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Preparação de compostos de alumínio a partir da bauxita: considerações sobre alguns aspectos envolvidos em um experimento didático

Preparation of aluminum compounds from bauxite: considerations about some aspects involved in a didactic experiment

Resumo

Aluminum metal and aluminum compounds have many applications in several branches of the industry and in our daily lives. The most important raw material for aluminum and its manufactured compounds is bauxite, a rock constituted mainly by aluminum hydroxides minerals. In this work, a didactic experiment aiming the preparation of alumina and potassium alum starting from bauxite is proposed for undergraduate students. Both compounds are of great commercial, scientific and historical interest. The experiment involves applications of important chemical principles such as acid-base and precipitation. Some chemical properties and uses of aluminum compounds are also illustrated.

bauxite; aluminum oxide; potassium alum


bauxite; aluminum oxide; potassium alum

Educação

PREPARAÇÃO DE COMPOSTOS DE ALUMÍNIO A PARTIR DA BAUXITA: CONSIDERAÇÕES SOBRE ALGUNS ASPECTOS ENVOLVIDOS EM UM EXPERIMENTO DIDÁTICO

Vera R. Leopoldo Constantino*, Koiti Araki, Denise de Oliveira Silva e Wanda de Oliveira

Departamento de Química Fundamental, Instituto de Química, Universidade de São Paulo, CP 26 077, 05513-970 São Paulo - SP

*e-mail: vrlconst@iq.usp.br

Recebido em 4/5/01; aceito em 24/8/01

PREPARATION OF ALUMINUM COMPOUNDS FROM BAUXITE: CONSIDERATIONS ABOUT SOME ASPECTS INVOLVED IN A DIDACTIC EXPERIMENT. Aluminum metal and aluminum compounds have many applications in several branches of the industry and in our daily lives. The most important raw material for aluminum and its manufactured compounds is bauxite, a rock constituted mainly by aluminum hydroxides minerals. In this work, a didactic experiment aiming the preparation of alumina and potassium alum starting from bauxite is proposed for undergraduate students. Both compounds are of great commercial, scientific and historical interest. The experiment involves applications of important chemical principles such as acid-base and precipitation. Some chemical properties and uses of aluminum compounds are also illustrated.

Keywords: bauxite; aluminum oxide; potassium alum.

INTRODUÇÃO

O alumínio pode ser considerado um elemento bastante "popular" pois está presente em quase todas as esferas da atividade humana. As inúmeras aplicações em diversos setores da indústria (transportes: automóveis, aeronaves, trens, navios; construção civil: portas, janelas, fachadas; eletro-eletrônico: equipamentos elétricos, componentes eletrônicos e de transmissão de energia; petroquímica, metalurgia e outros) e a freqüente presença no nosso dia-a-dia (móveis, eletrodomésticos, brinquedos, utensílios de cozinha, embalagens de alimentos, latas de refrigerantes, produtos de higiene, cosméticos e produtos farmacêuticos) ilustram bem a sua importância econômica no mundo contemporâneo. A própria reciclagem de embalagens de alumínio, setor no qual o Brasil se destaca, tem papel relevante do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Embora hoje a forma mais conhecida do alumínio seja a metálica, o metal já foi considerado tão raro e precioso antes das descobertas de Charles Martin Hall e Paul-Louis-Toussaint Héroult (1888), que chegou a ser exibido ao lado de jóias da coroa e utilizado em lugar do ouro em jantares da nobreza no século XIX. Os compostos de alumínio, por outro lado, servem a humanidade há mais de 4000 anos. Os egípcios já empregavam o alúmen como mordente e os gregos e os romanos também o usavam para fins medicinais, como adstringente, na Antigüidade1,2. Diversos compostos de íons Al3+ apresentam relevância industrial no mundo atual, como, por exemplo: Al(OH)3, Al2O3, Na[Al(OH)4], Al2(SO4)3 e haletos de alumínio, dos quais os dois primeiros, usados para a produção do metal, são os de maior importância econômica. Dentre as principais aplicações dos compostos de alumínio, destacam-se o tratamento para obtenção de água potável, o tingimento de tecidos, a manufatura de produtos de higiene, medicamentos, refratários e catalisadores1,2.

O alumínio não ocorre na forma elementar na natureza. Devido à alta afinidade pelo oxigênio, ele é encontrado como íon Al3+, na forma combinada, em rochas e minerais. Embora constitua apenas cerca de 1% da massa da Terra, é o primeiro metal e o terceiro elemento químico (O = 45,5%; Si = 25,7%; Al = 8,3%; Fe = 6,2%; Ca = 4,6%; outros = 9,7% em massa) mais abundante da crosta, ou seja, da superfície que pode ser economicamente explorada pelo homem. O alumínio é encontrado em rochas ígneas, como os feldspatos (aluminossilicatos tridimensionais) e as micas (silicatos lamelares); em minerais como a criolita (Na3[AlF6]), o espinélio (MgAl2O4), a granada ([Ca3Al2(SiO4) 3]) e o berilo (Be3Al2[Si6O18 ]); e no coríndon (Al2O3) que é o mineral que apresenta o maior teor de Al (52,9%). Muitas pedras preciosas contêm alumínio e algumas são formadas pelo próprio óxido (coríndon) ¾ rubi e safira, por exemplo, são formas impuras de Al2O3 contendo os íons Cr3+ e Fe3+, que conferem às gemas as cores vermelha e amarela, respectivamente3.

