Acessibilidade / Reportar erro

Co-eletrodeposição oscilatória de cobre e estanho

Oscillatory co-electroposition of copper and tin

Resumo

It is investigated in the present contribution the oscillatory co-electrodeposition of CuSn on a polycrystalline gold surface in the presence of Triton X-100 surfactant and citric acid as additive, in acidic media. The experiments were conducted under potentiostatic control and the system dynamics characterized in terms of the morphology and stability of the current oscillations. Besides modulations in the frequency and amplitude of the current oscillations, several patterned states were observed, including relaxation-like and mixed mode oscillations. The oscillations were found to be very robust and some time series presented regular motions up to about two hours.

oscillations; electrodeposition; self-organization


oscillations; electrodeposition; self-organization

ARTIGO

Co-eletrodeposição oscilatória de cobre e estanho

Oscillatory co-electroposition of copper and tin

Edson Joanni; Ernesto R. Gonzalez; Hamilton Varela* * e-mail: varela@iqsc.usp.br

Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 780, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

It is investigated in the present contribution the oscillatory co-electrodeposition of CuSn on a polycrystalline gold surface in the presence of Triton X-100 surfactant and citric acid as additive, in acidic media. The experiments were conducted under potentiostatic control and the system dynamics characterized in terms of the morphology and stability of the current oscillations. Besides modulations in the frequency and amplitude of the current oscillations, several patterned states were observed, including relaxation-like and mixed mode oscillations. The oscillations were found to be very robust and some time series presented regular motions up to about two hours.

Keywords: oscillations; electrodeposition; self-organization.

INTRODUÇÃO

A eletrodeposição de metais, ligas e óxidos metálicos em regime oscilatório tem sido objeto de vasta investigação nos últimos anos.1-9 Em termos da morfologia dos depósitos formados, um aspecto interessante é a estruturação interfacial auto-organizada adjacente ao processo oscilatório. Além de questões fundamentais associadas a esses processos ainda não decifradas, tal estratégia de manipulação da arquitetura interfacial por meio de processos auto-organizadores se apresenta como muito promissora para a obtenção de materiais eletródicos com propriedades específicas. Vários eletrodepósitos obtidos através dessa metodologia têm propriedades específicas e, portanto, possuem lugar de destaque em algumas aplicações. Como exemplo, pode-se citar as propriedades magnéticas de multicamadas de níquel e cobre (mais precisamente Ni/Cu e Cu).10-12

Oscilações de corrente durante a eletrodeposição de cobre e estanho na presença de surfactante foram observadas recentemente.2,5,9 O mecanismo geral associado ao aparecimento de oscilações durante a deposição de metais na presença de surfactantes é conhecido há algum tempo.13,14 Em linhas gerais, a adsorção de surfactantes catiônicos compete por sítios superficiais com os cátions em solução na mesma faixa de potencial, gerando, por conseguinte, uma curva corrente (I) versus potencial (φ) em forma de "N", com sua correspondente resistência diferencial negativa (NDR, negative differential resistance). Mecanisticamente, tais sistemas são classificados como osciladores eletroquímicos do tipo N-NDR. Adicionalmente, o transporte de massa de espécies eletroativas à superfície do eletrodo pode contribuir como um ciclo de retro-alimentação negativa. Nesses termos, Nakato e colaboradores5,9 discutiram os detalhes da dinâmica oscilatória do sistema Cu/Sn como dado a seguir. Considere-se inicialmente que o cobre é depositado em potenciais em torno de 300 mV menos negativo que o estanho. Devido à diferença de eletronegatividade, o estanho presente no co-depósito Sn-Cu encontra-se carregado positivamente e o cobre negativamente, de forma que a quantidade de surfactante catiônico adsorvido na superfície aumenta com o aumento do conteúdo de Sn, já que esse aumento corresponde a um valor mais negativo do potencial do eletrodo. Considerando inicialmente o estado de alta corrente catódica, φ assume um valor bem mais positivo que o valor da voltagem aplicada U, pois U = φ + IRt, em que Rt é a resistência total responsável pela queda ôhmica. A cobertura de surfactante é pequena, já que φ equivale a um valor precedente ao relativo à região da NDR. Nessas condições, a difusão efetiva de Sn2+ e Cu2+ à superfície atinge seu valor máximo. Assim, a densidade de corrente máxima corresponde à eletrodeposição ativa da liga Cu-Sn. Durante essa deposição, há uma diminuição da concentração superficial dos cátions Sn2+ e Cu2+, graças à difusão do seio da solução para a superfície do eletrodo. Conseqüentemente, há uma diminuição gradual em I, refletida no termo IRt, resultando em um deslocamento de φ (= U – IRt ) para valores mais negativos. Por outro lado, esse deslocamento em φ favorece o aumento da cobertura de surfactante. Nesse caso, a difusão de Sn2+ e Cu2+ à superfície é retardada pela presença do surfactante, dessa forma, I atinge seu valor mínimo e φ se torna praticamente igual à voltagem aplicada U. No estado de baixa corrente, apenas a redução lenta de Sn2+ e Cu2+ ocorre nas vacâncias e a concentração dessas espécies no plano reacional aumenta gradativamente, favorecendo o aumento de I até o ponto em que permite que φ seja suficientemente positivo, ocasionando um decréscimo na cobertura de surfactante; o ciclo completo se inicia novamente. Assim, a formação de multicamadas alternadas observada experimentalmente é explicada pelo fato de que, no estado de deposição passiva, a corrente é suficientemente baixa para que apenas cobre se deposite. No estado de deposição ativa, o aumento de corrente e conseqüente deslocamento de φ para valores mais negativos corresponde a um aumento do conteúdo de estanho na liga.

