Acessibilidade / Reportar erro

Triterpenos e ferulatos de alquila de Maprounea guianensis

Triterpenes and alkyl ferulates from Maprounea

Resumo

This work describes the phytochemical study of hexane extracts from the stem of Maprounea guianensis. Besides 3-oxo-21alpha-H-hop-22(29)-en (moretenone), beta-sitosterol, lupenone and lupeol, a mixture of dodecosyl, tetracosyl, hexacosyl, octacosyl and triacontyl ferulates was also isolated, as well as 3-beta-acetoxy-lup-20(29)-en-28-oic acid, 3beta-O-trans-p-coumaroyl-lup-20(29)-en-28-oic acid and 3beta-O-trans-p-coumaroyl-urs-12-en-28-oic acid. The structures of these compounds were established by spectroscopic analysis.

Maprounea guianensis; triterpenes; alkyl ferulates


Maprounea guianensis; triterpenes; alkyl ferulates

ARTIGO

Triterpenos e ferulatos de alquila de Maprounea guianensis

Triterpenes and alkyl ferulates from Maprounea

Juceni P. DavidI, * * e-mail: juceni@ufba.br ; Marilena MeiraII; Jorge M. DavidII; Maria Lenise da S. GuedesIII

IFaculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA

IIInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA

IIIInstituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia, 40170-290 Salvador - BA

ABSTRACT

This work describes the phytochemical study of hexane extracts from the stem of Maprounea guianensis. Besides 3-oxo-21a-H-hop-22(29)-en (moretenone), b-sitosterol, lupenone and lupeol, a mixture of dodecosyl, tetracosyl, hexacosyl, octacosyl and triacontyl ferulates was also isolated, as well as 3-b-acetoxy-lup-20(29)-en-28-oic acid, 3b-O-trans-p-coumaroyl-lup-20(29)-en-28-oic acid and 3b-O-trans-p-coumaroyl-urs-12-en-28-oic acid. The structures of these compounds were established by spectroscopic analysis.

Keywords:Maprounea guianensis; triterpenes; alkyl ferulates.

INTRODUÇÃO

Maprounea guianensis Aublet é uma árvore pertencente à família Euphorbiaceae, que consiste de 290 gêneros e 7500 espécies distribuídas nas regiões tropicais e temperadas do globo, concentrando-se principalmente na África e América tropical1. A família Euphorbiaceae consiste de plantas dicotiledôneas, ervas, arbustos e árvores, algumas suculentas semelhantes a cactos, que são caracterizadas freqüentemente pela ocorrência de seiva leitosa geralmente tóxica1. Entre as espécies mais conhecidas desta família encontram-se quebra-pedra, aveloz, mandioca, mamona e seringueira2.

O estudo do gênero Maprounea tem despertado o interesse dos pesquisadores devido às atividades biológicas de suas espécies. Por exemplo, tem sido atribuída potente atividade anti-HIV e anti-tumoral à espécie M. africana3. Este gênero é pouco representado no Brasil, não se podendo afirmar se este contribui com uma ou duas espécies no país, haja vista que a identificação botânica da espécie M. guianensis tem levantado controvérsias, sendo que alguns autores a identificam como sendo M. brasiliensis4. Deste modo, o estudo fitoquímico com as espécies do gênero tem grande importância quimiossistemática. O estudo anteriormente realizado com o caule de M. guianensis coletada em Demerara - Georgetown (Guiana) relata o isolamento de 3-oxo-21b-H-hop-22(29)-eno (moretenona) e ácido 3-acetilaleuritólico5. Este trabalho descreve o isolamento e elucidação estrutural de metabólitos secundários presentes no extrato hexânico do caule desta espécie, em comparação com os resultados previamente reportados. Deste extrato, além de 3-oxo-21a-H-hop-22(29)-eno ou moretenona (1), b-sitosterol, lupenona e lupeol foi isolada a mistura dos E-ferulatos de dodecosila (2), tetracosila (3), hexacosila (4), octacosila (5), triacontila (6), bem como os ácidos 3-b-acetoxi-lup-20(29)-eno-28-óico (7), 3b-O-trans-p-cumaroil—lup-20(29)-eno-28-óico (8) e 3b-O-trans-p-cumaroil-urs-12-eno-28 -óico (9). A identificação estrutural destas substâncias foi realizada por meio da análise de dados espectrométricos de EMIE e RMN de 1H e 13C (PND e DEPT).

