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INFLUÊNCIA DAS CARATERÍSTICAS E DA ARTICULAÇÃO DAS TAREFAS NA QUALIDADE DAS APRENDIZAGENS DE QUÍMICA NO ENSINO SUPERIOR

INFLUENCE OF TASKS’ FEATURES AND OF ARTICULATION OF TASKS IN THE QUALITY OF CHEMISTRY LEARNING IN HIGHER EDUCATION

Resumo

The lack of empirical findings, particularly about how to make and how to handle, intentionally, certain features of tasks, to improve the quality of learning, justifies the research questions: How to combine the features of a task to potentially improve the quality of the student learning? How to articulate different tasks over time, so as to promote good learning results? Was used an action-research study (completed in two stages) with a teacher of introductory chemistry in higher education and her students. Were analyzed data related to teaching (teacher logbook, practical worksheets, laboratory work guides) and data related to learning (students' worksheets, competences test, laboratory work observation grids). The results obtained were: (1) The open or closed typology of the task becomes less important when the contextualization in real situations is integrated, which acquired a decisive importance. That is, some features are more important than others. (2) The relevance of the tasks' features in learning is not independent of the moment when the features are integrated into the tasks. The most important factor is the articulation of tasks with specific features which results in a certain sequence of tasks over time.

Keywords:
features of task; articulation of tasks; competences development; conceptual development; higher education


Keywords:
features of task; articulation of tasks; competences development; conceptual development; higher education

INTRODUÇÃO

A investigação sobre o papel das tarefas na aprendizagem de Ciências tem um longo e renovado percurso.11 Anderson, R. D.; Journal of Science Teacher Education 2002, 13, 1. Por tarefa entende-se o trabalho que é solicitado aos alunos, que eles devem executar para dar uma resposta a uma questão ou a outro tipo de pedido.22 Lopes, J. B. In Ensino, Qualidade e Formação de Professores; Bonito, J., org.; Universidade de Évora: Évora, Portugal, 2009, p. 147. ISBN: 978-989-95802-1-3. Note-se que tarefa e atividade do aluno são conceitos distintos, pois sendo a tarefa o trabalho proposto aos alunos, a atividade é o trabalho que estes de facto desenvolvem. Cabe à tarefa orientar o aluno para o que ele tem de aprender e/ou fazer.22 Lopes, J. B. In Ensino, Qualidade e Formação de Professores; Bonito, J., org.; Universidade de Évora: Évora, Portugal, 2009, p. 147. ISBN: 978-989-95802-1-3. As tarefas devem, então, ser formuladas de acordo com os aspetos da aprendizagem conceptual que pretendam desencadear, nomeadamente, a mobilização dos conhecimentos prévios dos alunos, a reconceptualização e/ou a reestruturação dos conceitos mobilizados e das suas relações; a apropriação de novos conceitos; a reestruturação do campo conceptual em jogo; a problematização; o delineamento da resolução de problemas; a resolução de problemas. Uma aprendizagem de qualidade pressupõe a compreensão de conceitos científicos, das suas relações e dos seus contextos de uso próxima da aceite pela comunidade científica. Existem, evidentemente, diferentes graus de qualidade das aprendizagens, consoante a aprendizagem efetuada pelo aluno se aproxima, em maior ou menor extensão, do conceito tal como ele é aceite pelos cientistas. Tal será abordado, detalhadamente, mais à frente. Há evidências empíricas de que o uso das tarefas no ensino melhoram a compreensão de conceitos e de procedimentos científicos pelos alunos,33 Minner, D. D.; Levy, A. J.; Century, J.; J. Res. Sci. Teach. 2010, 47, 474.

