Open-access Entre Metáforas e Metonímias: Relações de Representação e Presentação Guarani Mbya

Metaphorical and Metonymical Relations: Representation and Presentation among the Guarani Mbya

RESUMO

A partir da definição de representação e presentação nas esferas do direito e da linguística, este artigo indaga em que medida esses conceitos poderiam contribuir para a compreensão de problemas clássicos e recentes da antropologia política. Tendo como premissa que relações de representação e presentação coexistem na produção da política ameríndia, operando, ora como a face metafórica, ora metonímica de um mesmo sistema, o texto explora algumas formas que essas relações assumem entre os Guarani Mbya. Isso inclui seu envolvimento na constituição da pessoa, nas interações com os deuses, no parentesco e na chefia. No caso da chefia, a análise computacional de dados etnográficos visa a enfrentar algumas controvérsias persistentes colocadas por modelos teóricos da política guarani.

PALAVRAS-CHAVE:
Política; Parentesco; Guarani Mbya; Análise computacional

ABSTRACT

Beginning with the definition of representation and presentation in the realms of law and linguistics, this article inquires whether the same concepts could contribute to the understanding of classic and recent problems prevalent in political anthropology. On the premise that representative and presentative relationships coexist in the production of Amerindian politics, alternately operating as the metaphorical and metonymical sides of the same system, the text explores the forms that these relationships assume among the Guarani Mbya. This includes their involvement in the constitution of the person, in interactions with gods, in kinship and in chieftaincy. With respect to chieftaincy, the computational analysis of ethnographic data aims to address a set of long-standing controversies posed by theoretical models focused on Guarani politics.

KEYWORDS:
Politics; Kinship; Guarani Mbya; Computational Analysis

PRESENTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO: UMA APRESENTAÇÃO1

Este artigo é um ensaio, no sentido de se assemelhar a um experimento em que os conceitos de presentação e representação são explorados e colocados à prova na interpretação de materiais etnográficos reunidos durante pesquisas de campo desenvolvidas com os Guarani Mbya nas regiões Sul e Sudeste do Brasil desde 2001, bem como de informações encontradas na bibliografia referente a esta população e aos Guarani Kaiowa e Nhandeva. O objetivo deste experimento é verificar em que medida esses conceitos contribuem para a compreensão de fenômenos relacionados à política. Política é aqui entendida em sentido amplo, incluindo o xamanismo e as experiências presentativas e representativas por meio das quais ocorre a interação com um largo espectro de sujeitos humanos, divinos e não humanos.

Os Mbya encontram-se em um território extenso, porém descontínuo, que abrange partes do Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil2. Assim como os Kaiowa e Nhandeva, os Mbya compõem um subgrupo do povo Guarani, o qual se tornou marco de referência, nos estudos de Pierre Clastres (2003 [1974]) e Hélène Clastres (1978 [1975]), para a generalização de um modelo teórico da antropologia política nas terras baixas sul-americanas. Em diálogo com esse modelo e outras referências teóricas, este ensaio busca rastrear, com o uso de ferramentas computacionais, como a presentação e a representação se manifestam na constituição da pessoa, nas relações com os deuses, no parentesco e na chefia mbya. Mas, antes, convém fazer uma breve apresentação dos conceitos de presentação e representação.

O termo representação é corrente na língua portuguesa, mas presentação tem aplicação quase exclusiva no meio jurídico. Por isso, cabe uma breve mirada à utilização desses dois conceitos na esfera do direito. No caso da representação, existe sempre uma relação entre dois sujeitos individuais ou coletivos distintos: o representado e seu representante. O representante atua e fala no lugar do representado, por exemplo: o advogado que representa um réu, ou uma parlamentar a quem o poder é delegado para falar e tomar decisões legislativas em nome da população do seu estado. Já no caso da presentação, em vez de sujeitos distintos, existe uma relação orgânica em que uma parte atua como extensão do todo. Segundo Vale, a presentação é uma situação em que, por meio de seus órgãos, “a sociedade [pessoa jurídica] faz-se presente na prática de atos jurídicos” (2021: 2). Assim, a presidente de uma empresa pode ser entendida e atuar como a cabeça da organização. Nesses termos, representação e presentação definem, respectivamente, relações de substituição e contiguidade.

Ora, os significados que juristas atribuem aos conceitos de presentação e representação guardam notável proximidade com definições formuladas por Saussure para dois tipos de relações características da linguagem: relações sintagmáticas e associativas. As relações sintagmáticas correspondem à combinação inseparável de termos (palavras e frases inteiras), em que cada elemento integrante desse conjunto desempenha uma função específica. O autor explica que “tais combinações se apoiam na extensão”, ou poderíamos dizer, contiguidade (presentação), já que os termos constituintes de uma relação deste tipo “se alinham um após o outro na cadeia da fala” (2004 [1916]: 143).

No caso das relações associativas, elementos que guardam alguma semelhança se associam na memória. Assim, uma palavra “fará surgir inconscientemente no espírito uma porção de outras palavras […] por um lado ou por outro, todas têm algo de comum entre si” (Idem: 143). A associação mental pode se dar entre palavras que compartilham um mesmo radical (ensino, ensinar, ensinamento) ou sufixo (ensinamento, armamento, pensamento), que possuem analogia de significados (ensino, instrução, educação) ou, até mesmo, pela “simples comunidade das imagens acústicas (ensinamento e lento)” (Ibidem: 145). Nesse sentido, termos que compõem uma relação associativa evocam, por similitude, uns aos outros, permitindo que o indivíduo selecione, desse “tesouro interior”, uma palavra que possa ser colocada no lugar de outra. Em outras palavras, poderíamos dizer que elementos unidos por associação operam como representantes de uma classe.

Ao contrastar as relações sintagmáticas e associativas, Saussure sublinha duas características distintivas que são particularmente importantes para a discussão que desenvolveremos sobre presentação e representação:

A relação sintagmática existe in praesentia; repousa em dois ou mais termos igualmente presentes numa série efetiva. Ao contrário, a relação associativa une termos in absentia numa série mnemônica virtual (op. cit.: 143).

Jakobson (1975 [1952]) avançou mais algumas casas no tabuleiro, identificando que relações associativas e sintagmáticas podem ser compreendidas nas chaves da metáfora e da metonímia, respectivamente. Ele define metáfora como operação de seleção/substituição, em que, assim como ocorre na representação, um elemento similar é selecionado e colocado no lugar de outro. Já a metonímia é caracterizada como relação de contiguidade, em que, assim como ocorre na presentação, os termos se articulam como partes de um contexto, isto é, de uma entidade englobante.

Tanto Saussure como Jakobson deixam claro que esses dois eixos coexistem na produção de enunciados, constituindo diferentes modalidades relacionais do universo da comunicação. Em seus próprios termos, Saussure frisa que as relações sintagmáticas e associativas “correspondem a duas formas de nossa atividade mental, ambas indispensáveis para a vida da língua” (op. cit.: 142). Enquanto isso, Jakobson ressalta que

ambos os processos estão constantemente em ação, mas uma observação atenta mostra que, sob influência dos modelos culturais, da personalidade e do estilo verbal, ora um, ora outro processo goza de preferência (1975: 56).

Em seguida, o autor acrescenta que “a mesma oscilação aparece em outros sistemas de signos que não a linguagem” (Idem: 57-58) e oferece exemplos na música, na pintura e, finalmente, na magia, recorrendo, neste caso, a um velho conhecido do repertório antropológico:

Os princípios que comandam os ritos mágicos foram resumidos por Frazer em dois tipos: os encantamentos baseados na lei da similaridade e os baseados na associação por contiguidade. O primeiro desses dois grandes ramos da magia simpática foi chamado de “homeopático” ou “imitativo”, e o segundo “magia por contágio” (Ibidem: 61).