PARTE EXPERIMENTAL

Os espectros de RMN foram obtidos em espectrômetro Gemini 300 da Varian, sendo utilizado o sinal do solvente como referencial interno. Os espectros de massas foram obtidos por meio de injeção direta no detetor de massas da HP modelo 5973.

Os caules de Maprounea guianensis foram coletados na restinga do Parque Metropolitano da Lagoa do Abaeté (Salvador, BA). A identificação da espécie foi realizada e uma exsicata desta foi depositada sob número 041211 no Herbário Alexandre Leal Costa, do Instituto de Biologia da UFBA. Para avaliação da citotoxicidade, tanto dos extratos brutos quanto das substâncias isoladas, foi utilizado o teste de letalidade de Artemia salina6.

Isolamento dos constituintes

Os caules foram secos e moídos, sendo a seguir macerados com MeOH. O extrato metanólico do caule foi então submetido a sucessivas partições entre hexano:MeOH/H2O (9:1), CHCl3:MeOH/H2O (6:4) e AcOEt:H2O (6:4).

O extrato hexânico obtido (8,68 g) foi submetido a CC de sílica gel, usando como sistema de solvente hexano:AcOEt em ordem crescente de polaridade e as frações obtidas foram, então, purificadas como descrito a seguir. A fração eluída em hexano:AcOEt (9:1) foi submetida a nova CC sob sílica gel (40-60 mm) utilizando como eluente CHCl3 que, a seguir, foi purificada por recristalização em hexano. A parte insolúvel foi identificada como 3-oxo-21a-H-hop-22(29)-eno (1, 265,0 mg). A fração da CC inicial eluída em hexano:AcOEt (8:2) foi submetida a CC sob sílica gel (40-60 mm) utilizando como eluentes CHCl3:AcOEt (99:1). Deste modo, obteve-se o ácido 3-b-acetoxi-lup-20(29)-eno-28-óico (7, 11,8 mg). A fração (CC inicial) eluída em hexano:AcOEt (6:4) foi submetida a CC sob sílica gel (40-60 mm) utilizando como eluente hexano:AcOEt (7:3), seguida de purificação por CCDP desenvolvida com CHCl3:AcOEt (95:5), fornecendo o ácido 3b-O-trans-p-cumaroil—lup-20(29)-eno-28-óico (8, 21,7 mg) e o ácido 3b-O-trans-p-cumaroil-urs-12-eno-28-óico (9, 27,6 mg). Enquanto que a mistura de ferulatos (2 - 6) foi obtida a partir de quatro CC sucessivas em SiO2 usando como eluente em cada coluna, hexano/AcOEt (6:4), CHCl3/AcOEt (99:1), hexano/AcOEt (8:2) e hexano:AcOEt (9:1), respectivamente.

Dados físicos das substâncias isoladas

3-Oxo-21a-H-hop-22(29)-eno (1), C30H48O. EM m/z (int. rel.): 424 (24), 205 (29), 189 (100), 190 (22), 191 (13), 149 (12), 148 (14), 147 (18), 123 (14), 121 (22), 120 (8), 119 (17), 109 (20), 108 (9), 107 (27), 105 (17), 95 (30), 93 (28), 91 (16), 69 (20), 68 (15), 67 (25), 55 (28). RMN 1H [300 MHz, CDCl3, d (ppm), multiplicidade, J (Hz)]: d 2,41 (m, H-2), 1,05 (s, Me-23), 0,93 (s, Me-24), 1,00 (s, Me-25 e Me-26), 0,91 (s, Me-27), 0,67 (s, Me-28), 4,65 (d, H-29a, J=1,1 Hz), 4,67 (d, H-29 b, J= 1,1 Hz), 1,65 (s, Me-30). Dados de RMN 13C (Tabela 1).