4 Van Boxtel, C.; Van Der Linden, J.; Kanselaar G.; Learning and Instruction 2000, 10, 311.
-55 Tan, S.-C.; Seah, L.-H.; Computers & Education 2011, 57, 1675. ou que os alunos podem desenvolver reais raciocínios científicos ao executarem as tarefas.11 Anderson, R. D.; Journal of Science Teacher Education 2002, 13, 1.,66 Tiberghien, A.; Veillard, L.; Le Maréchal, J.-F.; Buty, C.; Millar, R; Science Education 2001, 85, 483.,77 Chinn, C. A.; Malhotra, B. A.; Science Education 2002, 86, 175. Anderson11 Anderson, R. D.; Journal of Science Teacher Education 2002, 13, 1. salienta no entanto que "While research says inquiry teaching can produce positive results, it does not, by itself, tell teachers exactly how to do it" (p. 4). Verifica-se ainda que há poucos estudos que forneçam resultados empíricos, nomeadamente, sobre como fazer e como manipular certas caraterísticas das tarefas, de forma intencional, para melhorar a qualidade das aprendizagens. Apresentamos assim um problema geral que é o de identificar quais as relações entre as caraterísticas das tarefas a executar pelos alunos e a qualidade das suas aprendizagens em termos de conhecimentos e competências de química introdutória do ensino superior. O conceito de competência pode assumir vários significados, pelo que optámos pela definição desenvolvida por Roldão:88 Roldão, M. C.; Gestão do Currículo e a Avaliação de Competências, Editorial Presença: Lisboa, 2003. uma capacidade efetiva de mobilizar, escolher, usar e articular informação e conhecimento (intelectual, prático ou verbal) para enfrentar uma situação, problema ou questão. O estudo aqui reportado está centrado em duas questões de investigação mais específicas:

QI-1 Como conjugar as caraterísticas de uma tarefa de modo a torná-la uma tarefa potenciadora da qualidade das aprendizagens dos alunos?

QI-2 Como articular tarefas diferentes, ao longo do tempo, de modo a promover bons resultados de aprendizagem?

Os resultados de aprendizagem podem ter níveis diferentes de qualidade, tal como já foi dito anteriormente. Usámos um referencial de quatro níveis, correspondentes aos aspetos da aprendizagem conceptual atingidos pelos alunos e crescentes em qualidade do nível um ao quatro. Assim, considera-se atingido o nível elementar de aprendizagem (1) quando há a mobilização dos conhecimentos prévios dos alunos e/ou há a reconceptualização e/ou a reestruturação dos conceitos mobilizados e das suas relações. Atinge-se o nível intermédio de aprendizagem (2) quando há a apropriação de novos conceitos. O nível elevado de aprendizagem (3) é alcançado quando ocorre a reestruturação do campo conceptual em jogo. Considera-se ainda o nível de competências associadas à resolução de problemas (4) sempre que ocorre a problematização e/ou o delineamento da resolução de problemas e/ou a resolução de problemas. Portanto, bons resultados de aprendizagem referem-se, genericamente, a aprendizagens que tenham nível elevado de qualidade ou superior (níveis 3 ou 4).

Os resultados obtidos vêm contribuir para colmatar a lacuna identificada, pois esclarecem que caraterísticas da tarefa são mais relevantes e como as tarefas devem ser sequenciadas, e as respetivas caraterísticas articuladas, de modo a contribuir para aprendizagens de qualidade dos alunos.

METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO

Para responder às questões de investigação era importante obter detalhes sobre os processos de ensino e de aprendizagem, no que respeita às tarefas, durante a sua execução em sala de aula (ou fora dela, mas em contexto de ensino formal) e fazer uma análise de forma interpretativa. Daí que se tenha optado por um estudo de caso do tipo investigação-ação. De acordo com Cohen e seus colaboradores,99 Cohen, L.; Manion, L; Morrison, K.; Research Methods in Education, 5th ed., Routledge: London, 2001. um estudo de caso é o estudo de uma circunstância em ação. Os estudos de caso podem estabelecer nexos de causa-efeito, já que um dos instrumentos de recolha de dados geralmente usado é a observação em contextos reais. O estudo de caso é, pois, um estudo das particularidades contextuais de um determinado caso. Segundo Cohen e colegas,99 Cohen, L.; Manion, L; Morrison, K.; Research Methods in Education, 5th ed., Routledge: London, 2001. a investigação-ação é uma intervenção em pequena escala no funcionamento do mundo real e uma análise dos efeitos de tal intervenção. A investigação-ação no ensino baseia-se numa perspetiva em que o investigador é também o professor, que analisa as suas práticas letivas, fazendo alterações e avaliando os efeitos destas alterações.1010 Handbook of Research Design in Mathematics and Science Education; Kelly, A. E.; Lesh, R. A., eds.; Lawrence Erlbaum Associates Publishers: Mahwah, 2000.,1111 Marshall, C.; Rossman, G. B.; Designing Qualitative Research, Sage Publications: Thousand Oaks, 1999. Assim, a professora obteve dados ao longo do ensino, o que lhe permitiu refletir e agir sobre a conceção das tarefas e a sua articulação e sequenciação, melhorando os resultados de aprendizagem dos alunos.