Bauxita

O minério de importância industrial para obtenção do alumínio metálico e de muitos compostos de alumínio é a bauxita4, que se forma em regiões tropicais e subtropicais por ação do intemperismo sobre aluminossilicatos. Apesar de ser freqüentemente descrita como o minério de alumínio, a bauxita não é uma espécie mineral propriamente dita mas um material heterogêneo formado de uma mistura de hidróxidos de alumínio hidratados ( [AlOx(OH)3-2x], 0 < x < 1) contendo impurezas. Os principais constituintes deste material são a gibbsita, g-Al(OH)3, e os polimorfos boehmita, g-AlO(OH), e diaspório, a-AlO(OH) 3, sendo que as proporções das três formas variam dependendo da localização geográfica do minério. As bauxitas mais ricas em boehmita são encontradas em depósitos europeus (França e Grécia) enquanto que aquelas ricas em diaspório, na China, Hungria e Romênia. As bauxitas geologicamente mais novas possuem alto conteúdo de gibbsita, ocorrem em grandes depósitos em áreas de clima tropical como Jamaica, Brasil, Austrália, Guiné, Guiana, Suriname e Índia, e são as que apresentam maior interesse comercial5,6.

As impurezas presentes na bauxita são óxidos de ferro (hematita, magnetita e goetita, entre outros), sílica, óxido de titânio e aluminossilicatos, em quantidades que variam com a região de origem, causando alterações no aspecto físico do minério que pode variar de um sólido marrom-escuro ferruginoso até um sólido de cor creme, duro e cristalino5. A cor e a composição do sólido podem variar em um mesmo depósito de bauxita. A composição típica da bauxita de uso industrial é: 40-60% de Al2O3; 12-30% de H2O combinada; 1-15% de SiO2 livre e combinada; 1-30% de Fe2O3; 3-4% de TiO2; 0,05-0,2% de outros elementos e óxidos 3.

As principais reservas de bauxita, perfazendo um total de 55 a 75 bilhões de toneladas, são encontradas na América do Sul (33%), África (27%), Ásia (17%) e Oceania (13%), sendo que as três maiores localizam-se na Guiné (1a), no Brasil (2a) e na Austrália (3a)7. Estima-se que a reserva total deva ser suficiente para a demanda de alumínio no século XXI. Cerca de 85 a 90% da produção mundial da bauxita é usada na obtenção da alumina (Al2O3) que é, então, destinada à indústria do alumínio metálico. Os 10 a 15% restantes têm ampla aplicação industrial para a manufatura de materiais refratários, abrasivos, produtos químicos, cimento com alto teor de alumina e outros5.

O Brasil, além de possuir grandes reservas (especialmente na região de Trombetas, no Pará, e em Minas Gerais), é também um dos maiores produtores do minério, ocupando lugar de destaque no cenário mundial. O primeiro uso da bauxita para produzir alumina e alumínio metálico em escala industrial no país foi feita pela Elquisa (hoje, Alcan) durante a Segunda Grande Guerra, em 19448. A produção nacional de bauxita aumentou desde então, e chegou recentemente a cerca de 13 milhões de toneladas/ano, colocando o Brasil entre os quatro principais produtores. Em 1999, os maiores produtores, em ordem decrescente, foram: Austrália, Guiné, Brasil e Jamaica, com um total de 70% da produção mundial7.

O processo Bayer

A rota comercial mais importante para a purificação da bauxita é o processo Bayer9, que é utilizado para a manufatura de hidróxido e de óxido de alumínio. A Figura 1 mostra um esquema simplificado desse processo10.


No processo Bayer, é explorada uma importante propriedade química comum à gibbsita, à boehmita e ao diaspório: esses compostos se dissolvem em solução de soda cáustica, NaOH, sob condições moderadas de pressão e temperatura, diferentemente da maioria dos demais constituintes da bauxita6. As condições experimentais da etapa de digestão podem variar muito e um dos aspectos a ser considerado é a natureza do composto que contém alumínio pois a gibbsita apresenta maior solubilidade em solução de soda do que as duas formas AlO(OH) polimórficas. As condições empregadas na solubilização dos compostos de alumínio em uma planta comercial são encontradas na Tabela 16. No caso do minério ser constituído de uma mistura de dois ou dos três compostos, as condições de digestão são escolhidas considerando-se o componente menos solúvel. O processo de extração da bauxita rica em gibbsita é o mais econômico5.

A adição de CaO, na etapa de digestão, tem como principal objetivo promover a diminuição, por precipitação, de íons carbonato e fosfato dissolvidos no meio. A etapa seguinte, denominada clarificação, consiste na separação do resíduo sólido rico em óxido de ferro (lama vermelha) da solução de aluminato de sódio, Na[Al(OH)4]. O filtrado é então resfriado e o Al(OH)3 é precipitado pela adição de partículas (germes de cristalização) de hidróxido de alumínio. Após a remoção do Al(OH)3, o filtrado alcalino é concentrado por evaporação e retornado à etapa de digestão. A maior parte do hidróxido de alumínio é calcinada para produzir óxido de alumínio, ou seja a alumina, Al2O3, enquanto que uma pequena fração é submetida à secagem e usada como tal.

Produção e aplicação de compostos de alumínio

As produções mundiais de bauxita, hidróxido de alumínio e alumina estão fortemente vinculadas à indústria do alumínio metálico. A Figura 2a mostra a relação entre as produções nacionais de bauxita, alumina e alumínio metálico no período de 1995 a 20008,11 e a Figura 2b mostra a distribuição de produção de bauxita e de alumina por empresa instalada no Brasil, cujo total produzido chega a ser da ordem de 14 milhões de toneladas/ano de bauxita e 3,5 milhões de toneladas /ano de alumina8.


