificuldade em traduzir ciência em tecnologia. Em pesquisa realizada no INPI, no mesmo período, com a palavra-chave "biodiesel", foi verificado que dos 26 registros de patente, apenas 12 eram de pesquisadores brasileiros. Esta situação é extremamente preocupante, pois poderemos, também nesta área, ficar dependentes tecnologicamente. Cabe salientar que os principais fornecedores nacionais de plantas de biodiesel usam processos licenciados da Europa e Estados Unidos, o que já representa, em certa extensão, uma vinculação de nossos processos a tecnologias externas. Porém, é preciso destacar que existem exemplos louváveis onde o investimento do setor produtivo em grupos de pesquisa teve como resultado o desenvolvimento de uma tecnologia nacional adequada para a empresa. Podemos citar como exemplo, a parceria entre a Agropalma e a UFRJ, que resultou no desenvolvimento de um processo inovador para produzir biodiesel a partir de matéria-prima de baixo valor agregado. Essa tecnologia, patenteada no Brasil e no mundo30, ilustra bem como a interação entre o setor produtivo e a universidade pode gerar soluções tecnológicas criativas para o nosso desenvolvimento industrial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato o mundo tem motivos para comemorar o 70º aniversário do biodiesel, principalmente porque vivemos uma época de retomada desse biocombustível em diversos países como substituto do diesel fóssil, tanto por razões ambientais e econômicas, ou como estratégia para garantir o suprimento de combustíveis. Particularmente no Brasil, o conjunto de medidas que o Grupo Gestor do PNPB vem tomando está estabelecendo as regras para a produção e consumo de biodiesel. Como resultado, a cadeia produtiva desse biocombustível começou a se estruturar em escala comercial a partir do dia 24 de marco de 2005, quando foram inaugurados, pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, a primeira indústria e o primeiro posto para produção e comercialização de biodiesel com autorização da ANP. Após essa data, diversas empresas foram autorizadas para produzir e comercializar esse biocombustível. Hoje é possível, assumindo a inexistência de problema de abastecimento ou de preço de matéria-prima, imaginar a concretização da meta do governo e que, já em 2008, poderemos iniciar o uso de per-centuais até maiores de biodiesel que o B2.

Por outro lado, devemos estar atentos para a evidência de que somente a criação de uma estrutura de apoio em P&D&I não garante o adequado direcionamento das ações com vistas à independência tecnológica e à tomada de decisão relativa às melhores opções técnicas. É necessária a existência de mecanismos que garantam a validação das ações de maneira integrada com a evolução do conhecimento científico e tecnológico gerado, as quais devem estar apoiadas em uma postura ética e aberta dos diversos atores envolvidos.

AGRADECIMENTOS

Aos apoios financeiros que vêm recebendo de diversas instituições para o desenvolvimento de pesquisas em biodiesel, tais como FAPDF, FAPEAL, Banco do Nordeste, FINEP, CNPq, CTPETRO, CTEnerg, MDA, FBB, FINATEC e DPP-UnB. S. M. P. Meneghetti e P. A. Z. Suarez agradecem as bolsas de produtividade do CNPq e ao projeto CAPES-PROCAD 0023051.

Recebido em 7/2/07; aceito em 13/7/07; publicado na web em 9/11/07

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    e-mail:
  • #
    Publicação da Rede de Estudos em Oleoquímica
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Recebido
      07 Fev 2007
    • Aceito
      13 Jul 2007
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