Apesar da aparente concordância entre os resultados obtidos e a explicação proposta pelos autores,5,9 há alguns pontos contraditórios na argumentação apresentada. De fato, como sugerido, a dependência entre a cobertura superficial de surfactante e o potencial do eletrodo é função da concentração superficial de estanho. Por outro lado, Zavarine et al.15 investigaram o efeito de aditivos orgânicos na eletrodeposição de estanho através da técnica espectro-eletroquímica de Raman. Entre os resultados obtidos, merece destaque o perfil voltamétrico da eletrodeposição de estanho na presença do surfactante Triton X-100 (Figura 2, ref. 15). Nesse experimento fica evidente o papel inibidor do surfactante, similarmente ao observado por Nakato e colaboradores.5,9 Aparentemente, a ausência de cobre nos experimentos de Zavarine et al.15 aponta para o fato de que a inibição causada pelo surfactante não depende da carga parcial induzida no estanho, devido à presença de outro metal sendo eletrodepositado. De fato, os autores atribuem o aumento da inibição do processo de deposição com o aumento da voltagem catódica à mudança de orientação com respeito à superfície da molécula de Triton X-100 adsorvida.



Adicionalmente ao sistema Cu/Sn, uma série de investigações sobre a co-eletrodeposição oscilatória com ligas com metais do grupo do ferro (incluindo Ni/P, Ni/W, e Co/W) foi estudada recentemente.16 Entre os importantes aspectos observados, tais estudos evidenciaram a presença de outros mecanismos envolvidos nas instabilidades cinéticas, como a presença de um sub-processo que esconde parcialmente a NDR em algumas condições.

Foi objeto de investigação do presente trabalho a co-eletrode-posição em regime oscilatório de íons Cu2+ e Sn2+ sobre superfícies policristalinas de ouro na presença do surfactante Triton X-100 e do aditivo ácido cítrico, e em solução aquosa de ácido sulfúrico. Os experimentos foram realizados sob controle potenciostático e a dinâmica caracterizada por meio de uma minuciosa investigação da morfologia e estabilidade das oscilações de corrente em função da resistência externa e da voltagem aplicada.