Assim como metáfora e metonímia são duas modalidades que operam num mesmo sistema de comunicação, representação e presentação são instrumentos de um mesmo regime de direito. Nesse sentido, metáfora e metonímia, bem como representação e presentação, não permitem distinguir ou opor sistemas linguísticos ou jurídicos. Isso significa que nenhum dos pares conceituais recai na produção de um grande divisor e, seguindo com esse raciocínio, formas de representação e presentação existiriam tanto na política ocidental como na ameríndia. Não haveria, portanto, uma clivagem em que a política ocidental se caracterizaria como representativa em oposição à política ameríndia, de tipo presentativa. É a partir dessa premissa que podemos seguir à discussão de como a presentação e a representação operam na construção de relações políticas mbya.

REPRESENTAÇÃO E PRESENTAÇÃO: RELAÇÕES DE CORPO E ALMA, TERRA E CÉU

Da observação de presentação e representação nos contextos jurídico e linguístico, o próximo passo nesse experimento levará ao xamanismo ameríndio, em que será possível acompanhar movimentos de alternância entre os dois tipos de relações. Nessa direção, no texto “Do Um sem o Múltiplo”, Pierre Clastres mostra como um xamã mbya transita, ao longo do seu enunciado, entre o que poderíamos entender como relações de presentação e representação, embora o autor não use esses termos.

Clastres começa por situar o xamã numa relação metonímica com o deus Tupã: “Aquela noite, Tupã o inspirava; sua boca era por isso divina, ele próprio era o deus e narrava a gênese da Terra imperfeita...” (2003 [1972]: 188, grifos meus).

Na sequência, podemos observar como esse xamã se transforma, ao se deslocar entre os eixos da presentação e da representação:

Ele falou longamente, e a luz das chamas clareava metamorfoses: ora o rosto calmo do indiferente Tupã e a amplitude concedida da linguagem grandiosa [presentação], ora a tensão inquieta de um retorno muito humano, e palavras estranhas. Ao discurso do deus sucedia a procura de seu sentido, o pensamento de um mortal se exercitava em traduzir-lhe a enganadora evidência [representação] (Idem: 188, grifos meus).

E, ao final do texto, a relação de presentação é reforçada: “Tupã, naquela noite, renovava a promessa antiga, pela boca de um índio em quem habitava o espírito do deus” (Ibidem: 192, grifos meus).

Ao interpretar o relato dessa experiência xamânica na chave da presentação e da representação, convém discutir os elementos que justificam essa posição. Vejamos: no início, há uma relação de presentação, em que o xamã é parte do deus e, enquanto tal, desempenha função específica: ele é a boca de Tupã, pela qual são transmitidas as mensagens do espírito do deus que nele habita. Na mesma direção, o xamã torna presente o rosto calmo de Tupã, que expressa sua linguagem grandiosa. Porém, na sequência, ele é lançado de volta à condição de mortal, isto é, de sujeito distinto do deus, que, por meio de operações de representação, se esforça para se aproximar do entendimento das mensagens divinas. Nessa condição, ao pobre mortal cabe apenas agir como porta-voz ou representante humano que, pela similitude/substituição, exercita-se em traduzir ou re(a)presentar a linguagem do deus.

Nesse exercício de rastreamento de relações de presentação e representação no xamanismo mbya, cabe destacar mais dois trechos do relato que evocam os apontamentos de Saussure. O primeiro excerto remete às relações sintagmáticas: “combinações que se apoiam na extensão” e que ocorrem em presença - quando “dois ou mais termos [estão] igualmente presentes numa série efetiva” (op. cit.: 143).

Eu saberei o que fazer, eu voltarei. Farei com que a bruma seja leve à Terra imperfeita. Somente assim os pequenos seres que enviamos para lá se sentirão revigorados, felizes. Aqueles que enviamos para a Terra, nossos netos, esses pedaços de nós, serão felizes. Esses, devemos iludi-los (Clastres, op. cit.: 187, grifos meus).

Porém, em movimento pendular entre presentação e representação, essa relação em presença não demora para se transformar em ausência, ou relação associativa, desenvolvida “numa série mnemônica virtual” (Saussure, op. cit.: 143), como vemos no segundo trecho:

Eu, Tupã, eu vos dou estes conselhos. Se um desses saberes permanecer em vossas orelhas, em vosso ouvido, conhecereis meus vestígios. […] Eu me vou para longe, eu me vou para longe, não me vereis mais. Em consequência, meus nomes, não os percais (Clastres, op. cit.: 192, grifos meus).

Esse movimento entre presentação e representação ganha maior inteligibilidade à luz da concepção mbya da pessoa e das interações entre as partes que a constituem. A pessoa é formada por três componentes: -nhe’ẽ (princípio vital/alma e fala), -ete (corpo) e (sombra). Essa composição tripartite se aplica a todos os seres vivos, mas aqui o foco será nos dois primeiros componentes: -nhe’ẽ e -ete, para identificar as relações de presentação e representação que os humanos estabelecem, por meio deles, com os deuses.

A alma-fala é enviada pelos deuses das moradas celestes para habitar os corpos humanos nesta terra. Ela é uma extensão ou pedaço divino que mantém uma relação de contiguidade (presentação) entre os humanos e seus parentes divinos. Nesse sentido, cabe mencionar que os deuses são também referidos como nhe’ẽ ru e nhe’ẽ xy (pais e mães das almas) e que os Mbya são considerados nhanderu/xy kuery ijapyre-pyre’i, expressão que se traduz como “filhos caçulas” e também “pedaços” dos/das deuses(as)3.

Em outras palavras, os Mbya, além de se conectarem aos deuses por relações de filiação, são também considerados pedaços deles, enviados à terra para viverem temporariamente. Isso se aplica particularmente às suas almas e linguagem4. Originalmente criadas nas moradas celestes, elas operam metonimicamente como ramificações de almas e falas divinas, tornando-as presentes aqui na plataforma terrestre. Cabe notar que as divindades também mantêm as almas de seus filhos caçulas revigoradas, “alimentando-as” com palavras, conselhos e conhecimentos, como vimos nas passagens do texto de Clastres. Porém, assim como Tupã enunciou que “vai para longe”, as almas enviadas à terra também têm como destino as moradas celestes, motivo pelo qual sua estada aqui é vista como temporária. Poderíamos dizer que, nessa relação de presentação que une os Mbya aos deuses, estes estão constantemente ocupados em espalhar e recolher os pedaços de si que habitam seus filhos humanos nessa morada terrestre.

As palavras divinas e humanas são fenômenos da presentação também no sentido de que possuem a capacidade de produzir (ou tornar presente) aquilo que enunciam. Em trabalho anterior (Testa, 2018: 163-164) apresentei o relato de uma liderança mbya, descrevendo que, em cada lugar por onde passava o deus Nhanderu Tenondegua, ele falava o nome de uma coisa e, assim, criava o que tinha acabado de enunciar. Por exemplo, ao dizer yvyra (árvore), ele criou a primeira árvore e prosseguiu desse modo, povoando a superfície terrestre de novos seres. Também foi por meio da fala que o deus Nhamandu gerou seu filho, Kuaray. No lugar de uma relação sexual, bastou apontar para sua esposa e falar que teriam um filho, gerando, assim, um bebê no seu útero.

Do mesmo modo, mas em escala ou potência reduzida, as palavras dos humanos também podem dar presença àquilo que enunciam. Assim como um rezador explicou que as palavras podem servir como remédio ou se desencaminharem para gerar doenças (Testa, 2018: 133), também fui alertada por uma criança de que, quando as pessoas estiverem fumando o cachimbo, não devem falar sobre o medo de que um parente adoeça ou morra, pois, as palavras, potencializadas pelo cachimbo e a fumaça, podem produzir esses acontecimentos (Idem: 163-64). Associada a isso está a ideia de que a palavra falada ou cantada pode tornar alguém presente, como ocorre nas rezas em que se evocam os nomes (-ery), almas (-nhe’ẽ) ou cantos-rezas (mborai) de parentes de aldeias distantes e das divindades celestes, que assim são chamadas a participar da circulação de notícias, conhecimentos e diferentes formas de apoio.

