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Síntese de glicoaminoácidos de interesse biológico

Synthesis of glycosyl-amino acids of biological interest

Resumo

This work describes the synthesis of the glycosylated amino acids αGlcNAc-Thr, βGlcNAc-Thr and αLacNAc-Thr by the glycosylation reaction of the amino acid threonine with the corresponding glycosyl donors αGlcNAcCl and αLacN3Cl. The glycosylated amino acids containing the sugar units α-D-GlcNAc and α-D-LacNAc O-linked to threonine amino acids are related to O-glycans found in mucins of the parasite Trypanosoma cruzi, while the corresponding β-D-GlcNAc isomer is involved in cellular signaling events.

glycosylated amino acids; glycosyl donors; glycosylation reaction


glycosylated amino acids; glycosyl donors; glycosylation reaction

ARTIGO

Síntese de glicoaminoácidos de interesse biológico

Synthesis of glycosyl-amino acids of biological interest

Vanessa Leiria Campo; Ivone Carvalho* * e-mail: carronal@usp.br

Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Av. do Café, s/n, 14040-930 Ribeirão Preto - SP, Brasil

ABSTRACT

This work describes the synthesis of the glycosylated amino acids αGlcNAc-Thr, βGlcNAc-Thr and αLacNAc-Thr by the glycosylation reaction of the amino acid threonine with the corresponding glycosyl donors αGlcNAcCl and αLacN3Cl. The glycosylated amino acids containing the sugar units α-D-GlcNAc and α-D-LacNAc O-linked to threonine amino acids are related to O-glycans found in mucins of the parasite Trypanosoma cruzi, while the corresponding β-D-GlcNAc isomer is involved in cellular signaling events.

Keywords: glycosylated amino acids; glycosyl donors; glycosylation reaction.

INTRODUÇÃO

A natureza e extensão das reações de glicosilação exercem grande impacto na estrutura de proteínas de superfície celular e função biológica em sistemas eucarióticos de mamíferos, sendo que um elevado grau de diversidade de glicoproteínas é possível devido à variabilidade de aminoácidos glicosilados (blocos de construção).1 Aminoácidos O-glicosilados, contendo unidades de açúcar O-GlcNAc ligadas a aminoácidos de serina ou treonina, são constituintes de várias glicoproteínas e são altamente relevantes, tendo em vista que estão envolvidos em processos de reconhecimento e invasão celular, além de eventos de sinalização celular.

A ocorrência de unidades de açúcar 2-acetamido-2-desoxi-a-D-glicopiranose (α-D-GlcNAc) O-ligadas a aminoácidos de treonina, via ligação α-glicosídica, está relacionada a glicoproteínas de mucina de Trypanosoma cruzi, as quais se assemelham às de mamíferos, embora estes contenham unidades oligossacarídicas ligadas à cadeia peptídica pela inserção de resíduo de α-N-acetil-galactosamina (GalNAc).2 As glicoproteínas de mucina são moléculas multigalactosiladas, cujas unidades de galactose encontram-se ligadas, através do resíduo αGlcNAc, à cadeia peptídica com seqüência rica em aminoácidos de Thr, como Thr-Thr-Thr-Thr-Thr-Thr-Thr-Thr-Ly-Pro-Pro (Thr8LysPro2)3,4 (Figura 1).


Em função da variedade das moléculas de mucina de T. cruzi, não existem compostos disponíveis que atuem como substratos glicopeptídicos sintéticos para entendimento dos mecanismos moleculares de invasão parasitária. O parasita intracelular T. cruzi, causador da doença de Chagas, desenvolve uma enzima regulatória de superfície, denominada trans-sialidase, envolvida nas interações entre célula do hospedeiro e parasita, etapa inicial chave no processo de infecção.4T. cruzi é incapaz de sintetizar ácido siálico e, através da trans-sialidase, o parasita torna-se apto a transferí-lo de glicoconjugados do hospedeiro e incorporá-lo a moléculas de mucina ligadas à membrana parasitária através de âncora de glicosilfosfatidilinositol (GPI).5 A enzima trans-sialidase é específica em catalisar, preferencialmente, a transferência de ácido siálico, originando ligações α-2,3 com unidades de β-galactose aceptoras de moléculas de mucina na superfície do parasita.6 No entanto, apesar de ser primariamente classificada como transferase, promovendo reações reversíveis, trans-sialidase possui também ação residual hidrolítica7 (Esquema 1).


Um enfoque diferente envolvendo aminoácidos glicosilados O-GlcNAc-Ser/Thr está relacionado a estudos de processos de sinalização e transdução celular. A glicosilação de resíduos de serina e treonina em proteínas nucleares e citoplasmáticas por um resíduo de N-acetilglicosamina, via ligação β-glicosídica (O-GlcNAc), é uma das alterações pós-traducionais que tem merecido destaque em razão das recentes descobertas acerca de sua importância. As conseqüências funcionais exatas desse processo não são claras, mas investigações recentes têm sugerido diversas funções para essas reações de glicosilação.8

A alteração por O-GlcNAc já foi detectada em proteínas de diversas espécies eucarióticas e de diversos tecidos, entre elas proteínas do citoesqueleto, proteínas do poro nuclear, proteínas associadas à cromatina, RNA polimerase II e seus fatores de transcrição, supressores tumorais, fosfatases e quinases.9

Devido às características do processo de O-glicosilação, foi sugerido que esta poderia ser análoga à fosforilação, principal alteração relacionada à transdução de sinais e regulação da função protéica. Entre os fatores que sugerem que O-GlcNAc seja análoga à fosforilação na regulação celular estão a reação de adição de O-GlcNAc é altamente dinâmica na resposta aos eventos de sinalização celular; as modificações por O-GlcNAc ocorrem em sítios protéicos similares àqueles modificados por proteínas quinases e, O-GlcNAc é recíproca à fosforilação em proteínas já bastante estudadas como RNA polimerase II, receptor de estrogênio e o produto do proto-oncogene c-Myc.9 Estes dados conduzem a um complexo modelo de regulação de proteínas onde suas diferentes formas modificadas podem existir e uma série de deglicosilação/fosforilação e defosforilação/glicosilação seria necessária para alterar o comportamento de uma proteína. Todos esses aspectos são baseados na hipótese "yin-yang", a qual supõe a existência de uma reciprocidade entre fosforilação e O-glicosilação, ou seja, ambas competem pelo mesmo sítio ou região protéica e são mutuamente exclusivas.9,10