PARTE EXPERIMENTAL

O sistema Cu2+,Sn2+/Au foi estudado em solução aquosa (água purificada em sistema Milli-Q) de ácido sulfúrico (J.T. Baker) 0,5 M e ácido cítrico (J.T. Baker) 0,5 M, com concentração de sulfato de cobre (Merck) de 10 mM e sulfato de estanho (Merck) de 10 mM. O surfactante Triton X-100 (SPI Supplies) foi utilizado como aditivo na concentração de 2,5 g L-1. Todos os experimentos foram realizados a temperatura ambiente com soluções recém-preparadas e previamente deaeradas com nitrogênio por 20-30 min. Os experimentos eletroquímicos foram realizados em uma célula convencional com a configuração de 3 eletrodos. O eletrodo de trabalho consistiu em um disco de ouro policristalino (0,6 cm de diâmetro) em contato com a solução por meio da configuração de menisco. Uma rede de platina foi utilizada como contra-eletrodo e o eletrodo de referência foi o eletrodo reversível de hidrogênio preparado com a mesma concentração de ácido sulfúrico daquela do eletrólito de suporte, i.e. 0,5 M. Utilizou-se um potenciostato/galvanostato marca FAC modelo 200I acoplado a um programador universal EG&G ParC modelo 175. Um conjunto de resistências da marca Minipa, modelo MDR610, foi conectado em série entre o eletrodo de trabalho e o potenciostato. A resistência total associada à queda ôhmica, Rt, resulta da soma entre a resistência do eletrólito, RW, e a resistência conectada externamente, Rext. Como Rext é consideravelmente maior (entre uma e duas ordens de magnitude) que a resistência do eletrólito, apenas Rext foi considerada na discussão sobre o efeito da queda ôhmica. A Figura 1 ilustra as resistências mencionadas e a queda de potencial ao longo do circuito.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As principais características do sistema são mostradas na Figura 2, em termos dos perfis de densidade de corrente (j) versus voltagem (U) relativos à redução de Cu2+e Sn2+ sobre eletrodo de Au policristalino, na presença ou não do surfactante Triton X-100. Em ambos os casos, um pico de corrente característico da redução de cobre é observado em uma região de potencial entre 100 e 200 mV. A adição do surfactante resulta basicamente na redução considerável da corrente de redução, além de um sutil deslocamento do potencial de pico para valores mais negativos. Na ausência de Triton X-100 (linha pontilhada), a deposição de estanho ocorre majoritariamente em potenciais mais negativos, como evidenciado no pico em torno de –280 mV, atribuído à redução de estanho(II). Já no voltamograma obtido após a adição de 2,5 g L-1 de Triton X-100 (linha cheia) verifica-se, na faixa aproximada de -170 a -210 mV, uma acentuada queda da corrente catódica, o que indica a presença de uma resistência diferencial negativa (RDN) nessa região de potenciais. Nessa mesma curva observa-se, deslocado cerca de 250 mV para potenciais mais catódicos em relação à curva sem o surfactante, o pico de redução do estanho(II). Este resultado, guardadas as diferenças nos detalhes experimentais, mostra-se de acordo tanto com os obtidos por Nakanishi et al.,9 quanto com os de Zavarine et al..15 Adicionalmente, a co-deposição de Cu e Sn em diferentes regiões de potencial aplicado foi discutida recentemente por Finazzi et al..17 Os resultados revelados permitem concluir que o sistema em questão apresenta as condições necessárias para um comportamento oscilatório, conforme será visto nas séries temporais de corrente.

Oscilações de corrente foram observadas em uma ampla faixa de parâmetros experimentais do sistema base, mostrado na Figura 2. São ilustrados a seguir diferentes padrões oscilatórios obtidos em função de pares de resistência em série, Rext, e voltagem aplicada, U. Uma visão geral da faixa de resistência na qual oscilações são estáveis é dada na Figura 3 em termos de quatro séries temporais de corrente obtidas com distintos valores de Rext e mesmo potencial de polarização (U = -210 mV).