Mais de 90% do hidróxido de alumínio produzido no mundo usando o processo Bayer é convertido em alumina e usado na indústria do alumínio metálico, mas o Al(OH)3 também tem aplicação direta nas indústrias de papel, tintas, vidros, cerâmicas, produtos farmacêuticos, cremes dentais e retardantes de chamas2. Grande parte é destinada à manufatura de produtos químicos, particularmente de zeólitas e de sulfato de alumínio "livre de ferro". Outros usos importantes são as produções de fluoreto de alumínio, nitrato de alumínio, poli(cloreto de alumínio), poli(sulfatossilicato de alumínio), aluminato de sódio, catalisadores e pigmentos a base de titânio2,6.

A maior parte (cerca de 90%) da alumina mundial obtida pela calcinação do Al(OH)3 é usada no processo eletrolítico Hall-Héroult para a preparação do alumínio metálico (aproximadamente 0,5 tonelada de Alo é produzida por tonelada de alumina)10. Os outros 10% são aplicados em diversos setores da indústria para a fabricação de materiais refratários, abrasivos, velas de ignição, cerâmicas e outros.

É impossível mencionar aqui todos os compostos de alumínio de importância comercial, pois são inúmeros2,5,6. Alguns dos principais são apresentados na Figura 3.


O sulfato de alumínio hidratado, Al2(SO4)3·xH 2O, é o segundo composto de alumínio de maior importância industrial, depois do óxido12. Atualmente, o sulfato de alumínio substitui, em quase todas as áreas de aplicação, o alúmen de potássio. Sua maior aplicação (ca. 2/3 da produção) é no tratamento de água, onde atua como agente floculante12. O sulfato de alumínio é usado na indústria de papel e celulose, na indústria têxtil, na fabricação de tecidos à prova d'água, no curtimento de couro, como suporte de catalisador, na impermeabilização de concreto, como clarificador de óleos e gorduras, na fabricação de lubrificantes e na indústria farmacêutica.

A produção industrial do alúmen de potássio, KAl(SO4)2·12H2 O, o mais antigo composto de alumínio utilizado pelo homem, vem diminuindo nos últimos anos e os métodos de produção possuem interesse quase exclusivamente histórico. Atualmente, o alúmen é produzido somente a partir do hidróxido de alumínio proveniente do Processo Bayer e ainda é utilizado na indústria do couro, como um mordente, na indústria farmacêutica e de cosméticos e como agente de coagulação do látex12. A aplicação industrial mais importante do alúmen de potássio hoje é como um aditivo na produção de cimento marmoreado e de gesso.

O aluminato de sódio também é usado como agente floculante no tratamento de água potável e água industrial. Apresenta ainda aplicações nas indústrias têxtil e de papel, e na preparação de catalisadores a base de alumina2,12.

Outros compostos de grande relevância são: o cloreto de alumínio anidro, AlCl3, importante catalisador em reações de Friedel-Crafts nas indústrias química e petroquímica2,12; os cloretos básicos de alumínio (que apresentam fórmula geral Al2(OH)6-nCln·xH 2O, 1 < n < 6) usados em desodorantes e antiperspirantes e também na produção de catalisadores2,12; os carboxilatos de alumínio ([(HO)xAlOOCR)y], usados na preparação de produtos farmacêuticos (anti-sépticos, adstringentes), na manufatura de cosméticos, na impermeabilização de tecidos e como mordentes2; e as zeólitas, que têm larga aplicação em catálise, na indústria petroquímica e na produção de detergentes entre outras2,13.

Face à grande importância do alumínio nos cenários mundial e nacional, tópicos relacionados à química do alumínio e seus compostos merecem, sem dúvida, atenção especial no ensino de Química Inorgânica. Aspectos sobre a química do alumínio não se restringem, no Instituto de Química da USP, apenas às aulas teóricas. Desde 1995, na disciplina Química dos Elementos, ministrada para os ingressantes no curso de Química, um dos temas de projetos desenvolvidos pelos alunos e apresentados oralmente enfoca a produção nacional de alumínio metálico e as suas aplicações. Nos dois últimos anos (1999-2000), os estudantes também foram desafiados a elaborar um experimento para a obtenção de alúmen de potássio a partir da bauxita e, após a orientação dos docentes, executá-lo no laboratório didático.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar um experimento didático que permite obter, a partir da bauxita, o óxido de alumínio e o alúmen de potássio, dois importantes compostos deste metal, e, também, discutir alguns aspectos importantes das reações químicas envolvidas e das estruturas das espécies de alumínio.

PARTE EXPERIMENTAL

As preparações da alumina, a-Al2O3, e do alúmen de potássio, KAl(SO4)2·12H2 O, envolvem primeiramente a obtenção do hidróxido de alumínio. A rota proposta neste artigo para isolamento do Al(OH)3 a partir da bauxita requer aproximadamente duas horas. Uma vez obtido o hidróxido metálico, pode-se optar pela preparação da alumina ou do alúmen de potássio.

Para a obtenção da a-Al2O3, o hidróxido de alumínio precipitado é lavado abundantemente com água para remoção de sais de sulfato, seco em estufa durante o período noturno e, posteriormente, calcinado a alta temperatura. Considerando-se todas as etapas do experimento (da trituração da bauxita até a obtenção da alumina), são necessários dois dias de aulas de laboratório.

O experimento de obtenção do alúmen de potássio, KAl(SO4)2·12H2 O, pode ser realizado em uma aula de laboratório de aproximadamente 4 horas, considerando-se desde a etapa de trituração da bauxita até o isolamento dos cristais de alúmen por filtração. Ressaltamos que alguns livros didáticos descrevem a preparação do KAl(SO4)2·12H2 O a partir do alumínio metálico14,15. Cabe lembrar ainda que o alúmen preparado pelos alunos pode ser usado em experimento que demonstre a sua utilização como mordente16. Ao longo dos anos, os alunos de várias unidades da USP que cursam disciplinas de Química Geral no Instituto de Química têm executado a experiência de crescimento de cristais de alúmen partindo de soluções contendo quantidades estequiométricas de Al2(SO4)3 hidratado e K2SO4. Considerando a boa receptividade dos alunos com relação ao experimento, optou-se por incluir neste artigo o procedimento experimental de crescimento do cristal de KAl(SO4)2·12H2 O17,18.

