Resumo
This work describes the liquid-liquid extraction of uranium after digestion of colofanite (a fluoroapatite) from Itataia with sulfuric acid. The experiments were run at room temperature in one stage. Among the solutions tested the highest distribution coefficient (D > 60) was found for 40%vol. DEHPA (di(2-ethyl-hexyl)phosphoric acid) + 20% vol. TOPO (trioctylphosphine oxide) in kerosene. Thorium in the raffinate was quantitatively extracted by TOPO (0.1% vol.) in cyclohexane. Uranium stripping and separation from iron was possible using 1.5 mol L-1 ammonium or sodium carbonate (room temperature, one stage). However, pH control is essential for a good separation.
uranium; solvent extraction; waste management
uranium; solvent extraction; waste management
NOTA TÉCNICA
Extração líquido-líquido de urânio(VI) do colofanito de itataia (Santa Quitéria, Ceará) por extratantes orgânicos em presença de ácido fosfórico
Liquid-liquid extraction of uranium(VI) from colofanite of itataia (Santa Quitéria, Ceará) by organic extractants in the presence of phosphoric acid
Valeria Aparecida Leitão RibeiroI; Júlio Carlos AfonsoI, * * e-mail: julio@iq.ufrj.br ; Glória Regina da Silva WildhagenII; José Waldemar Silva Dias da CunhaII
IDepartamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Athos da Silveira Ramos, 149, 21941-909 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
IIDepartamento de Química e Materiais Nucleares, Instituto de Engenharia Nuclear, CP 68456, 21949-900 Rio de Janeiro - RJ, Brasil
ABSTRACT
This work describes the liquid-liquid extraction of uranium after digestion of colofanite (a fluoroapatite) from Itataia with sulfuric acid. The experiments were run at room temperature in one stage. Among the solutions tested the highest distribution coefficient (D > 60) was found for 40%vol. DEHPA (di(2-ethyl-hexyl)phosphoric acid) + 20% vol. TOPO (trioctylphosphine oxide) in kerosene. Thorium in the raffinate was quantitatively extracted by TOPO (0.1% vol.) in cyclohexane. Uranium stripping and separation from iron was possible using 1.5 mol L-1 ammonium or sodium carbonate (room temperature, one stage). However, pH control is essential for a good separation.
Keywords: uranium; solvent extraction; waste management.
INTRODUÇÃO
A presença de radioatividade em minerais de fósforo
Material radioativo de ocorrência natural (NORM - Naturally Occuring Radioactive Material) está presente na Terra em quantidades variadas. Na mineração de fosfato e na produção de fertilizantes, o problema com o NORM já é conhecido há mais de 20 anos. A concentração de radionuclídeos dependerá das características geológicas dos minérios de fósforo, assim como os processos de mineração e produção de fosfatos.1 Os principais elementos são urânio, tório e radônio. A concentração de urânio varia entre 50-200 mg kg-1. Existem cerca de 200 minerais de fósforo, mas a maior ocorrência é numa família de minerais chamada apatita, que é a única de importância industrial. Ela tem fórmula geral 3Ca3(PO4)2.CaX2 ou Ca10(PO4)6X2 ; as mais comuns são a fluorapatita, Ca10(PO4)6F2 , a cloroapatita, Ca10(PO4)6Cl2 e a hidroxiapatita, Ca10(PO4)6(OH)2. Existem também depósitos de rocha fosfática amorfa, a fosforita, que se aproxima, em composição, à fluorapatita.1,2