Nas duas primeiras séries (Rext = 30 e 35 Ω) o período das oscilações é da ordem de 1 min, mas verifica-se que esse período aumenta à medida que o tempo avança, alcançando mais de 2 min no final das séries. O aumento no período das oscilações mostra-se mais acentuado quando Rext = 35 Ω. Esse comportamento já não se verifica quando a Rext é 285 Ω, caso em que o período das oscilações permanece praticamente constante durante todo experimento. Em comum, nessas três primeiras séries, estão as amplitudes de corrente das oscilações, bastante regulares tanto em seus valores máximos quanto nos mínimos, quando caem próximo a zero para todos os casos. Essas três primeiras séries são bastante semelhantes, quanto à forma, às obtidas por Nakanishi et al.,9 apesar das diferenças nas composições das soluções de trabalho. No entanto, cabe ressaltar que os autores utilizaram um surfactante catiônico (Amiet-320), enquanto neste trabalho se utilizou Triton X-100, que é não-iônico. Experimentos sob condições idênticas mas com Rext = 400 Ω, evidenciaram um comportamento consideravelmente distinto das três séries anteriores. Neste caso, o período das oscilações inicialmente aumenta de 25 para 35 s até que, por volta de 15 min de experimento, começa a diminuir e no final atinge 10 s. Observa-se aqui a diminuição da amplitude das oscilações até atingir um estado estacionário de corrente (não oscilatório) após pouco mais de 50 min de experimento. Um pequeno trecho dessa série instável, ilustrado na Figura 3d, indica que a amplitude das oscilações é consideravelmente menor que a observada nas outras três séries temporais. Como discutido a seguir, uma miríade de estados dinâmicos foram observados em diferentes valores de resistência e voltagem aplicada. A janela de resistências externas na qual oscilações foram observadas está compreendida entre 10 Ω < Rext < 400 Ω.

Na Figura 4 estão representadas duas séries temporais de corrente para o mesmo valor de resistência, Rext = 90 Ω, e distintas voltagens aplicadas. Para U = - 200 mV observam-se oscilações de amplitude média e baixo período, enquanto que quando U = - 210 mV tanto o período quanto a amplitude de corrente são maiores. Morfologicamente, as oscilações de baixa amplitude (Figura 4a) apresentam etapas de relaxação consideravelmente menos agudas que as observadas no caso ilustrado na Figura 4b.



Os períodos de oscilação para essas duas séries estão representados nas partes (c) e (d) da Figura 4. Diferenças interessantes são observadas entre os dois casos. Mesmo para valores iguais de Rext têm-se, em potenciais de polarização que diferem somente 10 mV, comportamentos bastante distintos na evolução temporal do sistema. Além da grande diferença nas relativas escalas de tempo das duas séries já discutido anteriormente, é importante enfatizar a maior estabilidade apresentada no caso da série com período da ordem de 10 s e relaxações menos agudas, Figura 4c. De fato, a contínua diminuição do período mostrada na Figura 4d indica claramente a natureza transiente da série com U = -210 mV, mesmo levando em conta a grande quantidade de ciclos observados.

Um exemplo de transição espontânea para outro estado oscilatório é dado na Figura 5, para Rext = 200 Ω e U = -200 mV. Como na figura anterior, a variação do período de oscilação com o tempo é mostrada na parte (b). O primeiro ponto a ser destacado nesse caso é o caráter robusto do oscilador, evidenciado pela presença de oscilações estáveis por mais de 100 min. Essa característica não foi encontrada nos sistemas oscilatórios envolvendo eletrodeposição previamente relatados, e são até certo ponto surpreendentes se considerado que durante todo o processo a superfície é constantemente modificada pelo depósito. De fato, as oscilações resultam da eletrodeposição de dois metais e, portanto, o substrato é constantemente modificado durante as oscilações, em contraste ao observado em outros sistemas eletroquímicos como os de importância em eletrocatálise, nos quais a superfície permanece praticamente inalterada ao longo do processo.18-21 Além do caráter condutor do co-depósito formado, a estabilidade do oscilador indica ainda a possibilidade de se utilizar essa metodologia na formação de eletrodepósitos nanoestruturados relativamente espessos de forma rápida e, o mais importante, sem intervenção externa.



Os períodos das oscilações de corrente mostrados na Figura 5b são bastante irregulares, particularmente durante a transição entre 1000 e 2000 s. Após essa transição, as oscilações se apresentam relativamente estáveis com um sutil aumento de amplitude. Comparativamente ao primeiro regime instável observado antes da transição, as oscilações observadas a partir de cerca de 1800 s são caracterizadas por uma maior densidade de corrente durante o estado de deposição passiva, além de uma menor taxa reacional para a deposição ativa. Como observado, essa evolução redunda em uma diminuição de amplitude acompanhando a estabilização do oscilador.