Preparação do hidróxido de alumínio

O minério bauxita foi triturado com pistilo num almofariz e, depois, peneirado. 20,0 g desse sólido foram transferidos para um béquer de 250 mL e, em seguida, acrescentou-se uma solução contendo 8,30 g de NaOH dissolvidos em 60 mL de água destilada [Cuidado ao preparar solução concentrada de base! Use óculos de segurança!]. A mistura foi mantida à temperatura de ebulição por 45 minutos, adicionando-se água destilada periodicamente para repor as perdas de volume por evaporação. A mistura foi filtrada sob vácuo em funil de Büchner, obtendo-se cerca de 80 mL de um filtrado marrom após a lavagem do sólido com água destilada. O filtrado foi transferido para um béquer de 500 mL e o hidróxido de alumínio foi precipitado sob agitação por meio da adição lenta de 85 mL de H2SO4 1 mol/L [Cuidado ao manusear soluções concentradas de ácido sulfúrico!]. O processo de adição do ácido à solução básica foi efetuado controlando-se o pH da mistura com papel indicador universal até que o valor final estivesse entre 7 e 8. A mistura foi, então, aquecida em bico de Bunsen por aproximadamente 10 min para promover a melhor aglutinação do sólido. O precipitado castanho-claro floculoso foi filtrado a vácuo e lavado com água destilada a quente.

O resíduo sólido avermelhado do qual foi extraído o alumínio através da digestão com NaOH foi descartado da seguinte maneira: no próprio funil de Büchner, o sólido foi lavado várias vezes até o valor do pH do filtrado se tornar aproximadamente igual ao da água usada para lavagem. O resíduo, constituído principalmente por óxidos de ferro, foi descartado no lixo para sólidos. As soluções básicas foram misturadas com as ácidas geradas nas etapas seguintes e depois tratadas para descarte conforme sugestão apresentada na literatura (diluição e neutralização)19.

Preparação da alumina ¾ Al2O3

Para a obtenção da alumina, o hidróxido de alumínio isolado conforme descrição acima deve ser lavado com quantidade de água destilada suficiente para a remoção de sais de sulfato depositados juntamente com o hidróxido. Para tanto, alíquotas do filtrado foram transferidas para tubos de ensaio a fim de se verificar a presença de íons SO42- por meio de teste com solução de cloreto de bário. A etapa de lavagem do hidróxido de alumínio com água quente foi cessada quando não mais se observou a presença de sulfato no filtrado (aproximadamente 500 mL de água foram utilizadas no processo de lavagem). A fim de facilitar a remoção de sais, a lavagem do hidróxido foi feita num béquer, transferindo-se, posteriormente, o sólido lavado para o sistema de filtração. O hidróxido de alumínio foi colocado em uma placa de Petri de massa conhecida e secado durante o período da noite em estufa a 100-110 oC. A placa com o sólido foi então pesada a fim de se calcular a massa de hidróxido obtida. Uma massa de aproximadamente 3 g do hidróxido foi pesada em balança semi-analítica, transferida para um cadinho de porcelana e calcinada a 1100 oC para obtenção da alumina (grau metalúrgico). Após resfriamento do cadinho, foram calculadas a massa de alumina obtida, a porcentagem de alumínio extraído da bauxita e a porcentagem de água liberada no processo de calcinação a fim de se verificar a natureza do hidróxido de alumínio precipitado (tri-hidróxido ou óxido hidróxido de alumínio) [Os hidróxidos de alumínio devem ser manuseados com cuidado para evitar a inalação de partículas suspensas no ar].

Preparação do alúmen de potássio ¾ KAl(SO4)2·12H2 O

O hidróxido de alumínio foi obtido de acordo com o procedimento descrito acima. Não houve a necessidade de lavar o sólido até a eliminação completa de íons sulfato. O hidróxido de alumínio foi transferido para um béquer de 500 mL e em seguida foram adicionados 9,6 g de KOH dissolvidos em 30 mL de água destilada. Nessa fase ocorreu a redissolução quase total do precipitado, mesmo sem aquecimento. Adicionou-se, então, 100 mL de H2SO4 2 mol/L de modo que o pH final fosse aproximadamente igual a 2. A mistura foi concentrada para cerca de 150 mL e filtrada à quente para eliminar partículas em suspensão. O filtrado foi transferido para um béquer de 250 mL e resfriado num banho de gelo e água de modo a promover a cristalização do alúmen. O sólido foi filtrado a vácuo, lavado com 15 mL de uma mistura gelada de etanol/H2O 1:1 (v/v), e deixado para secar no próprio funil, mantendo-se o vácuo. Caso o sólido obtido fique amarelado, recomenda-se realizar uma etapa de recristalização para se obter um produto mais puro antes de se proceder à obtenção do monocristal de alúmen.