Na fase inicial do estudo, formularam-se as tarefas com caraterísticas intencionalmente presentes, com base na literatura, para encontrar respostas à questão de investigação QI-1. Para encontrar respostas à questão de investigação QI-2, articularam-se as tarefas com uma sequência não arbitrária, alterando e/ou ajustando as suas caraterísticas ao longo do tempo. Concomitantemente, foi feita a avaliação, de forma sistemática, das aprendizagens atingidas quando as tarefas foram executadas pelos alunos. A professora foi fazendo a articulação e a sequenciação das tarefas no decorrer do tempo, de forma tentativa e exploratória.

Constituiu-se um estudo de caso do tipo investigação-ação com a professora/investigadora e 30 alunos duma disciplina introdutória de química, semestral, lecionada no 1º ano da licenciatura em Ecologia Aplicada, de uma universidade portuguesa.

Foram concebidas tarefas com certas caraterísticas intencionalmente presentes, delineadas tendo em conta objetivos de aprendizagem específicos: suscitar (i) a reflexão e a discussão acerca da(s) situação(ões) química(s) e dos conhecimentos prévios dos alunos, (ii) a problematização e a procura de respostas ou vias de resolução de problemas, (iii) a reflexão acerca dos conceitos científicos postos em jogo e sua reconceptualização e/ou reestruturação, (iv) a apropriação de novos conceitos e a extensão e a interligação dos campos conceptuais envolvidos. As caraterísticas das tarefas concebidas neste estudo podem identificar-se pelos descritores: tipologia aberta/fechada; tipo e quantidade de informação fornecida; detalhe da situação química e seu contexto; existência ou não de modelização da situação química; grau de explicitação do obstáculo; grau de dificuldade conceptual; grau de orientação de resolução; conhecimento prévio de um algoritmo.

Ao longo do ensino, a professora foi solicitando aos alunos a execução das tarefas concebidas e, simultaneamente, recolhendo dados sobre o ensino e a aprendizagem. Ao longo da execução das tarefas, a professora detetou dificuldades dos alunos em termos da compreensão da tarefa, dos seus objetivos e da linguagem utilizada, e também ao nível das aprendizagens alcançadas. Houve, portanto, a necessidade de ir alterando, ajustando e/ou articulando melhor as caraterísticas das tarefas. Estes processos decorreram tanto durante a execução de cada tarefa, como de tarefa para tarefa, ou de aula para aula; ou seja, no momento do ensino ou após cada aula. Portanto, as caraterísticas das tarefas que foram intencionalmente incluídas na sua conceção tiveram de sofrer ajustes para que as caraterísticas pretendidas em cada tarefa, agora de forma mais consciente, estivessem efetivamente presentes. Foi necessário, também, fazer ajustes na articulação dessas caraterísticas em tarefas diferentes e na sequência com que as tarefas, com caraterísticas diferentes, iam sendo apresentadas ao longo do tempo aos alunos.

Os dados sobre o ensino foram recolhidos através do diário de bordo da professora (registo quotidiano detalhado da dinâmica das aulas, das tarefas dadas aos alunos, das atividades que eles desenvolveram durante a execução das tarefas, das manifestações das suas dificuldades, dos seus comentários, das intervenções da professora, das suas perceções...) e dos documentos fornecidos aos alunos (fichas de trabalho prático e enunciados dos trabalhos laboratoriais). Para recolher os dados sobre a aprendizagem dos alunos recorreu-se também aos registos do diário de bordo da professora, às respostas dadas pelos alunos nas fichas de trabalho prático e à observação direta da execução pelos alunos dos trabalhos laboratoriais (com o apoio de uma grelha de observação).

A análise de dados relativos ao ensino foi feita através da análise de conteúdo do diário de bordo da professora, das fichas de trabalho prático e dos enunciados dos trabalhos laboratoriais. A análise de dados relativos às aprendizagens foi feita através da análise de conteúdo das aulas com e sem ficha de trabalho prático (através do diário de bordo) e ainda com base na análise das grelhas de observação dos trabalhos laboratoriais. Na análise de conteúdo procuraram-se evidências empíricas: (i) dos descritores das tarefas dadas, (ii) dos níveis de aprendizagem definidos e apresentados acima (referencial de quatro níveis) e (iii) das caraterísticas das interações da professora durante a execução das tarefas.

