Acessibilidade / Reportar erro

Biodiesel de soja: taxa de conversão em ésteres etílicos, caracterização físico-química e consumo em gerador de energia

Biodiesel from soybean: characterization and consumption in an energy generator

Resumo

Biodiesel was produced by the transesterification of neutral soybean oil and anhydrous ethanol using NaOH as catalyst. Combinations of biodiesel and diesel in the proportions of 0, 5, 10, 20, 40, 60, 80 and 100% were tested, respectively, as fuel in an energy generator. The average consumption and mixture performance were analysed. The tests showed a reduction in Diesel oil consumption when mixed with up to 20% of biodiesel. The quality characteristics of these fuels were analyzed.

biodiesel; ethyl esters; transesterification


biodiesel; ethyl esters; transesterification

ARTIGO

Biodiesel de soja — Taxa de conversão em ésteres etílicos, caracterização físico-química e consumo em gerador de energia

Biodiesel from soybean: characterization and consumption in an energy generator

Roseli Aparecida Ferrari* * e-mail: ferrarir@uepg.br ; Vanessa da Silva Oliveira; Ardalla Scabio

Departamento de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Av. General Carlos Cavalcante, 4748, 84030-900 Ponta Grossa - PR

ABSTRACT

Biodiesel was produced by the transesterification of neutral soybean oil and anhydrous ethanol using NaOH as catalyst. Combinations of biodiesel and diesel in the proportions of 0, 5, 10, 20, 40, 60, 80 and 100% were tested, respectively, as fuel in an energy generator. The average consumption and mixture performance were analysed. The tests showed a reduction in Diesel oil consumption when mixed with up to 20% of biodiesel. The quality characteristics of these fuels were analyzed.

Keywords: biodiesel; ethyl esters; transesterification.

INTRODUÇÃO

A maior parte de toda a energia consumida no mundo provém do petróleo, do carvão e do gás natural. Essas fontes são limitadas e com previsão de esgotamento no futuro, portanto, a busca por fontes alternativas de energia é de suma importância1. Neste contexto, os óleos vegetais aparecem como uma alternativa para substituição ao óleo diesel em motores de ignição por compressão2-4, sendo o seu uso testado já em fins do século XIX, produzindo resultados satisfatórios no próprio motor diesel5,6. Esta possibilidade de emprego de combustíveis de origem agrícola em motores do ciclo diesel é bastante atrativa tendo em vista o aspecto ambiental, por serem uma fonte renovável de energia5,7,8 e pelo fato do seu desenvolvimento permitir a redução da dependência de importação de petróleo7.

Foi constatado, porém, que a aplicação direta dos óleos vegetais nos motores é limitada por algumas propriedades físicas dos mesmos2, principalmente sua alta viscosidade, sua baixa volatilidade e seu caráter poliinsaturado, que implicam em alguns problemas nos motores, bem como em uma combustão incompleta2,9-11. Assim, visando reduzir a viscosidade dos óleos vegetais, diferentes alternativas têm sido consideradas, tais como diluição, microemulsão com metanol ou etanol, craqueamento catalítico e reação de transesterificação com etanol ou metanol2,5. Entre essas alternativas, a transesterificação tem se apresentado como a melhor opção2,12, visto que o processo é relativamente simples1 promovendo a obtenção de um combustível, denominado biodiesel, cujas propriedades são similares às do óleo diesel3,8,9,13.

O biodiesel pode então ser definido como sendo um mono-alquil éster de ácidos graxos derivado de fontes renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais4,14,15, obtido através de um processo de transesterificação, no qual ocorre a transformação de triglicerídeos em moléculas menores de ésteres de ácidos graxos9,12 . Encontra-se registrado na "Environment Protection Agency — EPA — USA" como combustível e como aditivo para combustíveis e pode ser usado puro a 100% (B100), em mistura com o diesel de petróleo (B20), ou numa proporção baixa como aditivo de 1 a 5%16; sua utilização está associada à substituição de combustíveis fósseis em motores do ciclo diesel6,17, sem haver a necessidade de nenhuma modificação no motor18.