Mistura dos E-ferulatos de dodecosila (2), tetracosila (3), hexacosila (4), octacosila (5), triacontila (6). EM m/z: 502 (C32H54O4), 530 (C34H58O4), 558 (C36H62O4), 586 (C38H66O4) e 614 (C40H70O4). Dados de RMN 1H e 13C comparados com os encontrados na literatura7,8. RMN 1H [300 MHz, CDCl3, d (ppm), multiplicidade, J (Hz)]: d 0,89 (H3C, t, 7,0), 1,27 (n-1, m), 1,27 (H-4'a, n-2, m), 1,59 (H-2' e H-3', m), 3,94 (H3CO, s), 4,20 (H-1', t, 6,8), 6,31 (H-8, d, 15,9), 6,93 (H-5, d, 8,2), 7,05 (H-2, d, 1,8), 7,08 (H-6, dd, 1,8; 8,1), 7,62 (H-7, d, 15,9). RMN 13C [75 MHz, CDCl3, d (ppm)]: d 127,09 (C-1), 109,33 (C-2), 147,91 (C-3), 146,76 (C-4), 114,69 (C-5), 123,00 (C-6), 144,57 (C-7), 115,74 (C-8), 167,32 (C-9), 55,93 (H3CO), 64,59 (C-1'), 31,91 (C-2'), 25,98 (C-3'), 26,0 - 29,67 (n-3), 31,91 (n-2'), 22,66 (n-1'), 14,07 (H3C').

Ácido 3-b-acetoxi-lup-20(29)-eno-28-óico (7), C32H50O4. EM m/z (int. rel.): 498 (3), 482 (2), 452 (3), 438 (24), 423 (12), 395 (15), 248 ( 23), 234 (16), 203 (26), 189 (100), 190 (44), 191 (26), 175 (27). RMN 1H [300 MHz, CDCl3, d (ppm), multiplicidade, J (Hz)]: d 4,49 (dd, J=9,7 e 5,9 Hz, H-3), 2,06 (s, H3CCOO), 0,98 (s, Me-23), 0,94 (s, Me-24), 0,86 (s, Me-25), 0,85 (s, Me-26), 0,84 (s, Me-27), 4,75 (d, H-29a), 4,62 (d, H-29b), 1,71 (s, Me-30). Dados de RMN 13C (Tabela 1).

Ácido 3b-O-trans-p-cumaroil-lup-20(29)-eno-28-óico (8), C39H54O5. EM m/z (int. rel.): 602 (2), 438 (14), 439 (6), 395 (12), 248 (33), 203 (20), 191 (22), 190 (30), 189 (38), 187 (18), 175 (13), 164 (20), 163 (13), 147 (100), 136 (13), 135 (12), 133 (17), 121 (27), 120 (10), 119 (23), 107 (18), 93 (16), 91 (14), 83 (11), 81 (17), 71 (10), 69 (22), 57 (14), 55 (21). RMN 1H [300 MHz, CDCl3, d (ppm) , multiplicidade, J (Hz)]: d 7,43 (d, J=9 Hz, H-2' e H-6'), 6,85 (d, J=9 Hz, H-3' e H-5'), 7,61 (d, J=15,9 Hz, H-7'), 6,30 (d, J=15,9 Hz, H-8'), 4,15 (m, H-3), 4,75 (sl, H-29a), 4,62 (sl, H-29b), 1,72 (s, Me-30), 0,99 (s, Me-23), 0,95 (s, Me-24), 0,92 (s, Me-25), 0,89 (s, Me-26), 0,88 (s, Me-27). Dados de RMN 13C (Tabela 1).

Ácido 3b-O-trans-p-cumaroil-urs-12-eno-28-óico (9). C39H54O5. EM m/z (int. rel.): 602 (2), 438 (6), 395 (1), 248 (100), 249 (20), 219 (13), 203 (82), 204 (25), 205 (11), 192 (15), 191 (81), 190 (89), 189 (44), 187 (7), 188 (7), 175 (17), 165 (13), 163 (11), 147 (50), 133 (39), 121 (10), 119 (9), 105 (8). RMN 1H [300 MHz, CDCl3, d (ppm), multiplicidade, J (Hz)]: d 7,39 (d, J=9 Hz, H-2' e H-6'), 6,81 (d, J=9 Hz, H-3' e H-5'), 7,58 (d, J=15,9 Hz, H-7'), 6,26 (d, J=15,9 Hz, H-8'), 4,55 (t, H-3), 5,20 (t, H-12), 0,95 (s, Me-23), 0,75 (s, Me-24), 0,89 (s, Me-25), 0,82 (s, Me-26), 1,05 (s, Me-27). Dados de RMN 13C (Tabela 1).