Foram selecionados três episódios de ensino para serem analisados. Cada episódio corresponde a um conjunto de tarefas concebidas e dadas aos alunos para eles executarem, ao ensino e às aprendizagens que as tarefas proporcionaram. Decorreram, geralmente, em uma ou duas aulas. Os episódios de ensino foram analisados em termos das caraterísticas de cada tarefa, do ensino que a tarefa proporcionou e da aprendizagem que a tarefa proporcionou: (i) ao longo da execução da(s) tarefa(s) em cada episódio e (ii) de episódio para episódio. Estes episódios de ensino foram também analisados globalmente, em termos da sequência de apresentação das tarefas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos três episódios de ensino foi feita em duas etapas. Na primeira etapa, cada episódio foi analisado individualmente em termos das categorias de análise: Caraterísticas da tarefa; Ensino que a tarefa proporciona; e Aprendizagem que a tarefa proporciona. Na segunda etapa, foram analisados globalmente os três episódios em termos da categoria de análise: Sequência de apresentação das tarefas.

O primeiro episódio desenrolou-se a partir da promoção, pela professora, de uma discussão sobre o significado do conceito de química como área científica e acerca da relevância da disciplina para a compreensão de fenómenos do dia a dia e de problemas ambientais. Considerou-se esta abordagem importante, numa das primeiras aulas da disciplina, por a química ser uma área científica fundamental na compreensão de fenómenos ambientais, sendo estes de enorme relevância na licenciatura em causa, Ecologia Aplicada. A Tabela 1 diz respeito ao episódio 1 e apresenta as tarefas que foram dadas aos alunos, a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou não funcionou com as tarefas) e as alterações e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas. Analisando a Tabela 1, verificou-se que a primeira tarefa, com caraterísticas que a tornaram complexa para os alunos (tipologia aberta, nenhuma informação fornecida, sem referência a situações reais ou académicas,...), obteve respostas que indicaram dificuldades de compreensão do objetivo da tarefa, pois os alunos apenas mobilizaram os seus conhecimentos prévios sobre o conceito de química, relacionados com a visão disciplinar desta área científica. A reformulação da tarefa (tarefa 2) manteve a globalidade das caraterísticas da tarefa 1, mas os alunos continuaram com dificuldades na sua execução pois estabeleceram apenas algumas relações entre o conceito de química e os seus contextos de uso. A professora entendeu, então, que deveria incluir tarefas auxiliares de natureza menos complexa (tarefa 3), portanto com tipologia mais fechada e referindo algumas situações reais. As respostas foram dadas com facilidade e indicaram que houve aprendizagens ao nível do estabelecimento de variadas relações entre a química e os seus contextos de uso (ver Tabela 1). Nesta altura, pareceu oportuno apresentar e discutir conceitos novos e as suas relações, designados genericamente por inter-relações ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTS-A), sendo este um conceito estruturante e contextualizador das aprendizagens anteriores. A aprendizagem das inter-relações CTS-A foi avaliada com a tarefa 4, tarefa de tipologia aberta mas ancorada nas respostas e discussão ocorrida na tarefa 3 (com informação relevante para a sua execução, várias situações e contextos referidos, alguma modelização das situações, ...). Por fim, foi dada a tarefa 5, na realidade praticamente igual à tarefa 1 em termos de formulação, com tipologia aberta, mas ancorada nas discussões e aprendizagens anteriores (o que modificou as outras caraterísticas da tarefa 5 relativamente à 1). Tanto na tarefa 4 como na 5, tarefas de maior complexidade do que as anteriores, os alunos responderam com elevada autonomia e atingiram aprendizagens de maior nível de qualidade, pois apropriaram conceitos novos, reconstruindo os seus significados, reestruturaram os campos conceptuais em jogo e aplicaram-nos em contextos reais (ver Tabela 1).

Tabela 1
Episódio 1: Tarefas, análise das tarefas, análise do ensino e da aprendizagem e alterações e/ou ajustes das tarefas

Portanto, da tarefa 3 à 5, os conhecimentos prévios dos alunos evoluíram para conhecimentos mais próximos dos aceites pela comunidade científica, o que se pode relacionar com a melhoria da qualidade das suas aprendizagens. A reflexão sobre os dados do ensino e das aprendizagens no episódio 1 parece indicar que quando se pretende que os alunos executem uma tarefa complexa, esta deve ser precedida por outras mais simples, que sirvam de âncora e de contextualização (aos conhecimentos a mobilizar, às situações químicas, às modelizações a fazer das situações, à orientação da execução da tarefa, entre outros exemplos).