Como combustível o biodiesel possui algumas características que representam vantagem sobre os combustíveis derivados do petróleo, tais como, virtualmente livre de enxofre e de compostos aromáticos; alto número de cetano; teor médio de oxigênio; maior ponto de fulgor; menor emissão de partículas, HC, CO e CO2; caráter não tóxico e biodegradável, além de ser proveniente de fontes renováveis17,19,20.

A utilização de biodiesel como combustível vem apresentando um potencial promissor no mundo inteiro21, sendo um mercado que cresce aceleradamente22 devido, em primeiro lugar, a sua enorme contribuição ao meio ambiente, com a redução qualitativa e quantitativa dos níveis de poluição ambiental, principalmente nos grandes centros urbanos23. Em segundo lugar, como fonte estratégica de energia renovável em substituição ao óleo diesel e outros derivados do petróleo. Assim, países como França, Áustria, Alemanha, Bélgica, Reino Unido, Itália, Holanda, Finlândia, Estados Unidos, Japão e Suécia vêm investindo significativamente na produção e viabilização comercial do biodiesel, através de unidades de produção com diferentes capacidades6,13,21 e também se pode dizer que para o Brasil esta é uma tecnologia bastante adequada, devido à disponibilidade de óleo de soja e de álcool etílico derivado da cana-de-açúcar. No entanto, a comercialização do biodiesel ainda apresenta alguns gargalos tecnológicos24, surgindo como obstáculos para sua comercialização o preço da matéria-prima e os custos operacionais25.

O Brasil consome cerca de 35 milhões de t/ano de óleo diesel26, assim, com ampliação deste mercado a economia de petróleo importado seria expressiva, podendo inclusive minimizar o déficit de nossa balança de pagamentos. Além disso, no processo de transesterificação resulta como subproduto a glicerina1,2,9, sendo seu aproveitamento outro aspecto importante na viabilização do processo de produção do biodiesel, fazendo com que ele se torne competitivo no mercado de combustíveis27.

A maior parte do biodiesel atualmente produzido no mundo deriva do óleo de soja, utilizando metanol e catalisador alcalino4, porém, todos os óleos vegetais, enquadrados na categoria de óleos fixos ou triglicerídeos, podem ser transformados em biodiesel28.

Fatores como a geografia, o clima e a economia determinam o óleo vegetal de maior interesse para uso potencial nos biocombustíveis. Assim, nos Estados Unidos, por exemplo, o óleo de soja é considerado como matéria-prima primordial e, nos países tropicais, é o óleo de palma. Dentre as matérias-primas incluem-se os óleos de palma, soja, algodão e mamona, além dos óleos de menor produção como o de babaçu6. Na Alemanha, o óleo de colza é utilizado na produção de biodiesel, o qual é distribuído de forma pura, isento de qualquer mistura ou aditivação. Há também a produção de biodiesel na Malásia a partir do óleo de palma29.

Os óleos vegetais mais comuns, cuja matéria prima é abundante no Brasil, são soja, milho, amendoim, algodão, babaçu e palma30. A soja, considerada a rainha das leguminosas, dispõe de uma oferta muito grande do óleo, pois quase 90% da produção de óleo no Brasil provêm dessa leguminosa28. A produção mundial de soja da safra 00/01 situou-se em 174,3 milhões de t, patamar 9,0% maior que da safra 99/00 (159,85 milhões)31 A produção brasileira de soja na safra de 2002 foi de aproximadamente 43 milhões de t32.

Quanto aos álcoois, os mais freqüentemente empregados são os de cadeia curta, tais como metanol, etanol, propanol e butanol. No Brasil o uso de etanol anidro é vantajoso, pois este é produzido em larga escala para ser misturado à gasolina1, além de ser um produto obtido através de biomassa e, dessa maneira, o processo torna-se totalmente independente do petróleo5, promovendo a produção de um combustível completamente agrícola9. A produção de etanol está prosperando e já alcançou 7 bilhões de litros por ano, sendo que a capacidade instalada de produção no Brasil é da ordem de 16 bilhões de L/ano. Segundo Lima33, a produção nacional de álcool anidro no período de 97/98 esteve em torno de 5.596.000 m3.

