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O biodiesel e a política de C & T brasileira

EDITORIAL

O biodiesel e a política de C & T brasileira

Discutir e consolidar as políticas nacionais de ciência e tecnologia é tarefa que cabe a vários segmentos da sociedade, com destaque para o envolvimento da comunidade científica e tecnológica e do setor produtivo. O Brasil iniciou recentemente a introdução, na sua matriz energética, do biodiesel, que é uma mistura de monoésteres de ácidos graxos1. Esta mudança de paradigma requer um esforço concentrado de todos os atores envolvidos, sendo que o profissional da Química tem papel de destaque em diversas etapas da cadeia produtiva desse novo combustível. A análise dessa situação nos leva diretamente a reflexões sobre as políticas nacionais de ciência e tecnologia e o papel dos pesquisadores neste contexto.

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) do Governo Federal, que envolve diversos ministérios, "objetiva a implementação de forma sustentável, tanto técnica, como economicamente, da produção e uso do Biodiesel, com enfoque na inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda"2. A principal ação do Ministério da Ciência e Tecnologia no PNPB é o gerenciamento da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel (RBTB), criada e implementada em março de 2004 com o intuito de articular a pesquisa e desenvolvimento do processo de produção, de forma a identificar e eliminar os gargalos tecnológicos da área.

A RBTB é um bom exemplo de como se estrutura uma base científico-tecnológica para dar apoio e orientar um programa político-social e econômico. Porém, analisando-se algumas ações e discursos governamentais, percebe-se que as dimensões social e política, muitas vezes, são colocadas à frente do conhecimento científico disponível nessa comunidade. Um exemplo é o fomento que vem sendo dado por diversos órgãos para produção de biodiesel a partir do óleo de mamona, que resultou no cultivo dessa oleaginosa em quase todo o território nacional. No entanto, a composição química peculiar desse óleo vegetal, com aproximadamente 90% do ácido graxo 12-hidroxi-cis-9-octadecenóico, conduz a limitações, tanto em nível da cinética da alcoólise do triacilglicerídeo e da separação e purificação dos produtos dessa reação3, quanto às suas propriedades físico-químicas para uso como biodiesel, principalmente devido a sua altíssima viscosidade4.

Por outro lado, também se percebe uma resistência da comunidade científica e empresarial às rotas tecnológicas alternativas para obtenção de biocombustíveis de óleos e gorduras, como as de craqueamento e hidrocraqueamento. Deve-se ter consciência que talvez a rota de transesterificação, baseada em uma tecnologia amplamente consagrada em nível mundial desde os anos 1930, quando as primeiras patentes foram concedidas5, não seja a mais apropriada em algumas situações.

A criação de uma estrutura de apoio em P&D&I não garante em si o direcionamento das ações (sejam governamentais, empresariais e da comunidade científica) a partir do conhecimento gerado e acumulado no seu escopo. Devem-se criar mecanismos que garantam a validação das ações de maneira integrada, tanto do ponto de vista da evolução do conhecimento científico e tecnológico gerado, como das questões ambientais, mas sempre ações apoiadas em uma postura ética e aberta dos diversos setores da sociedade.

Paulo A. Z. Suarez

IQ – UnB, Diretor da Divisão de Catálise da SBQ

Simoni M. P. Meneghetti

IQB – UFAL

Vitor F. Ferreira

IQ – UFF, Editor de QN

REFERÊNCIAS

1. Pinto, A. C.; Guarieiro, L. L. N.; Rezende, M. J. C.; Ribeiro, N. M.; Torres, E. A.; Lopes, W. A.; Pereira, P. A.; de Andrade, J. B.; J. Braz. Chem. Soc. 2005, 16, 1313.

2. http://www.biodiesel.gov.br, acessada em Setembro 2006.

3. Meneghetti, S. M. P.; Meneghetti, M. R.; Wolf, C. R.; Silva, E. C.; Lima, G. E. S.; Silva, L. L.; Serra, T. M.; Cauduro, F.; Oliveira, L. G.; Energy Fuels, ASAP Article 10.1021/ef060118m S0887-0624(06)00118-6.

4. Conceição, M. M.; Candeia, R. A.; Dantas, H. J.; Soledade, L. E. B.; Fernandes, V. J., Jr.; Souza, A. G.; Energy Fuels 2005, 19, 2185.

5. Chavanne, G.; BE 422,877, 1937 (CA 1938, 32, 4313).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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