O segundo episódio analisado desenrolou-se com a discussão em pequeno e grande grupo de uma ficha de trabalho contendo sete tarefas. Foram apresentadas, no início da aula, inúmeras situações ambientais e/ou químicas (por exemplo, a contaminação dos solos devido a aterros sanitários, a poluição atmosférica devido à atividade industrial, os incêndios florestais, as chuvas ácidas), através do visionamento do programa Ambiente e Crescimento Demográfico do filme Educação Ambiental,1212 Caeiro, S.; Educação Ambiental (Vídeo), Universidade Aberta: Lisboa, 1999. com a duração de cerca de 20 minutos. De seguida, os alunos, em pequeno grupo, discutiram o filme e responderam às tarefas 1 e 2. Posteriormente leram um texto sobre os principais modelos de desenvolvimento económico "Diferentes alternativas à problemática ambiental"1313 Calvo, D.; Molina, M. T.; Salvachúa, J.; Ciencias da Terra e do Medio Ambiente - 2º Bacharelato, McGraw-Hill/Interamericana de España: Madrid, 2001. (texto adaptado da fonte original, sobre desenvolvimento sustentável, conservacionismo sem concessões, exploração incontrolada) e responderam à questão 3. Seguiu-se a execução das restantes tarefas. Note-se que durante o trabalho em pequeno grupo a professora interveio apenas perante a solicitação dos alunos. No final da execução da ficha de trabalho foi feita a discussão em grande grupo, em que a professora interveio essencialmente no sentido de mediar as aprendizagens dos alunos. A Tabela 2 diz respeito ao episódio 2 e apresenta algumas tarefas que foram dadas aos alunos (as mais relevantes para este estudo), a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou não funcionou com as tarefas) e as alterações e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas.

Tabela 2
Episódio 2: Tarefas, análise das tarefas, análise do ensino e da aprendizagem e alterações e/ou ajustes das tarefas

No episódio 2 pretendia-se a execução pelos alunos de uma tarefa complexa. Então, a professora concebeu as primeiras tarefas (1 e 2) com caraterísticas que as simplificaram: de tipologia pouco aberta, com informações relevantes, com a apresentação de situações reais muito diversificadas, com obstáculos tipificados e implícitos,... Verificou-se que os alunos apresentaram dificuldades que se prenderam com a linguagem utilizada e com a compreensão dos objetivos das tarefas (ver Tabela 2). Estas são mais abertas do que as tarefas no ensino tradicional, têm obstáculos tipificados mas implícitos, há a necessidade de mobilização de raciocínios estabelecidos, o contexto não é o contexto da disciplina (por exemplo), o que ajuda a explicar as dificuldades acrescidas. Feitos os esclarecimentos necessários, as tarefas foram executadas sem dificuldades. Assim, apesar do ensino na tarefa 1 ter sido feito através da apresentação de um filme, em que são os alunos que têm de selecionar os conceitos e as relações relevantes para a execução da tarefa, estes eram já do seu conhecimento, quer pelas suas vivências, como resultantes das últimas aulas. As aprendizagens dos alunos consistiram apenas numa validação dos seus conhecimentos prévios. Na tarefa 2 as aprendizagens fizeram-se sem dificuldades, pois resultaram de confronto de ideias, da mobilização de conhecimentos prévios (o conceito Revolução Industrial) e do estabelecimento de relações entre conceitos. Os alunos mobilizaram os seus conhecimentos prévios, reestruturaram os conceitos mobilizados e as suas relações, apropriaram novos conceitos, aplicando-os em contexto e reestruturaram os campos conceptuais em jogo. Seguiu-se a tarefa 3, de tipologia aberta, mas com informações relevantes, com situações claras, com obstáculos tipificados e implícitos,... Uma vez mais, as dificuldades relacionaram-se com o objetivo da tarefa, a qual, após os devidos esclarecimentos, foi resolvida sem dificuldades. Os alunos conseguiram mobilizar os seus conhecimentos, estabelecer inter-relações entre conceitos, aplicando-as a situações novas. A tarefa 4 era de tipologia aberta, com informação fornecida vaga, sem referência a situações reais explícitas, com obstáculos tipificados e implícitos,... Os alunos foram autónomos ao escolherem situações reais, ao identificarem as inter-relações CTS-A existentes, de uma forma mais complexa e rica, e ao confrontarem entre pares os seus argumentos. Os alunos conseguiram atingir conhecimentos e desenvolver competências de qualidade elevada. Ou seja, mobilizaram os seus conhecimentos prévios, permitindo a apropriação de novos conceitos, muitos deles estruturantes, reestruturaram os conceitos adquiridos e aplicaram-nos em contexto/situações novas. Tal como na tarefa 4, com a tarefa 5 (aberta, mas com ancoragem nas aprendizagens ocorridas nas tarefas anteriores), os alunos atingiram conhecimentos e desenvolveram competências de qualidade elevada.