Com relação aos catalisadores, a transesterificação pode ser realizada tanto em meio ácido quanto em meio básico34 porém, ela ocorre de maneira mais rápida na presença de um catalisador alcalino que na presença da mesma quantidade de catalisador ácido, observando-se maior rendimento e seletividade, além de apresentar menores problemas relacionados à corrosão dos equipamentos9,35. Os catalisadores mais eficientes para esse propósito são KOH e NaOH, sendo que o uso de hidróxido de sódio, ao invés de metóxido de sódio, é preferido por causa dos perigos e inconvenientes do uso de metal de sódio36.

Para aumentar o rendimento de alquil ésteres e para permitir a formação de uma fase separada de glicerol um excesso de agente transesterificante (álcool primário) é usado, devido ao caráter reversível da reação1,35. Também, para que resulte uma transesterificação satisfatória, os óleos devem possuir baixo teor de ácidos graxos livres37,38, pois esses durante o processo de transesterificação podem reagir com o catalisador alcalino formando produtos saponificados39, o que diminui a eficiência de conversão. Os óleos brutos comercialmente encontrados possuem um índice de acidez entre 0,5 — 3%39, sendo indicado para uma reação completa na produção de biodiesel que o teor de ácidos graxos livres seja inferior a 3%37.

Inúmeros trabalhos vêem sendo desenvolvidos com testes de vários tipos de óleos transesterificados, puros ou misturados ao diesel convencional em diferentes proporções e têm demonstrado bons resultados quando utilizados por caminhões, ônibus e tratores8,17,27,40.

O objetivo do presente trabalho foi avaliar a taxa de conversão do óleo neutro de soja em éster etílico (biodiesel) e o rendimento no processo de transesterificação, bem como caracterizá-lo segundo parâmetros químicos e físicos, testando seu consumo em gerador de energia elétrica.

PARTE EXPERIMENTAL

Obtenção dos ésteres etílicos

A reação de transesterificação foi realizada em um reator de 5 L, provido de camisa de circulação de água aquecida e agitação mecânica. O sistema permaneceu a 50 ºC e então 3 L de óleo neutro de soja foram adicionados. Quando o sistema atingiu 45 ºC, a solução de 1,5 L de etanol anidro e 15 g do catalisador NaOH foi adicionada, estabelecendo-se este momento como sendo o tempo zero da reação. O tempo de reação foi 5 min, pois neste tempo foi constatada a conversão completa de ésteres pelo escurecimento brusco da mistura, seguida de retorno da coloração inicial da mistura. Após o término da reação, 600 g de glicerina p.a foi adicionada para acelerar a formação da fase inferior. Isso resultou na formação de uma fase superior correspondente aos ésteres etílicos e uma fase inferior contendo a glicerina, formada pela reação e adicionada, ao excesso de etanol, o hidróxido de sódio que não reagiu, junto com os sabões formados durante a reação e alguns traços de ésteres etílicos e glicerídeos parciais.

Após a separação das duas fases por decantação, os ésteres obtidos foram purificados através da lavagem com uma solução contendo 1,5 L de água destilada a 90 ºC e 0,5% de HCl concentrado. Com isso o catalisador remanescente da reação foi neutralizado, fato confirmado com a análise da água de lavagem com indicador fenolftaleína 1%. A fase aquosa foi separada do éster por decantação e os traços de umidade foram eliminados pela filtração posterior com sulfato de sódio anidro. A fase inferior separada foi submetida a uma destilação a 80 ºC sob vácuo moderado, para recuperação do excesso de etanol, e a glicerina permaneceu.

Conversão em ésteres etílicos

O biodiesel obtido foi analisado qualitativamente através de cromatográfica em camada delgada — CCD, para se verificar a conversão em ésteres etílicos. Para isso, o biodiesel foi dissolvido em éter de petróleo e aplicado em uma placa cromatográfica contendo sílica como fase estacionária. Os padrões empregados foram ésteres de ácidos graxos, ácidos graxos e triglicerídeos, também dissolvidos em éter de petróleo. A fase móvel utilizada na cuba cromatográfica foi uma mistura de éter de petróleo, éter etílico e ácido acético na proporção de 80:20:1, respectivamente. A placa cromatográfica após eluição foi revelada com vapor de iodo e o Rf das manchas dos padrões e dos componentes das amostras foi determinado.