A síntese de glicoaminoácidos envolve estratégias que conduzam à formação da ligação glicosídica, entre a molécula de açúcar e a unidade de aminoácido (Ser/Thr), de forma estereosseletiva e a utilização de grupos protetores específicos devido à poli-funcionalidade das moléculas de carboidratos.1,11 A glicosilação de aminoácidos, com raras exceções, requer que ambas as funções dos aminoácidos, amino e carboxila, estejam protegidas; porém, os grupos protetores utilizados devem ser adequadamente selecionados considerando a labilidade da ligação glicosídica frente a fortes condições ácidas e a possibilidade de reação de β-eliminação de O-glicoaminoácidos sob fortes condições básicas.12 Assim, estas características têm conduzido a um esforço contínuo para a adaptação e o desenvolvimento de grupos protetores que considerem o emprego de condições brandas e ortogonalidade da desproteção.

A síntese de glicosídeos 1,2-trans-2-acetamido-2-desoxi-β-D-Ser/Thr (β-O-GlcNAc-Ser/Thr) tem recebido atenção especial, tendo em vista a necessidade de unidades de açúcar contendo grupos protetores participantes na posição 2. Alguns métodos são descritos para a síntese destes derivados, sendo a reação do tipo Koenigs-Knorr a mais empregada, a qual necessita da utilização de haletos de 2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil-α-D-glicopiranosila como doadores glicosídicos.13 Alternativamente, reações a partir de derivados de oxazolina,14 como metil oxazolinas, sob catálise ácida, também podem conduzir aos glicoaminoácidos de configuração β. Com relação à preparação dos glicosídeos 1,2-cis-2-acetamido-2-desoxi-α-D-Ser/Thr (α-O-GlcNAc/LacNAc-Ser/Thr), doadores glicosídicos com grupo substituinte não participante na posição 2 devem ser empregados. Paulsen et al.15 e Lemieux et al.16 estabeleceram o grupo azido (N3) como grupo preferencial a ser utilizado, o qual pode, posteriormente, ser facilmente convertido ao grupo N-acetil. Atualmente, a reação mais utilizada para a preparação de análogos 2-azido-2-desoxi tem sido a reação de azidonitração de D-glical ou D-galactal desenvolvida por Lemieux et al. em 1979.

Desta forma, a síntese dos glicoaminoácidos contendo unidades de açúcar α-D-GlcNAc ou α-D-LacNAc O-ligadas a aminoácidos de treonina, como constituintes de moléculas de mucina de T. cruzi, é fundamental para a investigação da natureza das interações moleculares críticas envolvidas no reconhecimento e processamento de glicosídeos contendo ácido siálico, na presença de trans-sialidase. No entanto, a obtenção dos correspondentes isômeros com unidades β-D-GlcNAc ou β-D-LacNAc também é interessante para aplicação em estudos comparativos de estrutura/função da enzima trans-sialidase, gerando derivados que podem ser empregados na validação da ação desta enzima. Além do mais, o envolvimento dos aminoácidos glicosilados β-D-GlcNAc-Ser/Thr em eventos de sinalização celular reforçam a relevância de sua preparação.

Assim sendo, considerando a importância biológica supracitada de glicoaminoácidos contendo unidades de açúcar α-D-GlcNAc/α-D-LacNAc ou β-D-GlcNAc/β-D-LacNAc O-ligadas a amino-ácidos de treonina, neste trabalho é apresentada a síntese dos glico-aminoácidos αGlcNAc-Thr 1, βGlcNAc-Thr 2 e αLacNAc-Thr 3.

PARTE EXPERIMENTAL

Os reagentes e solventes utilizados foram convenientemente purificados de acordo com métodos padrões descritos na literatura quando necessário. As reações químicas foram monitoradas por cromatografia em camada delgada (CCD) utilizando placas de sílica gel 60 GF254 da Merck®. Colunas cromatográficas foram realizadas utilizando sílica gel tipo "Flash" (40-63 µm) da Merck® ou em aparelho Biotage HorizonTM com sistema de alta performance de cromatografia "Flash".

Os espectros de Ressonância Magnética Nuclear foram registrados em espectrômetro Varian Gemini. Os espectros de RMN 1H, registrados a 400 MHz, foram referenciados em δH 7,27 para CDCl3, δH 3,35 para CD3OD e δH 4,63 para D2O, e os espectros de RMN 13C, registrados a 100 MHz, foram referenciados em δC 77,0 para CDCl3 e δC 49,15 para CD3OD. As análises de rotação óptica foram realizadas a temperatura ambiente em polarímetro Perkin-Elmer, modelo 141, utilizando lâmpada de sódio. Os espectros de massa utilizando ionização por electrospray (ESI-MS) foram realizados em aparelho Finningan MAT 900 XLT, empregando modo positivo.