A enorme quantidade de minerais fosfatados no mundo possibilita o aproveitamento do urânio como subproduto e, neste sentido, a recuperação do elemento contido em rochas fosfáticas é alvo de muito estudo fundamental e aplicado na literatura, porque existe mais urânio associado a fosfatos que em minerais propriamente ditos do elemento.3 A produção por via úmida do ácido fosfórico, resultado da lixiviação das rochas fosfáticas por ácidos inorgânicos (particularmente o sulfúrico), possibilita a recuperação do urânio através da extração líquido-líquido.4,5 A principal aplicação comercial do urânio é geração de energia elétrica, na qualidade de combustível nuclear.6 Atualmente, a energia nuclear serve como alternativa complementar à base de geração hidroelétrica brasileira (cerda de 90% da energia total produzida no país). Em 2003, a energia nuclear supriu 49,1% do total de eletricidade consumido no estado do Rio de Janeiro.7
As reservas brasileiras de rochas fosfáticas atingem 406 milhões de t de P2O5 (1% do total da reserva mundial). A Tabela 1 apresenta os principais minérios de fosfatos no Brasil com seus respectivos teores de U3O8 associado.8 A produção comercial de rocha fosfática brasileira é da ordem de 1 milhão de t de P2O5 por ano.9,10 A jazida de Itataia, localizada no centro-norte do estado do Ceará, município de Santa Quitéria, é de natureza fósforo-uranífera, ocorrendo sob a forma de colofanito (uma fluoroapatita).10 Ela contém cerca de 1800 mg kg-1 de U3O8 e 140 mg kg-1 de ThO2.9,10 As reservas medidas somam 13,8 milhões de t de P2O5, o que corresponde a 142 mil t de U3O8. Esta jazida contém 3,4 e 47% das reservas brasileiras atuais de P2O5 e U3O8, respectivamente.1
A viabilidade econômica do urânio de Itataia depende da exploração do fosfato associado, ou seja, a extração de urânio está condicionada à produção de ácido fosfórico - insumo utilizado na produção de fertilizantes.6
A extração do urânio em presença de fosfato
A rota comercial de produção de ácido fosfórico por via úmida mais usada atualmente (e a única no Brasil) é a rota sulfúrica. Nela se obtém uma solução de ácido fosfórico e um precipitado de CaSO4, chamado fosfogesso (4-6 t por t de H3PO4 produzido).11
Até o presente momento, todas as plantas comerciais de separação de urânio do ácido fosfórico são baseadas na extração por solvente.12 Um desafio do emprego de extratantes é remover o urânio minimizando a co-extração de ácido fosfórico, visto que o urânio hexavalente forma complexos com este ácido.5,13 Inúmeros estudos vêm sendo realizados no sentido de aprimorar essa técnica, tanto para extrair o urânio o mais eficientemente possível, como para reduzir a co-extração do ácido fosfórico. Porém, são poucos os estudos fundamentais publicados acerca da extração do urânio na presença desse ácido.
Os sistemas de extratantes empregados comercialmente são os de ácido octil-pirofosfórico (OPPA) e ácido octil-fenilfosfórico (OPAP), que extraem urânio tetravalente, e a mistura de ácido di(2-etil-hexil)fosfórico (DEHPA) e óxido de trioctilfosfina (TOPO), que extrai o urânio hexavalente. O sistema DEHPA-TOPO é o mais usado hoje, sendo empregado em algumas plantas comerciais há mais de 25 anos.14,15 As vantagens desse sistema são a estabilidade dessa combinação em acidez elevada e em contato com soluções de carbonatos usadas para reextração do urânio, e a obtenção de produtos finais deste elemento com alta pureza.14,16 Outros estudos em escala de laboratório empregam aminas quaternárias,5 ésteres de ácidos alquil-fosfóricos (com o DBBP - di-butil-butil fosfonato3) e ácidos alquil-fosfóricos como DOPPA17 (ácido di-octil-fenil fosfórico) e DNPPA3 (ácido di-nonil-fenil fosfórico), sozinhos ou em mistura com TOPO ou DEHPA (5-10% vol.) em querosene, à temperatura ambiente, com relação fase aquosa/fase orgânica (FA/FO) entre 1 e 2,5 (vol./vol.), em mais de um estágio. A concentração de H3PO4 varia entre 0,4 e 2,0 mol L-1.