As várias tarefas, colocadas ao longo do episódio 2, foram sendo cada vez mais abertas, com cada vez menos informações fornecidas ou de cariz mais vago, a apresentação de situações reais foi sendo mais rara ou inexistente,... Embora o ensino proporcionado tivesse, por vezes, um cariz orientativo, aquele esteve sempre centrado nos alunos e estes conseguiram aprendizagens gradualmente mais autónomas, envolvendo o estabelecimento de relações novas entre conceitos ou aplicadas a situações novas, conseguindo atingir conhecimentos e desenvolver competências de elevado nível de qualidade. A reflexão sobre os dados do ensino e das aprendizagens nos episódios 1 e 2 reforçam a convicção de que quando se pretende que os alunos executem uma tarefa complexa, esta deve ser precedida por outras mais simples, que sirvam de âncora e de contextualização para a construção de conhecimento novo e o desenvolvimento de competências.

O terceiro episódio analisado decorreu durante a observação direta para avaliar a competência "Compreensão do problema a resolver", do trabalho laboratorial "Determinação da fórmula empírica do óxido de magnésio". Foi dada uma tarefa com uma sugestão para orientar os alunos na resolução do problema proposto. Esta tarefa, apesar de recorrer a uma sugestão facilitadora do delineamento da resolução do problema, é de natureza mais complexa do que as apresentadas nos episódios anteriores, uma vez que diz respeito a uma competência (Compreensão do problema a resolver) que incorpora outras de mais baixo nível, mas que têm de estar relacionadas e articuladas para o desenvolvimento da competência em questão. A Tabela 3 diz respeito ao episódio 3 e apresenta as tarefas que foram dadas aos alunos, a análise das tarefas (em termos das suas caraterísticas), a análise do ensino e da aprendizagem (em termos do que funcionou ou não funcionou com as tarefas) e as alterações e/ou ajustes que se tiveram de fazer nas tarefas.

Tabela 3
Episódio 3: Tarefas, análise das tarefas, análise do ensino e da aprendizagem e alterações e/ou ajustes das tarefas

A tarefa 1 colocada no episódio 3 foi de cariz aberto. Não explicitava, na sua formulação, a informação total necessária para a sua execução, apesar de ela estar presente na introdução incluída no guião do trabalho laboratorial, na sugestão anexa à tarefa e na bibliografia de apoio aos trabalhos laboratoriais. A situação química era apresentada adequada, mas não explicitamente, na introdução ao trabalho, e não estava referida na tarefa. A modelização da situação química era dada, na introdução ao trabalho, para uma classe de situações, mas não para a situação particular. Os obstáculos não eram tipificados nem explícitos. As dificuldades conceptuais colocavam-se ao nível da mobilização de diversos conceitos e da necessidade de os articular de forma nova. A orientação da resolução da tarefa era dada apenas implicitamente na introdução e na sugestão da tarefa. Os algoritmos necessários eram dados para uma classe de situações químicas. Os alunos tiveram dificuldades em compreender a função da sugestão dada, bem como em mobilizar conceitos dados, e em modelizar a situação química, entre outras. Por isso, o ensino proporcionado teve de recorrer à mediação da professora, para tornar explícitos dados, informações, situações, algoritmos,... Apesar das intervenções da professora, o ensino esteve sempre centrado nos alunos e, na tarefa 2, estes conseguiram, globalmente, delinear uma forma de resolver o problema proposto, processando o conhecimento de forma nova e aplicando-o a uma situação nova.