Síntese de aminoácidos glicosilados

Éster benzílico de N-(9-Fluorenilmetoxicarbonil)-(2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil- β-D-glicopiranosil)-L-treonina 4 e Éster benzílico de N-(9-Fluorenilmetoxicarbonil)-(2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil- α-D-glicopiranosil)-L-treonina 5

Uma mistura de cloreto de 2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil-α-D-glicopiranosila 617 (400 mg, 1,08 mmol) e do éster benzílico de N-(9-Fluorenilmetoxicarbonil)-L-treonina 718 (235 mg, 0,53 mmol) em 1,2-dicloroetano (4,3 mL) foi tratada com HgBr2 (429 mg, 1,2 mmol). A mistura foi agitada e aquecida sob refluxo a 90 ºC por 9 h e acompanhada por CCD (AcOEt: Hexano 7:3 v:v).19 A mistura âmbar obtida foi concentrada e purificada em coluna cromatográfica em sílica-gel (AcOEt:Hexano 7:3 v:v). Os produtos 4 (200 mg, 0,26 mmol, 52%) e o correspondente isômero α 5 (77 mg, 0,10 mmol, 20%) foram obtidos como sólidos brancos amorfos. 4: PF 173-174 ºC, [α]D25 – 15,6 (c 1,0, CHCl3), Rf 0,26 (AcOEt: Hexano, 7:3 v:v); δH (CDCl3, 400 MHz) 7,76 (2 H, d, J 7,6 Hz, CH Fmoc Ph), 7,64 (2 H, d, J 7,8 Hz, CH Fmoc Ph), 7,41-7,26 (9 H, m, Fmoc Ph, OCH2Ph), 5,83 (1 H, d, J 9,1 Hz, NH Thr), 5,54 (1 H, d, J 8,4 Hz, NHAc), 5,25 (1 H, t, J2,3 10,1 Hz, H-3), 5,21-5,14 (2 H, AB, JAB 12,2 Hz, OCH2Ph), 5,00 (1 H, t, J3,4 10,1 Hz, H-4), 4,65 (1 H, d, J1,2 8,1 Hz, H-1), 4,47-4,40 (3 H, m, CH2 Fmoc, βCH Thr), 4,35 (1 H, dd, J 7,3 Hz, J 10,6 Hz, αCH Thr), 4,24 (1 H, t, J 7,3 Hz, CH Fmoc), 4,19 (1 H, dd, J5,6a 4,3 Hz, J6a,6b 12,3 Hz, H-6a), 4,02 (1 H, dd, J5,6b 2,2 Hz, J6,6b 12,3 Hz, H-6b), 3,67 (1 H, dd, J1,2 8,1 Hz, J2,3 10,1 Hz, H-2), 3,51-3,47 (1 H, m, H-5), 2,03, 2,02, 1,99, 1,93 (12 H, 4s, 4x COCH3), 1,20 (3 H, d, J 6,3 Hz, CH3 Thr). dC (CDCl3, 100 MHz) 170,9, 170,6, 170,4, 170,0 (COCH3), 169,4 (COCH2Ph), 156,8 (CO Fmoc), 144,0, 141,3 (Cipso Fmoc Ph), 135,5 (Cipso OCH2Ph), 128,6, 128,5, 128,3, 127,7, 127,1, 125,5, 119,9 (CH Ph), 98,5 (C-1), 74,5 (bCH Thr), 71,9, 71,7, (C-5, C-3), 68,5 (C-4), 67,3 (OCH2Ph, CH2 Fmoc), 61,9 (C-6), 58,7 (αCH Thr), 55,3 (C-2), 47,3 (CH Fmoc), 23,3, 20,7, 20,5, 20,6 (COCH3), 17,0 (CH3 Thr). ESI-MS: calcd. para C40H44N2O13 NH4 [M + NH4]+ : 778,3187, encontrado: 778,3187. Os dados físicos e analíticos descritos para o composto 4 estão de acordo com os descritos na literatura.19

5: PF 67,9-69,5 ºC, [α]D25 + 30,4 (c 1,0, CHCl 3), Rf 0,31 (AcOEt: Hexano 7:3 v:v); δH (CDCl3, 400 MHz) 7,77 (2 H, d, J 7,5 Hz, CH Fmoc Ph), 7,64 (2 H, d, J 6,0 Hz, CH Fmoc Ph), 7,49-7,26 (9H, m, Fmoc Ph, OCH2Ph), 5,94 (1 H, d, J 9,3 Hz, NHAc), 5,73 (1 H, d, J 9,5 Hz, NHThr), 5,20-5,14 (1 H, m, H-3), 5,19, 5,09 (2 H, AB, JAB 12,2 Hz, OCH2Ph), 5,08 (1 H, t, J3,4 9,4 Hz, H-4), 4,70 (1 H, d, J1,2 3,6 Hz, H-1), 4,55-4,44 (3 H, m, CH2 Fmoc, αCHThr), 4,31-4,07 (5 H, m, βCHThr, CHFmoc, H-2, H-6a, H-6b), 4,01-3,97 (1 H, m, H-5), 2,06, 2,04, 2,03, 1,96 (12H, s, COCH3), 1,28 (3 H, d, J 6,2 Hz, CH3 Thr); δC (CDCl3, 100 MHz) 171,5, 170,9, 170,8, 170,6 (COCH3), 169,5 (COCH2Ph), 156,7 (CO Fmoc), 144,0, 143,8, 141,5 (Cipso Fmoc Ph), 134,5 (Cipso OCH2Ph), 129,2, 129,1, 128,8, 128,0, 127,3, 125,3, 120,2 (CH Ph), 99,5 (C-1), 77,6 (βCHThr), 71,4 (C-3), 68,5, 68,4 (C-5, C-4), 68,0 (OCH2Ph), 67,7 (CH2 Fmoc), 62,2 (C-6), 58,7 (αCHThr), 51,8 (C-2), 47,3 (CH Fmoc), 23,3, 21,0, 20,9, 20,8 (COCH3), 18,5 (CH3 Thr). ESI-MS: calcd para C40H44N2O13 [M + H]+: 761,2916, encontrado: 761,2938.