Já o corpo (-ete) da pessoa pode ser pensado, como aponta Pierri (2013), como metáfora dos corpos divinos, pois corpos humanos são frequentemente descritos como a’anga (imagens ou cópias) dos protótipos divinos. O vocábulo a’anga também é usado para se referir a alguma coisa que está no lugar de outra, por guardar similitude com ela sem, entretanto, operar uma identificação completa, por exemplo: xeru ra’anga (meu padrasto, aquele que é similar e substituto do meu pai).

Essa terminologia reforça a hipótese de que os corpos humanos estabelecem uma relação de representação (metáfora) com os corpos divinos. Mas, isso não é tudo. Corpos humanos, à diferença dos divinos, são gerados por relações sexuais e se desenvolvem por meio de alimentos que também são apenas representantes terrestres das coisas que alimentam os corpos dos deuses celestes. Além disso, os corpos dos humanos e outros seres produzidos na terra estão sujeitos a adoecimento e perecimento, enquanto seus semelhantes celestiais são imortais e continuamente rejuvenescidos.

Sendo formados e desenvolvidos nesta terra, os corpos humanos e suas ações são vistos como traduções/representantes terrestres dos seus protótipos celestes ou, como expressou um rezador, em relação aos seus parentes divinos: “Xeru ete oĩ yvate, xexy ete oĩ yvate. Ha’e ae ri gui ma xee arova” (“Meu pai verdadeiro está no alto, minha mãe verdadeira está no alto. Só posso copiar/traduzi-los”), reverberando, meio século depois, as experiências demasiadamente humanas daquele xamã retratado por Clastres.

Assim como relações de representação e presentação coexistem em um mesmo sistema linguístico ou jurídico, o corpo e a alma, com suas respectivas relações de representação e presentação, se articulam na constituição da pessoa, e dessa composição depende a existência temporária da pessoa na terra. Em outras palavras, a pessoa é, do nascimento à morte, uma experiência dinâmica de articulação das diferentes partes e relações que a compõem. Mesmo nas circunstâncias em que a alma se desprende do corpo (por exemplo, em sonho ou situações de doença), essa separação é provisória, caso contrário, resultaria na cessação da existência da pessoa nesta morada terrestre.

Nesse sentido e conforme descrito alhures (Testa, 2018: 226, 229-230), o recém-nascido ainda é quase todo -nhe’ẽ (alma), sendo necessário investir na fabricação do seu corpo. No início, esse corpo é fraco e frouxamente conectado ao -nhe’ẽ. No âmbito das ações voltadas a fortalecer essa conexão entre corpo e alma, os cuidados com o umbigo do recém-nascido se revelam cruciais por seu papel na produção da pessoa e também do parentesco. Isto, porque quem realiza o corte do cordão umbilical passará também a ser considerado parente dessa criança, assumindo responsabilidades semelhantes a uma avó ou avô. Embora essa atividade possa ser realizada por alguém que já esteja situado na rede genealógica da criança, trata-se de uma oportunidade para fortalecer relações já existentes ou para ampliar o alcance dessa rede, possivelmente integrando uma nova conexão interessante, por exemplo, com um(a) xamã de prestígio. Por exemplo, um rezador que havia cortado o umbigo de um bebê com quem não tinha relações genealógicas próximas me chamou para observar, enquanto ele dava sequência aos cuidados com o umbigo dessa criança. Nessa ocasião, o umbigo já tinha caído e ele dizia que precisava “costurá-lo”. Além de colocar o pedaço caído do umbigo num pano, costurado como um envelope e pendurado no pescoço do bebê, ele fazia gestos em forma de cruzes diagonais com os dedos sobre o tórax do bebê, como se estivesse costurando. Posteriormente, ele explicou que os gestos eram para “costurar” (-mbovyvy) a alma da criança dentro do corpo, para que ela não fosse embora.

Além dos cuidados com o umbigo, a placenta - vista como algo pertencente à criança - é enterrada no lugar em que ela nasceu5. Segundo explicação de uma liderança que nasceu e teve sua placenta enterrada em uma área atualmente alagada pela Usina Hidrelétrica Itaipu, o enterro da placenta é feito para estabelecer um vínculo entre a criança e a terra, contribuindo também para que sua alma se acostume ao corpo e consiga se desenvolver bem neste leito terrestre. Isso funciona, como ele explicou, porque a placenta da criança vai alimentar a terra, que, por sua vez, também vai produzir alimentos para a criança. Nisso, ele acrescentou que a terra também é um corpo, constituído por carne (barro) e sistema circulatório (cursos d’água). Então, o enterro da placenta também coloca em relação de presentação (contiguidade) dois corpos: o da criança e o da terra.

Poderíamos dizer que costurar a alma ao corpo, fortalecer a conexão entre parentes e conectar o corpo à terra são todas formas de tornar a criança mais “presente” nesta plataforma terrestre, produzindo múltiplas relações de contiguidade (presentação) entre ela, seus parentes e até mesmo com a própria terra.

O morto, em contraste, é só corpo, ou melhor, aquilo que foi a sombra do seu corpo (ãgue) [ã - sombra do corpo + gue - sufixo que indica condição pretérita]. Se, no caso do recém-nascido, são tomadas medidas para fortalecer a integração entre corpo e alma, em relação estreita com seus parentes próximos, por ocasião de uma morte, as práticas de resguardo e de sepultamento visam a completar a separação da alma e do corpo6, contribuindo também para afastar o -ãgue do morto para longe dos seus parentes vivos.

Para concluir esse panorama inicial das relações de presentação e representação, convém retomar brevemente as conexões entre céu e terra, com destaque para a relação de representação que une os eixos celeste e terrestre.

Essa relação pode ser entendida como da ordem da representação, porque a terra é vista como versão similar, porém imperfeita, das moradas celestes. Ao contrário desta terra envelhecida, em que o cultivo de alimentos demanda um trabalho árduo, na plataforma celeste os alimentos são abundantes e brotam espontaneamente. Na mesma direção, Pierri (2013) apresenta relatos em que os Mbya descrevem as moradas dos deuses como cidades, onde há todas as tecnologias e ferramentas existentes na terra, com a ressalva de que os exemplares daqui seriam imagens (a’anga) ou cópias imperfeitas daqueles que se encontram na plataforma celeste. Podemos, então, indagar: quem sabe os deuses também disponham, nas suas moradas celestes, de formas mais perfeitas de política presentativa e representativa?

A CHEFIA PRESENTATIVA7

Inspirados ou não pela política divina, os humanos seguem fazendo sua política, e a chefia ameríndia tem despertado interesse há muito tempo. Nesse sentido, um exame das fontes históricas revela que a chefia entre as populações indígenas sul-americanas é tema privilegiado desde os primeiros registros de viajantes e missionários, flagrando um interesse especial por figuras de chefes políticos e religiosos tupi-guarani. Por exemplo, no que diz respeito ao vocabulário usado para designar essas lideranças, a profusão de termos registrados é acompanhada por controvérsias sobre seus significados8. Além de problemas vocabulares, uma análise da chefia passa, necessariamente, por verificar se a liderança política e religiosa é cumulativa ou se esses dois poderes se distribuem entre figuras distintas. Essa questão não escapou à atenção de cronistas e missionários. Por exemplo, o capuchino d’Evreux (1864 [1615]: 104, 289-91, 306-09) descreveu a existência de dois líderes principais em cada aldeia tupinambá: o mourouvichave (chef) e o pagy ouassou (grand sorcier), aos quais correspondiam, respectivamente, atribuições políticas e religiosas. A julgar por esse registro, o exercício da chefia política e religiosa tupi-guarani no século XVII era distinto e dividido. Porém, ao longo do século XX, as configurações da chefia guarani e, em especial, a relação entre a liderança política e a religiosa suscitaram controvérsia entre dois modelos analíticos tão célebres, quanto inconciliáveis.