A conversão da reação de transesterificação foi determinada com base na quantidade de óleo neutro de soja que entra no processo. Após o preparo de diversas bateladas obteve-se, então, uma conversão média na formação de ésteres etílicos.

Caracterização quanto aos aspectos químicos e físicos

As análises químicas e físicas foram conduzidas, respectivamente, pelas seguintes metodologias: quanto aos parâmetros de cor, aspecto, massa específica a 20 °C, teor de enxofre, índice de cetano, resíduo de carbono e miscibilidade em óleo diesel segundo metodologias recomendadas pela ANP (Agência Nacional do Petróleo)41; índice de iodo, método Cd 1-25 AOCS42, índice de acidez, método Ca 5-40 AOCS42, índice de peróxido, método Cd 3-25 AOCS42 e teor de cinzas, método Ca 11-5542.

Caracterização quanto à composição em ésteres etílicos de ácidos graxos

A composição em ésteres de ácidos graxos foi determinada por cromatografia gasosa após preparo dos ésteres segundo método descrito por Hartman e Lago43. O cromatógrafo utilizado foi Perkin Elmer Sigma 3B, equipado com detector FID e coluna 10% DEGS. As temperaturas do injetor e do detector foram mantidas a 225 °C e a da coluna a 175 °C. A identificação dos picos foi realizada através da comparação com tempo de retenção de padrões Nu-Chek, e a quantificação por normalização de área.

Teste de consumo em gerador de energia

Os testes de consumo foram realizados em um gerador de energia de Marca Yanmar do Brasil S.A/ NSB50 — Kohlbach S.A/ Rot. 1800/ Hz 60, mantido sob as mesmas condições de operação. O diesel puro e de misturas deste com 5, 10, 20, 40, 60 e 80% de biodiesel, bem como o do biodiesel puro foram aplicados numa quantidade estabelecida ao gerador de energia e o tempo de consumo dos mesmos foi monitorado. O consumo médio foi então determinado e expresso em L/h de funcionamento do equipamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A taxa de conversão do óleo neutro de soja em ésteres etílicos depende diretamente da maneira que a reação de transesterificação é conduzida, bem como das condições do processo. Assim, o curso da transesterificação (Figura 1) é influenciado por vários fatores que incluem o tipo de catalisador (alcalino ou ácido), razão molar álcool/óleo vegetal, temperatura, pureza dos reagentes (principalmente o conteúdo de água) e o teor de ácidos graxos livres, os quais têm influência no curso da transesterificação1. Neste trabalho, o processo de catálise básica foi adotado tendo em vista o fato de apresentar melhor rendimento e seletividade, além de menor tempo de reação que a catálise ácida9,35 e, também, para evitar problemas com corrosão dos componentes do motor, que ocorrem devido à presença de traços de ácido10. O álcool utilizado foi o etanol isento de água (anidro) e em excesso devido ao caráter reversível da reação de transesterificação1,34,35. Assim, por causa deste equilíbrio reacional, um excesso de álcool aumenta a conversão de éster pela mudança deste equilíbrio para direita.


Quanto ao tempo reacional, como indicam algumas pesquisas, a reação de transesterificação é muito rápida, pois a conversão de ésteres etílicos é próxima do valor máximo com apenas 5-10 min de reação, estabiliza no valor máximo após 20-30 min e alguns autores indicam que no equilíbrio existem di- e monoglicerídeos com concentração de 2 e 4%, respectivamente9. No período inicial a reação é muito rápida, existindo um segundo período muito mais longo que o primeiro, no qual a composição evolui vagarosamente até o equilíbrio44. Neste trabalho, após o acompanhamento cromatográfico dos produtos formados após diversos períodos de tempo de reação, o tempo de 5 min foi estabelecido como suficiente para a ocorrência da conversão do óleo neutro e seco em éster. O fato do óleo não apresentar ácidos graxos livres e ser isento de umidade favoreceu a formação rápida dos ésteres etílicos. Além disso, observou-se que no momento da ocorrência da reação há uma brusca mudança na cor da mistura, sendo esta escurecida e logo após retornando à coloração inicial.