2-acetamido-2-desoxi-β-D-glicopiranosil-L-treonina 2

Uma solução de éster benzílico de N-(9-Fluorenilmetoxi-carbonil)-(2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil- β-D-glico-piranosil)-L-treonina 4 (60 mg, 0,078 mmol), previamente lavado com solução de EDTA 0,5%, em MeOH (3 mL) foi tratada com AcOH glacial (0,3 mL) e Pd/C 10% (40 mg). A mistura foi agitada e mantida sob atmosfera de H2 (~1,5 atm) por 8 h. A mistura foi filtrada em Celite, concentrada in vacuo e purificada por coluna cromatográfica (DCM:MeOH 9:1 v:v). O produto obtido (28,3 mg, 0,063 mmol) foi então dissolvido em MeOH (1,5 mL) e tratado com solução de MeONa 1 mol/L em metanol até pH básico. A mistura reacional foi mantida sob agitação por 2 h sendo, a seguir, neutralizada pela adição de resina Dowex 50WX8-200. Filtração e concentração da mistura reacional forneceram o produto 2 (20,4 mg, 80%) como um sólido amorfo incolor. [α]D25 + 81,1 (c 1,0, CH3OH); δH (D2O, 400 MHz) 4,40 (1H, d, J1,2 8,3 Hz, H-1), 4,18 (1H, m, βCH Thr), 3,82-3,78 (1H, m, H-6a), 3,65-3,62 (1H, m, H-2), 3,60 (1H, t, J3,4 9,8 Hz, H-3), 3,52-3,50 (1H, m, αCH Thr), 3,44 (1H, t, J3,4 9,8 Hz, H-4), 3,37-3,30 (2H, m, H-5, H-6b), 1,95 (3H, s, NHAc), 1,22 (3H, d, J 6,5 Hz, CH3 Thr); δC (CD3OD, 100 MHz) 101,9 (C-1), 77,6 (βCHThr, αCHThr), 76,7 (C-5), 74,7 (C-3), 70,9 (C-4), 61,5 (C-6), 56,5 (C-2), 22,8 (NCOCH3), 18,9 (CH3 Thr). ESI-HSMS: calcd. para C12H24N2O8 [M + H]+: 323,1449, encontrado: 323,1449.

2-acetamido-2-desoxi-α-D-glicopiranosil-L-treonina 1

O mesmo procedimento descrito para o produto 4 foi aplicado ao composto 5. Partindo de 76 mg (0,09 mmol) de 5, o produto 1 foi obtido como um sólido amorfo incolor (28 mg, 86%). [α]D25 + 61 (c 0,2, CH3OH); δH (D2O, 400 MHz), 4,80 (1H, J1,2 3,7 Hz, H-1), 4,40 (1H, m, βCH Thr), 3,82 (1H, m, αCH Thr), 3,72-3,65 (2H, m, H-2, H-6a), 3,62-3,48 (H- 6b, H-5, H-3), 3,33 (1 H, t, J3,4 10,1 Hz, H-4), 1,85 (3H, s, NHAc), 1,21 (3H, d, J 6,5 Hz, CH3 Thr). δC (CD3OD, 100 MHz) 99,30 (C-1), 73,24 (βCHThr), 73,04 (C-5), 70,78 (C-4), 69,04 (C-3), 61,04 (C-6), 56,83 (αCHThr), 53,04 (C-2), 21,34 (NCOCH3), 17,34 (CH3 Thr). ESI-HSMS: calcd. para C12H23N2O8 Na+ [M + Na]+: 345,1269, encontrado: 345,1280.

Síntese de dissacarídeo glicosídico

Cloreto de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra-O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-azido-2-desoxi-α-D-glicopiranosila 8

Nitrato de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra- O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-azido-2-desoxi- α-D-glicopiranosila 9 (1,46 g, 2,2 mmol) obtido a partir da reação de azidonitração do lactal 1016 foi dissolvido em acetonitrila (13,46 mL) contendo cloreto de tetraetilamônio (1,39 g). Após 4 h de agitação a 80 ºC, a mistura reacional foi diluída com tolueno e lavada com água, sendo após purificada por coluna cromatográfica (AcOEt: Hexano 1:1 v:v). O produto 8 foi obtido na forma cristalina em 30% de rendimento (436,42 mg, 0.46 mmol). PF 190-193 ºC; [α]D25 + 60,2 (c 1,0, CHCl 3), Rf 0,36 (Hexano: AcOEt, 1:1 v:v). δH (CDCl3, 400 MHz) 6,05 (1 H, J1,2 3,7 Hz, H-1), 5,46 (1 H, J3',4' 9,93 Hz, H-4'), 5,33 (1 H, d, J2',3' 2,9 Hz, H-2'), 5,08 (1 H, t, J 10,3 Hz, H-3), 4,93 (1 H, dd, J2',3' 3,3 Hz, J3',4' 10,3 Hz, H-3'), 4,47 (1 H, m, J6a,6b 12,1 Hz, H-6b), 4,43 (1 H, d, J1',2' 7,7 Hz, H-1'), 4,21 (1 H, m, J 11,0 Hz, H-6b'), 4,16 (1 H, m, J5,6 4,0 Hz, J6a,6b 12,0 Hz, H-6a), 4,13 (1 H, m, J 11,0 Hz, H-6'a), 4,04 (1 H, m, J 7,3 Hz, H-5'), 3,86 (1 H, t, J 6,5 Hz, H-5), 3,79 (1 H, t, J 9,7 Hz, H-4), 3,70 (1 H, dd, J1,2 3,7 Hz, J2,3 10,3 Hz, H-2), 2,09-1,91 (18 H, 6 s, 6 COCH3); δC(CDCl3, 100 MHz) 169,3-167,8 (COCH3), 99,8 (C-1'), 90,7 (C-1), 74,2 (C-4), 70,6 (C-3'), 69,9 (C-5'), 69,7 (C-3), 68,8 (C-2'), 67,9 (C-5), 65,5 (C-4'), 61,5 (C-6), 60,16 (C-6'), 59,7 (C-2). ESI-MS: calcd para C24H32 ClN3O15Na+ [M + Na]+: 660,1, encontrado 660,1.