Teste de citotoxicidade

Teste de letalidade de Artemia salina. O teste foi realizado a partir do método adaptado por Serrano e colaboradores6. A descrição do procedimento experimental detalhado encontra-se na literatura9. O extrato hexânico do caule de Maprounea guianensis não apresentou atividade citotóxica (DL > 1000). No entanto, o extrato clorofórmico e acetato de etila apresentaram 90% e 100% de atividade, respectivamente. As substâncias 1-9 foram testadas e mostraram-se inativas (DL > 1000).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O b-sitosterol, a lupenona e o lupeol foram identificados através da comparação dos dados de RMN com os descritos na literatura8,10.

A substância 1 apresentou o pico do íon molecular em m/z 424 no espectro de massas que, aliado aos dados obtidos dos espectros de RMN 13C (Tabela 1), permitiu sugerir a fórmula molecular C30H48O. Além disso, o pico base registrado em m/z 189 indicou que esta substância possuía um esqueleto triterpênico pentacíclico da série lupeno ou hopeno11. Esta observação foi suportada pela análise dos dados de RMN, uma vez que o espectro RMN 1H mostrou a presença de sete metilas (singletos), destacando-se dentre estes o sinal da metila ligada a carbono sp2 em d 1,65 que, juntamente com os dubletos em d 4,67 e d 4,65 atribuídos aos dois hidrogênios olefínicos, caracterizam o grupo isopropenil. Nesse espectro foi também observada a presença de um multipleto em d 2,41 atribuído aos dois hidrogênios a-carbonílicos. No espectro de RMN de 13C, a presença do sinal em d 217 e a ausência do sinal do carbono oximetínico (d 79) sugeriu a presença de uma carbonila em C-3. Comparação dos deslocamentos químicos encontrados nos espectros RMN 13C especialmente do C-17, C-18, C-19, C-21 e do grupo isopropenil da substância 1 com os mesmos carbonos no 21aH-hop-22(29)-eno, hopeno e derivados de lupeno permitiu determinar que a substância 1 pertence à série 21aH-hop-22(29)-eno12. Triterpenos do grupo hopeno podem apresentar o grupo isopropil no C-21 em pseudo-axial e pseudo-equatorial. Estes podem ser diferenciados pelos deslocamentos químicos do C-17, C-18, C-19 e especialmente C-21. Nos triterpenos onde o grupo isopropil possui a configuração pseudo-axial, o C-21 é registrado em menor deslocamento químico (d 46,5) e naqueles em que este grupo está pseudo-equatorial (série 21aH), o C-21 encontra-se mais desprotegido (d 48). Na literatura5,10 são encontrados dados de RMN 13C comparáveis com os encontrados para a substância 1.

O espectro RMN de 1H de 2 - 6 mostrou os sinais característicos do grupo trans-feruloíla. Entre estes, pode-se observar sinais para três hidrogênios aromáticos 1,2,4-tri-substituído, além de dois hidrogênios olefínicos conjugados à carbonila em relação trans (J = 15,9 Hz), bem como a presença do sinal de metoxila ligado a anel aromático (d 3,94). A presença da cadeia alcoxílica foi caracterizada pelo tripleto em d 0,89 referente aos hidrogênios do grupo metila terminal, pelo singleto largo em d 1,27 correspondente aos hidrogênios metilenos e pelo tripleto desprotegido em d 4,20 referente aos hidrogênios oximetilênicos. A análise dos espectros de RMN de 13C (Tabela 1) e de massas, bem como comparação com dados da literatura8 sugeriu que estas substâncias eram ferulatos de alquilas. Assim, foi determinado o comprimento das cadeias alquílicas dos ferulatos presentes e a proporção entre eles, com base nos valores dos picos do EM e suas abundâncias relativas. Os picos dos íons moleculares registrados em m/z 614 (3), 586 m/z (357), m/z 558 (719), m/z 530 (76) e m/z 502 (24) no espectro EMIE mostraram que esta mistura era constituída dos E-ferulatos de triacontila, (C40H70O4, 2), octacosila (C38H66O4, 3), hexacosila (C36H62O4, 4), tetracosila (C34H58O4, 5) e dodecosila (C32H54O4, 6) nas proporções 0,3 : 30,3 : 61,0 : 6,4 : 2,0 respectivamente.