De um lado do debate, Nimuendaju (1987 [1914]: 75) assinala que “Antigamente os Guarani não reconheciam outro líder que o pajé-principal”, indicando que o chefe religioso exercia também a liderança política, reunindo em uma única figura a autoridade máxima na organização social guarani. Percepção que subjaz à afirmação de que:

A subordinação espontânea (voluntária) à teocracia de seu pajé-principal era a única organização profundamente alicerçada no caráter e nas concepções destas hordas, não substituível por nenhuma outra. (Idem: 76)

Este parece ser o caso de um dos seus principais informantes, descrito, em manuscrito de 19089, como “capitão” e “médico-feiticeiro”10. Porém, o autor pondera que ele: “desfruta na tribo mais prestígio como médico-feiticeiro do que como capitão” (2013: 327).

Enquanto os textos de Nimuendaju sobre os Guarani tratavam principalmente dos Apapocúva (posteriormente identificados na literatura como Nhandeva), Schaden, responsável por traduzir e publicar os primeiros manuscritos do autor, abordou e comparou as configurações da chefia política e religiosa entre os três subgrupos Guarani (Nhandeva, Kaiowa e Mbya). Apenas para os Mbya, Schaden sublinha que um único termo, “ñanderúvitxá” (“nosso chefe”), seria atribuído ao principal rezador e ao capitão (1962: 113). Porém, a despeito de diferenças lexicais, o autor afirma que a coincidência entre a liderança política e religiosa pode ser generalizada para os três subgrupos Guarani, já que, “segundo os padrões tradicionais, a chefia política do grupo coincide com a liderança carismática do sacerdote ou médico-feiticeiro” (Idem: 113, grifos meus).

Entretanto, os mesmos autores apontam que a convergência desses dois aspectos da chefia teria sido progressivamente desmantelada com a intensificação de relações com as autoridades brasileiras, que, de acordo com Nimuendaju, passaram a nomear e destituir chefes, atribuindo, segundo seu próprio arbítrio, o título de capitão, uniforme e patente àqueles “que prometiam usar essa autoridade da melhor forma possível em favor dos que os nomearam” (1987: 75). A introdução de capitães teria contribuído, segundo o autor, para aumentar divisões no seio dos coletivos guarani, uma vez que parte da população se submetia ao capitão “por medo ao governo”, enquanto o restante se mantinha fiel ao “pajé-principal” ou propunha seus próprios candidatos ao cargo de capitão (Idem).

A julgar por essas informações, não eram apenas os coletivos que se dividiam, segundo lealdades a um ou outro líder, mas também o poder religioso e político que se cindia em duas figuras: aquela do pajé-principal e a do capitão. Seria esta a gênese da separação entre a chefia religiosa e política, tese defendida por Nimuendaju, ou tratar-se-ia de uma atualização do que d’Evreux já havia observado, no século XVII, sobre a presença de dois chefes distintos em cada aldeia?

As opiniões de autores na segunda metade do século XX divergiram em suas respostas a essa questão. Schaden compartilhava a opinião de Nimuendaju de que esta seria uma inovação. Já o modelo defendido por Pierre e Hélène Clastres tomava como premissa não apenas a divisão entre a chefia religiosa e a política, mas também a existência de uma oposição entre estas, em flagrante exclusão da hipótese de que a separação seria uma introdução recente. Nesse sentido, cabe lembrar que a análise de H. Clastres se apoia no exame de fontes históricas dos primeiros viajantes e missionários, cujos relatos corroboram, em grande medida, a separação de poder.

Apesar de caracterizar a liderança política e religiosa como “duas noções de chefia em luta virtual” (Schaden, op. cit.: 116), o autor defende que, mesmo com a introdução da instituição do capitanato, o chefe religioso continuava sendo a autoridade principal nas aldeias, devido à centralidade da orientação religiosa do grupo:

Embora em conflito latente, as duas chefias podem, por isso, na realidade coexistir pacificamente. O capitão não se considera competente em assuntos de natureza religiosa e o ñanderú, por seu turno, apesar de sua autoridade indiscutivelmente maior, não costuma imiscuir-se em questões de política interna ou externa do grupo, contanto que não atinjam, de modo mais ou menos direto, os interesses vitais da aldeia. E se nestes casos o ñanderú entra em ação, é porque para os problemas de real importância não concebe senão soluções de cunho religioso (op. cit.: 116-7).

Um pouco adiante, Schaden comenta que o capitão não se considera “autoridade suprema” e se aconselha com os rezadores “para melhor definir as suas atitudes e saber as medidas que deve tomar” (op. cit.: 119). Apesar de ser descrito como personagem secundário e desprovido do carisma e do prestígio que caracterizam os líderes religiosos, ao capitão, às vezes referido também como cacique, caberia um papel de destaque na manutenção da ordem no interior do grupo:

A instituição não se originou no seio da cultura Guarani; foi lhe imposta de fora. No entanto, cabem-lhe hoje importantes funções na vida do grupo. O capitão representa oficialmente os interesses da aldeia perante os moradores brasileiros e é ao mesmo tempo chefe de polícia no interior do grupo. É sua tarefa restabelecer a ordem e castigar os culposos quando a desorganização social e o abuso do álcool façam surgir brigas e rixas no seio da comunidade (op. cit.: 116).

Ora, mesmo que divirjam em muitos pontos, é possível identificar algumas conexões importantes entre a análise de Schaden e o modelo dos Clastres. Em primeiro lugar, as duas formas de chefia são abordadas em comparação constante, como se uma só pudesse se revelar a partir da outra. Nesse sentido, os modelos analíticos em pauta parecem pensar como os mitos, ao compasso do que ensinam os mitos e suas exegeses sobre as relações entre figuras contrárias, como observa Perrone-Moisés: “o pensamento ameríndio postula que nada existe senão como (e)feito de seu contrário” (2011: 867).

O segundo ponto de convergência, por vezes ofuscado pela centralidade que a liderança religiosa assume no modelo de Schaden, é que o chefe político parece atuar, para os três autores, como uma força centrípeta. Afinal, se o papel dele é “representar” o grupo perante as autoridades e a população não indígenas, como afirma Schaden, seria inevitável que o coletivo ganhasse, pelo menos nessa instância, uma imagem de unidade, mantida também por força de um líder disposto a combater qualquer tendência que disturbe essa coesão.

Porém, é a partir desse ponto que as divergências entre os autores começam a ganhar corpo. Lembremos que, para P. Clastres, o chefe político, embora atue como força centrípeta em relação ao coletivo, só pode fazê-lo por meio da persuasão, pois é desprovido de qualquer poder de coerção. Em contraste com Schaden, não encontramos, nos textos de P. Clastres e tampouco de H. Clastres, qualquer referência que assemelhe um chefe político a um policial. Afinal de contas, para estes dois autores, as configurações políticas ameríndias se apresentam em nítida recusa às figuras e formas que regem o poder de tipo estatal. Nesse modelo, não há policiais, tampouco reis11 ou sequer personagens análogas aos chefes de Estado das democracias modernas.

Outra distinção crucial é que o modelo clastriano não apenas divide a liderança política e religiosa, mas situa os dois aspectos em oposição, à medida que a chefia religiosa atuaria como força centrífuga, ao contrário do movimento centrípeto exercido por chefes políticos. Enquanto isso, Schaden, precedido por Nimuendaju, caracteriza a chefia tradicional guarani pela coexistência dos dois papéis em uma única figura.

Seguindo as definições de Saussure (2004 [1916]) sobre relações sintagmáticas e de Jakobson (1975 [1952]) sobre a metonímia, descritas acima como instâncias de presentação, talvez seja possível situar o modelo de chefia defendido por Nimuendaju e Schaden na mesma ordem de fenômenos, no sentido de que a combinação da liderança política e religiosa em um mesmo chefe poderia ser entendida como expressão de que os dois poderes se fazem presentes coextensivamente, articulados como partes de um mesmo contexto englobante, isto é, da chefia. Por outro lado, embora o modelo dos Clastres coloque as duas formas de chefia em oposição, o que também pode ocorrer nas relações associativas descritas por Saussure (Carvalho, 1980: 36-37), identificadas acima como formas metafóricas ou representativas, não está claro, nos termos estipulados pelos autores, que a relação entre a liderança política e o xamanismo seja exatamente de representação.