Pelo exposto até aqui, pode-se dizer que o comportamento dinâmico do sistema se apresenta bastante diverso de acordo com os parâmetros Rext e U. Diferentes valores desses parâmetros podem resultar em séries temporais com diferentes amplitudes e períodos de oscilação. Contrastando com os outros experimentos mostrados até aqui, a investigação sobre a estabilidade e a morfologia das oscilações com Rext = 100 Ω foi feita em vários potenciais dentro da região oscilatória. O impacto da voltagem aplicada nas oscilações de corrente é dado na Figura 6.


Para uma melhor visualização dos detalhes dessa série temporal, ela foi dividida em partes. Detalhes da dinâmica oscilatória apresentada na Figura 6 são mostrados na Figura 7 em termos de diferentes séries temporais.



No início, Figura 7a, as oscilações apresentam certo caráter harmônico e se mantêm relativamente regulares. Após cerca de 240 s as oscilações se desdobram em um padrão duplicado e praticamente de mesma amplitude, Figura 7b. Essa duplicação de período persiste no decorrer do experimento, porém com diminuição da amplitude de uma delas. Outra transição espontânea no mesmo valor de voltagem aplicada ocorre em torno de 850 s e resulta em um padrão aproximadamente descrito como uma estrutura de modo misto com duas modulações agudas de baixa amplitude e uma excursão de grande amplitude por ciclo. Em grande extensão, nos experimentos com Rext = 100 Ω o aumento do valor da voltagem aplicada resulta em um aumento de amplitude das oscilações como mostrado na Figura 7d e e. As duas últimas séries mostradas aqui são consideravelmente semelhantes às apresentadas na Figura 4 com Rext = 90 Ω, e U = - 200 mV e - 210 mV, tanto em termos de amplitude quanto período. Portanto, os dois comportamentos-limite podem ser considerados como séries-padrão nas condições discutidas aqui.

Tanto a ocorrência de duplicação de período quanto a presença de oscilações complexas, como as mostradas na Figura 7b-d, ainda não foram descritas na literatura para o tipo de sistema de co-eletrodeposição. Tais ocorrências indicam que, pelo menos, três graus de liberdade devem ser incluídos na descrição dinâmica do sistema. Como candidatas mais óbvias ao papel destas três variáveis citam-se: o potencial do eletrodo, a cobertura do surfactante e o transporte de massa de uma espécie eletroativa genérica. Para o caso do transporte de massa, tanto Cu2+ quanto o Sn2+ estariam sujeitos ao transporte retardado ao plano reacional. Adicionalmente, como mencionado antes, o surfactante Triton X-100 adsorvido sobre a superfície do eletrodo de trabalho tem sua orientação relativa à superfície do eletrodo de acordo com o potencial aplicado, como demonstrado por Zavarine et al..15 Dessa forma, como o potencial na superfície do eletrodo de trabalho está dado por φ , calculado como 'U – jARext', em que A é a área do eletrodo, é justificável supor que a movimentação das moléculas de surfactante adsorvido poderia assumir papel preponderante nas instabilidades temporais globais.