Os espectros de RMN 1H de 7 e 8 mostraram a presença de sinais característicos de hidrogênios olefínicos entre d 4,7 - d 4,6 bem como os duplos dubletos (d 4,49 e 4,15), que foram atribuídos aos hidrogênios oximetínicos, que encontravam-se mais desprotegidos que o esperado na posição 3 dos triterpenos. Este sinal sugere a esterificação de triterpenos nesta posição. Nos espectros de RMN 13C foram verificados os sinais característicos dos carbonos olefínicos dos triterpenos do grupo lupeno em aproximadamente d 150 (C-20) e d 109 (C-29), bem como o sinal do carbono oximetínico (C-3) mais desprotegido que o esperado, devido à esterificação em ca. d 80. O triterpeno 7 apresentou 32 sinais no espectro de RMN 13C e, juntamente com o pico do íon molecular registrado em m/z 498 no espectro EMIE, permitiram sugerir a fórmula molecular C32H50O4. Foram ainda observados nos espectros de RMN de 1H e de 13C, o singleto característico de metila de grupo acetoxila (d 2,06), além dos sinais dos carbonos carbonílico e metílico de grupo acetoxila em d 171,0 e 21,3, respectivamente, e o sinal referente ao grupo carboxílico de ácido (C-28) em d 181,5. Comparação com os valores de RMN 13C da literatura empregando dois modelos de triterpenos como referência, o ácido betulínico13 e 3-b-acetiloxi-lup-20-(29)-eno10 permitiu atribuir os valores dos deslocamentos químicos dos carbonos e determinar a estrutura da substância 7 como sendo ácido 3-b-acetiloxi-lup-20(29)-eno-28-óico.

Os dados obtidos dos espectros de RMN 13C (Tabela 1) e RMN 1H além do pico do íon molecular registrado em m/z 602 no espectro EMIE sugeriram a fórmula molecular C39H54O5 para a substância 8. O espectro de RMN 1H desta substância apresentou também os sinais em d 7,61 e d 6,30, característicos para o sistema carbonílico a,b-insaturado com configuração trans (d, J = 15,9 Hz). Foi ainda observado o par de dubletos integrado para dois hidrogênios cada em d 7,43 e d 6,85 (J = 9 Hz) indicativos de anel aromático para-dissubstituído. Este conjunto de dados foi sugestivo da esterificação da unidade triterpênica com o ácido p-cumárico. Os sinais do espectro de RMN 13C quando comparados com os valores da literatura confirmaram a presença da unidade p-cumaroíla14. Esta informação foi corroborada pelo espectro de massas, cujo pico base foi o fragmento em m/z 147, típico da unidade p-cumaroíla. No espectro de RMN 13C além dos sinais da unidade p-cumaroíla, pode-se observar a presença da carboxila de ácido na posição C-28, através do sinal em d 181,7. A comparação com os valores de RMN 13C da literatura empregando dois modelos de triterpenos como referência, respectivamente o ácido betulínico e 3-b-acetiloxi-lup-20-(29)-eno10 permitiu propor a estrutura da substância 8 como sendo o ácido 3-b-O-trans-p-cumaroil-lup-20(29)-eno-28-óico.

A substância 9, semelhantemente à substância 8, apresentou no espectro de RMN 1H sinais que caracterizavam a unidade p-cumaroíla esterificada com um triterpeno. Foram também observados no espectro de RMN 1H sinais característicos de substância contendo esqueleto triterpênico. Entretanto, o sinal em d 5,20 do hidrogênio olefínico H-12 foi indicativo do esqueleto urseno. No espectro de RMN 13C verificou-se, além dos deslocamentos químicos referentes à unidade p-cumaroíla, a presença dos sinais característicos dos carbonos olefínicos dos triterpenos do grupo urseno em d 125,4 (C-12) e d 138,1 (C-13). Da mesma forma que o observado para a substância 8, a presença do íon molecular registrado em m/z 602 no espectro de massas sugeriu a fórmula molecular C39H54O5, corroborando a informação que o triterpeno estava esterificado com o ácido p-cumárico. Este espectro mostrou ainda o pico base em m/z 147, típico da unidade p-cumaroíla. A comparação com os valores de RMN 13C da literatura empregando como modelos o ácido 3-b-O-trans-p-cumaroil-2a-hidroxi-urs-12-en-28-óico e acetato de a-amirina permitiu propor a estrutura da substância 9 como sendo o ácido 3b-O-trans-p-cumaroil-urs-12-eno-28-óico.