Também é preciso reconhecer que os dois modelos concorrentes apresentam nuances que tornam mais desafiadora a compreensão das relações entre a chefia política e religiosa. Por exemplo, Nimuendaju e Schaden postulam que a chefia tradicional, baseada na convergência dos dois poderes, estava se perdendo, devido à instituição do capitanato, que acabava por cindir a liderança política e religiosa. Já H. Clastres, embora defenda uma oposição inerente aos dois papéis, não ignora casos notórios em que uma mesma pessoa exercia ambos, sublinhando que “sua força devia provavelmente aumentar ao reunirem os dois poderes” (op. cit.: 45). Entretanto, ela pondera que o poder religioso acabava subordinando-se ao político, uma vez que “tornar-se chefe implicava deixar de ser completamente profeta” (idem). A conciliação entre os dois papéis, segundo a autora, seria impossível, pois um chefe religioso se caracteriza por situar-se além das alianças políticas e relações de parentesco, enquanto um chefe político encarna as alianças políticas e se faz chefe por meio de vínculos de parentesco com outros chefes dos quais é herdeiro.

Em meio a controvérsias sobre as relações entre a chefia política e a religiosa, é possível que o tratamento computacional de um grande volume de dados etnográficos sobre o exercício dessas duas formas de chefia, do início do século 20 à atualidade, lance novas luzes sobre esse debate. Porém, antes de passar ao exame desses dados, cumpre mencionar alguns aspectos gerais da sua composição e dos procedimentos informáticos adotados na sua análise.

As informações aqui expostas baseiam-se na análise de dados coletados por mim entre 2001 e 2016 e reunidos em um banco de dados criado no aplicativo MS-Access. Os exercícios computacionais foram realizados com recursos do MS-Access e dos programas Maqpar e Pajek, o primeiro, desenhado para o rastreamento e a classificação de circuitos matrimoniais, e o segundo, para a exploração de redes de grande complexidade12.

O banco de dados contém informações sobre ano13 e local de nascimento; local de óbito (quando for o caso); local de residência em 2016; relações de filiação e casamento para um total de 1781 indivíduos (1575 vivos e 206 mortos), bem como informações sobre o exercício de papéis de liderança política e religiosa. Majoritariamente composto por pessoas Mbya (1628 [91,4%]), o banco de dados também inclui pessoas Kaiowa e Nhandeva (80 [4,5%]), de outros povos indígenas (32 [1,8%]) e não indígenas (41 [2,3%]), todas ligadas aos Mbya por relações de casamento. Em termos de vínculos de parentesco, foram registrados 542 casamentos e 2398 relações de filiação (1299 de maternidade e 1099 de paternidade), compondo uma rede de 11 gerações. No que se refere a informações sobre locais de nascimento, óbito e residência, o banco de dados abarca um total de 87 lugares, sendo 68 Terras Indígenas (demarcadas ou não) e 19 bairros urbanos ou rurais. Estas localidades encontram-se em sua maioria no Brasil, mas também contemplam Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia, onde populações Guarani se fazem presentes.

No que concerne ao exercício da chefia política e religiosa, verifica-se que, dos 1154 indivíduos contemplados no banco de dados com idade mínima de vinte anos14, 202 (17,5%) exercem ou exerceram algum papel de liderança (cacique, rezador ou liderança política auxiliar). A dimensão disso, no âmbito desta rede, não significa que entre os Mbya, de modo geral, uma em cada cinco ou seis pessoas seja identificada como liderança política e/ou religiosa. Trata-se de uma característica específica desta pesquisa, que, tendo por objetivo elucidar problemas relativos à chefia, privilegiou a coleta de informações sobre pessoas que exercem esses papéis15.

Das 202 pessoas identificadas como caciques, rezadores(as) e lideranças políticas auxiliares, 66 são mulheres e 136 são homens, mostrando que, embora as mulheres formem pouco mais da metade da rede completa de indivíduos (904 de um total de 1781 [50,8%]), elas representam um terço das lideranças.

Passemos, agora, a examinar se a chefia política e religiosa é exercida de forma cumulativa ou dividida. A tabela abaixo mostra que 9 pessoas (8 homens e 1 mulher) exercem ou exerceram cumulativamente os papéis de cacique e rezador(a), representando apenas 4,4% do conjunto de lideranças. Há também 7 casos (4 mulheres e 3 homens) em que o/a rezador(a) atua como auxiliar do chefe político principal da sua aldeia, constituindo 3,5% do universo de lideranças. Em contraste com esses casos minoritários de acúmulo de funções (7,9%), temos uma maioria esmagadora (92,1%) que se dedica exclusivamente ao exercício da chefia religiosa (14,4%), à chefia política (21,8%) ou ao papel de liderança política auxiliar (55,9%). É também interessante notar que mais da metade das lideranças de ambos os sexos se encontra nesta última categoria. Por outro lado, a proporção de mulheres rezadoras (19,7%), em comparação com caciques do mesmo sexo (6,1%), é muito maior, enquanto o inverso é verdadeiro para os homens: 29,4% caciques e 11,8% rezadores.

Tabela 1
Distribuição dos Papéis de Chefia

Esta análise, que inclui algumas lideranças descritas por Schaden, em vez de corroborar seu modelo, reforça o de seus rivais, mostrando que a chefia política e religiosa é exercida por pessoas distintas, com pouquíssimas exceções. Porém, mesmo que essas duas formas de chefia não sejam presentativas entre si, no sentido de se articularem em uma mesma figura de liderança, ainda é preciso averiguar se estes papéis realmente se opõem ou se existem outras relações de presentação, tais como vínculos de parentesco, que ligam chefes políticos e religiosos. Nesse sentido, o parentesco pode ser entendido como relação de presentação, porque laços de filiação e casamento dão forma a uma rede genealógica integrada em que pessoas aparentadas se reúnem como partes desse todo.

O estudo das conexões entre parentesco e chefia é relativamente escasso na literatura guarani, diante do grande volume de trabalhos voltados à cosmologia e à territorialidade. Mesmo com uma produção crescente de pesquisas sobre a política guarani (Pereira, 2004; Ciccarone, 2001; Pissolato, 2006; Sztutman, 2008; Nogueira da Silva, 2008; Macedo, 2010; Pimentel, 2012; Benites, 2014; Crespe 2015; Keese dos Santos, 2016; Cariaga, 2019; Valiente, 2019; Olegário e Souza, 2022), afirmando a importância das relações de parentesco na constituição e no exercício da chefia, ainda falta uma análise ampla das redes genealógicas guarani que contribua para um entendimento mais preciso das conexões entre parentesco e chefia.

Um passo nessa direção envolve estudar a existência de laços genealógicos entre chefes políticos e religiosos de uma mesma aldeia. No caso desta pesquisa, o recorte abrange dez aldeias nos estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo em que foram identificados os responsáveis principais pelo exercício simultâneo dessas duas formas de liderança16.

Nesse conjunto de aldeias, foram identificados 7 vínculos de consanguinidade e 10 de afinidade entre caciques e rezadores(as), especificados na tabela abaixo. Na primeira coluna, consta a aldeia e, na segunda, o código de identificação do/a cacique. A terceira coluna detalha a relação de parentesco deste/a cacique com o/a rezador(a), cujo código de identificação está na quarta coluna.