Discutiu-se na introdução que as oscilações em sistemas que envolvem a co-deposição de metais, em particular cobre e estanho, consoante discussão de Nakato et al,.5,9 resultam na formação de camadas de composição alternada de acordo com a fase da oscilação. Na Figura 8 são mostrados os valores da voltagem aplicada, U, das oscilações de corrente, j, e do potencial do eletrodo no plano reacional φ (= U – jARext), para um trecho da série mostrada na Figura 6. Como já discutido, o aumento do sobrepotencial para o sistema sujeito a tais restrições resulta em um aumento na amplitude das oscilações de corrente. Graças à liberdade proporcionada pela inclusão da resistência externa e a queda ôhmica jARext associada, o potencial do eletrodo visita diferentes valores durante as oscilações. Como ilustrado na Figura 8c, a diferença de amplitude de corrente está relacionada a uma diferença equivalente em φ, particularmente na faixa entre 20 e 60 mV. Dado que o sistema em questão envolve diferentes metais sendo depositados preferencialmente em regiões específicas de potencial (ca. 180 mV para Cu2+/Cu e -280 mV para o Sn2+/Sn, ver Figura 2), espera-se que a variação do potencial do eletrodo redunde na formação de depósitos com diferentes composições ao longo das oscilações. No entanto, a variação do potencial do eletrodo não é o único parâmetro a ser utilizado na descrição da relação entre dinâmica e composição. A taxa reacional total, i.e. a densidade de corrente, experimentada ao longo das oscilações, informa diretamente quão rapidamente determinada composição está sendo depositada. Finalmente, o tempo em que determinado estado de corrente e potencial é visitado também determina a composição do depósito. Medidas específicas da composição do depósito formado não foram realizadas no presente trabalho, como exemplo, resultados de EDX para o sistema com composição inicial da solução de Cu2+/Sn2+ 50/50 mM revelaram a presença de filme com composição atômica da ordem de 85:15 (Cu:Sn).22 Nos trabalhos de Nakato e colaboradores, composições da ordem de 70:30 (Cu:Sn) foram atingidas.9


Uma das questões mais importantes no estudo de tais sistemas é, sem dúvida, a elucidação das condições experimentais adequadas para a obtenção de depósitos com composição e propriedades específicas, conhecendo-se apenas a dinâmica do oscilador e a química do sistema. Os resultados apresentados até aqui são compilados na Figura 9. Para facilitar a localização da amplitude das oscilações no potencial do eletrodo é mostrado também o perfil j/U relativo ao sistema completo incluindo o surfactante, conforme já apresentado na Figura 2. No eixo y da direita também é ilustrado o valor da resistência externada conectada. Diferentes valores de amplitude do potencial do eletrodo apontam para a co-existência de diferentes regimes ao longo das oscilações. Uma tendência geral observada com o aumento da resistência externa é o aumento da amplitude das oscilações. Esse fato é claramente percebido na Figura 9, principalmente se for levado em conta o caráter instável das oscilações observadas para Rext = 400 Ω e discutidas acima. Outro aspecto a ser enfatizado é que o potencial mínimo permanece em torno de -200 mV e que esse valor é menos sensível à variação dos parâmetros que o valor máximo. Finalmente, apesar de bastante informativa, a representação ilustrada na Figura 9 fornece apenas uma idéia a respeito das composições relativas do depósito formado, uma vez que não incorpora as escalas relativas de tempo das oscilações.


CONCLUSÕES

As instabilidades na co-deposição oscilatória de cobre e estanho sobre superfície policristalina de ouro, em meio ácido e na presença do surfactante Triton X-100 e do aditivo ácido cítrico, estão relacionadas à presença de uma região contendo uma resistência diferencial negativa na curva corrente/potencial. As instabilidades são observadas em termos de oscilações de corrente em uma certa faixa de voltagem aplicada e resistência externa.

Nas condições estudadas, o sistema mostrou-se bastante sensível às variações dos parâmetros voltagem aplicada e resistência externa. Além das consideráveis modulações da amplitude de corrente e dos períodos de oscilação, observou-se uma grande variedade de morfologias oscilatórias, algumas inéditas para sistemas de eletrodeposição. Entre os padrões observados pode-se citar: diferentes tipos de oscilações de relaxação, incluindo variações da escala de tempo entre as transições ativo/passivo e passivo/ativo, e oscilações de modo misto e estados concatenados compostos por oscilações com mesma amplitude e diferentes escalas de tempo e por oscilações com diferentes amplitudes e escalas de tempo.