Em relação aos teores de urânio encontrados na lixívia sulfúrica do colofanito de Itataia (ca. 1800 mg L-1),16,18 as concentrações desse metal empregadas nos estudos encontrados na literatura são bem mais baixas (< 200 mg L-1). Na planta piloto do processo de extração de urânio de Itataia, a elevada concentração deste elemento, comparada a outras rochas fosfáticas brasileiras (Tabela 1) e mesmo do exterior, permite a extração do metal (> 95% m/m) com uma mistura DEHPA 0,5 mol L-1 e TOPO 0,25 mol L-1 em apenas um estágio.16,18
Os trabalhos disponíveis indicam que a composição da rocha original parece ter grande importância (teor de urânio e impurezas como ferro e tório) para se obter os melhores resultados na recuperação do urânio quando da aplicação da técnica de extração com solventes. Dada a importância do colofanito de Itataia para o suprimento nacional de urânio, este trabalho estudou em detalhe a extração desse metal após a digestão do colofanito com ácido sulfúrico, mediante emprego de extratantes orgânicos, isolados ou em misturas. A meta primordial é maximizar a recuperação do urânio. Outro objetivo deste trabalho foi remover toda a radioatividade presente no rafinado (essencialmente devida ao tório), a fim de possibilitar que os resíduos finais de processo sejam tratados como um resíduo não radioativo. Esta abordagem praticamente não é encontrada na literatura quando do processamento de minérios de fósforo para recuperação do urânio presente.
PARTE EXPERIMENTAL
Descrição das amostras
Empregou-se a lixívia do colofanito da jazida de Itataia fornecida pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil). O minério foi previamente beneficiado através de três etapas de britagem, pré-concentração intermediária, moagem e concentração por flotação, onde são separados os silicatos e carbonatos do minério original. A lixívia foi produzida através da digestão com ácido sulfúrico. O ácido fosfórico produzido contém cerca de 28% m/m de P2O5. O fosfogesso e a matéria orgânica presentes na lixívia foram removidos por filtração.16,18 A lixívia purificada utilizada nos ensaios tem densidade de 1,29 g cm-3 e coloração esverdeada. A Tabela 2 apresenta as concentrações médias de diversas espécies presentes. Outros metais presentes em menor quantidade são Mn, Sr, Y e Zr.
Extração do urânio por extratantes dissolvidos em solventes orgânicos
Os extratantes utilizados foram escolhidos de acordo com suas capacidades de extrair o urânio de diversas fontes minerais:3,5,14,15,17,19,20 DEHPA (Hoechst), Alamina 336 (tridodecilamina - Cognis Corporation), PC88A (éster mono-2-etil-hexilílico do ácido 2-etil-hexil fosfônico - Daihachi Chemical), e TOPO (J. T. Baker), bem como sistemas envolvendo misturas entre eles. Os extratantes foram empregados sem purificação adicional. As concentrações situaram-se entre 5 e 40% vol. Os primeiros testes foram feitos com cada extratante isolado. As misturas foram posteriormente estabelecidas a partir do desempenho dos extratantes isolados, mediante a determinação do coeficiente de distribuição para o urânio (D). O solvente orgânico (diluente) foi o querosene desodorizado (Exxon, faixa de destilação 140-300 ºC, densidade de 0,80 g cm-3). A diluição foi feita à temperatura ambiente, exceto para o TOPO, quando foi necessário aquecer a 50 ºC para a solubilização completa deste.
A relação FA/FO foi fixada em 1 vol./vol.. Esta relação é muito utilizada em ensaios preliminares, quando se deseja saber a eficiência do extratante (ou mistura de extratantes) no isolamento do elemento desejado. Os experimentos foram conduzidos em funil de separação, em um único estágio. O pH da lixívia não foi alterado. As fases foram contatadas por 5 min sob agitação mecânica à temperatura ambiente. Após a agitação, as fases se separaram completamente em 10 min. Os volumes das fases aquosa e orgânica foram medidos após os experimentos. Na fase aquosa (rafinado), o tório foi extraído com TOPO (0,1% vol. em ciclo-hexano), com relação FA/FO = 5 vol./vol.,21 à temperatura ambiente em um único estágio.
Reextração do urânio da fase orgânica
As soluções empregadas são capazes de formar complexos com o urânio, ou de precipitá-lo (caso do NaOH), removendo-o da fase orgânica. Os carbonatos de amônio e metais alcalinos formam um carbonato complexo de urânio solúvel, [UO2(CO3)3]4- , enquanto que a maioria de elementos interferentes é precipitada, exceto lantanídios mais leves (La-Gd), que são parcialmente solúveis em soluções de carbonato de sódio, fato que não ocorre com o sal de amônio.2
A fase orgânica contendo urânio foi dividida em duas partes iguais. Em cada uma delas foi testada uma solução reextratante diferente, numa relação FA/FO = 1 vol./vol., num único estágio, à temperatura ambiente. Os ensaios de reextração foram feitos com: (NH4)2CO3 1,5 mol L-1 e Na2CO3 1,5 mol L-1. A fase aquosa obtida foi dividida em duas partes e tratada com NH4OH 15 mol L-1 ou NaOH 5,0 mol L-1. Em todos os casos, os precipitados obtidos foram filtrados (papel de filtro), secos sob lâmpada incandescente (300 W) e homogeneizados em gral. As concentrações dos agentes de reextração estão dentro da faixa encontrada na literatura.16,18 Soluções de (NH4)2CO3 são muito utilizadas na indústria, principalmente nos sistemas de extração DEHPA/TOPO,3,16 pois o íon amônio é volatilizável e não introduz um cátion fixo dentro do sistema, como no caso do Na2CO3, além de poder ser recirculado no processo.