Éster benzilico de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra-O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-azido-2-desoxi-α-D-glicopiranosil-N-(9 -Fluorenilmetoxicarbonil- L-treonina 11

A uma mistura de cloreto de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra- O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-azido-2-desoxi-α-D-glico-piranosila 820 (200 mg, 0,31 mmmol) e do aminoácido FmocThrOBn 7 (135,4 mg, 0,31 mmol) em 1,2-dicloroetano (2,5 mL) foi adicionado o promotor brometo de mercúrio (112 mg, 0,31 mmol), sendo a mistura reacional refluxada por 9 h, e acompanhada por CCD (Hexano:AcOEt, 3:7 v:v). A mistura âmbar obtida foi purificada por coluna cromatográfica (Hexano:AcOEt, 1:1 v:v). O glicosídio desejado 11 (195 mg, 0,18 mmol, 60%) foi obtido como um sólido amorfo. [α]D25 + 32,2 (c 1,0, CHCl3); δH (CDCl3, 400 MHz) 7,77 (2 H, d, J 7,5 Hz, CH Fmoc Ph), 7,64 (2 H, d, J 6,0 Hz, CH Fmoc Ph), 7,49-7,26 (9H, m, Fmoc Ph, OCH2Ph), 5,79 (1 H, d, J 9,4 Hz, NH), 5,39 (1 H, dd, J3',4' 3,4 Hz, J4',5' 0,9 Hz, H-4'), 5,37 (1 H, dd, J1',2' 7,8 Hz, J2',3' 10,4 Hz, H-2'), 5,30 (2 H, AB, JAB 12,2 Hz, OCH2Ph), 5,13 (1 H, dd, J2,3 10,5 Hz, J3,4 9,8 Hz, H-3), 4,96 (1 H, dd, J2',3' 10,7 Hz, J3',4' 3,4 Hz, H-3'), 4,80 (1 H, d, J1,2 3,7 Hz, H-1), 4,47 (1 H, d, J1',2' 7,8 Hz, H-1'), 4,40 (3 H, m, αCHThr, βCHThr, H-6b), 4,31 (1 H, t, J 7,3 Hz, CHFmoc), 4,26 (1 H, dd, J6'a,6'b 11,0 Hz, J5',6'b 5,9 Hz, H-6'b), 4,21 (1 H, dd, J6a,6b 12,0 Hz, J5,6a 5,3 Hz, H-6a), 4,13 (1 H, J6'a,6'b 11,0 Hz, J5',6'a 7,4 Hz, H-6'a), 3,99 (1 H, ddd, J5,6a 5,3 Hz, J5,6b 1,9 Hz, J4,5 10,0 Hz, H-5), 3,97 (2 H, m, CH2 Fmoc), 3,85 (1 H, dd, J5',6'a 7,4 Hz, J5',6'b 6,1 Hz, H-5'), 3,66 (1 H, dd, J3,4 9,8 Hz, J4,5 9,5 Hz, H-4), 3,09 (1 H, dd, J1,2 3,7 Hz, J2,3 10,6 Hz, H-2), 2,16-1,96 (18 H, 6 s, 6 CH3CO), 1,33 (3 H, d, J 6,5 Hz, CH3 Thr); dC (CDCl3, 100 MHz) 170,5-169,6 (COCH3), 169,3 (COCH2Ph), 157,1 (CO Fmoc), 144,0, 141,2 (Cipso Fmoc Ph), 135,1 (Cipso OCH2Ph), 128,8, 127,9, 127,3, 125,5, 120,1 (CH Ph), 101,3 (C-1'), 99,2 (C-1), 76,6 (C-4), 71,2 (C-3'), 70,9 (C-5'), 70,1 (C-3), 69,3 (C-2'), 69,1 (C-5), 68,0 (C-4'), 66,7 (CH2 Fmoc, OCH2Ph), 62,1 (C-6), 61,6 (C-6'), 60,8 (αCHThr, βCHThr), 59,1 (C-2), 47,3 (CH Fmoc), 21,2-20,8 (COCH3), 18,9 (CH3 Thr). ESI-HSMS: calcd. para C50H56N4O20. NH4+ [M + NH4]+: 1050,3824, encontrado: 1050,3831.

Éster benzílico de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra-O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-acetamido-2-desoxi-α-D-glucopiranosil -N-(9-Fluorenilmetoxicarbonil- L-treonina 12