De acordo com esses dados e as classificações de parentesco mbya, há seis casos em que os chefes políticos e religiosos principais de uma aldeia são conectados por laços de germanidade, além de uma conexão de filiação. Essa proporção de relações intra e intergeracionais se inverte quando olhamos para a afinidade, somando dois casos em que as duas formas de chefia se dividem entre cunhados, cinco situações em que as lideranças principais são sogro/a e genro/nora, uma em que o cacique é sogro do irmão do rezador e outra em que ele é sogro do pai da rezadora (ou pai da sua madrasta). Esses dados mostram que as principais lideranças políticas e religiosas de uma mesma aldeia se conectam por laços genealógicos muito próximos, mesmo diante de sucessivas mudanças em quem ocupa uma dessas funções, como pode ser observado nos códigos de identificação que revelam esses câmbios.

Tabela 2
Relações de Parentesco entre Caciques e Rezadores(as)

Portanto, embora sejam atribuições frequentemente divididas entre duas pessoas, o parentesco é um elemento de ligação fundamental entre elas. Cumpre também salientar que as duas formas de chefia nunca se desvinculam completamente, seja porque caciques e rezadores(as) principais mantêm estreitos vínculos de parentesco entre si, seja porque o exercício da chefia política envolve atividades xamânicas e vice-versa.

Agora, surge uma nova questão: será que lideranças de localidades distintas também se encontram numa relação de presentação, estabelecida por meio de laços de parentesco? Para explorar esta questão, examinei os dados genealógicos de 202 caciques, rezadores(as) e lideranças políticas auxiliares de 39 localidades. Esta análise revela que 192 (95%) dessas lideranças são ligadas entre si por relações de parentesco. Isso é ilustrado na próxima figura de um único componente genealógico formado por 1490 indivíduos - 192 lideranças e 1298 pessoas que não exercem papéis de liderança, mas estão envolvidas nessa rede de parentes.

Figura 1
Relações Genealógicas entre Lideranças

A análise também revela que as conexões genealógicas entre chefes de locais diferentes frequentemente são intermediadas por parentes que não estão envolvidos em atividades de chefia, mas que são elos fundamentais entre as lideranças da rede, do ponto de vista das relações de parentesco. Isso significa que, se excluirmos esses parentes intermediários, o que era uma rede coesa se fragmenta em 110 componentes distintos, sem nenhuma relação genealógica primária (filiação ou casamento) entre eles, como vemos na próxima figura, em que aparecem apenas caciques, rezadores e lideranças auxiliares. Em outras palavras, a relação de presentação entre chefes espalhados por distintas localidades depende fortemente dessas figuras intermediárias, sem as quais o tecido inteiriço da presentação se dissolve.

Figura 2
Rede de Relações entre Lideranças Fragmentada em 110 Componentes

Outra forma pela qual a presentação pode se manifestar remete à transmissão da chefia, por exemplo, por meio da hereditariedade. A questão da hereditariedade na transmissão da liderança política e religiosa guarani foi abordada por Montoya, em manuscrito do século XVII, quando assinala que “Para a posição de chefe é de ordinário designado aquele que pertence à família de algum chefe falecido” (apudSchaden, 1962: 96). Três séculos depois, Nimuendaju (1987 [1914]), Schaden (1962), P. Clastres (2003 [1974]) e H. Clastres (1978 [1975]) também foram unânimes na afirmação de que a transmissão da chefia política guarani seria hereditária. Já no caso dos chefes religiosos, H. Clastres enfatiza que os profetas (caraí), à diferença dos xamãs menores e dos chefes políticos, procuravam situar-se fora das alianças políticas e das relações de parentesco. Um registro de 1745 do Jesuíta Pe. Lozano é citado como testemunho dessa exterioridade peculiar aos profetas:

os mais corajosos e mais audazes, tentavam persuadir a população de que eram filhos da virtude suprema, sem pai terrestre, embora admitissem haver nascido de mulher […]. Eram considerados como santos, obedecidos e venerados como deuses (Apud H. Clastres, op. cit.: 39).

Partindo do entendimento de que “não ter pai significa, para os tupis-guaranis, patrilineares, não ter parentes” (H. Clastres, op. cit.: 41), a autora contrapõe a chefia política, transmitida patrilinearmente, à chefia religiosa:

se os caraís não têm pai terrestre, é porque a única genealogia que possa convir-lhes é a que os ligaria aos grandes heróis celestes. Em todo caso, os caraís não teriam desmentido essa interpretação, eles que podiam afirmar que “eram Deus e que nasceram deuses”!19 (H. Clastres, op. cit: 42).

Embora os Mbya atuais continuem afirmando sua filiação com os deuses, independentemente de serem ou não xamãs, desconheço qualquer informação contemporânea sobre alguém que situe essa relação em recusa a vínculos de filiação com pai ou mãe humanos. Pelo contrário, exemplos reunidos em pesquisas anteriores (Testa, 2007 e 2018) revelam que capacidades e saberes xamânicos circulam entre consanguíneos e afins, apontando que, embora as relações de parentesco não sejam o único fator a favorecer essas redes de circulação, elas certamente têm um peso importante.

Com o objetivo de elucidar melhor a conexão entre chefia e parentesco, cabe investigar em que medida lideranças políticas e religiosas herdam esses papéis. No que diz respeito à transmissão da chefia entre gerações adjacentes (G+1 e Ego), do total de 202 lideranças (chefes políticos e religiosos principais e lideranças políticas auxiliares) identificadas no banco de dados, há informações sobre vínculos de paternidade e maternidade de 165 delas20, portanto, a análise se restringe a esse universo. Desse conjunto de lideranças, 91 (55%) são descendentes de pai e/ou mãe lideranças21, sendo que a transmissão é cognática em 40 (44%) casos, patrilinear em 32 (35%) casos e matrilinear em 19 (21%) casos. Isso significa que, mesmo considerando a presença maior de lideranças masculinas na rede documentada, a análise não comprova uma tendência predominante de transmissão patrilinear da chefia. Por outro lado, o fato de que mais da metade do recorte é descendente direto de outra liderança sugere, sim, que a hereditariedade tem peso importante na transmissão da chefia.

Para colocar à prova a afirmação de H. Clastres, de que a transmissão da chefia política seria patrilinear, em contraste com a chefia religiosa, é preciso focar nessas duas figuras principais22, abarcando apenas aquelas para quem há informações sobre pai e mãe. Dos 34 caciques, 12 são filhos(as) de pessoas que também exerceram o papel de cacique, sendo 10 casos de transmissão patrilinear, 2 de transmissão cognática e nenhuma matrilinear. Outros 9 caciques são filhos(as) de pais e/ou mães rezadores ou lideranças políticas auxiliares (transmissão patrilinear: 4 casos; matrilinear: 4 casos; cognática: 1 caso). Esses dados corroboram a afirmação de H. Clastres, quando a transmissão é específica (de um cacique na G+1 para seu filho/a). Porém, apenas 35% dos caciques são descendentes diretos de outros caciques; portanto, a tendência patrilinear não se aplica à maioria dos chefes políticos principais, os quais descendem de outras figuras de liderança (27%) ou têm genitores que sequer exerceram papéis de chefia (38%). Essas informações encontram-se na tabela abaixo, em que a primeira coluna contém o papel exercido pelo parente na geração ascendente (G+1) e as três colunas seguintes trazem o número de casos em que a transmissão foi matrilinear, patrilinear ou cognática. O total absoluto e o percentual de casos são mostrados nas duas últimas colunas.

Tabela 3
Transmissão da Chefia Política Principal (Recorte de 34 Caciques)

No recorte de 28 chefes religiosos principais, 2 são filhos(as) de rezadores e 5 são filhos(as) de rezadoras. Há também 5 que descendem de outras figuras de chefia: 3 são filhos(as) de pais caciques, 1 é filho de pai e mãe caciques e 1 é filho de pai e mãe lideranças políticas auxiliares. Isso significa que apenas 7 (25%) dos/das rezadores(as) são descendentes diretos de outros(as) rezadores(as), com uma tendência à transmissão matrilinear nestes casos. Essas informações estão reunidas na tabela abaixo, em que a primeira coluna contém o papel exercido pelo parente na geração ascendente (G+1) e as três colunas seguintes mostram os casos em que a transmissão foi matrilinear, patrilinear ou cognática. As duas últimas colunas trazem o total absoluto e o percentual de casos.