Crescimento de cristais de alúmen de potássio

O alúmen obtido segundo o procedimento acima descrito foi transferido para um béquer de 150 ou 250 mL. Calculou-se a quantidade de água necessária para dissolver a massa de alúmen transferida, considerando-se que são necessários 7 mL de água para cada grama de alúmen. A quantidade de água calculada foi usada na dissolução do sal, aquecendo-se a solução a cerca de 60 oC e controlando-se a temperatura com um termômetro. Em seguida, a solução foi resfriada até uma temperatura abaixo de 30 oC. Um pequeno cristal de alúmen (gérmen) foi amarrado num fio de náilon fino e fixado num pedaço de papel perfurado. O gérmen foi mergulhado na solução de modo a ficar aproximadamente no centro da mesma conforme ilustra a Figura 4. O sistema foi deixado em repouso por uma semana, obtendo-se um cristal de forma octaédrica. Após o experimento, a solução sobrenadante pode ser concentrada por evaporação do solvente para recuperar parte do sal de alúmen dissolvido. Cuidados devem ser tomados na evaporação da água por aquecimento prolongado, uma vez que pode ocorrer a hidrólise do íon Al3+.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Hidróxido de alumínio

No experimento descrito neste trabalho, empregou-se o minério de alumínio gentilmente doado pela Cia. Brasileira de Alumínio, que apresenta a seguinte análise (% massa): 50% de Al2O3, 11% de Fe2O3, 8% de SiO2, 1,5% de TiO2, 18-20% de umidade e outros elementos.

Devido à localização geográfica, o minério brasileiro apresenta grande quantidade de gibbsita5, de modo que a dissolução da espécie de alumínio presente na bauxita pode ser representada pela seguinte equação química

embora alguns livros didáticos20,21 apresentem, nos textos referentes ao processo Bayer, a equação

O alumínio na forma de íons aluminato ou tetra(hidroxo) aluminato, [Al(OH)4]-, apresenta número de coordenação 4 e geometria tetraédrica (Figura 5a)22. Estudos de ressonância magnética nuclear de 27Al e de difração de raios-X de soluções liofilizadas23 mostraram que em soluções fortemente alcalinas, ou seja, contendo uma razão molar [OH-]/[Al3+] > 4,5 (uma razão igual a 4 gera uma solução de pH ~11), além dos íons aluminato, existem polioxoânions contendo Al3+ com número de coordenação 4 (Figuras 5b-e). Dentre as espécies condensadas, predomina a de composição [Al(OH)2(OAl)2]x-. Alguns livros didáticos21 representam o íon aluminato pela fórmula [AlO2]-, a qual na verdade representa uma espécie altamente condensada contendo unidades tetraédricas de alumínio ligadas por oxo-pontes (Figura 5e). Contudo, os estudos relatados23 mostraram que essa espécie polimérica encontra-se em baixa concentração quando comparada à da espécie [Al(OH)4]-. Quando amostras liofilizadas contendo [OH-]/[Al3+] > 4,5 são aquecidas a 80oC por 1-3 semanas, observa-se, então, a condensação das espécies [Al(OH)2(OAl)2]x- e, consequentemente, a formação de aluminato de sódio, b-NaAlO2.


A separação do alumínio dos demais compostos presentes no minério é possível devido ao caráter anfótero do hidróxido (e óxido-hidróxidos) de alumínio. Como mencionado na introdução, o material insolúvel denominado lama vermelha é removido por filtração e contém, principalmente, óxidos de ferro (geralmente goetita, a-FeO(OH) e hematita, a-Fe2O3) e de titânio (comumente na forma anatase), que não se dissolvem em meio alcalino (os minerais contendo titânio são atacados somente quando aplicadas as condições mais drásticas do processo Bayer)6. A sílica é considerada inerte nas condições de solubilização da gibbsita com solução de NaOH mas os aluminossilicatos (caulinita, Al2O3.2SiO2, e outros argilo-minerais) dissolvem-se produzindo íons metassilicato e íons aluminato5,6,24. O silicato solúvel acaba reagindo, na temperatura do digestor, com as espécies de alumínio em solução, formando uma série de precipitados com estrutura zeolítica. No processo industrial, uma maneira de evitar perdas de alumínio e hidróxido de sódio quando se utiliza minérios contendo altas quantidades de argilo-minerais é separar por lavagem a fração fina argilosa5.

Observamos em nosso experimento, na etapa de filtração para remoção da lama vermelha, que o filtrado apresentava coloração marrom, o que pode ser explicado, em um primeiro momento, como decorrência de um processo ineficiente de filtração que permite a passagem de partículas coloridas do minério. Contudo, uma inspeção mais rigorosa mostra que o filtrado não apresenta partículas em suspensão. A cor marrom da solução de aluminato decorre da presença de substâncias húmicas no minério retirado do solo. No processo industrial, a digestão da bauxita com soda cáustica é realizada em condições experimentais (concentração de base, temperatura e pressão) mais severas do que aquelas empregadas neste trabalho (vide Tabela 1), de modo que a matéria orgânica é oxidada a espécies mais simples como carbonato e/ou oxalato, por exemplo5,6,25. Estas substâncias húmicas são macromoléculas ou polímeros naturais, produzidas a partir da decomposição de resíduos vegetais e animais presentes no ambiente, e que possuem grupos funcionais oxigenados como carboxila, fenol e álcool26,27. As substâncias húmicas podem ser extraídas do solo empregando-se soluções alcalinas que promovem a ionização dos grupos orgânicos ácidos26. Observamos em nosso experimento que o aumento da concentração da solução de NaOH intensifica a cor do filtrado separado da lama vermelha, acarretando um maior grau de impurezas orgânicas na solução de aluminato de sódio.