O primeiro estudo realizado com o caule de um espécime de M. guianensis coletada em Demerara - Georgetown (Guiana) relata o isolamento de 3-oxo-21b-H-hop-22(29)-eno (moretenona) e ácido 3-acetilaleuritólico5. Neste reestudo a partir do caule de um espécime coletado na Bahia (Brasil) não foi isolado o ácido 3-acetilaleuritólico e apenas a presença do 3-oxo-21a-H-hop-22(29)-eno ou moretenona, foi coincidente. Entretanto, além de 1, foram isolados b-sitosterol, lupenona e lupeol e a mistura dos E-ferulatos de dodecosila (2), tetracosila (3), hexacosila (4), octacosila (5), triacontila (6), bem como os ácidos 3-b-acetoxi-lup-20(29)-eno-28-óico (7), 3b-O-trans-p-cumaroil—lup-20(29)-eno-28-óico (8) e 3b-O-trans-p-cumaroil-urs-12-eno-28-óico (9). A ocorrência de triterpenos esterificando ácido benzóico e derivados de ácido cinâmico parece ser comum em espécies do gênero Maprounea, tendo sido também registrada em M. africana e M. membranacea15.

O extrato hexânico do caule de Maprounea guianensis não apresentou atividade citotóxica (DL > 1000), enquanto que os extratos clorofórmico e acetato de etila apresentaram 90% e 100% de atividade, respectivamente. As substâncias 1-9 apresentaram DL50 > 1000, mostrando-se inativas. Substâncias que apresentam LD50 > 1000 µg/mL são consideradas inativas e as substâncias que apresentam LD50£ 100 µg/mL são muito ativas, comparáveis à camptotecina e ao sulfato de vincristina. As substâncias medianamente ativas são comparáveis ao ácido hipúrico e apresentam DL50³ 100 µg/mL, no intervalo entre 100 e 900 µg/mL9.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq pelas bolsas e auxílio financeiro.

REFERÊNCIAS

1. http://www.biodiversity.uno.edu/delyt, acessada em Outubro 2002.

2. Calixto, J. B.; Yunes, R. A.; Neto A. S.; Valle, R. M.; Rae, G. A.; Braz. J. Med. Biol. Res. 1984, 17, 313; Syamasundar, K. V.; Singh, B.; Thakur, R. S.; Husain, A.; Kiso, Y; Hikino, H.; J. Ethnopharmacol. 1985, 14, 41; http://www.rain-tree.com/aveloz.htm, acessada em Janeiro 2003.

3. Pengsuparp, T.; Cai, L.; Fong, H. S.; Kinghorn, A. D.; Pezzuto, J. M.; J. Nat. Prod. 1994, 57, 415; Wani, M. C.; Schaumberg, J. P.; Taylor, H. L.; Thompson, J. B.; Wall, M. E.; J. Nat. Prod. 1983, 46, 537.

4. Allem, A. C.; Acta Amazonica 1976, 6, 417; Esser, H. J.; Novon 1999, 9, 32.

5. McLean, S.; Perpickdumont, M.; Reynolds, W. F.; Jacobs, H.; Lachmansing, S. S.; Can. J. Chem. 1987, 65, 2519.

6. Serrano, C.; Ortega, T.; Villlar, A.; Phytother. Res. 1996, 10, 118.

7. Baldé, A. M.; Claeys, M.; Pieters, L. A.; Wray, V.; Vlietinck, A. J.; Phytochemistry 1991, 30, 1024;

8. Correia, S. J.; David, J. P.; David, J. M.; Quim. Nova 2003, 26, 36.

9. David, J. P.; Silva, E. F.; Moura, D. L.; Guedes, M. L. S.; Assunção, R. J.; David, J. M.; Quim. Nova 2001, 24, 730.

10. Wenkert, E.; Baddeley, G. V.; Burfitt, I. R.; Moreno, L. N.; Org. Mag. Resonance 1978, 11, 337; Mahato, S. B.; Kundu, A. P.; Phytochemistry 1994, 37, 1517.

11. Ogunkoya, L.; Phytochemistry 1981, 20, 121.

12. Chávez, J. P.; David, J. M.; Yang, S.; Cordell, G. A.; J. Nat. Prod. 1997, 60, 909.

13. Olea, R. S. G.; Roque, N. F.; Quim. Nova 1990, 13, 278.

14. Lee, S. S.; Shy, S. N.; Liu, K. C. S.; Phytochemistry 1997, 46, 549; Pauletti, P. M.; Araújo, A. R.; Bolzani, V. S; Quim. Nova 2002, 25, 349.