Tabela 4
Transmissão da Chefia Religiosa Principal (Recorte de 28 Rezadores/as)

Comparando os dados referentes aos chefes políticos e religiosos principais, observa-se que há uma proporção menor de rezadores(as) filhos(as) de outros rezadores (25%), em comparação com caciques filhos(as) de caciques (35%). A diferença se acentua quando comparamos caciques filhos(as) de qualquer tipo de liderança (62%) e rezadores(as) filhos(as) de qualquer tipo de liderança (43%), indicando que a hereditariedade tem um peso maior na transmissão da chefia política, do que na chefia religiosa.

Seguindo com a questão da transmissão hereditária da chefia, é possível adotar uma perspectiva mais ampla e incluir na análise relações entre chefes em gerações alternadas, examinando, portanto, casos em que a chefia política e religiosa passa de avós para netos(as). Afinal, entre os Mbya não é raro que crianças sejam criadas por seus avós e preparadas para sucedê-los no desempenho da chefia, quando for o caso.

Neste caso, o recorte se restringe a lideranças (chefes políticos principais, chefes religiosos principais e lideranças políticas auxiliares) para as quais seja possível determinar pelo menos um parente na Geração +2, o que resulta em um universo de 127 indivíduos em posição de Ego. Destes, 38 (30%) são netos(as) de outras lideranças, sendo que 8 deles possuem avós lideranças tanto do lado paterno, como materno. Daqueles que possuem avós lideranças, 6 não são filhos de lideranças, o que significa que a transmissão de um papel de chefia pulou uma geração em 16% dos casos.

Ao todo, a inclusão de conexões entre lideranças distribuídas em três gerações (Ego, G+1, G+2) revela que, das 12723 lideranças para as quais é possível identificar pai e mãe, bem como pelo menos um avô ou avó, 83 (65%) são descendentes de outras lideranças. Isso sugere uma conexão forte entre a chefia e a transmissão hereditária, mesmo que não seja possível afirmar que esta seja condição suficiente para alguém se tornar chefe.

Seguindo o exame das relações de presentação na chefia, cabe investigar alianças matrimoniais entre chefes e famílias de chefes. Nesse caso, a análise abrange o recorte de 168 lideranças casadas, excluindo, portanto, 34 lideranças para as quais não foi possível obter dados sobre seus cônjuges. Convém salientar que, destas 34 lideranças, apenas 6 nunca foram casadas; as outras 29 são pessoas mortas ou viúvas cujos cônjuges não foram identificados. Das lideranças realmente solteiras, 5 são jovens lideranças políticas auxiliares e 1 foi cacique, durante um curto período. Essa baixíssima incidência de lideranças solteiras sugere que o casamento seja condição fundamental do exercício da chefia, como foi apontado por Lowie (1948) e P. Clastres (2003 [1974])24. Isso também nos aproxima de um ponto levantado por Perrone-Moisés (2015: 37) sobre a chefia ameríndia:

a chefia, entre os índios, é patentemente um cargo que só pode ser assumido por um casal. […] O papel das esposas de chefe e donos de festa está longe de ser coadjuvante no estabelecimento do prestígio do marido, mesmo porque não existe chefe solteiro.

Ora, se isso for verdadeiro para os Mbya, não basta constatar a raridade de chefes solteiros, caberá também investigar em que medida ambos os cônjuges exercem algum papel de chefia. Nesse sentido, das 168 lideranças casadas, observa-se que 92 (55%) delas têm cônjuges que também exercem algum papel de chefia, contra as 76 (45%) que são casadas com não lideranças. Esses dados revelam que pouco mais da metade das lideranças casa preferencialmente entre si ou, uma vez casadas, compartilha a liderança com seu cônjuge. Futuros estudos serão necessários para distinguir entre essas duas situações.

Cabe salientar também que a proporção de casamentos entre lideranças se altera significativamente quando consideramos o critério de gênero. Isto é, das 61 lideranças femininas casadas, 46 (75%) têm cônjuges lideranças, contra 46 lideranças masculinas em situação análoga, que representam 43% do total de 107 homens chefes casados. Isso significa que mulheres lideranças tendem a ser casadas com homens que desfrutam do mesmo estatuto, numa proporção muito maior do que ocorre com as lideranças masculinas.

Pesquisas futuras poderão explicar essa diferença de gênero, no tocante às alianças matrimoniais entre lideranças, e também analisar a quantidade considerável de casos em que a chefia não se concentra na figura de um casal. Porém, desde já, é possível levantar a hipótese de que, mesmo nessas situações, o casamento sirva de elo entre chefes políticos e religiosos de uma mesma aldeia e que, por meio da geração de novos vínculos de consanguinidade e afinidade, contribua para a formação de outras figuras que exerçam papéis de chefia (filhos(as) do casal, genros etc.). Como vimos na tabela nº 2, alianças matrimoniais conectam os chefes religiosos e políticos principais de uma aldeia em 10 (59%) dos 17 casos analisados. O mesmo se aplica às relações entre as 92 lideranças incluídas na figura nº 1, que são ligadas por 479 vínculos de afinidade, intermediados por não lideranças.

Embora indicativas de que a chefia passe por relações de afinidade, essas informações não bastam para definir a existência ou não de uma tendência preferencial para o estabelecimento de alianças matrimoniais entre descendentes de chefes. Um passo nessa direção implicaria olhar para além dos cônjuges e pensar o casamento como aliança entre famílias (Lévi-Strauss, 1986), nesse caso, como relações entre famílias de chefes.

Para tanto, podemos tomar por foco as 98 lideranças de ambos os sexos que possuem pelo menos um ascendente linear na G+1 e outro na G+2 e são casadas com pessoas (lideranças ou não) para as quais também é possível identificar ao menos um ascendente em cada uma dessas gerações. Neste recorte, observa-se que 65 lideranças (66%) são descendentes lineares de outras lideranças e, destas 65 lideranças herdeiras, 29 (45%) são casadas com descendentes de outras lideranças. É também importante considerar que esse recorte de 98 lideranças contempla um total de 51 casamentos, porque algumas lideranças são casadas entre si. Quando olhamos para esse conjunto de 51 casamentos, constatamos que 26 (51%) representam alianças matrimoniais entre famílias de chefes, já que ambos os cônjuges são descendentes de lideranças.

Outro dado que desponta na análise desse recorte de 98 lideranças casadas é que existem apenas 10 delas que não possuem qualquer relação de consanguinidade linear, casamento ou afinidade linear com outras lideranças, embora 6 delas sejam sobrinhos(as) ou cunhados(as) de chefes. Isso significa que, em 94 (96%) dos casos, esses chefes religiosos, políticos e seus auxiliares são conectados a outras lideranças por laços genealógicos próximos.

Para aprofundar o estudo de alianças entre famílias de chefes, é possível estender a análise de relações genealógicas lineares para o conjunto mais amplo de casamentos registrados no banco de dados, inclusive aqueles em que nenhum dos cônjuges é liderança. Isso permitiria averiguar casos em que o matrimônio conecta lideranças nas duas gerações ascendentes. Desse conjunto completo de 542 alianças matrimonias, há 109 casos para os quais é possível identificar pelo menos um ascendente linear em ambas as gerações ascendentes (G+1 e G+2) dos dois cônjuges. O que se observa a partir desse recorte é que 48 uniões representam alianças matrimoniais entre descendentes lineares de chefes. Isso significa que, mesmo que nenhum dos cônjuges exerça um papel de liderança, há 44% de casos em que o matrimônio se configura como uma aliança entre famílias de chefes, flagrando mais uma face da presentação, via parentesco, na chefia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta tentativa de experimentar os conceitos de presentação e representação na interpretação de materiais etnográficos, em diálogo com perspectivas teóricas que marcaram a antropologia política das terras baixas sul-americanas e a etnologia guarani, é preciso reconhecer que a presentação ganhou destaque, enquanto a representação foi um tanto sub-representada. Principalmente no caso da chefia, a discussão tomou por foco seus aspectos presentativos. Embora tenha tratado da alternância entre presentação e representação nas relações entre xamãs e deuses, faltou abordar situações em que os Mbya participam de organizações indígenas, assumem posições em órgãos de Estado ou concorrem em eleições. À primeira vista, estas poderiam ser percebidas como formas de política representativa, porém cabe perguntar se, sob outra perspectiva, não seriam também presentativas. Talvez as relações de presentação que essas figuras mantêm com suas comunidades tenham papel fundamental no acesso e no exercício desses papéis. Aliás, a política não indígena também se mostra, em diversos aspectos, influenciada por relações de presentação, se considerarmos os vínculos de filiação e alianças matrimoniais que ligam gerações de “representantes” nos poderes legislativo e executivo. A discussão destes pontos ficará para outra ocasião.