O composto 11 (150 mg, 0,145 mmol) foi adicionado à mistura de THF:anidrido acético:ácido acético (7 mL) e tratado com zinco em pó (247 mg).21 Solução saturada de CuSO4 (0,4 mL) foi adicionada e a mistura reacional foi agitada por 30 min a temperatura ambiente, sendo posteriormente filtrada em celite e coevaporada a partir de tolueno. Purificação por coluna cromatográfica (Hexano: AcOEt 3:7 v:v) forneceu o produto 12 (99 mg, 0,094 mmol, 65%). [α]D25 + 28,8 (c 1,0, CHCl3); δH (CDCl3, 400 MHz) 7,77 (2 H, d, J 7,5 Hz, CH Fmoc Ph), 7,64 (2 H, d, J 6,0 Hz, CH Fmoc Ph), 7,49-7,26 (9H, m, Fmoc Ph, OCH2Ph), 5,85-5,62 (2 H, 2 d, J 9,4 Hz, 2NH), 5,28 (1 H, dd, J3',4' 3,4 Hz, J4',5' 0,8 Hz, H-4'), 5,13 (1 H, dd, J2,3 10,5 Hz, J3,4 8,6 Hz, H-3), 5,10 (1 H, d, J1',2' 7,8 Hz, J2,3 10,4 Hz, H-2'), 5,02 (2 H, AB, JAB 12,2 Hz, OCH2Ph), 4,90 (1 H, dd, J2',3' 10,4 Hz, J3',4' 3,4 Hz, H-3'), 4,57 (1 H, d, J1,2 3,7 Hz, H-1), 4,48 (1 H, d, J1',2' 7,8 Hz, H-1'), 4,37 (3 H, m, αCHThr, CH2 Fmoc, H-6b), 4,22 (1 H, t, J 7,3 Hz, CHFmoc), 4,14-4,09 (3H, m, βCHThr, H-2, H-6a'), 4,06 (1 H, dd, J6'a,6'b 11,0 Hz, J5',6'b 5,9 Hz, H-6b'), 4,01 (1 H, dd, J6a,6b 11,0 Hz, J5,6a 5,3 Hz, H-6a ), 3,86 (1 H, ddd, J5,6a 5,3 Hz, J5,6b 1,9 Hz, J4,5 10,0 Hz, H-5), 3,80 (1 H, dd, J5',6'a 7,4 Hz, J5',6'b 6,1 Hz, H-5'), 3,69 (1 H, dd, J3,4 9,8 Hz, J4,5 9,5 Hz, H-4), 2,15-1,93 (21 H, 7 s, 7 CH3CO), 1,21 (3 H, d, J 6,5 Hz, CH3 Thr); δC (CDCl3, 100 MHz) 170,5-169,2 (COCH3), 169,3 (COCH2Ph), 157,1 (CO Fmoc), 144,0, 141,2 (Cipso Fmoc Ph), 135,1 (Cipso OCH2Ph), 128,8, 127,9, 127,3, 125,5, 120,1 (CH Ph), 101,3 (C-1'), 99,3 (C-1), 76,6 (C-4), 71,2 (C-3'), 70,9 (C-3), 70,1 (C-5'), 69,3 (C-2'), 69,1 (C-5), 68,0 (CH2 Fmoc, OCH2Ph), 66,7 (C-4'), 62,1 (C-6), 61,6 (C-6'), 60,8 (αCHThr, βCHThr), 59,1 (C-2), 47,3 (CH Fmoc), 21,2-20,8 (COCH3), 18,9 (CH3 Thr). ESI-HSMS: calcd. para C52H60N2O21. H+ [M + H]+: 1049,3761, encontrado: 1049,3768.

β-D-galactopiranosil-2-acetamido-2-desoxi-α-D-glicopiranosil-L-treonina 3

Uma solução de éster benzílico de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra- O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-acetamido-2-desoxi-α-D-glucopiranosil-N-(Fluoren-9-ilmetoxicarbonil-L-treonina 12 (48 mg, 0,045 mmol), previamente lavada com solução de EDTA 0,5%, em MeOH (3,6 mL) foi tratada com ácido acético glacial (0,36 mL) e Pd/C 10% (51 mg). A mistura reacional foi agitada sob atmosfera de H2 (~1,5 atm) por 8 h, sendo depois filtrada em celite, concentrada e purificada por coluna cromatográfica (DCM:MeOH 9:1 v:v). O produto obtido (43 mg, 0,058 mmol) foi dissolvido em MeOH (1,5 mL) e tratado com solução de MeONa 1 mol/L em metanol até pH básico. A mistura reacional foi mantida sob agitação durante 8 h, e após este período foi neutralizada com resina Dowex 50WX8-200. A filtração e concentração da mistura reacional forneceram o produto 3 (20 mg, 0,04 mmol, 90%). Rf 0,1 (DCM: MeOH 9:1 v:v); [α]D25 +10 (c 0,1, MeOH); δH (D2O, 400 MHz), 4,77 (1H, d, J1,2 3,7 Hz, H-1), 4,30 (1H, d, J1',2' 7,8 Hz, H-1'), 4,29 (1H, m, βCHThr), 3,80-3,65 (7H, m, H-4', H-2, H-6a, H-6b, H-3, H-3', αCHThr), 3,62-3,52 (4H, H-6a', H-6b', H-4, H-5), 3,50 (1H, m, H-5'), 3,36 (1H, dd, J1',2' 7,8 Hz, J2',3' 10.1 Hz, H-2'), 1,87 (3H, s, NHAc), 1,24 (3H, d, J 6.5 Hz, CH3 Thr). δC (D2O, 100 MHz) 103,68 (C-1'), 99,46 (C-1), 79,48 (C-4), 76,09 (C-5'), 75,57 (βCHThr), 73,31 (C-5), 71,92, 71,91 (C-3', C-3), 71,73 (C-2'), 70,14 (αCHThr), 69,27 (C-4'), 61,77 (C-6'), 61,74 (C-6), 53,93 (C-2), 22,88 (NCOCH3), 18,89 (CH3 Thr). ESI-HSMS: calcd. para C18H32N2O13. Na+ [M + Na]+: 507,1797, encontrado: 507,1798.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Síntese de aminoácidos glicosilados α GlcNAc-Thr 1 e β GlcNAc-Thr 2

A síntese do bloco de construção αGlcNAc-ThrOH é de fundamental importância para a preparação de glicoconjugados complexos que mimetizem as moléculas de mucina de T. cruzi, contribuindo para o melhor entendimento do processo de sialilação do parasita. No entanto, a formação estereosseletiva do isômero bGlcNAc-ThrOH também é de grande importância, considerando sua potencial aplicação em estudos de mecanismos de transdução de sinais celulares, conforme discutido na seção de introdução, bem como em estudos comparativos de estrutura/função da enzima trans-sialidase.