Normalmente a alcoólise alcalina de óleos vegetais é conduzida a temperatura próxima do ponto de ebulição do álcool e a temperatura está correlacionada com o tempo de reação. Porém, alguns autores afirmam que temperatura de reação acima de 60 ºC deve ser evitada, pois esta tende a acelerar a saponificação dos glicerídeos pelo catalisador alcalino antes da completa alcoólise9 e que a transesterificação pode ser realizada satisfatoriamente à temperatura ambiente44. Logo, a temperatura de aproximadamente 45 ºC foi adotada de modo a se obter uma conversão satisfatória de ésteres etílicos, não ultrapassando a temperatura do ponto de ebulição do etanol.

É importante também atentar para a necessidade de se remover as impurezas que permanecem na fase éster, por exemplo, sabões, traços de NaOH, traços de etanol e glicerol livre. Caso contrário, um alto teor de glicerol livre pode resultar na separação do glicerol, causando problemas durante o armazenamento, no sistema do combustível ou alta produção de aldeídos. Para tanto, a fase éster foi submetida à lavagem com água destilada acidificada com HCl concentrado, a 90 ºC. A eficiência da lavagem foi indicada por um teste com indicador de pH. Então, utilizando-se uma solução de fenolftaleína 1% pode-se observar se o pH do éster está neutro pela análise da água de lavagem que sai do reator, ou seja, quando testada não apresenta variação de coloração. Além disso, observando-se a baixa presença de glicerol livre no éster obtido, como indicado na Tabela 3, pode-se dizer que o glicerol foi removido com sucesso, o que indica que a etapa de purificação foi adequada.

Analisando-se os cromatogramas obtidos, verificou-se através dos Rfs das manchas obtidas, conforme a Tabela 1, a produção apenas de ésteres etílicos, confirmando a eficiência da conversão total dos ácidos graxos em ésteres etílicos pelo procedimento adotado neste trabalho. Considera-se que a CCD é uma técnica bastante simples que pode ser utilizada de forma qualitativa, mas bastante eficiente, para avaliar se a conversão em ésteres etílicos foi completa e, conseqüentemente, houve a produção de biodiesel.

Através do balanço de massa do processo, obtém-se como resultado da reação de transesterificação 57,26% em ésteres etílicos, 22,29% em glicerina, 10,04% de etanol recuperado e 10,41% de perdas, em massa, como pode ser verificado na Tabela 2. Vale dizer que estes valores representam o rendimento médio de 13 bateladas consecutivas.

Reduções nas perdas existentes neste tipo de processo poderão baixar os custos de produção. A recuperação de parte do etanol foi possível, pois este foi adicionado em excesso no início da reação, devido ao caráter reversível da transesterificação. Visando a redução de custos, testou-se o retorno desse etanol ao processo. Com esse procedimento observou-se a conversão do óleo de soja em biodiesel, porém esta não foi completa, acarretando uma diminuição no rendimento. Isto pode ser explicado pelo fato do etanol recuperado não possuir caráter anidro, assim sendo, antes de retornar ao processo deveria ser desidratado.

Ainda vale salientar que partindo apenas da quantidade de óleo que entra na reação observa-se uma taxa de conversão de 97,5% dos ácidos graxos presentes em ésteres etílicos, com produção de glicerina como subproduto.

A glicerina é um produto de valor comercial e que possui inúmeras aplicações industriais, porém a glicerina obtida no processo de produção do biodiesel apresenta-se mais escura e contendo algumas impurezas. Sendo assim, há um grande interesse na sua purificação e no seu reaproveitamento, o que já vem sendo estudado45, pois isto levaria à viabilização do processo, permitindo que o biodiesel se torne competitivo no mercado de combustíveis.