Métodos analíticos
A determinação quantitativa de urânio e ferro na fase aquosa, antes e após as etapas de extração e de reextração, foi feita por fluorescência de raios-x por dispersão de comprimento de onda (WDXRF). Para isso, foram estabelecidas curvas analíticas na faixa de 0,2 a 1,0 g L-1 de urânio em meio de H3PO4 1,0 mol L-1. As amostras foram pipetadas (200 µL) em papel de filtro de tamanho específico para o aparelho, secas sob lâmpada incandescente (300 W) e os papéis foram cobertos com filme de poliéster. O mesmo procedimento foi feito para o ferro. Mediante a mesma técnica, efetuaram-se análises qualitativas ("varredura"), do titânio ao urânio, com as mesmas amostras.
Para a determinação do tório foi utilizado o método espectrofotométrico (λ = 665 nm), utilizando como indicador Arsenazo III (ácido 2,7-bis(2-arsenofenilazo)-1,8-diidroxinaftaleno-3,6-dissulfônico). 21 O elemento foi removido da fase orgânica com ácido oxálico 5% p/v. A curva de calibração foi elaborada na faixa de 0,8 a 2,4 ppm de tório.
A concentração de ácido fosfórico antes e depois da extração foi determinada por titulação potenciométrica utilizando solução padronizada de NaOH e um eletrodo de vidro combinado com um de referência (Ag/AgCl). A alíquota foi previamente percolada em resina catiônica fortemente ácida para retirada dos metais que sofrem hidrólise durante a titulação, provocando erro na análise e formando precipitados de fosfatos metálicos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Avaliação do desempenho dos extratantes
A Tabela 3 apresenta a comparação do desempenho dos extratantes isolados, por meio dos coeficientes de distribuição (D), calculados para urânio (elemento de interesse), tório, ferro e ácido fosfórico (principais interferentes/contaminantes).
DEHPA a 40% vol. mostrou-se eficiente na extração do urânio.3,14-16 O amplo emprego deste extratante em escala comercial é devido à sua maior afinidade pelo urânio que pelo ferro, elemento comumente presente em minérios de fósforo permitindo, com isso, maior pureza do produto final de urânio.22 Outro extratante que se mostrou promissor foi o PC88A a 40% vol.; seu desempenho mostrou-se até superior ao do DEHPA na mesma concentração. Este extratante é muito citado na literatura para a separação cobalto-níquel23 e de elementos da série lantanídia,24 mas é pouco citado para a extração do urânio em presença de fosfato: a mistura PC88A + Aliquat 336 (uma amina quaternária) apresentou forte efeito sinérgico em relação à amina isolada na extração do urânio.14 O TOPO, apesar de utilizado em misturas com DEHPA em plantas comerciais,3,15,17 teve desempenho bem inferior ao do DEHPA e do PC88A, independente da sua concentração em querosene, quando empregado isoladamente.
A Alamina 336 não extraiu o urânio. Esse comportamento se explica pelo decréscimo da eficiência da extração desse elemento com o aumento da concentração de ácido fosfórico (particularmente acima de 1 mol L-1):5,19 na amostra deste trabalho, a concentração é muito superior a esse valor (Tabela 2).
Diante desses resultados, as misturas testadas foram uma combinação de DEHPA com PC88A ou TOPO. A Tabela 4 apresenta os valores de D obtidos.