A análise feita aos três episódios de ensino referidos, e apresentada nas respetivas Tabelas 1, 2 e 3, permite chegar aos seguintes resultados. No primeiro episódio, as aprendizagens dos alunos evoluíram em termos da qualidade dos conceitos adquiridos e das competências desenvolvidas. Começaram pela simples apropriação de conceitos novos, da reconstrução dos seus significados e dos campos conceptuais em jogo e da sua aplicação em contexto. No segundo episódio, os alunos passaram para aprendizagens envolvendo o estabelecimento de relações novas entre conceitos ou aplicadas a situações novas. Mais tarde (episódio 3), no delineamento de vias de resolução de problemas, processaram o conhecimento de forma nova e aplicaram-no a uma situação nova. Este processo evolutivo - de episódio para episódio e focado na tarefa principal - decorreu à medida que as tarefas foram seguindo uma linha de apresentação em que houve gradualmente: número crescente de conceitos envolvidos, complexidade crescente da natureza dos conceitos e das suas relações, maior grau de abertura e diminuição da informação explícita referida (quanto às situações químicas e às suas modelizações), menor tipificação e explicitação de obstáculos, menor orientação da execução das tarefas.

Os resultados globais obtidos neste estudo foram: 1 - Quando os alunos executam tarefas contextualizadas em situações reais, sendo aquelas de cariz fechado ou aberto,... as suas aprendizagens atingem níveis de qualidade mais elevados; 2 - Quando os alunos executam tarefas principais sequenciadas de modo a envolver conceitos em número e complexidade crescentes, cada vez mais abertas, com situações gradualmente menos modelizadas, com obstáculos cada vez menos explícitos e com uma diminuição progressiva da orientação dada, as aprendizagens dos alunos em conhecimentos e competências atingem níveis crescentes de qualidade ao longo do ensino.

Face aos resultados obtidos, pode responder-se às QI. Assim:

Resposta a QI-1: Com o resultado 1, foi possível concluir que a tipologia aberta/fechada... da tarefa perde importância quando se integra a "contextualização em situações reais". Ou seja, há caraterísticas mais importantes que outras. A "contextualização em situações reais" revelou-se decisiva.

Resposta a QI-2: Com o resultado 2, foi possível concluir que as caraterísticas das tarefas, de per si, não são o mais determinante na promoção de aprendizagens de qualidade, ou seja, a relevância das caraterísticas nas aprendizagens não é independente do momento em que essa(s) caraterística(s) são integradas nas tarefas. O que é determinante é a articulação das tarefas com determinadas caraterísticas, de que resulta uma determinada sequenciação das mesmas ao longo do tempo.

Portanto, este estudo permitiu obter o resultado geral de que há aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências de alto nível quando os alunos executam tarefas concebidas deliberadamente com caraterísticas específicas e com uma linha de apresentação que não é arbitrária.

Minner e colegas33 Minner, D. D.; Levy, A. J.; Century, J.; J. Res. Sci. Teach. 2010, 47, 474. desenvolveram um trabalho de revisão onde se analisaram 138 estudos realizados entre 1984 e 2002, em vários países, disciplinas de ciências, níveis de ensino e em diversos contextos de ensino. Este estudo mostra que há melhoria no desenvolvimento conceptual, na motivação, nas crenças sobre a ciência, na compreensão científica processual e epistemológica, quando o ensino da ciência se baseia em inquirição (inquiry). Portanto, as estratégias de ensino que envolvem ativamente os alunos nos processos de aprendizagem através de inquirições são mais adequados para a melhoria da compreensão conceptual do que as estratégias que se baseiam em técnicas mais passivas.

Como foi dito anteriormente, o estudo que desenvolvemos desenhou as tarefas com os objetivos de promoverem: i) a reflexão sobre situações químicas e os conhecimentos prévios dos alunos; ii) a formulação de problemas e a procura de respostas ou de vias para a sua resolução; (iii) a reconceptualização e/ou reestruturação de conceitos; (iv) a apropriação de novos conceitos e a extensão e a interligação dos campos conceptuais envolvidos. Portanto, a nossa estratégia de ensino foi concebida com o intuito geral de envolver ativamente os alunos em processos científicos. Entendemos, por isso, que as tarefas concebidas se enquadram numa estratégia de ensino baseada em inquirição. Por outro lado, o nosso estudo mostra que há desenvolvimento conceptual e de competências quando as tarefas estão contextualizadas em situações reais e quando as tarefas principais estão sequenciadas de modo a envolver conceitos em número e complexidade crescentes, cada vez mais abertas, com situações gradualmente menos modelizadas, com obstáculos cada vez menos explícitos e com uma diminuição progressiva da orientação dada. Portanto, os nossos resultados estão de acordo com os resultados globais referidos no estudo de Minner e colegas,33 Minner, D. D.; Levy, A. J.; Century, J.; J. Res. Sci. Teach. 2010, 47, 474. salientando-se ainda que o nosso estudo contribui com indicações claras sobre como fazer e como manipular certas caraterísticas das tarefas, de forma intencional, algo que vem preencher uma lacuna nos estudos desenvolvidos sobre tarefas.11 Anderson, R. D.; Journal of Science Teacher Education 2002, 13, 1.