As características de qualidade do produto obtido são relatadas na Tabela 3, onde os parâmetros foram comparados com a especificação da ANP para o diesel comercializado no país41. O número de cetano representa uma das mais importantes propriedades do diesel automotivo e seu aumento geralmente resulta em redução da emissão pela exaustão, diminuindo o consumo de combustível e reduzindo o barulho do motor44. Como equações para predizer o número de cetano não são aplicáveis ao biodiesel, um parâmetro alternativo adotado para o biodiesel é o índice de cetano13 e o valor obtido para o éster etílico produzido foi maior que aquele derivado do óleo diesel, reiterando a adequação de suas características como combustível automotivo alternativo. Observa-se também que o teor de enxofre total presente no biodiesel é inferior ao do óleo diesel, o que confere ao biodiesel uma grande vantagem, pois elimina a emissão de gases de enxofre (SO2 por exemplo) que ocorre no escape dos motores a diesel. Após esta avaliação pode-se observar que os parâmetros de qualidade do produto estão compatíveis com as especificações existentes atualmente para o diesel. Assim, pode-se dizer ainda que a similaridade encontrada nos pesos moleculares entre os ésteres obtidos e o diesel comercial estende-se às propriedades físico-químicas, o que incentiva o teste dos ésteres graxos como melhor sucedâneo do diesel que os óleos vegetais in natura2.

Quanto ao resíduo de carbono, que representa a tendência de formar carbono dos combustíveis13, pode-se dizer que este é um parâmetro de grande importância na análise de combustíveis, pois há uma correlação entre o conteúdo de carbono do combustível e a formação de depósitos no injetor46. Como se pode observar no caso dos ésteres etílicos de óleo de soja, um valor inferior ao das especificações do diesel combustível foi encontrado para o resíduo de carbono, embora este valor exceda ao especificado para o biodiesel de acordo com a E-DIN 51606. No entanto, não foi relatado nenhum problema quanto à combustão incompleta ou depósito anormal de carbono durante os testes.

A composição média de ésteres etílicos de ácidos graxos do biodiesel produzido pode ser verificada na Tabela 4. Observa-se a predominância de ésteres etílicos de ácidos graxos insaturados, com o ácido linoleico aparecendo em maior quantidade, e um teor total de 14,83% de ésteres etílicos de ácidos graxos saturados presentes no biodiesel produzido a partir do óleo neutro de soja. Dependendo da matéria-prima, o biodiesel pode conter mais ou menos ácidos graxos insaturados em sua composição, os quais são susceptíveis a reações de oxidação aceleradas pela exposição ao oxigênio e altas temperaturas, condições que são pertinentes ao funcionamento do motor. A decomposição térmica também pode resultar em compostos poliméricos, que são prejudiciais ao funcionamento do motor. Portanto, há a necessidade de se determinar a composição em ésteres de ácidos graxos no biodiesel para poder se estudar sua estabilidade47.

O consumo em litros por hora de diesel e de suas misturas com biodiesel, nos testes utilizando gerador de energia após várias repetições, é apresentado na Tabela 5, sendo seu perfil de consumo demonstrado pelo gráfico da Figura 2.


Os resultados demonstraram que com a adição de até 20% de biodiesel ocorreu uma diminuição do consumo do combustível pelo equipamento contudo, quando o teor de biodiesel na mistura com o diesel foi mantido acima de 20% ocorreu uma elevação no consumo do combustível utilizado. Monyem e Van Gespen14 também observaram que a performance do motor com biodiesel puro e suas misturas foi similar à observada com diesel combustível com a mesma eficiência térmica, mas o consumo de combustível foi maior, devido possivelmente a seu menor poder calorífico.

Agarwal e Das11 igualmente encontraram que 20% da mistura de biodiesel no óleo diesel, testado em um motor a diesel, teve a melhor performance entre todas as misturas analisadas, sendo que esta obteve um benefício de 2,5% na máxima eficiência térmica e teve substancial redução nos teores de fumaça. Já Dorado et al.8 concluíram que o motor a diesel, analisado sem nenhuma modificação, funcionou de maneira bem sucedida com misturas de 10% de biodiesel de óleo de fritura e 90% de óleo diesel, sem nenhum dano aparente nos componentes do motor. Al-Widyan et al.48 estudando o potencial do biodiesel para substituição do óleo diesel obtiveram resultados que indicaram que as diversas misturas éster/diesel estudadas queimaram com maior eficiência e com menor consumo específico de combustível, resultando, portanto, em maior eficiência térmica do motor. Além disso, as misturas produziram menos monóxido de carbono que o óleo diesel. O éster 100% e a mistura 75:25 éster/diesel teve a melhor performance, enquanto que a mistura 50:50 consistentemente resultou em menor emissão em todas as velocidades testadas.