O sistema DEHPA 40% vol. + TOPO 20% vol. foi o que melhor extraiu o urânio. Na planta piloto de produção de ácido fosfórico do colofanito de Itataia a combinação DEHPA + TOPO para a extração do urânio16 corresponde àquela com o melhor desempenho verificado neste trabalho. Apesar do TOPO não ter tido bom desempenho isoladamente, mostrou um forte efeito sinérgico em presença de DEHPA;17,19,20 esse é o fator que explica seu emprego em escala comercial para recuperar o urânio.15,22 A mistura DEHPA-TOPO é também uma tecnologia pioneira e bastante conhecida.14-16 Dentre os sistemas DEHPA-PC88A, o mais eficiente foi o DPC 4040, mas seu desempenho foi inferior ao da maioria das misturas DEHPA-TOPO.
Reextração do urânio da fase orgânica
A Tabela 5 apresenta o resultado da reextração do urânio da fase orgânica carregada com as diversas soluções testadas.
O emprego de (NH4)2CO3 1,5 mol L-1 como solução de reextração para o sistema DTO 4020 deu resultado bastante positivo: houve formação imediata de precipitado marrom, a frio. Com base nos dados da Tabela 5, ele contém praticamente apenas ferro. A fase aquosa após a filtração desse precipitado apresentava uma coloração amarela brilhante, característica de soluções de urânio (VI) [UO22+]. A solução de (NH4)2CO3 empregada na reextração (pH ~10) não tem pH suficiente para deslocar o urânio de seu complexo com carbonato. A precipitação do ferro (reação 1) constitui-se numa vantagem porque permite obter um produto final de urânio livre de ferro, elemento presente em concentração mais de 6 vezes maior que o urânio (Tabela 2). A fase aquosa contendo urânio reextraído foi dividida em duas partes. Na primeira tentou-se precipitá-lo com igual volume de NH4OH 15 mol L-1, mas nada ocorreu. Na segunda, empregou-se igual volume de NaOH 5,0 mol L-1, havendo formação de precipitado amarelo (reação 3), notando-se também um odor referente ao desprendimento de NH3 (reação 2). As reações que ocorrem são:
A não precipitação do urânio com NH4OH e a precipitação deste com NaOH é explicada pelo fato do pH da solução de NaOH ser muito alcalino; após a adição desta, o pH da fase aquosa final era superior a 12, favorecendo a decomposição do complexo [UO2(CO3)3]4- . Da mesma forma, a elevação do pH desloca o equilíbrio NH4+-NH3 no sentido de formar amônia, segundo a reação 2.13 A adição de NH4OH 15 mol L-1 (pH 13,8) não foi suficiente para que o pH da mistura final ficasse acima de 12.
A fase orgânica foi contatada uma segunda vez com (NH4)2CO3, e a nova fase aquosa foi tratada com NaOH. O precipitado obtido continha apenas ferro, indicando que todo o urânio foi isolado na primeira reextração (ou seja, ele foi reextraído em um estágio).
No caso do sistema DPC 4040, não houve formação de precipitado, nem mesmo após aquecimento (pH final 9). Após adição de NaOH 5,0 mol L-1, o ferro precipitou conjuntamente com o urânio, resultado insatisfatório em termos de obtenção de um produto final de urânio de alta pureza. Uma hipótese para explicar o comportamento anômalo do ferro é que o pH da solução aquosa final é insuficiente para deslocá-lo da fase orgânica. A literatura reconhece que os extratantes acima possuem elevada afinidade pelo ferro, sendo capazes de extraí-lo desde pH em torno de 0,5; a etapa de reextração exige condições mais drásticas (pH acima de 10) que as habituais para removê-lo da fase orgânica.25
O tratamento do sistema DPC 4040 com Na2CO3 1,5 mol L-1 (pH 12,4) levou à formação imediata de um precipitado marrom, contendo apenas ferro (reação 4). O pH da solução após a adição permaneceu abaixo de 12. A adição subseqüente de NaOH 5 mol L-1 formou um novo precipitado contendo urânio (reação 3) e pequenas quantidades de ferro.