Reações de glicosilação

Haletos α-glicosídicos são amplamente empregados em reações de glicosilação (Koenigs-Knorr)22 como espécies doadoras de unidades glicosídicas e geração de derivados substituídos 1,2-trans-2-acetamido-2-desoxi-glicosídicos, com estereosseletividade em relação ao anômero β. Além de haletos, grupos como tricloro-acetimidato, mercaptana e derivado sulfóxido podem também ser usados para funcionalização da posição anomérica e ativação da reação de glicosilação.23 O emprego de cloreto de 2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil-α-D-glicopiranosila com aminoácidos aceptores, contendo grupos carboxi e amino protegidos, fornece freqüentemente produtos com alta seletividade β. A assistência anquimérica exercida pelo grupo participante 2-N-acetil, na posição anomérica, leva a uma blindagem da face a do doador, forçando a entrada do aceptor apenas pela face β.22

O alto rendimento e estereosseletividade das reações de glicosilação dependem não somente do doador glicosídico empregado, mas também de reagentes promotores da reação, tais como: trimetilsililoxitriflato (TMSOTf),24 triflato de prata (AgOTf),25-27 dimetilmetiltiosulfoniltriflato (DMTST),28 brometo de mercúrio (HgBr2)19 e iodo.26

A preparação dos aminoácidos glicosilados bGlcNAc-FmocThrOBn 4 e αGlcNAc-FmocThrOBn 5 e dos correspondentes produtos totalmente desprotegidos 2 e 1 está apresentada no Esquema 2. A reação de glicosilação do açúcar cloreto de 2-acetamido-2-desoxi-3,4,6-tri-O-acetil-α-D-glicopiranosila 617 com o aminoácido treonina 7,18 contendo grupos protetores N-Fmoc e O-Bn utilizando-se 1,2-dicloroetano como solvente e HgBr2 como catalisador, sob refluxo direto da mistura reacional durante 9 h,19 conduziu à formação de mistura α/β com rendimentos de 20 e 52%, respectivamente (total 72%). A identificação dos blocos de construção 4 e 5 foi realizada com base na constante de acoplamento dos hidrogênios anoméricos nos espectros de RMN 1H, respectivamente em δ 4,60 (1H, d, J1,2 8,1 Hz, axial) e δ 4,70 (1H, d, J1,2 3,6 Hz, equatorial).


Embora o emprego do doador glicosídico 6 forneça, freqüentemente, produto com alta seletividade b devido à participação do grupo vizinho na posição 2 (assistência anquimérica), foi possível a obtenção de mistura de isômeros β e α de interesse no trabalho. Foi verificado que quanto maior o tempo de reação, maior é a formação do isômero α até o limite de 20%.

A remoção dos grupos benzila e Fmoc de 4 e 5 foi realizada em uma única etapa, por meio de hidrogenação catalítica clássica (10% Pd-C/H2). Considerando a contaminação do catalisador 10% Pd-C pelo promotor HgBr2, existente em quantidades residuais nos materiais de partida, foi realizada a lavagem de 4 e 5 com solução de EDTA 0,5%, previamente à reação de hidrogenação, com a finalidade de seqüestrar íons metálicos possivelmente presentes. A desproteção dos grupos O-Ac foi realizada na presença de solução de MeONa 1 mol/L em metanol até pH básico, seguida de neutralização com resina Dowex 50WX8-200. Desta forma, os compostos totalmente desprotegidos 1 e 2 foram obtidos com rendimentos de 86 e 80%, respectivamente, e caracterizados pelas análises de RMN 1H e ESI-MS. Os espectros de RMN 1H confirmaram a remoção dos grupos benzila, Fmoc e acetil de 1 e 2 devido à ausência de sinais em δ 7,76-7,26 e à presença de um único singleto em δ 1,85 e δ 1,95 para o CH3 do grupo acetamido. Nos espectros ESI-MS de 1 e 2 foram observados os picos referentes a [M + Na]+ (m/z 345,12) e a [M + H]+ (m/z 323,14).

Síntese química do dissacarídeo glicosídico α LacNAc-Thr 3

O dissacarídeo glicosídico αLacNAc-Thr 3 foi também sintetizado para ser empregado como potencial substrato da enzima trans-sialidase, bem como na preparação de glicopeptídeos complexos que mimetizem moléculas de mucina de T. cruzi.

A metodologia utilizada para a preparação do isômero α é normalmente distinta do isômero β, pois deve-se eliminar a participação do grupo vizinho. Desta forma, uma abordagem diferente pode ser explorada para geração de aminoácidos α-glicosilados que requer o uso do derivado N3 para substituição temporária do grupo acetamido.29 O tratamento de doadores de β-N-acetilglicosamina/lactosamina com TfN3 (gerado pela reação entre Tf2O e NaN3) fornece o correspondente doador β-azidoglicosídeo, cuja reação de glicosilação com Ser ou Thr, na presença de promotores, exclui a participação do grupo azido vizinho e origina preferencialmente o anômero α.

Como precursor do composto 3, o doador glicosídico cloreto de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra- O-acetil-β-D-galacto-piranosil)-2-azido-2-desoxi- α-D-glicopiranosila 8 foi sintetizado em quatro etapas a partir do açúcar lactose 13 (Esquema 3). O tratamento de 13 com anidrido acético e HBr (45% em AcOH) forneceu o derivado acetobromo-α-D-lactose 14 em rendimento quantitativo. A eliminação redutiva de 14 com zinco e ácido acético forneceu o D-lactal 10 em 88% de rendimento, o qual foi subseqüentemente submetido à reação de azidonitração,16 sendo obtido o composto 9 (60%). Esta reação ocorre pela adição de excesso de nitrato de amônio cérico e azida de sódio ao D-galactal/D-lactal protegidos, fornecendo misturas epiméricas de 2-azido-2-desoxi-1-O-nitropiranosídeos. O produto 9 foi empregado, sem puricação prévia, na síntese do açúcar αLacN3Cl 8 pelo tratamento com cloreto de tetra-etilamônio em acetonitrila. O composto 8 foi obtido com rendimento de apenas 30% devido à presença de vários subprodutos verificados em CCD; dois desses subprodutos foram isolados e caracterizados por análise de RMN 1H como sendo o derivado dissacarídico cloreto de manose 15 e hemiacetal 16 do composto 8 (Figura 2). A formação do derivado 15 (10%) foi possível devido à presença de subproduto da etapa anterior de azidonitração, resultante da adição de grupo azido pela face mais impedida da dupla ligação. O espectro de RMN 1H de 15 apresentou um dubleto em δ 3,80, referente ao H-2, com J2,3 3,7 Hz, diferentemente do H-2 do cloreto 8 (J2,3 10,3 Hz ). Com relação ao hemiacetal 16 (20,6%), a sua formação ocorreu possivelmente devido à existência de quantidade residual de água no solvente utilizado, sendo verificado no espectro de RMN 1H o dubleto referente ao H-1 em δ 5,53 (J1,2 3,5 Hz). O doador glicosídico puro 8 foi isolado por cristalização seguida de coluna cromatográfica e caracterizado pelas análises ESI-MS e RMN 1H. No espectro ESI-MS de 8 foi verificado o pico referente a [M + Na+] (m/z 660,1), e a análise de RMN 1H apresentou dois dubletos em δ 6,05 (J1,2 3,8 Hz) e δ 4,43 (J1',2' 7,7 Hz), correspondentes ao H-1 e H-1', respectivamente, e um multipleto em δ 2,09-1,91, referente aos grupos OAc de 8.