O oscilador "Au / Cu2+,Sn2+,H2SO4, triton, ácido cítrico" mostrou-se bastante robusto, com oscilações consideravelmente regulares por cerca de 2 h de experimento, praticamente quatro vezes mais que as previamente relatadas.9 Além do caráter condutor do co-depósito formado, a estabilidade do oscilador indica ainda a possibilidade de se utilizar essa metodologia na formação de eletrodepósitos nanoestruturados relativamente espessos de forma rápida e, principalmente, sem intervenção externa deliberada. A diversidade de sistemas metálicos, como as ligas do grupo do ferro Ni-P, Ni-W e Co-W,16 e a quantidade de parâmetros experimentais acessíveis (voltagem aplicada, resistência externa, concentração e natureza de aditivos e surfactantes) tornam esse ramo bastante desafiador e interessante tanto nos seus aspectos fundamentais como, eventualmente, em aplicações específicas dos eletrodepósitos formados.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq e à FAPESP (04/04528-0), pelo apoio financeiro.

Recebido em 17/9/07; aceito em 18/1/08; publicado na web em 20/8/08

  • 1. Switzer, J. A.; Hung, C. J.; Huang, L. Y.; Switzer, E. R.; Kammler, D. R.; Golden, T. D.; Bohannan, E. W.; J. Am. Chem. Soc. 1998, 120, 3530.
  • 2. Survila, A.; Mockus, Z.; Juskenas, R.; Electrochim. Acta 1998, 43, 909.
  • 3. Bohannan, E. W.; Huang, L. Y.; Miller, F. S.; Shumsky, M. G.; Switzer, J. A.; Langmuir 1999, 15, 813.
  • 4. Lee, J.; Varela, H.; Uhm, S.; Tak, Y.; Electrochem. Commun. 2000, 2, 646.
  • 5. Sakai, S.; Nakanishi, S.; Fukami, K.; Nakato, Y.; Chem. Lett. 2002, 640.
  • 6. Nakanishi, S.; Fukami, K.; Sakai, S.; Nakato, Y.; Chem Lett. 2002, 636.
  • 7. Fukami, K.; Nakanishi, S.; Sakai, S.; Nakato, Y.; Chem.Lett. 2003, 532.
  • 8. Nakanishi, S.; Fukami, K., Tada, T.; Nakato, Y.; J. Am. Chem. Soc. 2004, 126, 9556.
  • 9. Nakanishi, S.; Sakai, S.; Nagai, T.; Nakato, Y.; J. Phys. Chem. B 2005, 109, 1750.
  • 10. Alper, M.; Baykul, M. C.; Péter, L.; Tóth, J.; Bakonyi, I.; J. Appl. Electrochem. 2004, 34, 841.
  • 11 Bird, K. D.; Schlesinger, M.; J. Electrochem. Soc. 1995, 142, L65.
  • 12. Meuleman, W. R. A.; Roy, S.; Péter, L.; Varga, I.; J. Electrochem. Soc. 2002, 149, C479.
  • 13. Dörfler, H. D.; Müller, E.; J. Electroanal. Chem. 1982, 135, 37.
  • 14. Krischer, K. Em Modern Aspects of Electrochemistry; Conway, B. E.; Bockris, J. O. M.; White, R., eds.; Kluwer Academic/Plenum: New York, 1999, vol. 32, p. 1.
  • 15. Zavarine, I. S.; Khaselev, O.; Zhang, Y.; J. Electrochem. Soc. 2003, 150, C202.
  • 16. Sakai, S.; Nakanishi, S.; Nakato, Y.; J. Phys. Chem. B 2006, 110, 11944.
  • 17. Finazzi, G. A.; Oliveira, E. M.; Carlos, I. A.; Surf. Coat. Technol. 2004, 187, 377.
  • 18. Grauel, P.; Varela, H.; Krischer, K.; Faraday Discuss. 2001, 120, 165.
  • 19. Varela, H.; Krischer, K.; Catal. Today 2001, 70, 411.
  • 20. Azevedo, D. C.; Pinheiro, A. L. N.; Gonzalez, E. R.; Eelectrochem. Solid St. 2001, 5, A51.
  • 21. Martins, A. L.; Batista, B. C.; Sitta, E.; Varela, H.; J. Braz. Chem. Soc. 2008, 19, 679.
  • 22. Joanni, E.; Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Brasil, 2007.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      18 Jan 2008
    • Recebido
      17 Set 2007
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br