15. Chaudhuri, S. K.; Fullas, F.; Brown, D. M.; Wani, M. C.; Wall, M. E.; Cai, L. N.; Mar, W.; Lee, S. K.; Luo, Y. D.; Zaw, K.; Fong, H. H. S.; Pezzuto, J. M.; Kinghorn, A. D.; J. Nat. Prod. 1995, 58, 1; Beutler, J. A.; Kashman, Y.; Tischler, M.; Cardellina, J. H.; Gray, G. N.; Currens, M. J.; Wall, M. E.; Wani, M. C.; Boyd, M. R.; J. Nat. Prod. 1995, 58, 1039.

Recebido em 20/3/03; aceito em 13/6/03

  • 1. http://www.biodiversity.uno.edu/delyt, acessada em Outubro 2002.
  • 2. Calixto, J. B.; Yunes, R. A.; Neto A. S.; Valle, R. M.; Rae, G. A.; Braz. J. Med. Biol. Res. 1984, 17, 313;
  • Syamasundar, K. V.; Singh, B.; Thakur, R. S.; Husain, A.; Kiso, Y; Hikino, H.; J. Ethnopharmacol. 1985, 14, 41; http://www.rain-tree.com/aveloz.htm, acessada em Janeiro 2003.
  • 3. Pengsuparp, T.; Cai, L.; Fong, H. S.; Kinghorn, A. D.; Pezzuto, J. M.; J. Nat. Prod. 1994, 57, 415;
  • Wani, M. C.; Schaumberg, J. P.; Taylor, H. L.; Thompson, J. B.; Wall, M. E.; J. Nat. Prod. 1983, 46, 537.
  • 4. Allem, A. C.; Acta Amazonica 1976, 6, 417;
  • Esser, H. J.; Novon 1999, 9, 32.
  • 5. McLean, S.; Perpickdumont, M.; Reynolds, W. F.; Jacobs, H.; Lachmansing, S. S.; Can. J. Chem. 1987, 65, 2519.
  • 6. Serrano, C.; Ortega, T.; Villlar, A.; Phytother. Res. 1996, 10, 118.
  • 7. Baldé, A. M.; Claeys, M.; Pieters, L. A.; Wray, V.; Vlietinck, A. J.; Phytochemistry 1991, 30, 1024;
  • 8. Correia, S. J.; David, J. P.; David, J. M.; Quim. Nova 2003, 26, 36.
  • 9. David, J. P.; Silva, E. F.; Moura, D. L.; Guedes, M. L. S.; Assunção, R. J.; David, J. M.; Quim. Nova 2001, 24, 730.
  • 10. Wenkert, E.; Baddeley, G. V.; Burfitt, I. R.; Moreno, L. N.; Org. Mag. Resonance 1978, 11, 337;
  • Mahato, S. B.; Kundu, A. P.; Phytochemistry 1994, 37, 1517.
  • 11. Ogunkoya, L.; Phytochemistry 1981, 20, 121.
  • 12. Chávez, J. P.; David, J. M.; Yang, S.; Cordell, G. A.; J. Nat. Prod. 1997, 60, 909.
  • 13. Olea, R. S. G.; Roque, N. F.; Quim. Nova 1990, 13, 278.
  • 14. Lee, S. S.; Shy, S. N.; Liu, K. C. S.; Phytochemistry 1997, 46, 549;
  • Pauletti, P. M.; Araújo, A. R.; Bolzani, V. S; Quim. Nova 2002, 25, 349.
  • 15. Chaudhuri, S. K.; Fullas, F.; Brown, D. M.; Wani, M. C.; Wall, M. E.; Cai, L. N.; Mar, W.; Lee, S. K.; Luo, Y. D.; Zaw, K.; Fong, H. H. S.; Pezzuto, J. M.; Kinghorn, A. D.; J. Nat. Prod. 1995, 58, 1;
  • Beutler, J. A.; Kashman, Y.; Tischler, M.; Cardellina, J. H.; Gray, G. N.; Currens, M. J.; Wall, M. E.; Wani, M. C.; Boyd, M. R.; J. Nat. Prod. 1995, 58, 1039.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Aceito
      13 Jun 2003
    • Recebido
      20 Mar 2003
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br