A partir da solução de Na[Al(OH)4], o hidróxido de alumínio é precipitado pela adição de solução ácida até o valor de pH aproximadamente igual a 7 (razão [OH-]/[Al3+] ~3). Na literatura3,28,29 podem ser encontradas curvas de solubilidade de sais de alumínio em função do pH que ilustram o caráter anfótero do hidróxido de alumínio. Em soluções de pH inferior a 9,5 - 9, a solubilidade do alumínio na forma de íons [Al(OH)4]- decresce abruptamente, gerando o gel de Al(OH)3 e, em soluções de pH inferior a 4, o hidróxido se dissolve formando uma solução de íons complexos [Al(H2O)6]3+28:

Embora o hidróxido de alumínio seja representado pela fórmula Al(OH)3, existe uma série de compostos que são denominados hidróxidos de alumínio, conforme mostra o esquema da classificação geral apresentado na Figura 6. Na indústria e no comércio, os hidróxidos são também designados pelos termos hidratos de alumina ou aluminas hidratadas, apesar de não conterem moléculas de água de hidratação28. As formas cristalinas, portanto, compreendem cinco compostos (tri-hidróxidos e óxido-hidróxidos de alumínio). Quando o hidróxido é não-cristalino (amorfo) ou apresenta cristalinidade muito baixa, o material é designado alumina gelatinosa ou gel de alumina. O hidróxido de alumínio gelatinoso contém grande quantidade de água e mesmo após aquecimento prolongado a 100-110 oC, pode apresentar cinco moléculas de água por mol de Al2O3. O hidróxido não-cristalino pode tornar-se cristalino por meio de um processo de envelhecimento cuja velocidade depende da concentração de íons hidroxila e da temperatura.


A reação de hidrólise ácida do aluminato envolve a formação de polioxoânions solúveis com íons Al3+ em sítio de coordenação tetraédrico e octaédrico, que acabam formando o hidróxido insolúvel quando [OH-]/[Al3+] < 3,923. O precipitado formado inicialmente não é cristalino mas sofre um processo de cristalização à medida que envelhece:

Partindo-se de 20 g de bauxita (~50% de Al2O3), foram obtidas, em nosso experimento, 6,8 g de hidróxido de alumínio (pesagem efetuada após secagem em estufa a 100-110 oC). Na etapa de calcinação a 1100 oC, verificou-se a perda de 36,2% de massa, que estamos atribuindo à perda de água proveniente da desidroxilação do hidróxido de alumínio, o que indica que o material precipitado é constituído principalmente por um tri-hidróxido de alumínio (a perda de água calculada segundo a equação abaixo é de 34,6%):

Assim sendo, a quantidade de alumínio extraída da bauxita nas condições experimentais fixadas em nosso experimento foi de aproximadamente 43%.

Observamos que os íons sulfato acabam sendo arrastados junto com o Al(OH)3 na etapa de precipitação (provavelmente associados aos íons sódio e alumínio), de modo que a lavagem do sólido deve ser cuidadosa a fim de eliminar tais impurezas. Embora o teste com íons bário no filtrado do processo de lavagem tenha sido negativo, o espectro vibracional no infravermelho30 do hidróxido de alumínio obtido indica que deve haver íons sulfato interagindo com a amostra, devido à presença de banda de absorção em 1000-1130 cm-1 (o hidróxido de alumínio apresenta absorção na região 1000-1100 cm-1)31. A presença de íons sulfato é mais evidente quando se analisa a curva de perda de massa em função do aumento da temperatura, ou seja, a curva termogravimétrica32. Observamos um evento de perda de massa acima de 750 oC, que não está relacionado com processos envolvendo o hidróxido de alumínio6. Hidróxidos lamelares, similares ao Al(OH)3, que possuem íons sulfato em suas estruturas, apresentam perda de massa acima de 800 oC atribuída à decomposição do SO42- a SO333. No processo industrial, a principal impureza do hidróxido de alumínio é o íon sódio, o qual deve ser removido de modo a produzir uma alumina com aproximadamente 0,4-0,5% em massa de Na2O para ser usada no processo Hall-Héroult6.

O hidróxido de alumínio precipitado em nosso experimento apresenta coloração creme devido à adsorção das impurezas orgânicas. A presença das substâncias húmicas não interfere significativamente na qualidade dos produtos desejados de alumínio, de modo que a remoção destas impurezas não é necessária. No comércio são encontrados hidróxidos de alumínio de diferentes especificações e preços. O mais barato é o hidróxido obtido no processo Bayer que será usado para conversão na alumina metalúrgica (ou seja, para produção de alumínio metálico)28. Tais amostras apresentam 99,5% de pureza, são amareladas em virtude das impurezas orgânicas e encontram larga aplicação na manufatura de alúmen e outros produtos químicos de alumínio. O hidróxido branco, livre de impurezas orgânicas, é obtido por outra rota e serve para a produção de papel, pasta de dente e mármore artificial.

O maior problema ambiental da indústria com relação ao processo Bayer é o descarte do resíduo da bauxita: a lama vermelha. A solução que contém o resíduo gerado na etapa de refinamento, mesmo após a lavagem, ainda é muito alcalina e poderia contaminar a água do solo. As possibilidades de uso comercial deste resíduo em larga-escala não têm se mostrado muito promissoras25, mas em muitos países faz-se um aproveitamento produtivo da área de descarte, como por exemplo, a reintegração da área à agricultura6.

Do ponto de vista comercial, o hidróxido de alumínio mais importante é a gibbsita, obtida principalmente através da cristalização de soluções supersaturadas de aluminato de sódio (ou da neutralização dessas soluções pela reação com CO2) provenientes do processo Bayer2,5,6. A gibbsita (e também a bayerita) é formada por unidades octaédricas de [Al(OH)6] (Figura 7a), que compartilham arestas com outras unidades (Figura 7b) por meio de formação de ligações Al-OH-Al (m-hidroxo-pontes). Essas unidades octaédricas arranjam-se de modo a originar uma camada bidimensional ou lamela que contém íons OH- acima e abaixo do plano onde se situam os íons metálicos (Figura 7c). Vale ressaltar que nas lamelas da gibbsita, 1/3 dos sítios octaédricos não estão preenchidos por íons Al3+, ou seja, existem interstícios de simetria octaédrica. As lamelas neutras empilham-se face a face, estabelecendo interações do tipo ligações de hidrogênio (Figura 7d). A diferença entre os tri-hidróxidos gibbsita, bayerita e nordstrandita está na maneira como as lamelas se empilham ou se sobrepõem, o que leva a valores distintos de espaçamento basal para as três formas: 4,85, 4,72 e 4,79 Å, respectivamente34.