Tiberghien e colegas,66 Tiberghien, A.; Veillard, L.; Le Maréchal, J.-F.; Buty, C.; Millar, R; Science Education 2001, 85, 483. que compararam 75 fichas com instruções para atividades de laboratório de vários estudos, consideram que estas fichas condicionam as atividades desenvolvidas pelos alunos. Referem, no entanto, que o papel desempenhado pelas fichas depende do tipo de questões colocadas e do nível de detalhe da informação fornecida. Em particular, salientam que a conclusão principal dos vários estudos é a de que o tipo de questões colocadas tem uma forte influência nas atividades dos alunos, em particular, no tipo de conhecimentos envolvido quando os alunos executam uma sequência de tarefas solicitadas.

O nosso estudo vem comprovar esta influência, pois verificou-se que quando os alunos executam tarefas com certas características e com uma determinada sequência não arbitrária, os alunos desenvolvem conhecimentos e competências. Por outro lado, os nossos resultados verificaram-se tanto em discussão em sala de aula, como durante a execução de trabalho prático ou em trabalho laboratorial (e não apenas em trabalho laboratorial, como no caso do estudo de Tiberghien e colaboradores).

Segundo a equipa de Gulacar,1414 Gulacar, O.; Eilks, I.; Bowman, C. R.; J. Chem. Educ. 2014, 91, 961. que aplicou um conjunto diferenciado de tarefas a alunos de uma licenciatura de química, os resultados obtidos sugerem que os alunos com piores resultados de aprendizagem necessitam de tarefas de menor complexidade e com maior orientação, enquanto alunos com melhores resultados de aprendizagem necessitam de tarefas complexas e abstratas, portanto, mais desafiadoras.

Parece-nos poder estabelecer algumas relações entre os resultados deste estudo e do nosso. Note-se que quando os nossos alunos revelaram grandes dificuldades na execução de tarefas, eles superaram as suas dificuldades executando tarefas mais fechadas e com maior orientação de resolução (entre outras caraterísticas). Quando os alunos já tinham conhecimentos e processos mentais mais organizados e de maior qualidade, estes já conseguiram executar com sucesso tarefas mais complexas, por exemplo, mais abertas e com menor orientação de resolução.

Este estudo deixa em aberto várias questões pertinentes para investigar: Se a linha de apresentação das tarefas não pode ser arbitrária, haverá outras formas de articulação e/ou sequenciação de que resultem melhores resultados de aprendizagem? Que variações relevantes aparecem quando se altera contexto científico, quando conhecimentos prévios dos alunos são melhores ou piores do que os deste estudo e/ou quando backgrounds e sensibilidade didáticos do professor são diferentes?

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo vêm reforçar a ideia de que as tarefas devem ter determinadas caraterísticas e estar articuladas com as restantes, de forma não arbitrária para promover aprendizagens de qualidade nos alunos. Por outro lado, é essencial que o professor faça uma avaliação sistemática do seu ensino e que monitorize as aprendizagens, para refletir e agir sobre as suas práticas. Só desta forma poderá ajustar o ensino, as tarefas nomeadamente, aos contextos de ensino particulares, promovendo assim aprendizagens de qualidade.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Anderson, R. D.; Journal of Science Teacher Education 2002, 13, 1.
  • 2
    Lopes, J. B. In Ensino, Qualidade e Formação de Professores; Bonito, J., org.; Universidade de Évora: Évora, Portugal, 2009, p. 147. ISBN: 978-989-95802-1-3.
  • 3
    Minner, D. D.; Levy, A. J.; Century, J.; J. Res. Sci. Teach. 2010, 47, 474.
  • 4
    Van Boxtel, C.; Van Der Linden, J.; Kanselaar G.; Learning and Instruction 2000, 10, 311.
  • 5
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2016
  • Aceito
    06 Jun 2016
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