Com base no resultado satisfatório obtido na reação de glicosilação para a síntese dos aminoácidos glicosilados 4 e 5, na qual se empregou o promotor HgBr2, a síntese do dissacarídeo glicosídico éster benzílico de 3,6-di-O-acetil-4-O-(2,3,4,6-tetra- O-acetil-β-D-galactopiranosil)-2-azido-2-desoxi-α-D-glicopiranosil-N-(9-Fluorenilmetoxicarbonil)-L-treonina 11 foi também realizada por meio de reação de glicosilação do doador glicosídico αLacN3Cl 820 com o aminoácido FmocThrOBn 7, utilizando-se HgBr2 (catalisador) em 1,2-dicloroetano. A agitação da mistura reacional por 12 h seguida de refluxo por 9 h a 90 ºC19 conduziu à formação do isomêro a como produto principal devido à presença do grupo azido não participante em C-2 (Esquema 4). O espectro de RMN 1H do produto β-D-Gal(1→4)-α-D-GlcN3(1→O)-L-FmocThrOBn 12, obtido com 60% de rendimento, apresentou dois dubletos em δ 4,80 (J1,2 3,7 Hz) e δ 4,47 (J1',2' 7,8 Hz), correspondentes ao H-1 e H-1', respectivamente, vários singletos sobrepostos em δ 2,16-1,96, referentes aos grupos OAc, além de um dubleto em δ 1,33 (J 6,5 Hz), relativo a CH3 Thr. No espectro ESI-MS de 12 foi verificado o pico referente a [M + NH4]+ (m/z 1050,38).


O grupo azido na posição C-2 do composto 11 foi simultaneamente reduzido e acetilado na presença de zinco em THF/anidrido acético/ácido acético, 3:2:1; quantidade catalítica de sulfato de cobre também foi adicionada à mistura reacional para ativar o átomo de zinco (65% de rendimento).21 A completa desproteção do dissacarídeo glicosídico 12 foi necessária para a realização dos ensaios enzimáticos com a enzima TcTS. A remoção dos grupos benzila e Fmoc de 12 foi realizada em uma única etapa por hidrogenação catalítica clássica (10% Pd-C/H2), seguindo o mesmo procedimento descrito para os compostos 1 e 2, sendo a desproteção dos grupos O-Ac também realizada na presença de solução de MeONa 1 mol/L em metanol (Esquema 4). O composto totalmente desprotegido 3, obtido com 90% de rendimento, foi identificado pelo espectro de RMN 1H, no qual não se observam os sinais relacionados aos grupos Fmoc e benzila em δ 7,78-7,20 e apenas um único singleto em δ 1,80 para o CH3 do grupo acetamido, confirmando a remoção dos grupos O-Ac (Esquema 4). No espectro ESI-MS do composto 3 foi observado o pico referente a [M + Na]+ (m/z 507,17).

Como forma de se obter também o isomêro βvv-D-Gal(1→4)-β-D-GlcN3(1→O)-L-FmocThrOBn 15, a reação de glicosilação entre o açúcar 8 e o aminoácido 7 também foi realizada na presença do solvente acetonitrila, tendo em vista que este favorece a formação preferencial do isomêro β (Esquema 5). Isto pode ser atribuído à participação do solvente durante a reação; o ataque da acetonitrila ao íon oxocarbênio intermediário conduz, normalmente, à rápida formação do conjugado a-nitrilium-nitrila (produto cinético) e subseqüente formação do produto β.30,31 Devido à baixa formação do conjugado β-nitrilium-nitrila, termodinamicamente mais estável, o produto a ligado é obtido como produto minoritário da glicosilação. No entanto, não foi possível a obtenção do isomêro β 17 na presença de acetonitrila e o rendimento para o isomêro α foi reduzido (10%).


CONCLUSÃO

De acordo com os resultados apresentados, a metodologia de reação de glicosilação do açúcar αGlcNAcCl 6 com o aminoácido FmocThrOBn 7, utilizando HgBr2 como catalisador, conduziu à obtenção dos isômeros αGlcNAc-ThrOH 1 (20%) e βGlcNAc-ThrOH 2 (52%), embora o emprego do doador 6, contendo grupo participante N-acetil na posição 2, favoreça a formação do isômero β com alta seletividade. A reação de glicosilação do doador glicosídico αLacN3Cl 8 com o aminoácido FmocThrOBn 7, sob condições semelhantes às utilizadas para a síntese de 1 e 2, também possibilitou a formação do dissacarídeo glicosídico αLacNAc-ThrOH 3 (60%), não sendo possível, no entanto, a obtenção do correspondente isômero β, devido à presença do grupo N3 não participante.

AGRADECIMENTOS

À FAPESP e à CAPES pelo suporte financeiro, à Universidade de East Anglia (UEA), Inglaterra, onde a maior parte deste trabalho foi desenvolvido, e ao Prof. R. A. Field (UEA) pelas valiosas sugestões.

Recebido em 9/3/07; aceito em 11/10/07; publicado na web em 9/4/08

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Out 2007
    • Recebido
      09 Mar 2007
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