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  • TESTA, Adriana Queiroz. 2018. Caminhos de saberes Guarani Mbya: modos de criar, crescer e comunicar São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, FFLCH/USP (Produção Acadêmica Premiada).
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  • VALIENTE, Celuniel Aquino. 2019. Modos de produção de coletivos kaiowá na situação atual da Reserva de Amambai, MS Dourados, Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD. 2019.
  • 1
    Agradeço a Marcio Silva, Alexandre Surrallés e à/ao parecerista os comentários instigantes e sugestões ao manuscrito.
  • 2
    De acordo com Grünberg & Melià (2008), a população mbya nestes países é de aproximadamente 27,500 pessoas.
  • 3
    Nhanderu kuery e nhandexy kuery se referem, respectivamente, aos coletivos de pais e mães divinos: (nhande = nosso) + (ru = pai/ xy = mãe) + (kuery = sufixo pluralizador). Já ijapyre-pyre’i se traduz como filho caçula ou um pedaço de alguém ou de algo.
  • 4
    Além de nhe’ẽ, o termo ayvu também é usado para se referir à linguagem compartilhada entre humanos e seus parentes divinos (Cadogan, 1997 [1959]; Schaden, 1962; Ladeira, 1992). Para uma discussão das diferenças entre nhe’ẽ e ayvu, ver Testa (2018: 162-166).
  • 5
    Quando um bebê nasce no hospital, a mãe às vezes traz a placenta de volta à aldeia para que possa ser enterrada adequadamente.
  • 6
    A alma volta para seu lugar de origem celeste, enquanto o corpo é cuidadosamente guardado sob o solo.
  • 7
    Uma versão inicial das informações abordadas nesta seção foi apresentada na VIII Reunião de Antropologia da Ciência e da Tecnologia, em novembro de 2021, no Seminário Temático “E pur se muove! Novas tecnologias de parentesco: a ressurreição de um campo”. Agradeço às/aos participantes do seminário os comentários e sugestões, especialmente Márnio Teixeira-Pinto, Carlos Eduardo Ferreira, Álvaro Junio P. Franco, João Dal Poz, Diego Villar, Lorena Córdoba, Pablo Sendón, Edmundo Peggion e Marcio Silva. Agradeço também a Antonio R. Guerreiro Jr. a discussão desses dados, durante minha pesquisa de pós-doutorado “Dinâmicas de troca e mobilidade: Parentesco, política e xamanismo entre os Guarani Mbya”, supervisionada por ele na UNICAMP.
  • 8
    Neste texto, utilizo os termos “cacique” e “rezador(a)”, em referência aos chefes políticos e religiosos, respectivamente, empregando o mesmo vocabulário frequentemente adotado pelos Mbya para traduzir termos como: tamoĩ, karai, jaryi, kunhã karai (os dois primeiros referem-se a rezadores masculinos, enquanto os últimos às rezadoras) e tuvixa (usado para designar lideranças políticas principais). Sobre a proliferação de termos e suas controvérsias, ver Testa (2018) e Cariaga (2019).
  • 9
    O texto “Apontamentos sobre os Guarani” foi traduzido do alemão e publicado por Schaden em 1954. Nas referências a este texto, cito a reedição organizada por Barbosa e Chamorro (2013) que reproduz as notas originais de Nimuendaju e Schaden, acrescidas de novos comentários.
  • 10
    Assim traduzido do alemão “medizinmänner”, por Schaden.
  • 11
    Em contraste, por exemplo, com Montoya (2002 [1640]), cujo Vocabulario de la lengua guaraní reproduz uma corte europeia completa, com rei (mburuvichavete), rainha (mburuvichavete rembireko), príncipes (mburuvichavete ra’y), princesas (mburuvichavete rajy) e nobres (ñemoñãngatuháva).
  • 12
  • 13
    O ano de nascimento (entre 1870 e 2016) foi obtido para 60% dos indivíduos e estimado para 40% dos restantes.
  • 14
    Isso, considerando a data de 2016 para as pessoas vivas. No caso dos mortos, informações coletadas a seu respeito, por meio de entrevistas e consultas a outras etnografias, indicam que só passaram a ser reconhecidos como chefes ou lideranças auxiliares quando atingiram a idade adulta, o que frequentemente coincide com o casamento, como veremos adiante.
  • 15
    Assim como a liderança política de uma aldeia se distribui entre um(a) chefe principal e seus auxiliares, atividades xamânicas também são exercidas por várias pessoas. Neste texto, o foco se restringe a pessoas reconhecidas como lideranças religiosas principais (rezadores/as), lideranças políticas principais (caciques) e lideranças políticas auxiliares.
  • 16
    As informações sobre o exercício da chefia em cada aldeia referem-se aos seguintes períodos de pesquisa de campo: Ytu (2001-2016), Krukutu (2009), Boa Vista (2006), Tapixi (2006), Pinhal (2009 e 2013), Parati Mirim (2004-2011), Mamanguá (2009), Três Palmeiras (2016) e Piraque-açu (2016). No caso de Boa Esperança, além da pesquisa de campo realizada em 2009 e 2016, também utilizei dados publicados por Ciccarone (2001).
  • 17
    Para as posições genealógicas, utilizo, em parêntesis, o sistema de notação em inglês, precedido pela tradução extensa em português. Assim, S = Son, B = Brother, e assim por diante.
  • 18
    Segundo a terminologia mbya, os dois primos são classificados como irmãos.
  • 19
    O trecho entre aspas é de uma carta de Pe. Manuel da Nóbrega (1549), em que cita a resposta de um xamã ao ser perguntado de onde acreditava vir seu poder.
  • 20
    As lacunas de informações sobre paternidade e maternidade concentram-se entre pessoas mortas há bastante tempo. Além disso, há 7 casos em que só foi possível determinar o pai ou a mãe do indivíduo.
  • 21
    A distinção por sexo de Ego revela que, das 53 lideranças femininas, 32 (60%) são filhas de lideranças e, dos 112 homens líderes, 59 (53%) são filhos de lideranças.
  • 22
    Para comparar chefes políticos e religiosos principais, foram excluídas do recorte pessoas que acumulam os dois papéis.
  • 23
    Este número exclui 38 indivíduos contemplados na análise da transmissão de chefia de G+1 para Ego, porque, embora seja possível identificar pai e mãe, não foi possível identificar nenhum parente na G+2.
  • 24
    Os dois autores não apenas descrevem o casamento como condição da chefia, mas dão destaque à poliginia. No caso dos Mbya, ouvi vários relatos sobre poliginia e poliandria, sobretudo, entre chefes, mas pude confirmar apenas 6 casos, ou seja, cerca de 1% do total de 542 casamentos registrados.
  • FINANCIAMENTO:
    Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo FAPESP nº 15/16902-9); Agence Nationale de la Recherche (Processo AMAZ - ANR 17-CE41-0013).

Editado por

  • Editor-Chefe: Guilherme Moura Fagundes
  • Editora-Associada: Marta Rosa Amoroso
  • Editora-Associada: Ana Claudia Duarte Rocha Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2023
  • Aceito
    15 Mar 2024
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