O contato da solução de Na2CO3 com o sistema DTO 4020 levou à formação imediata de um precipitado marrom contendo ferro e traços de urânio; a fase aquosa apresentava coloração amarela intensa. Após 3-5 min, formou-se um segundo precipitado, no qual praticamente havia apenas urânio. O pH da solução final era ligeiramente acima de 12 (12,1). Dependendo da interação de outras espécies extraídas pelos extratantes (como ferro e H3PO4), bem como da presença de extratantes livres, parte dos grupos hidroxila pode ser neutralizada pelas espécies co-extraídas e pelos H dos extratantes livres, podendo reduzir o pH para valores em torno ou abaixo de 12. O pH não deve ficar em torno de 12 porque favorece as perdas de urânio no precipitado de ferro e dificulta o controle da precipitação do próprio urânio.15 Uma alternativa seria diminuir um pouco a razão FA/FO ou a concentração de Na2CO3 para que o pH final fique abaixo desse valor.
No filtrado foi adicionado NaOH 5 mol L-1; o novo precipitado obtido continha o restante do ferro (~5%) e menos de 0,1% de urânio.
Ensaio de extração do tório da fase aquosa
No rafinado (após a extração do urânio) a extração do tório foi quantitativa (> 99,9% m/m). A remoção prévia do urânio é um fator positivo: segundo a literatura,21 o tório é extraído preferencialmente pelo TOPO até relação de concentração 1:4 com o urânio, e quanto menor a concentração deste, mais efetiva é a extração.
Resíduos finais de processo
Após a extração do urânio e do tório, o resíduo aquoso deve ser submetido a uma medida de radioatividade para avaliar se pode ser tratado para fins de co-processamento, de acordo com a resolução nº 264 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA).26 A radioatividade dessa solução foi efetuada com um detetor do tipo Geiger-Muller, sendo a amostra (200 µL) preparada da mesma forma quando enviada à análise por WDXRF. O resultado obtido foi de 100 cpm (contagens por minuto), equivalente a 1,67 Bq (Bequerel), ou 8,4x106 Bq m-3 solução. Esse resultado é essencialmente o mesmo para a radiação de fundo ou natural. De acordo com a norma CNEN-NE 6.05,27 o limite máximo permitido é 3,7x107 Bq m-3 para o urânio natural e 2,2x106 Bq m-3 para o tório natural em rejeitos líquidos solúveis. Assim, o efluente aquoso pode ser enquadrado como um resíduo comum, tratado com NaOH, sendo o precipitado passível de co-processamento (pois contém Fe, Al, Ca, P, Mn e outros elementos na lixívia original do colofanito). O resíduo aquoso neutralizado pode ser descartado em corpo receptor, não causando risco de contaminação por radiação, uma vez satisfeitas as exigências da Resolução 357 do CONAMA.28
CONCLUSÕES
DEHPA 40% vol. e PC88A 40% vol. em querosene foram os extratantes isolados que apresentaram os maiores valores do coeficiente de extração (D) para o urânio contido na lixívia sulfúrica do colofanito da jazida de Itataia, empregando-se uma razão FA/FO = 1 vol./vol, à temperatura ambiente. O TOPO, isoladamente, não teve bom desempenho, mas removeu quantitativamente o tório (> 99,9% m/m) do rafinado após a extração do urânio. O sistema DTO 4020 foi o mais eficiente das combinações de extratantes empregadas, apresentando o maior valor de D (> 60) para o urânio. Outra mistura com resultado satisfatório (D > 20) foi o sistema DPC 4040. Apesar do desempenho inferior ao da combinação DTO 4020, ela é interessante por não ser citada na literatura e por conter dois extratantes relativamente baratos e bastante acessíveis. Considerando que a extração foi feita em apenas um estágio e com relação FA/FO = 1 vol./vol., sugere-se que este sistema alternativo seja testado com diferentes números de estágios e relação de fases.
Na reextração do urânio, o comportamento deste seguiu as tendências relativas ao equilíbrio de formação-decomposição do ânion complexo [UO2(CO3)3]4- (pH acima ou abaixo de 12). O metal foi precipitado mediante solução de NaOH. Salvo quando do emprego de (NH4)2CO3 1,5 mol L-1 na reextração do sistema DPC4040, o ferro comportou-se de acordo com o equilíbrio de precipitação de seu hidróxido, permitindo sua separação do urânio.
Após a remoção do urânio e do tório da lixívia sulfúrica, os resíduos finais, após neutralização, podem ser co-processados, reduzindo os problemas ambientais relativos ao isolamento do urânio extraído em meio de H3PO4.