CONCLUSÕES

O processo de obtenção de biodiesel a partir do óleo neutro de soja adotado neste trabalho promove uma conversão de 97,5% do óleo em ésteres etílicos, através de processo simples e rápido. As perdas no processo foram de 10%, as quais sendo reduzidas, juntamente com a recuperação de etanol e comercialização da glicerina gerada, tornam o processo viável.

Quanto aos parâmetros químicos e físicos analisados pode-se dizer que o biodiesel se apresenta com qualidade de acordo com os limites estabelecidos pela ANP para o óleo diesel comercial e possui predominância de ésteres etílicos de ácidos graxos insaturados em sua composição. Quando testado em gerador de energia elétrica em mistura com óleo diesel comercial numa proporção de até 20% de biodiesel, apresentou uma diminuição do consumo do combustível.

Sendo o biodiesel obtido de fontes renováveis, matérias-primas abundantes no Brasil, a geração de emprego que a obtenção em escala industrial deste produto irá ocasionar, a redução da dependência externa de importação de diesel consumido no país, aliada ao fato da redução da poluição atmosférica com adição do biodiesel ao diesel, e ainda a vantagem constatada neste trabalho da diminuição do consumo de combustível quando o teor do mesmo na mistura está na faixa de até 20%, nos estimula a recomendar esta adição.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo apoio concedido e à empresa COINBRA pelo óleo fornecido.