As formas polimorfas g-AlO(OH), boehmita, e a-AlO(OH), diaspório, contêm cadeias duplas de octaedros [AlO6] que compartilham arestas35. Na primeira forma, essas cadeias arranjam-se formando lamelas enrugadas ou pregueadas enquanto na segunda, o arranjo das cadeias gera uma estrutura tridimensional.

Alumina

Embora o objetivo do nosso trabalho seja a preparação da a-Al2O3 a partir do hidróxido, entendemos que alguns comentários sobre as aluminas ativadas são pertinentes em virtude do grande interesse científico e comercial destes materiais que apresentam atividade catalítica e alto poder de adsorção.

Os hidróxidos de alumínio (tri-hidróxidos, óxido-hidróxidos e hidróxido gelatinoso não-estequiométrico), quando submetidos a tratamento térmico, geram uma classe de compostos denominados aluminas ativadas ou g-alumina de composição química Al2O(3-x)(OH)2x, onde x = 0-0,836. Essa classe compreende um conjunto de fases, designadas por letras do alfabeto grego (d, q, h, r, k, c), que são formadas em regiões de temperaturas superiores àquela que gera uma fase estruturalmente desorganizada (que se segue à decomposição dos hidróxidos de alumínio) e inferiores àquela que leva à formação da a-alumina36:

No processo de aquecimento dos hidróxidos de alumínio, ocorre a condensação de grupos ¾OH e a liberação de moléculas de água. A superfície das aluminas ativadas é composta por íons Al3+, O2- e OH-, que se combinam de maneiras específicas para gerar sítios ácidos ou básicos responsáveis pela atividade superficial de grande importância nos processos de adsorção, cromatografia e catálise36. Outros íons também podem estar presentes, alterando as propriedades do material. A impregnação da g-Al2O3 com ácido sulfúrico gera, por exemplo, uma alumina sulfatada classificada como um catalisador superácido, que encontra aplicação em várias reações orgânicas37.

As aluminas ativadas são sólidos porosos. A área específica da gibbsita, a-Al(OH)3, por exemplo, pode atingir o valor de 300 m2/g quando aquecida a aproximadamente 370 oC. Aumentando-se a temperatura acima desse valor, a área específica diminui, o material torna-se mais denso e estruturalmente melhor organizado; em ca. 1200 oC, forma-se a a-Al2O3 com uma área de aproximadamente 5 m2/g36.

Assim como os hidróxidos de alumínio, as aluminas ativadas apresentam comportamento anfotérico: dissolvem-se em soluções de pH menor que 2 e superior a 12 (com exceção de uma fase de baixa cristalinidade designada r que apresenta menor estabilidade química)36.

As propriedades químicas e texturais da alumina ativada obtida no processo de calcinação depende do hidróxido precursor (natureza, grau de pureza e tamanho de partículas, por exemplo) e das condições de "ativação" (atmosfera e velocidade de aquecimento, por exemplo), entre outros fatores36. A gibbsita é o principal precursor para a preparação das aluminas ativadas mas outros precursores também são utilizados. O baixo custo da rota de obtenção de aluminas ativadas por meio da calcinação dos hidróxidos de alumínio é uma das suas principais vantagens em relação a outros métodos; porém, o material obtido apresenta quantidades de íons sódio que prejudicam a sua atividade catalítica. As aluminas ativadas de melhor desempenho catalítico (mas de maior custo) têm sido preparadas a partir do método sol-gel, empregando-se como precursores sais de Al3+ ou alcóxidos de alumínio36,38.

A alumina obtida no processo Bayer e destinada à produção de alumínio metálico é produzida por calcinação a aproximadamente 1100 oC e contém 20-50% de a-Al2O3 (o restante é constituído geralmente pelas fases d, q, k) 5,6,39. A a-Al2O3 é um material inerte, de alta dureza (valor 9 na escala de Mohs), alto ponto de fusão (2.045 oC) e que apresenta comportamento de isolante elétrico. Tais propriedades tornam possível o emprego da alumina na confecção de materiais abrasivos, refratários e cerâmicos35, como mencionado na parte introdutória. Convém ressaltar que a a-Al2O3 não se dissolve em soluções aquosas ácidas ou básicas.

Conforme mencionado acima, quando calcinados a altas temperaturas, os hidróxidos de alumínio formam a a-Al2O3, a forma mais estável de alumina anidra. A estrutura da a-alumina é composta por unidades octaédricas de [AlO6] que compartilham faces, além de arestas e vértices, formando uma estrutura tridimensional40. Em nosso experimento, o hidróxido de alumínio calcinado a 1100 oC produziu um sólido branco, que deve conter, além de outras fases, a a-Al2O3.