Recebido em 14/11/07; aceito em 6/5/08; publicado na web em 3/10/08
- 1. Fukuma, H. T.; Fernandes, E. A. N.; Quinelato, A. L.; J. Radioanal. Nucl. Chem. 2003, 257, 117.
- 2. Palei, P. N.; Analytical Chemistry of Uranium, Ann Arbor-Humphrey Science Publishers: Nova York, 1970.
- 3. Singh, H.; Mishra, S. L.; Vijayalakshmi, R.; Gupta, C. K.; Hydrometallurgy 2001, 59, 69.
- 4. Bruno, J. B.; Santos, A. T.; Benedetto, J. S.; Resumos do VII Encontro Nacional de Tratamento de Minérios, Recife, Brasil, 1980.
- 5. Mishra, M. S.; Chakravortty, M.; Hydrometallurgy 1997, 44, 371.
-
6http://www.inb.gov.br, acessada em Outubro 2007.
» link - 7. Henning, F.; America's Nuclear Energy Symposium, Miami, EUA, 2004.
- 8. Paschoa, A. S.; Godoy, J. M.; Int. Cong. Ser. 2002, 1225, 3.
- 9. Souza, D. L. O.; Rodrigues, M.; Reis, D. R.; Revista Educação e Tecnologia 2004, 8, 1.
-
10www.eletronuclear.gov.br, acessada em Março 2007.
» link - 11. Mathias, P. M.; Chen. C.; Walters, M.; Third Joint China/USA Chemical Engineering Conference, Xangai, China, 2000.
- 12. Saidi, M.; Khalaf, H.; Hydrometallurgy 2004, 74, 85.
- 13. Charlot, G.; Les Réactions Chimiques en Solution Aqueuse et Caractérisation des Ions, 7Ş ed., Masson: Paris, 1983, p. 216-220.
- 14. El-Reefy, S. A.; Awwad, N. S.; Aly, H. F.; J. Chem. Technol. Biotechnol. 1997, 69, 271.
- 15. Hurst, F. J.; Crouse, D. J.; Brown, K. B.; Ind. Eng. Chem. Process des. Develop. 1972, 11, 122;
- 16. Benedetto, J. S.; Tsinghua Science and Technology 2006, 11, 217.
- 17. Krea, M.; Khalaf, H.; Hydrometallurgy 2000, 58, 215.
- 18. Lapido-Loureiro, F. E. V.; Melamed, R.; O Fósforo na Agricultura Brasileira : uma Abordagem Mínero-Metalúrgica, Centro de Tecnologia Mineral: Rio de Janeiro, 2006.
- 19. Bôas, R. C. V; Barbosa; J. P.; El-Nagar, M. M.; Ferreira, R. C. H.; Hidrometalurgia, ABM: Rio de Janeiro, 1993.
- 20. Flett, D. S.; J. Organomet. Chem. 2005, 690, 2426.
- 21. Fukuma, H. T.; Fernandes, E. A. N.; Nascimento, M. R. L.; Quinelato, A. L.; J. Radioanal. Nucl. Chem. 2001, 248, 549.
- 22. Stas, J.; Dahdooh, H.; Shlewit, H.; Khorfan, S.; Hydrometallurgy 2002, 65, 23.
- 23. Sarangi, K.; Reddy, B. R.; Das, P. S.; Hydrometallurgy 1999, 52, 253.
- 24. Lee, M. S.; Lee, J. Y.; Kim, J. S.; Lee, G. S.; Sep. Purif. Technol. 2005, 46, 72.
- 25. Selective Extraction Reagents and Applications, MCT Redbook, The Cogins Mining Chemials Tehnology: Tucson, 2007; Singh, D. K.; Mishra, S. L.; Singh, H.; Hydrometallurgy 2006, 81, 214.
-
26Resolução nº 264 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Diário Oficial da União, 26 de agosto de 1999.
-
27Gerência de Rejeitos Radioativos em Instalações Radioativas, norma CNEN-NE 6.05 da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Diário Oficial da União, 17 de dezembro de 1985.
-
28Resolução nº 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Diário Oficial da União, 18 de março de 2005.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jan 2009 -
Data do Fascículo
2008
Histórico
-
Aceito
06 Maio 2008 -
Recebido
14 Nov 2007