Recebido em 17/10/03; aceito em 26/8/04; publicado na web em 23/11/04

  • 1. Shuchrdt, U.; Sercheli, R.; Vargas, M.; J. Braz. Chem. Soc. 1998, 9, 190.
  • 2. Encinar, J. M.; González, J. F.; Sabio, E.; Ramiro, M. J.; Ind. Eng. Chem. Res. 1999, 38, 2927.
  • 3. Dunn, D. O.; J. Am. Oill Chem. Soc 2002, 79, 915.
  • 4. Canakci, M.; Van Gerpen, J.; Trans. ASAE 2001, 44, 1429.
  • 5. Nascimento, M. G.; Costa Neto, P. R.; Mazzuco, L. M.; Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 2001, 19, 28.
  • 6. Knothe, G.; A&G 2002, 12, 222.
  • 7. Wu, W. H.; Foglia, T. A.; Marmer, W. N.; Dunn, R. O.; Goering, C. E.; Briggs, T. E.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1998, 75, 1173.
  • 8. Dorado, M. P.; Arnal, J. M.; Gómez, J.; Gil, A.; Lopez, F. J.; Trans. ASAE 2002, 45, 519.
  • 9. Encinar, J. M.; González, J. F.; Rodríguez, J. J.; Tejedor, A.; Energy Fuels 2002, 16, 443.
  • 10. Dorado, M. P.; Ballesteros, E.; López, F. J.; Mittelbach, M.; Energy Fuels 2004, 18, 77.
  • 11. Agarwal, A. K.; Das, L. M.; J. Eng. Gas Turb. Power-T. ASME 2001, 123, 440.
  • 12. Noureddini, H.; Harkey, D.; Medikonduru, V. A.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1998, 75, 1775.
  • 13. Dorado, M. P.; Ballesteros, E.; Arnal, J. M.; Gómez, J.; Jiménez, F. J. L.; Energy Fuels 2003, 17, 1560.
  • 14. Monyem, A.; Van Gerpen, J. H.; Biomass & Bioenergy 2001, 20, 317.
  • 15. Monyem, A.; Van Gerpen, J. H.; Canakci, M.; Trans. ASAE 2001, 44, 35.
  • 16. Ramos, L. P.; Costa Neto, P. R.; Rossi, L. F. S.; Zagonel, G. F.; Quim. Nova 2000, 23, 531.
  • 17. Haas, M. J.; Scott, K. M.; Alleman, T. L.; McCormick, R. L.; Energy Fuels 2001, 15, 1207.
  • 18. Lue, Y. F.; Yeh, Y. Y.; Wu, C. H.; J. Environ. Sci. Health, Part A: Toxic/Hazard. Subst. Environ. Eng. 2001, 36, 845.
  • 19. Bagley, S. T.; Gratz, L. D.; Johnson, J. H.; McDonald, J. F.; Environ. Sci. Technol 1998, 32, 1183.
  • 20. Peterson, C. L.; Cook, J. L.; Thompson, J. C.; Taberski, J. S.; Appl. Eng. Agric. 2002, 18, 5.
  • 21. Herrera, C. G.; Grasas y Aceites 1995, 46, 121.
  • 22. Harten, B.; A&G 2003, 13, 98.
  • 23. Masjuk, H.; Sapuan, M. S.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1995, 12, 609.
  • 24. Stoumas, S.; Louis, E.; Serdari, A.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1995, 12, 436.
  • 25. Ma, F.; Clements, L. D.; Hanna, M. A.; Ind. Eng. Chem. Res 1998, 37, 3768.
  • 26. Rodrigues, R.; Agroanalysis 2001, 21, 66.
  • 27. Ferrari, R. A.; Oliveira, V. S.; O & G Alimentos 2003, mar/abr, 28.
  • 28
    http://www.tecbio.com.br/Downloas/LIVRO%20Biodiesel.pdf, acessada em Março 2003.
  • 29
    http://www.tecbio.com.br/Site/Biodiesel_SituacaoAtual.htm, acessada em Outubro 2003.
  • 30. Penildo, P. F.; O álcool combustível: obtenção e aplicação nos motores, Ed. Nobel: São Paulo, 1981.
  • 31
    http://www.biodiesel.com.ar/articulos/jornada%20bolsa.htm, acessada em Janeiro 2002.
  • 32
    http://www.faemg.org.br/agronegocios/histSojaBrasil.pdf, acessada em Março 2003.
  • 33. Lima, L. R.; Marcondes, A. A.; Álcool Carburante: Uma Estratégia Brasileira, Editora da UFPR: Curitiba, 2002.
  • 34. Freddman, B.; Butterfield, R. O.; Pryde, E. H.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1986, 63, 1598.
  • 35. Noureddini, H.; Medikonduru, V.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1997, 74, 419.
  • 36. Boocock, D. G. B.; Konar, S. K.; Mao, V.; Lee, C.; Buligan, S.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1998, 75, 1167.
  • 37. Dorado, M. P.; Ballesteros, E.; Almeida, J. A.; Schellert, C.; Lohrlein, H. P.; Krause, R.; Trans. ASAE 2002, 45, 525.
  • 38. Lago, R. C. A.; Szpiz, R. R.; Hartman, L.; Quím. Ind. 1998, 666, 8.
  • 39. Kusdiana, D.; Saka, S.; J. Chem. Eng. Jpn. 2001, 34, 383.
  • 40. Ferrari, R. A.; Oliveira, V. S.; Leone, R. S.; Scabio, A.; Anais do Simpósio Tendências e Perspectivas da Oleoquímica e Petroquímica, Rio Grande, Brasil, 2002.
  • 41
    http://www.anp.gov.br/petro/legis_qualidade.asp, acessada em Agosto 2002.
  • 42. AOCS - American Oil Chemists Society; Official and Tentative Methods, 3Ş ed., Chicago, 1985, vol. 1.
  • 43. Hartman, L.; Lago, R. C. A.; Laboratory Pratice 1973, 22, 475.
  • 44. Serdari, A.; Euripides, L.; Stournas, S.; Ind. Eng. Chem. Res 1999, 38, 3543.
  • 45. Dabdoub, M. J.; Dabdoub, V. B.; Hurtado, G. H.; Aguiar, F. B.; Batista, A. C. F.; Hurtado, C. R.; Figueira, A. C. B.; Anais do Congresso Internacional de Biodiesel, Ribeirão Preto, Brasil, 2003.
  • 46. Freedman, B.; Pryde, E. H.; Mounts, T. L.; J. Am. Oil Chem. Soc 1984, 61, 1638.
  • 47. Sims, R. E. H.; Trans. ASAE 1985, 28, 716.
  • 48. Al-Widyan, M. I.; Tashtoush, G.; Abu-Qudais, M.; Fuel Process. Technol. 2002, 76, 91.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      26 Ago 2004
    • Recebido
      17 Out 2003
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br