Alúmen de potássio

Na preparação do alúmen de potássio, KAl(SO4)2·12H2 O, utilizamos, como fonte de íons Al3+, o hidróxido de alumínio precipitado a partir da solução de aluminato de sódio. Em uma primeira etapa, o hidróxido de alumínio foi dissolvido em solução de hidróxido de potássio (fonte de íons K+), gerando uma solução de aluminato de potássio:

Em seguida, foi adicionada solução de ácido súlfurico (fonte de íons SO42-), que em um primeiro estágio provocou a precipitação do hidróxido de alumínio e, posteriormente, em virtude da diminuição do pH do sistema, a formação de uma solução contendo os três íons constituintes do alúmen desejado:

As equações acima descritas são representações muito simplificadas dos complicados processos que ocorrem em meio aquoso.

A concentração da solução contendo os íons Al3+, K+ e SO42- por evaporação do solvente e o abaixamento de temperatura provocam a precipitação do alúmen de potássio. Considerando os valores de solubilidade41 do KAl(SO4)2·12H2 O (11,4 g/100 mL H2O a 20 oC) em relação aos dos sais Al2(SO4)3·18H 2O (86,9 g /100 mL H2O a 0 oC) e K2SO4 (12 g/100 mL H2O a 25 oC), verifica-se que a solubilidade do alúmen é a menor, propiciando o seu isolamento da solução. Para atestar a pureza do alúmen de potássio obtido no presente experimento, foram registradas a curva termogravimétrica (TGA) e a sua derivada (DTG)32. Segundo a literatura12,42,43, o KAl(SO4)2·12H2 O (474,39 g/mol; ponto de fusão = 92,5oC) perde 9 moléculas de água a 65 oC, desidrata-se a aproximadamente 200 oC e, em temperaturas superiores, perde SO3, tornando-se básico. A curva TGA do nosso produto (Figura 8) mostrou a perda de 45,2% de massa, o que corresponde à saída de aproximadamente 12 moléculas de água (a perda de massa calculada para a obtenção do alúmen anidro é 45,6%). Nas condições empregadas no experimento, a amostra de alúmen perdeu 9 moléculas de água no intervalo de 50 a 170 oC (pico DTG em 128 oC) e as 3 moléculas restantes em 180-300 oC (pico DTG em 258 oC); acima de aproximadamente 750 oC, a amostra sofre decomposição.


Os resultados de termogravimetria indicaram que o sólido isolado contém baixo teor de impurezas. Foram obtidos 44,9 g de alúmen de potássio, o que indica um rendimento de 47% quando se considera que 20 g da amostra de bauxita continham 50% de Al2O3 (~ 0,2 mols de Al3+). A perda de íons alumínio foi menor no experimento de obtenção do alúmen quando comparado ao de obtenção da alumina porque no último caso o processo de lavagem do hidróxido metálico foi mais extenso, acarretando perdas por manuseio.

O alúmen de potássio é facilmente purificado por recristalização porque a sua solubilidade aumenta acentuadamente com o aumento da temperatura (5,9 g do composto anidro/100g água a 20 oC e 154g/100g a 100 oC)42. No experimento de crescimento do monocristal descrito na parte experimental, é possível isolar bonitos cristais de alúmen de forma octaédrica, que possuem aproximadamente 1 cm de aresta. A execução deste tipo de experimento abre a possibilidade de discussão de assuntos como crescimento de cristais, hábito cristalino, monocristais e sólidos policristalinos18,44. Na estrutura do KAl(SO4)2·12H2 O, há seis moléculas de água ao redor de cada cátion14,15. Os sais contendo a fórmula genérica MIMIII(SO4)2 ·12H2O (MI = íon monovalente; MIII = íon trivalente) são denominados, de uma maneira geral, alúmens. Nestes sais duplos, o potássio é substituído por cátions como Na+ ou NH4+ e o alumínio, por íons como o Cr3+ ou Fe3+.

CONCLUSÕES

O experimento didático proposto neste artigo permite, por meio de procedimentos simples e de baixo custo, efetuar a preparação de compostos de grande interesse científico e importância comercial, a partir do minério de alumínio. A discussão das várias etapas do experimento pode ser aprofundada em função da natureza da disciplina, ou seja, pode ser adaptada tanto a disciplinas de Química Geral quanto àquelas de enfoque Inorgânico.

AGRADECIMENTOS

Aos pós-graduandos A. C. V. Negrón, C. F. B. da Silva, M. L. S. Pires e A. S. Maia (monitores do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino, PAE, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP) e aos graduandos D. C. Pereira e C. R. Gordijo pelo auxílio na execução dos experimentos; ao pós-graduando M. A. Bizeto pelo registro das curvas TGA; à Central Analítica do IQ-USP pelo registro dos espectros vibracionais no IV; aos técnicos do laboratório didático de Química Inorgânica do IQ-USP pela colaboração na organização de reagentes e materiais solicitados; à Cia. Brasileira de Alumínio pelo fornecimento do minério de alumínio e, também, aos alunos do curso de Química que cursaram a disciplina QFL-114 em 1999 e 2000.

REFERÊNCIAS

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11. http://www.dnpm.gov.br/suma2001/ALUMÍNIO_Revisado.doc, acessada em Julho 2001

12. Ibidem ref. 6, p. 1-24.

28. Ibidem ref. 5, p. 317-330.

30. Registro efetuado em equipamento Bomem MB 100, no intervalo de 4000-400 cm-1, resolução de 4 cm-1, diluindo-se a amostra em KBr.

32. Experimento realizado em equipamento Shimadzu TGA-50, empregando atmosfera dinâmica de ar sintético (50 mL/min) e velocidade de aquecimento igual a 20 °C/min até 900 °C.

36. Ibidem ref. 5, p. 291-302.

39. Ibidem ref. 5, p. 302-317.

40. Ibidem ref. 34, p. 544, 552, 598.

42. Ibidem ref. 5, p. 330-338.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Maio 2002

Histórico

  • Aceito
    24 Ago 2001
  • Recebido
    04 Maio 2001
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